Vestida para Matar escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 2
Capítulo 2




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Depois de dois livros publicados terem se tornado best-sellers, e ainda um terceiro em vias de ser lançado, estou num momento de bloqueio criativo. E minha dificuldade tem nome e sobrenome. Marvel Quaid.

Nós nos conhecemos na faculdade. Ele estava um ano à minha frente e ia bem em todas as matérias, exceto em Escrita de Ficção, ministrada pela Professora Paylor.

Ele passou raspando na disciplina e se prontificou a me ajudar nas minhas aulas no semestre seguinte, quando ele começou a estudar Escrita de Ficção Avançada.

Passávamos os momentos livres escrevendo juntos, dividindo o mesmo notebook e compartilhando senhas. E, depois, dividindo o mesmo alojamento e compartilhando lençóis.

Eu ia muito bem nas aulas de Escrita de Ficção. A professora Paylor me fascinava, como me fascina até hoje.

Ela é uma escritora maravilhosa e eu havia lido todos os livros dela muito antes de me matricular em sua matéria. Desde o primeiro trabalho que apresentei – um projeto ao qual eu me dedicava desde a adolescência, quando escrevia fanfics –, ela se prontificou a me ajudar a publicá-lo.

Já Marvel não ia tão bem na disciplina da turma mais adiantada.

Ele tinha um péssimo vício, que eu costumava chamar de "maldição do conhecimento", a qual quer dizer que, quando conhecia determinado assunto, era muito difícil para Marvel imaginar o que seria para outra pessoa não saber a mesma coisa. Não ocorria a ele que os leitores não conheciam seu jargão, não podiam visualizar a cena que ele tinha em mente ou ligar todos os pontos sem que fossem dados os passos intermediários, que eram sonegados, porque ele supunha que eram óbvios demais. Por causa dessa "maldição", ele não se dava ao trabalho de expor a lógica do seu raciocínio ou fornecer os detalhes concretos para a compreensão do que ele queria transmitir. A leitura ficava maçante, vazia. O leitor não se conectava.

Não nego que ele se esforçava, mas, por outro lado, não ouvia meus conselhos. Eu frisava que eram conselhos de leitora, não de escritora, pois eu era tão ou mais amadora que ele, porém Marvel era orgulhoso demais. Talvez seja ainda.

Eu o via se empenhando dia e noite para terminar seu projeto final para a classe avançada, porém, nas raras vezes em que me deixou espiar, percebi que não evoluía muito. Tanto é que ele só conseguiu terminar o texto no último dia do prazo e, por isso, não pude ajudar na revisão. Bom, isso foi o que ele me disse.

Nesse meio tempo, meus originais agradaram tanto a professora Paylor que, antes do fim do semestre, ela já havia me apresentado aos meus atuais editores.

Quando eu estava a ponto de publicar meu primeiro livro, Marvel se ofereceu para me agenciar.

Sem desconfiar das reais intenções dele, Paylor me incentivou a aceitar sua oferta, dizendo que ele podia não ser muito talentoso como escritor, mas se sairia bem como agente, por ter muitos conhecidos no meio.

Acreditando nos conselhos dele, não segui adiante com a editora indicada pela professora, mas com a editora comandada por Coriolanus Snow, opção de Marvel.

Antes da publicação do meu primeiro romance, temendo que garotos não se interessassem por um livro escrito por uma mulher, a Editora Snow exigiu que eu utilizasse apenas minhas duas iniciais e meu sobrenome para me identificar.

Passei a ser K. J. Everdeen e me comprometi por meio de um contrato a não revelar minha verdadeira identidade.

A ansiedade de ver nascer um livro escrito por mim me cegou a ponto de aceitar esse absurdo.

Enquanto isso, na faculdade, de modo surpreendente, Marvel tirou nota máxima em Escrita Avançada, assim como eu no módulo básico.

Eu estava muito feliz por ter a sorte de ter ao meu lado alguém que também sonhava com uma carreira como escritor e que finalmente estava se mostrando muito promissor.

Foi quando descobri a verdade, numa manhã em que a professora Paylor me encontrou nos corredores da Universidade.

— Posso fazer uma pergunta? – questionou ela. — Bem direta?

— Sim, professora. Sem rodeios. Como todas as perguntas que a senhora faz...

A mulher sorriu ante a minha sincera constatação, já que, de fato, ela nunca usa de meias palavras para dizer o que pensa.

— Você ajudou Marvel Quaid no projeto final dele? – disparou Paylor e o meu primeiro impulso foi negar com a cabeça, mas ela prosseguiu, sem se abalar com o meu gestual: — Haymitch Abernathy, o professor de Escrita de Ficção Avançada, ainda não conhece os textos que você escreve, apenas os dele. Mas eu conheço os textos de ambos.

Ela tinha nas mãos a sinopse do trabalho apresentado por Marvel ao professor da outra matéria.

O título era "Intervenção Hanging Tree".

