Vestida para Matar escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!

Publicar este capítulo hoje, com um ano de atraso, pode ser considerado um milagre de Natal.

Eu acrescentei algumas cenas em relação à one-shot. 

Espero que gostem...

❤❤



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Autografar livros é uma das coisas mais excitantes para nós autores. Conseguimos conhecer quem admira nosso trabalho, compartilhar ideias e dar um impulso óbvio aos nossos egos.

Mas, agora que estou preocupada com a reaparição indesejada do Marvel no auditório onde fui entrevistada – e com seu sumiço repentino –, começo a reconsiderar se é uma boa ideia ficar parada em um só lugar como um alvo fácil.

Ainda nem me aproximei da mesa reservada para assinar os livros dos leitores e minhas costas já estão doendo por causa da tensão. Estou ficando mais do que inquieta, enquanto observo com desespero a enorme fila se formando.

Peeta se aproxima de mim, trazendo a loira que estava com ele na porta da cafeteria – a mesma que se espantou com a cena que protagonizamos no palco há alguns minutos – e, ao que tudo indica, tem a intenção de me apresentar a ela.

Respiro fundo e ajeito minha postura para não parecer ainda mais abalada com quem quer que ela seja... Sua pretendente, namorada, noiva?

Os dois já estão a poucos passos de mim e minhas bochechas estão doloridas por causa do sorriso que estou mantendo congelado, junto com minha respiração presa, mas Primrose os intercepta antes que me alcancem.

Minha irmã segreda algumas palavras no ouvido de Peeta e ele faz sinal para a loira esperar ali onde está.

Logo percebo que eles têm algo importante a dizer antes de eu começar a autografar os livros dos fãs.

— Katniss, se o Marvel aparecer aqui e tentar falar com você, vá direto para o seu camarim – adverte Primrose. — Não importa o que ele diga ou faça.

— O que está acontecendo, Prim? – questiono.

— Você já vai descobrir e vai agradecer por eu ter convencido você a estar vestida para matar. Eu não imaginava que você fosse arrasar tanto no palco! – exclama minha irmã, acotovelando Peeta e piscando exageradamente pra mim. — Aliás, vocês arrasaram.

— Ah, obrigado, Primrose – agradece Peeta, mais do que sem graça.

Prim sai depressa, deixando um Peeta bastante encabulado à minha frente.

— Sobre o que aconteceu lá no palco... – Peeta começa a falar, tão embaraçado que nem me encara, apenas relanceia os olhos em direção à loira, que está a alguns metros de nós.

— Foi uma ótima brincadeira! – corto depressa.

Não quero ouvir o que ele tem a dizer sobre o fato de a loira ter nos olhado com tanto espanto. Já foi humilhação suficiente dar tanta bandeira da minha paixonite por ele.

— Ah, sim... Isso mesmo. Uma brincadeira. Um excelente exercício de improvisação. Nada demais, né?

— Nada mesmo – confirmo com ar leve, apesar de querer dizer exatamente o contrário.

— Você também é boa no improviso.

— O figurino me ajudou a incorporar a personagem.

— E como ajudou! Como disse Primrose, você está... – Peeta dá outro relance envergonhado em direção à loira, para depois olhar pra mim. — Vestida para matar.

— Acho que essa é a explicação, pois eu não gosto nem de falar em público, quanto mais representar – confesso. — Na maioria das vezes, a recompensa não vale o preço do constrangimento.

— Você acha que foi o caso?

— Eu não estou arrependida, pois foi muito divertido! Como eu disse, isso acontece na maioria das vezes. Hoje foi uma exceção – explico e ele sorri, com as bochechas vermelhas. — Mas quero que saiba que não quis passar uma ideia equivocada, especialmente sobre nós dois...

— Foi tudo uma encenação? – indaga ele, com um tom um tanto decepcionado na voz.

— Tudo. Tudinho... Se bem que você merecia ser assassinado cruelmente, por ter aprontado essa comigo.

