As Prattis escrita por fdar86


Capítulo 29
[Capítulo 28]




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Já passavam das 22h daquele estranho sábado onde teria presenciado uma épica discussão familiar, quando Jéssica recebera uma mensagem por debaixo da porta, escrita à mão, e pedindo que ela comparecesse em 10 minutos no estábulo do casarão Prattis.

Era Angelina, e dissera também que elas precisavam conversar. Estranhara o gesto, diante de tanta insistência da jovem em evita-la desde que teriam terminado, mas decidira ir assim mesmo.

Alguns minutos depois, Jéssica esgueirara-se pelos corredores do casarão, silenciosamente, para não atrair a atenção dos demais que mantinham-se reclusos em seus quartos, com péssimo humor desde o que acontecera naquela manhã, mas que certamente já deveriam estar dormindo naquele momento. A morena seguira pelo jardim até o estábulo, e observara as luzes totalmente apagadas. Claramente não teria ninguém lá ainda.

No entanto, assim que abrira a porta, notara uma pequena área de canto armada, bem no fim da estrutura, iluminada à luz de velas, que permitira a visão de uma conhecida barraca de camping preta de detalhes laranjas montada, que possuía pequenas avarias no poliéster por causa da idade. Aquela barraca lhe trouxera memórias tão boas, e vívidas, que a jovem caminhara até Angelina com uma expressão mais suavizada no rosto.