Já estranhei esse nome, quase idêntico a um dos livros que eu havia escrito, com pequenas contribuições de Marvel. O meu se chamava "Operação Hanging Tree" e era o segundo de uma série de livros de suspense policial. O primeiro, "Operação Green Mockingjay", era o livro que estava prestes a ser publicado.

Li rapidamente as frases iniciais do papel que a professora me entregou, mas não precisei avançar muito.

Fitei o canto do teto e mordi o lábio inferior, sentindo uma onda de lágrimas subindo até meus olhos.

— Esse texto é meu. Eu escrevi essa série policial sem pretensões... Não sabia que algum dia seria publicada. Marvel apenas fez algumas colaborações. E, pela descrição da sinopse, transformou a heroína num herói, mudou o cenário e as datas...

— Foi o que pensei – disse a professora, gentilmente. — Eu só conseguia ler você. Encontrei características da escrita dele justamente nas piores partes.

Eu sabia bem do que ela estava falando. Os poucos trechos que Marvel me convenceu a incluir também não me agradaram muito.

— Eu... eu juro que não sabia, professora. Mas, pelo visto, ele apresentou uma obra minha. Quer dizer... Nossa.

Todo o meu corpo era tensão pura naquele momento.

— Eu sei que é praticamente sua. – A professora usava um tom calmo, sinal de que acreditava em mim. — O professor Abernathy ficou muito impressionado e me mostrou o trabalho. Percebi que o estilo do Marvel mudou um pouquinho desde o último semestre.

Quando fui confrontá-lo a respeito, Marvel me pediu desculpas e me explicou o quanto estava desesperado para ser aprovado numa das matérias mais importantes do curso.

Não foi fácil superar a deslealdade e, por um tempo, fui morar com a Johanna, uma colega de turma, até que, infelizmente, cedi aos seus apelos.

E ficamos juntos por tempo suficiente para eu voltar a confiar nele como meu agente.

No entanto, Marvel não parou por aí. Ele inscreveu "Intervenção Hanging Tree" em concursos. Venceu muitos e conseguiu o prêmio máximo em um deles: foi publicado.

Toda essa traição foi importante para que eu tomasse as rédeas da minha carreira. Assim, busquei a editora que me foi apresentada pela professora Paylor e me livrei das péssimas influências de Marvel, das garras da editora de Coriolanus Snow e da obrigatoriedade de usar apenas minhas iniciais na publicação do meu próximo livro.

No entanto, agora, Marvel quer me acusar de plágio.

Para nossa última conversa cara a cara, ele me pediu para encontrá-lo em seu escritório na Editora Snow.

Assim que entrei, a secretária dele surgiu, carregando uma bandeja contendo uma jarra com água. Uma bebida nada apropriada a se oferecer para mim. Ele sabe como eu amo um café.

Marvel pegou dois copos, que encheu com o lí­quido antes de me entregar um deles. Pela minha total perda de confiança nele, esperei que ele bebesse tudo primeiro e, só então, levei meu copo à boca.

É muito triste não conseguir mais dividir um simples copo d'água com quem eu costumava dividir praticamente tudo.

Nada foi dito durante esse momento tenso, até que finalmente quebrei o silêncio:

— Posso imaginar o que me trouxe aqui – despejei de uma só vez, circunspecta, apoiando no tampo da mesa de vidro o copo com água ainda pela metade.

— Não tenha tanta certeza – sibilou ele, altivo, e eu me mantive séria, enquanto o fitava de volta.

— Você vai me surpreender, então, e me dizer que vai me dar o devido crédito por seu livro "Intervenção Hanging Tree"? – rebati com ironia, ainda o encarando.

— De jeito nenhum – disparou, sem nem mesmo sopesar a resposta.

— Então, serei obrigada a fazer isso por conta própria?

— Está perdendo seu tempo.

— Não posso acreditar no que estou ouvindo!

Meu coração acelerou pela repugnância que sua postura me causava. Num rompante, eu me levantei.

Ele também se ergueu e caminhou até mim, envolvendo meu antebraço com seus dedos ásperos e frios.

— Você não tem ideia do que sou capaz de fazer, não é? – rosnou ele.

Nada louvável, tenho certeza.

Foi quando seu olhar duro pareceu titubear e ele piscou umas duas ou três vezes, antes de se fixar ainda mais nos meus olhos, com ainda mais raiva.

— Eu registrei "Intervenção Hanging Tree" antes de você pensar em registrar qualquer um dos seus livros.

— Isso não é verdade. O registro de "Operação Green Mockingjay" aconteceu meses antes...

— Eu era seu agente, Katniss. Eu não registrei quando você me pediu, somente depois.

Uma risada debochada escorregou por seus lábios e senti algo se contrair em meu estômago, quase me causando uma dor física.

— Você está sugerindo que pode me acusar de plágio, Marvel?

— Que eu saiba, eu não estaria fazendo nenhuma acusação infundada!

— Ah, não? Quem plagiou quem nessa história sórdida?