Ele sorri de lado e balança a cabeça.

— Eu gostaria de apresentar a você... – Peeta aponta para o lado, na direção da loira, que dá um passo à frente, porém Effie anda apressada por entre eles, agarrando-me pela mão.

— Já está tudo pronto para a manhã de autógrafos. Vamos! Não queremos que se atrase! – ordena ela, enquanto me arrasta até o local preparado com pilhas e pilhas de livros meus.

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Eu sempre me esforço para dar a máxima atenção aos meus leitores, mas a apreensão sobre a expectativa de me deparar com Marvel me obriga a desviar meu olhar ao redor algumas vezes. E, em muitas dessas vezes, meus olhos se deparam com Finnick e Annie cada vez mais próximos, com Prim e Effie exercendo com maestria o papel de organizadoras do evento e, para minha decepção, com um Peeta muito animado em longas conversas com aquela loira, que não sai de perto dele. De muito perto.

Ela só dá uma trégua quando ele se aproxima de mim, interrompendo por uns minutos a fila de autógrafos para me entregar um copo d'água.

Depois que bebo um gole do líquido, devolvo o copo a Peeta, que segura a minha mão.

— Eu sei que você preferia um café, Katniss – sussurra ele e, antes que eu possa admitir com palavras, ele prossegue, pressionando suavemente meus dedos. — Não se esqueça do aviso da sua irmã. Se o Marvel aparecer, vá em direção ao camarim – diz seriamente e noto com apreensão a transição no seu tom de voz. — Primrose acha que há mais chances de ele reaparecer, se nenhum de nós estiver por perto. Preciso ir.

— Mas eu não quero que ele volte!

Minha frase fica solta no ar, enquanto assisto Peeta se afastar e, depois, aos meus amigos e Prim abandonando um por um o auditório 12.

É terrível não saber o que está acontecendo. No entanto, preciso atender aos leitores que ainda estão na fila.

A última a ser atendida é uma jovem muito comunicativa e empolgada, que se apresentou como Delly. Estou prestes a lhe entregar os exemplares dos livros, após deixar registradas neles minha dedicatória e minha assinatura, quando ela animadamente torna a falar:

— Eu vivo mergulhada no mundo dos livros. Como você. Seus personagens são tão genuínos e têm tanta personalidade. Depois de ver sua entrevista, acho que eles são como um espelho seu.

— Cada personagem tem mesmo um pouco de mim. Mas, na verdade, nós autores não somos os personagens que queremos ser. Somos os personagens que somos.

— E você, Katniss, é... – continua Delly.

Cheia de facetas. – Uma voz masculina interrompe a garota.

Eu estava tão envolvida na conversa com ela, que não reconheço de imediato o timbre detestável.

Desvio a atenção para o homem que interrompeu o diálogo e me assusto, quando Marvel se materializa à minha frente.

Entrego os livros autografados para a leitora com um sorriso, que se desmancha quando Marvel volta a falar.

— Eu achei que conhecesse todas essas facetas, mas ver você hoje no palco me mostrou o quanto alguém pode apelar pra ganhar um pouco de notoriedade... Das mais negativas, se é que isso importa pra você.

— Você deveria se olhar no espelho com mais frequência, se está buscando alguém que joga sujo pra ganhar notoriedade.

— Está muito cheia de si pra alguém tão... insegura. Sempre foi fraca e dependente – sentencia ele, com uma suavidade que contradiz a ofensa em suas palavras.

Sinto o leve ardor nos olhos e no nariz que, em situações anteriores vividas com Marvel, precedeu muitas lágrimas. No entanto, não vou permitir que isso aconteça hoje.

— Seres humanos não são ficção – continua ele, com uma carga ainda maior de arrogância, na tentativa de me desestabilizar. — Você não consegue manter na vida real aquela altivez toda que demonstrou na entrevista. Por isso, vou fazer uma proposta irrecusável.