 

~~~~~ Flashback on ~~~~~
5 anos atrás.

Em comemoração ao aniversário de 18 anos da irmã, Gabriela teria lhe comprado uma barraca de camping, e a jovem não via a hora de experimentar seu presente que seria dormir fora de casa e sentir-se independente pela primeira vez em sua vida.

Mônica, logicamente, fora completamente contra à ideia, agravando-se mais o fato de Angelina, em seus 16 anos – menor de idade -, insistir no desejo de acompanhar Jéssica em sua aventura. Gerara daí uma semana de birras e discussões entre os membros da família Prattis, inclusive conflito com as mais velhas, até que Mônica, exausta, decidira abrir para negociação a suposta saída da dupla.

Assim, autorizara que elas colocassem a barraca de camping em qualquer lugar desde que fosse dentro do terreno da família Prattis – que é enorme –, onde possuíam um sistema de segurança eficiente, e as garotas não correriam perigos de nenhum tipo.

Enfim chegara o fim de semana em que elas dormiriam fora de casa, e Jéssica parecia ser a mais ansiosa. Sempre quisera acampar, era como um sonho a se realizar, e sentira-se intimamente feliz em ter a companhia de Angelina para compartilhar o momento, que além de família, era sua melhor amiga.

Definiram o local mais distante que puderam encontrar da casa principal, e como ainda eram inexperientes no assunto, aceitaram o auxílio das irmãs na montagem da barraca, e elas também providenciaram os tipos de alimentos e materiais que as jovens deveriam levar para o acampamento. Jéssica levara a pick-up até a localização delas, com todos os itens necessários armazenados na caçamba.

Sozinhas, após chegarem no local às 11h da manhã de sábado, as duas logo adaptaram-se à provisória realidade isoladas do mundo, em que passariam o primeiro fim de semana separadas do leito familiar, com a família proibida de visita-las segundo o acordo que negociaram com Mônica.

As jovens fizeram tudo ao seu gosto. Posicionaram a barraca de frente à melhor vista e insulado entre árvores, e arrumaram as caixas de isopor térmicos para camping, ao lado da tenda de poliéster, que cabia 2 pessoas confortavelmente lá dentro. Colocaram suas mochilas, travesseiro e jogos de cama que teriam trazido, e finalmente estavam prontas para curtir o fim de semana diferenciado.

Muitas horas de conversas depois, e já no outro dia, as duas ainda conversavam deitadas sobre a caçamba da pick-up, que teria sido aberta por Jéssica, para que elas pudessem apreciar melhor o nascer do sol, sentindo a suave brisa da manhã que acariciava seus cabelos, e renovava a alma.

— Você pensa em sair daqui, para morar sozinha? - Perguntou Angelina, de repente, após um estranho minuto de silêncio, contrastado à longa e variada listas de assuntos que já teriam sido proferidos.

— Não sei. Talvez. Por que, você pensa? - Perguntou, encarando-a em súbita curiosidade.

— Ás vezes, sim. - Disse a mais nova dando ombros, embora sua voz transparecesse tristeza por considerar sair dali. – Se você for você me leva?

— Claro. - Respondeu Jéssica, de imediato, sorrindo abertamente em resposta.

— É sério! - Riu, embora fuzilasse a mais velha com o olhar mostrando-a que falava de verdade, e Jéssica parou de sorrir, observando-a continuar o discurso - Se eu nunca conseguir um marido, e me tornar uma solteirona, eu gostaria de morar para sempre com você. - Pediu, e Jéssica sorriu novamente, dessa vez à boca fechada. Sentira a emoção tomar conta de si diante de tal manifestação de carinho.

— Eu também gostaria de morar para sempre com você. - Respondera a jovem, e desviara o olhar de repente, sentindo-se atipicamente tímida. Jamais teria se sentido daquela maneira com Angelina antes. No entanto, lhe parecera normal aquele tipo de pensamento, afinal a mais nova sempre fora sua companhia preferida para passar os dias. - Lidar com garotos às vezes é tão chato. Por essas e outras que é bom fazer parte de uma família com tantas mulheres. - Jéssica continuara, com sinceridade, lembrando-se do total desinteresse que sempre tivera em conhecer garotos de sua idade, e se relacionar amorosamente. Até tentaria, mas nunca encontrou alguém que gostasse.

Angelina olhou para o céu, reflexiva. Concordava em parte com as palavras de Jéssica, pois é claro que amava sua família, mas ao mesmo tempo sentia-se tão presa. Tantas tradições e regras estabelecidas há tantas gerações atrás, tendo que ser cumpridas à risca, por causa de Mônica. Todas as suas outras irmãs mostravam-se mais maleáveis, no entanto a mais velha...

Lembrara-se imediatamente do que acontecera por causa do acampamento, e toda a revolução que tiveram que fazer para serem ouvidas, e conseguir que a outra ao menos negociasse uma permissão. Isso era triste. Às vezes observava em Luísa, que já teria atingido à maioridade penal, as mesmas tentativas de controle e a consequente sensação de prisão compartilhada pela irmã. No fundo, Angelina simplesmente queria sentir-se como uma garota normal. E a pessoa com quem sempre sentira-se mais confortável fora a Jéssica. Era como se ela a entendesse de alguma forma misteriosa, captando coisas no ar, muitas vezes nem precisando pronuncia-las.

— Você é a minha pessoa favorita, você sabe, né? - declarara inesperadamente, e Jéssica a olhara novamente, sentindo a voz esvair-se por um instante, enquanto comovia-se com aquelas palavras. E os olhos de ambas marejaram reativos àquele momento.

— E você a minha. - Dissera, enfim, após longos segundos de mudez generalizada, enquanto dava-se conta do quão verdadeiro lhe pareciam aquelas palavras.

A jovem nunca teria tido um vínculo tão intenso com alguém, como sentira com Angelina. Sempre lhe parecera tão pouco tentar ajusta-la na categoria irmã, e nunca soube explicar a si mesmo o porque. Por que as outras Jéssica considerava como irmãs, mas Angelina não? O que ela tinha de tão especial que causava tal diferenciação do seu subconsciente?

De repente, Angelina lhe abrira um amplo sorriso, e dera, em seguida, uma leve mordiscada no lábio inferior, ao mesmo tempo que movimentava os cabelos loiros lisos de lado com um singelo toque de mãos. Jéssica observara analiticamente, cada detalhe de cada reação , estudando-os de maneira tão precisas e profundas, que levou a morena a fotografar aquela imagem apenas com o poder da mente, emoldurando no coração um quadro semelhante àquela beleza observada.

— Você é linda. - Elogiara Jéssica sem perceber, e Angelina sorrira, tímida, mas feliz, em resposta. Instantes depois, assim que notara o que teria feito, a morena ruborizara bruscamente, e disfarçara. - Tinha que ser minha irmã mesmo. - E, estranhamente, essa fora a primeira e única vez que Jéssica usara a expressão irmã para definir Angelina. Mas aquilo apenas evidenciava o tão forçado que lhe pareceram suas próprias palavras, e o quanto elas aparentavam estar erradas.

— Sabe, é meio estranho pra mim te chamar de irmã, deve ser porque a gente não discute nunca, e eu discuto com as minhas o tempo todo - Comentara Angelina, inocentemente, enquanto Jéssica continuava sentindo o pequeno desconforto com o peso de suas próprias palavras, que a menor parecera não ter percebido ou dado importância. No entanto, para a mais velha os últimos segundos traduzidos em palavras e olhares, retornavam à sua mente impacientes, expondo uma verdade crua, assustadora e totalmente inesperada, que fizeram Jéssica sentir um desejo íntimo e avassalador de continuar sem conhece-la. Ela estaria gostando de Angelina, e não era um gostar de irmã, era algo completamente diferente do esperado.

~~~~ Flashback off ~~~~

 

Tempo atual. Estábulo do terreno Prattis.

 

— Como você....? - Perguntara, apontando para a barraca visivelmente aturdida, e Angelina a interrompera traduzindo suas dúvidas em palavras.

— Pedi a Sra. Perez que a tirasse do sótão porque nós duas estávamos pensando em acampar amanhã... - Dissera, com um sorriso amarelo, que garantira em Jéssica o mesmo gesto como resposta.

— E nós estamos? - Jéssica perguntara, ligeiramente confusa.

Uma proposta do tipo lhe parecera bem estranha de se considerar, haja vista o histórico recente do relacionamento delas. Teriam terminado um namoro, que havia deixado a amizade delas bem abalada, e por isso passaram uma semana fugindo uma da outras, evitando momentos constrangedores. Então, em que fantasia alucinada e caótica um acampamento há dois faria sentido naquele momento?