— Pelas datas dos registros dos livros, foi você, K. J. Everdeen.

Marvel ainda apertava minha carne sem nenhuma delicadeza.

Num solavanco, puxei o braço e ele me soltou abruptamente. Tropecei para trás e me esquivei da sua tentativa de me escorar.

— Não vai se safar dessa assim tão facilmente, Marvel.

Ele entreabriu a boca e esboçou um sorriso falsamente ofendido.

— Eu fiz isso para o seu bem. Eu sei o que é melhor para sua carreira. Estou protegendo você, minha K. J.!

Eu mal reconhecia a criatura de pé à minha frente. Ele deu um passo em minha direção e eu recuei, mas senti a frieza do metal da cadeira em que estava sentada encostar em minha perna.

— Você é ingênua demais... Apesar de serem livros diferentes e independentes entre si, escritores têm cada um o seu estilo, um modo próprio, único e reconhecível de se exprimir.

— Chega – implorei.

Ele estava cada vez mais próximo. Sua mão forçou meu queixo para cima. Seus olhos estavam semicerrados e sua voz, ainda mais cortante.

— Você é manipulável...

Foi o suficiente. Eu o empurrei para longe.

— Eu não funciono sob ameaças. Mas, ironicamente, eu as faço também, Marvel. O vilão do meu próximo livro terá o seu maldito nome. E eu vou adorar contar o motivo de ter escolhido nomear meu antagonista assim.

Essas foram minhas últimas palavras para Marvel. Palavras que estão travando minha imaginação desde então.

Por causa dele, os meses estão se passando e nem um mísero capítulo foi concluído. Não um capítulo devastador, magnético, de tirar o fôlego.

A escrita não está fluindo, mas as cobranças são como uma avalanche.

Meu segundo livro alavancou as vendas do primeiro e o mesmo está acontecendo às vésperas de publicar o terceiro. Por isso, a nova editora quer que o lançamento do quarto livro seja num intervalo semelhante.

Além disso, tenho expectativas dos leitores para atender, um padrão a seguir e a promessa de um novo livro com o pior dos vilões para cumprir.

Uma promessa que nem foi feita por mim, mas por Rue, minha doce e desligada agente, que soltou sem querer nas redes sociais a tão esperada notícia de mais um volume para a série. Ela imaginou que estivesse mandando uma mensagem privada pra mim, mas publicou a notícia para quem quisesse ler.

Então, além do compromisso com minha editora, é minha obrigação não decepcionar meus leitores.

Eu era feliz enquanto pensava que havia conseguido me livrar das armadilhas fabricadas por Marvel. Mas estava enganada. A sombra dele em minha vida ainda me apavora.

Ligo para minha irmã.

— Oi, Kat!

— Prim.

— O que houve? – Ela logo detecta a tristeza em minha voz.

— O Marvel estará na convenção, sendo entrevistado no mesmo auditório que eu, mesmo sabendo que estarei no palco pouco antes.

— Não pode ser, Katniss. Eu não fazia ideia... Effie deve ter incluído essa entrevista na programação de última hora. E não duvido nada que seja uma armação dele.

— Não dá pra mudar o local da minha entrevista? Ou cancelar a minha participação?

— Nem pensar! Marvel não merece isso. Se for pra cancelar, será o painel com ele.

— O que será que Marvel está pretendendo?

— Boa coisa não é. Mas pode deixar que vou bolar um plano.

— Okay.

Desligo o telefone com um nó na garganta.

Agora mesmo que eu preciso de um café. Bem forte.

 


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Notas finais do capítulo

  

Olá!

Como vocês viram, a Katniss não é uma assassina profissional – nem mesmo em potencial, pois, apesar de o Marvel precisar de uma lição, não é desse tipo que ele vai receber –, mas uma escritora "vestida para matar",  fantasiada como a protagonista de seu primeiro livro publicado...

Então, agora que isso ficou claro, posso fazer um agradecimento especial à Bel (Belrapunzel) pela capa da fic e pelo banner do capítulo 1, que muito contribuíram para que a minha comédia romântica ficasse disfarçada de thriller.

Sim! Como eu disse nas notas do primeiro capítulo, a fic é mesmo uma comédia romântica e vou ficar devendo um thriller, para quem gosta do gênero.

Mas o fato de a Katniss estar mesmo "vestida para matar" vai impressionar (e muito!) um certo loiro que amamos... 

A fic é uma singela homenagem ao universo literário.
Então, sempre que minha memória permite e o "tio" Google ajuda, incluo citações de livros, além de menções a personagens e autores. E não podia faltar uma alusão a quem escreve fanfics! ❤

Para quem não sabe, a parte referente ao início da carreira da Katniss, tendo que ocultar o fato de ser uma mulher por trás de suas iniciais, foi baseada na história da autora da saga Harry Potter, J. K. Rowling.

Agradeço desde já o carinho com a fic! 

Até o próximo capítulo!

Isabela



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