Eu me lembro do conselho de Prim sobre ir em direção ao camarim. Meu cérebro se empenha em convencer minhas pernas a se moverem para fora dali depressa.

Costuro um caminho por entre as pessoas e tento ignorar os comentários sobre minha performance no tablado, que apenas servem para aumentar minha vontade de fugir, por mais que sejam bem-intencionados.

Consigo senti-lo em meu encalço, mesmo quando estou quase chegando à porta do camarim.

— Kat! Minha K. J. Só quero que me escute! – A voz dele agora soa tão humilde que me sinto tentada a me virar para fitá-lo e aplaudir sua atuação, mas não o faço. — Aquilo que falei agora foi uma brincadeira... Motivada por ciúme.

A súbita mansidão deve ser pelo fato de eu sequer querer ouvi-lo.

Mantenho-me firme em meu objetivo de me afastar e continuo andando, até que alcanço a maçaneta. Nesse instante, Marvel segura minha mão, impedindo-me de abrir a porta e obrigando-me a encará-lo.

— Com licença? – reclamo, meus olhos cravados nos dedos dele em minha pele.

Quando olho para Marvel, eu me recordo de tudo o que conquistei, não com a ajuda dele, mas apesar dele. Sempre me senti envergonhada demais por ter permitido que ele fizesse o que fez comigo.

No entanto, não estou envergonhada aqui, no corredor, encarando-o diretamente, após ter recebido meu mais novo prêmio por meu trabalho como autora.

Sinto raiva. Sinto-me aviltada por suas ameaças. Como se eu pudesse plagiar algo que eu mesma escrevi!

— Marvel, eu só quero paz! Você pode ficar com seus textos rebuscados e desconectados do leitor. E com todas as personagens intelectualóides com cheiro de tabaco, que infelizmente verbalizam algumas das minhas melhores frases!

— Calma. Só preciso falar com você – diz ele, com uma voz terna e dissimulada. — Não vai demorar.

De repente, minha horda de amigos e minha irmã nos cercam no corredor.

— Então, fale. – A voz de Johanna é mais uma ameaça do que uma permissão.

— É – diz Prim, encostada na parede. — Vai falando logo.

Marvel parece achar que vou expulsá-lo, mas agora estou mesmo a fim de escutar o que tem a dizer. Pondero somente sobre deixá-lo lidar depois com a Johanna, que é uma amiga maravilhosa, mas é também difícil e desagradável, especialmente quando não vai com a cara das pessoas. E ela nunca gostou dele.

— Pode falar – autorizo, soltando minha mão do aperto dele.

— Está bem... – Marvel arranha a garganta. — Eu vim dizer... dizer à Katniss... – Ele olha para mim —, que meu texto "Intervenção Hanging Tree" foi selecionado para ser publicado no concurso literário de maior prestígio entre as universidades do país. É uma honra incrível para um autor.

Seu texto? Parabéns. Espero que seja um sucesso – ironizo, sentindo-me usada mais uma vez.

— Muito obrigado – agradece Marvel. Cínico. — É só que... Bem... Há um problema. A professora Paylor, ela, hum... – Ele olha ao redor do corredor, agitado, depois solta um suspiro exasperado. — Ela sabe que você me ajudou com a escrita, e achou que seria interessante se dividíssemos o crédito.

— Ah! Ela achou interessante? – pergunto.

— É um concurso importante – insiste Marvel. — Seu nome como coautora vai até aparecer primeiro, pode deixar. Vou colocar em ordem alfabética.

— Que meigo – zomba Johanna.

Marvel ri, sem graça, parecendo confuso e incomodado.

— Então, o que acha? Tudo bem? Posso dizer à Paylor que está tudo certo?

— Não sei – hesito propositalmente. — É só que... Depois de tudo, não sei se me sinto confortável.

Ele pressiona os olhos verdes de um modo nada amistoso.

— Você precisa concordar, Katniss. Essa é uma grande oportunidade. Eu quero muito isso.

— Então, vá em frente. Não precisa dividir o crédito comigo.