Ademais, a simples ilusão à um acampamento parecera ainda mais absurdo diante do peso e significado que aquele dia, de tantos anos atrás, possuía sobre a mais velha, já que fora a primeira vez que Jéssica dera-se conta dos seus sentimentos pela mais nova, e teria sido o período em que começara a afastar-se de Angelina, e evitar passar muitas horas à sós com ela, a exemplo do esconderijo delas que parara de frequentar.  

Porém, antes que Jéssica pudesse reunir todos os pensamentos e elaborar um discurso desmotivador à possível sugestão de Angelina, a mais nova se aproximara, e tocara na mão esquerda da morena, atraindo toda a atenção dela para si, instantaneamente.

— Eu não quero continuar mentindo pra mim mesma. Eu não quero ter que fingir que não sinto tudo o que eu sinto por você...

Jéssica a observara em silêncio, sem saber o que dizer. Ela estaria arrependida de terminar? Depois de uma semana ignorando-a?

— Por favor me perdoa por ter sido covarde. Por ter terminado com você. Por ter fugido de você todos esses dias. Eu nunca fui tão feliz como quando estava com você.

Finalmente conseguindo reagir ao bombardeio emocional que sentira com tamanha declaração - que por alguma razão lhe parecera ofensiva -, Jéssica soltou sua mão da de Angelina.

— Você acha que é assim? Que você termina, depois me procura e que vamos simplesmente voltar atrás? E que a última semana não existiu? - Dissera, e Angelina a encarara com legítima surpresa no olhar. De fato não esperava tal atitude. Não naquele momento. Não depois daquele gesto surpresa.

No entanto, a mágoa era evidente nos olhos da mais velha, que afastara-se um passo de Angelina como se necessitasse de uma distância segura daquela presença que tanto a atraía e a perturbava. 

 

— Você terminou comigo na primeira razão de perigo, Angel. Nem esperou pela reação da Gabriela, nem ao menos tentou falar com ela pra saber em que terreno estávamos pisando. Nem sabia se ela tinha realmente entendido sobre nós, por deus! Você simplesmente desapareceu o dia todo, pensando apenas em você, e depois terminou comigo.

— Eu fui covarde. - Admitira em voz baixa, enquanto notava nos olhos de Jéssica a mágoa que transparecia de dentro de si. Aquilo lhe cortara o peito profundamente.

— Sim. Foi. - Concordara, seguindo de uma aflita pausa em que as duas garotas apenas se encararam emudecidas, decidindo o que fazer - E eu não sei se quero correr o risco de passar por isso mais uma vez. - Concluíra Jéssica, girando o corpo na direção da saída, mas Angelina cortara seu movimento abraçando-a, de repente, pelas costas.

— Eu amo você. Por favor, Jes. Não faz isso, não desiste de mim. Eu sinto tanto a sua falta... Preciso de você aqui. 

— Eu moro na sua casa, Angel. Por mais que eu quisesse, você não ficaria sem mim. 

— Você sabe o que quero dizer. - Dissera, acariciando os cabelos ondulados castanhos escuros afastando-os propositadamente da orelha, e aproximara-se da região, fazendo com que sua voz soasse mais provocativa ao ouvido de Jéssica, que suspirara reativamente àquele contato. - olha pra mim. Jes, por favor olha pra mim.

Desesperada em manter aquela voz rouca longe do seu ouvido, Jéssica acatou o pedido e girou o rosto o suficiente para olhá-la, permanecendo com a face um pouco de lado. Dessa vez, Angelina aproximou seu rosto da bochecha da jovem e a beijou suavemente, passeando em seguida com os lábios abertos pela lateral do rosto da morena, bem devagar, sentindo a pele suave e de fragrância floral que tanto ansiara, e que tanto a seduzia. 

O hálito fresco e o calor sentido por Jéssica durante todo o gesto, fora o suficiente para tirar todo o ar da garota, que virou o rosto na direção dos lábios de Angelina, totalmente rendida, buscando-os com intensidade, ávidos de saudade.

Minutos depois, sem sequer darem-se conta da sequência alucinante dos fatos, Angelina deitara sobre Jéssica na barraca, afoita em seus voluptuosos toques, após as roupas terem sido retiradas instantes antes, peça por peça, jogadas no canto sem a menor importância naquele momento.

Por alguma razão bem irônica, mesmo sem jamais terem conversado sobre assuntos do tipo, Angelina sempre soube exatamente como tenta-la, produzir sensações diferentes e incita-la a tomar atitudes, talvez por ser completamente onisciente do fascínio avassalador que sempre fora capaz de acarretar na outra.

O mais estranho nisso tudo era: Por mais que o tempo passasse, ou por mais magoada que estivesse, pela sombra da dolorosa rejeição seguida de um brusco afastamento que sofrera, e por mais que pressentisse um futuro abandono – talvez consumida pelo medo –, aquele desejo não parecia querer cessar.

Como pudera pensar que conseguiria resistir àquilo, que embora robusto, sempre parecia se esgueirar pela sua mente, de alguma forma deixando-se levar até sua alma?


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