Marvel finge tranquilidade, mas seu maxilar se retrai ferozmente.

— Não posso – rosna ele entre dentes. — A professora Paylor disse que só será publicado, se for com os dois nomes. Por favor... Katniss, minha K. J.

O corredor fica silencioso.

Johanna olha para Marvel como se já estivesse brandindo um machado afiado no ar.

Prim dá alguns passos para ficar ao meu lado. Seu semblante emana desprezo.

Peeta, Finnick e Annie se aproximam e sorriem de modo encorajador pra mim.

Penso no texto que Marvel quer inscrever no concurso, revivendo tudo de mim que coloquei em sua elaboração.

Apesar disso, repudio a ideia de aparecer ao lado dele numa publicação, ou entre as prateleiras de uma livraria ou biblioteca.

— Sinto muito, mas não quero crédito nenhum. Não com você – desdenho. — A história é sua. Foi você quem "registrou" – enfatizo a última palavra, fazendo o gesto de aspas no ar.

— Não acredito nisso! – irrita-se ele, cerrando os punhos. — Não posso deixar escapar essa chance.

— Você vai ter outra oportunidade. É um ótimo escritor, Marvel – digo, querendo sinceramente que fosse verdade. — Não precisa de mim.

— Já perdi minha vaga na especialização em Escrita Criativa. Cancelaram meu painel de divulgação nessa conferência estúpida. Tudo por sua causa!

Peeta dá um passo para perto de mim.

Primrose abre a porta do camarim, por onde Annie e Finnick entram, e Johanna passa por Marvel, esbarrando no ombro dele.

— Foi um prazer conhecê-lo – cumprimenta Peeta, de um modo nada sincero. — Mas já pode ir embora, pois tenho a ligeira impressão de que a Katniss já deu a sua resposta.

Marvel mantém a pose, como se ainda não estivesse convencido de que eu não aceitaria sua proposta. Quando percebe que não vou ceder, ele não contém a ira.

— Eu sempre quis proteger você. Jamais seria capaz de fazer você se vestir dessa forma. – Ele gesticula em direção à minha roupa. — Como uma desqualificada qualquer...

É mesmo difícil de acreditar que houve um momento, um breve segundo neste dia, em que eu tenha me sentido inadequada com esse figurino. Afinal, agora, mais do que antes, estou me sentindo ma-ra-vi-lho-sa nele.

— Eu sei quem sou, não importa o que eu esteja usando. E sei quem você é. Dentre todas as pessoas aqui, você foi quem menos me protegeu e quem mais me desrespeitou.

— Digo e repito. Você sempre foi muito ingênua. Ingênua e burra ao me dar acesso a todo o conteúdo que você escrevia.

— Infelizmente, eu tinha a péssima mania de confiar em você. Você era meu namorado e meu agente! Mas, como eu disse, você era... Não é mais. Adeus!

— Não quer mesmo se inscrever comigo? Pois, então, assuma as consequências de uma acusação de plágio! Porque eu levarei isso até o fim e vou rir muito quando, ao final de tudo, você for condenada por copiar de mim suas próprias ideias! – berra Marvel aos quatro ventos, ignorando qualquer discrição ao confessar seu crime.

Nesse momento, percebo a presença de Effie, que traz consigo ninguém mais, ninguém menos que a professora Paylor, acompanhada de Haymitch Abernathy, o professor de Escrita de Ficção Avançada.

— Pelo visto, como não conseguiu roubar mais nada dela, você será o eterno autor de uma obra só. – A voz potente de Paylor faz Marvel estremecer.

Quando ele se vira e se certifica de que Haymitch Abernathy ouviu tudo também, sua face perde a cor.

— É melhor dizer autor de obra nenhuma, porque ele não escreveu nada – brada Haymitch. — Por esse motivo, vou revisar todas as suas notas e reprová-lo em minha matéria. E, se Katniss autorizar, o livro que ela escreveu será republicado em todos os meios, com as correções necessárias e crédito exclusivamente dela. Sem esquecer que você responderá criminalmente por suas ações.

— Brutus, meu fiel escudeiro, está na hora de retirar um intruso das dependências da convenção! – ordena Effie e, com muita satisfação, o segurança leva Marvel embora.

A presença dos professores da Universidade e do próprio Marvel aqui me dão a noção de que tudo o que aconteceu foi um plano arquitetado pelos meus amigos para desmascará-lo.

— Sou muito grata pela ajuda de todos. Finalmente, eu me livrei desse pesadelo – agradeço.

— Ainda terá de volta os direitos sobre o que você escreveu – comemora Paylor.

Ela e Haymitch se despedem, prometendo tomar todas as providências para reparar o prejuízo causado a mim pelo uso indevido de uma obra minha, e Effie os acompanha até a saída.

Peeta permanece comigo no corredor, nos instantes em que se seguem, enquanto tento assimilar tudo o que se passou. Ele indica a porta do camarim com um movimento de cabeça e assinto. Sou a última a entrar.

Quando fecho a porta atrás de mim, a conversa que acontecia entre os meus amigos e minha irmã para, como um rádio sendo desligado. Eles aguardam uma reação da minha parte.

Tampo meu rosto com as mãos e, aos poucos, através dos meus dedos, assisto cada um deles se aproximar de onde estou, num círculo protetor.

— Marvel é uma página virada – murmuro, jogando-me no sofá atrás de mim.

Todos suspiram de alívio.

— Essa aventura merece um livro – opina Johanna, para logo depois voltar atrás. — Se bem que esse Marvel merece o limbo.

— Já que é pra deixar pra lá o que aconteceu com esse indivíduo... Vamos à pergunta que não quer calar! O que foi aquela encenação lá no palco? – indaga Annie e eu sei o que está por trás de seu questionamento, já que ela presenciou na cafeteria meu diálogo ao telefone com Peeta.

— Eu posso dar a desculpa de que colocaram alguma coisa na minha bebida na lanchonete. E você, sendo a pessoa que me atendeu na cafeteria, melhor do que ninguém, poderia confirmar a versão de que eu ingeri uma boa dose de cara de pau e de desinibição.

Em seguida, eu me levanto, descubro meus ombros, antes escondidos pelo sobretudo, e saco mais uma vez a arma de brinquedo que está no coldre atado à minha perna.

Todos riem. Em retribuição, eu lanço um beijo sobre meu ombro direito.

— Você precisa ver a sua cara, Peeta! – aponta Finnick às gargalhadas. — Foi a mesma que você fez lá no palco. Aquela loirinha que você está paquerando ficou assim também quando viu a encenação de vocês.

— Não deem atenção a ele, pessoal – resmunga Peeta.

Tentando ignorar meus batimentos cardíacos acelerados, eu me recomponho, recolocando o sobretudo. Corro os olhos por todos os presentes e paro meu olhar na direção de Peeta.

— Você está bem? – pergunta ele, talvez enxergando em meu semblante que, apesar da postura brincalhona, ainda estou abalada com os últimos acontecimentos. E sorri.

Tão fofo. Fofo elevado à enésima potência.

— Estou ótima, melhor impossível, graças a vocês – asseguro. — Mas a verdade é que eu preciso ficar sozinha. Estou inspirada para escrever!

— Enfim, terminou esse bloqueio criativo. Eu sinceramente não entendo... Tudo que você precisa fazer é colocar uma palavra atrás da outra! – argumenta Johanna. — O único bloqueio que me impediu de escrever foi quando eu fiquei detida na delegacia, depois que invadi aquele museu para fazer pesquisa para um dos meus livros, lembra, Katniss? Mas foi só porque apreenderam meu notebook.

Finnick espalma a mão na própria face, enquanto as risadas dos demais se espalham pelo ambiente.

Recolho alguns dos meus pertences que haviam sido deixados no camarim e me preparo para voltar às minhas acomodações no hotel.

Todos olham para a maleta e a bolsa em minhas mãos.

— O que foi? – indago.

Prim me mede de cima a baixo.

— Você não vai se trancar no quarto desse hotel maravilhoso, num dia lindo desses, e só vai sair de lá quando terminar um capítulo inteiro, vai?

— Não. Eu não vou conseguir me trancar. Você tem a chave da porta.

Pisco pra ela e Prim revira os olhos em réplica.

— Então, já vou indo. Vou aproveitar meu momento de inspiração.

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Logo depois que saio do recinto, ouço a voz de Peeta.

— Katniss! Eu sei que quer ficar sozinha, mas posso acompanhar você no caminho até o quarto?

— Claro!

— É lógico que não estou pedindo para ir até o seu quarto, pois isso seria inadequado e...

— Eu entendi, Peeta. Não se preocupe – falo descontraída, tentando esconder a decepção. — Sei que não tem más intenções.

Mal sabe ele que eu tenho por nós dois, mas Finnick deixou bem claro a quem Peeta quer dedicar esse tipo de atenção. E não é para mim.

— Não mesmo. Minhas intenções são as melhores!

— Agora, vamos logo, pois estou ansiosa pra ligar o meu notebook, colocar as mãos naquele teclado e só soltar quando não estiver mais sentindo as pontas dos meus dedos – uso propositalmente uma voz sôfrega e apaixonada.

— Você descreve o ato de escrever como uma cena quente— aponta ele, trazendo à tona aqueles comentários ousados de nossa conversa mais cedo ao telefone.

Cena de amor, como você me ensinou.

— Sim... – Ele volta a ficar sério. — É nítido como você escreve por amor. Então, por que o bloqueio?

— Por causa das ameaças do Marvel. Do receio de ser processada por plágio. Ele realmente registrou o livro antes de mim... Se ele levasse isso adiante, seria muito provável que ganhasse a causa e que eu tivesse que me despedir das minhas obras.

— Você nos teria como testemunhas. Não seria tão fácil pra ele.

— Talvez, mas... O modo como tudo isso aconteceu manchou o meu "mundo mágico das palavras".

— Ah, sim! – Peeta gesticula de modo exagerado, como se narrasse a cena épica de um livro. — De repente, um vilão inescrupuloso deixou tudo destruído no “mundo mágico das palavras”, como um daqueles filmes com um cenário apocalíptico.

— Mas os meus heróis vieram me salvar!

Ele sorri, daquele jeito cativante dele.

— Você nunca me disse como descobriu esse "mundo mágico das palavras".

— Não é uma história tão interessante.

— Eu aposto que é. Deixe-me ser o juiz disso. – Ele pisca para mim, mas, ainda assim, continuo hesitando. — Vamos lá.

Deslizo as mãos no corrimão da escada que estamos descendo, estudando uma forma de escorregar por ele e escapar dessa revelação tão pessoal. Respiro fundo.

— Tudo bem, eu conto. Mas, se você rir de mim, eu juro que vou...

— Você acha que eu faria algo assim?

— Oh, sim. Você vai rir muito da minha história.

Peeta me lança um olhar firme.

— E isso seria tão ruim depois de um dia como esse?

— Acho que não. – Suspiro. — É apenas embaraçoso.

— Ok, eu prometo fazer o meu melhor para não rir. Agora, você vai me dizer? Por favor?

— Não vou dizer – nego e ele já faz uma carinha triste. — Vou mostrar.

Então, abro minha bolsa e pego minha carteira. De dentro dela, retiro cautelosamente o papel dobrado e bastante amassado, onde escrevi minha primeira poesia.

— Leia com carinho.

— Tudo o que eu faço por você é com carinho.

Quase me derreto. Quase, pois não tenho esse direito.

— E lembre-se que eu tinha seis anos de idade.

São uns versinhos curtos, com as letras irregulares de quem está aprendendo a arte da escrita, contendo alguns erros de grafia. Um poema para Prim, com referências a trocas de fraldas e sorrisos banguelas, com rimas pobres, mas engraçadas.

Peeta reprime um sorriso, não querendo que eu pense que já está rindo de mim. Um gentleman.

— Eu preciso bater uma foto desse poema. Sinceramente, isto aqui deveria virar um livro infantil. Palavra de editor.

— Você está quase me convencendo a escrever uns romances com cenas de amor... E agora um livro infantil?

— Pra você ver como é talentosa – afirma ele, olhando nos meus olhos, enquanto estende o papel para eu guardar novamente. — Então, esse foi o começo. E depois? Como você manteve essa vontade de ser escritora?

— Parece bobo, mas eu queria viver aventuras sem precisar sair de casa.

— Não há nada de bobo em querer isso. – Ele encolhe os ombros. — A maioria das pessoas passa a vida toda sem se aventurar, e muitas só conseguem isso nas páginas de um livro. Pense que é você quem está proporcionando esse prazer, fazendo-as imaginar como é o resto do mundo ou como são mundos que nem mesmo existem.

Eu solto o ar pelo nariz, refletindo em suas palavras.

— O que foi?

— Você se expressa de um jeito... Deveria escrever também – digo.

— Não sei se conseguiria. Escrever é como ser observado em um estádio lotado com o peito aberto e os pensamentos expostos. Mesmo se você já passou por isso centenas de vezes, ter alguém lendo seus textos é como pedir ao cara ao seu lado para ler sua mente. É brutal. Eu acho algo muito corajoso.

Nós andamos em silêncio. Um profundo silêncio. Obviamente, um fica esperando que o outro diga alguma coisa.

Passo a mão na ponta da minha trança e confesso:

— Logo depois que aprendi a ler e a escrever, eu fui a uma feira de livros e tive contato com a autora do meu livro preferido na época. Ali, eu tive a ideia de como seria ser uma escritora admirada. Um mundo incrível de possibilidades se abriu pra mim.

— E agora? Viver isso continua sendo incrível?

Eu assinto distraidamente. Tomo outro fôlego.

— É difícil explicar... Até essa confusão toda, esse meu mundo estava seguro. Meus amigos e minha família estavam sempre me encorajando. Eu escrevia para o jornal da escola e apenas assumi que meu sonho se concretizaria. Eu não era ambiciosa, mas tinha planos.

— Como o quê?

— A faculdade e, depois, um estágio em alguma editora, que me ajudasse a publicar meus livros. – Encolho os ombros. — Talvez até ganhasse um Pulitzer.

— Não era nem um pouco ambiciosa, não é? – aponta ele com ironia. Eu sorrio.

— Eu sei. Era uma ideia boba – admito em derrota. — Mas eu realmente acreditava nisso quando era mais nova.

— Não era uma ideia boba.

— Assim como não é uma ideia boba a de você escrever também. Eu adoraria ser o cara ao seu lado a quem você pediria para ler sua mente.

Ele estreita os olhos.

— Então, qual é o seu conselho para um escritor novato?

— Aceitar que eu seja sua editora?

— Isso nunca vai acontecer!

É uma coisa tão brusca para dizer que eu dou uma risada alta.

— Ah... obrigada por considerar minha proposta por alguns milésimos de segundo!

Peeta balança a cabeça algumas vezes e se coloca à minha frente, impedindo meus passos.

— Não me entenda mal. Eu jamais tomaria seu tempo como escritora para ser minha editora.

Há uma pausa e, então, eu digo:

— Então, sua recusa foi um elogio?

— Pode acreditar.

Meu sorriso é longo e lento.

Então, ele olha para um lado e para outro do corredor que leva ao saguão principal do hotel. Seus dedos encontram meu pulso e, sem pensar, eu troco a posição da minha mão para que nossas palmas se toquem. Um enxame de borboletas agita-se dentro de mim enquanto cruzamos rapidamente a área da recepção, desviando de uma hóspede que passeia com seu cachorro.

Meio sem fôlego, pergunto:

— O que houve?

Peeta ainda mantém minha mão na sua e me leva a um pequeno vão do hall de elevadores, ocultando-nos parcialmente.

Ele me puxa para perto o suficiente para que eu sinta o calor de seu corpo, então movimenta o queixo, apontando para o grande portal de entrada.

— Marvel estava saindo do hotel, carregando uma mala e acompanhado de Brutus.

— Oh! – Exalo e me viro para conferir que ambos estão atravessando a imensa porta pintada de dourado.

Meu semblante se transforma, refletindo o meu desgosto em revê-lo. Peeta percebe.

— Como está seu coração, Katniss? Afinal, Marvel foi seu último namorado e... – Peeta faz uma breve pausa e me encara com a expressão encabulada. — Não que você me deva alguma explicação sobre sua vida amorosa.

— Sem problemas. Quanto a esse aspecto da minha vida, Marvel não tem mais nenhuma interferência. Nem positiva, nem negativa. Mas, de qualquer forma, obrigada por se preocupar.

— Como você disse lá no camarim, romance na sua vida é mesmo uma página virada? Vou dar uma sugestão. Deixe essa página dobrada. Há livros que não queremos ler naquele momento. Então, dobre a ponta da página, para voltar a abrir, quando estiver pronta para ler.

— Mas meu livro está aberto! A página virada é em relação à minha história com o Marvel apenas.

— Ah, sim, claro... É que, do jeito que me respondeu ao telefone só porque mencionei a palavra "encontro", achei que não quisesse saber de nada do tipo tão cedo.

— Peeta, eu posso explicar. Eu falei daquele jeito com você ao telefone, porque...

— Não precisa explicar. Eu entendo e... precisamos ir – diz Peeta, após um dos elevadores se abrir.

Ingresso em seu interior contrariada, por mais uma vez não conseguir explicar o motivo do meu comportamento com ele ao telefone.

Aciono no painel o botão do andar do meu quarto e cruzo os braços. Outros hóspedes também entram atrás de nós, o que impede que eu retome o assunto.

Somos os primeiros a descer e Peeta não sabe que sentido tomar. Giro seu corpo para a direção correta.

— Por aqui.

Eu o conduzo pelos ombros até a porta e, quando chegamos em frente ao meu quarto, eu me pressiono levemente contra as costas dele para sussurrar:

— Este é o meu quarto e eu não gritei com você ao telefone.

Peeta inclina a cabeça para trás de modo que sua boca quase encosta no meu ouvido. Sinto a vibração de sua respiração deslizar pela minha espinha.

— Tecnicamente, sim, mas não precisa se explicar. – Peeta se vira pra mim e ensaia um cortejo antes que eu abra a porta. — Quero apenas que se sinta bem-vinda ao seu “reino do mundo mágico das palavras”, linda princesa.

Ele me observa com ar hesitante, mas não fala mais nada.

— Por que estou com a impressão de que você quer me confessar algo ainda?

— Talvez seja porque eu tenha tanta coisa pra dizer... E uma grande novidade pra contar. Mas não agora. Estou quase vendo as engrenagens funcionando com seu fluxo de ideias.

Ele faz mais uma reverência e segura minha mão para deixar nela um beijo.

— Aproveite seu momento de inspiração. Espero ter ajudado.

— Muito mais do que imagina.

— "Por você, faria isso mil vezes" – Peeta parafraseia um dos trechos de um dos livros mais emocionantes que já li. O caçador de pipas, de Khaled Hosseini.

Ele espera que eu entre no quarto e feche a porta. Permaneço de pé próxima a ela por mais alguns segundos e, só então, escuto seus passos se afastando.

Em meu coração, uma fagulha de esperança se acende. Estou mais do que pronta para voltar a escrever.

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Notas finais do capítulo

Em breve, publico o capítulo final e – quem sabe? – um epílogo.

Beijos!

Saudades!



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