Vestida para Matar escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 3
Capítulo 3




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Avisto uma cafeteria em meio a toda a estrutura montada para a festa literária.

Basta que eu caminhe um pouco para ser arrebatada pelo cheiro da bebida quente que recende pelo ambiente. Vou direto para lá, como se estivesse seguindo um rastro.

Café. Açúcar. Chantili. Sorvete de baunilha. Calda de alguma coisa bem doce. Gotas de chocolate. Canela.

Acabo de ingerir todos esses ingredientes em poucas goladas.

Preciso dar um fim a esse bloqueio criativo e provar a Marvel que ele não conseguiu me intimidar, quando se deparar com o belo nome dele estampado nas páginas do meu quarto livro.

Eu me recosto na cadeira e giro a colher, rodopiando a espuma deixada no fundo da caneca. Meu bloco de notas está aberto ao lado dela.

Normalmente, o suave ruído de copos de cerâmica tinindo, o chiado de uma máquina de café expresso e o murmúrio de conversas me inspiram, mas hoje até os sons familiares não estão me ajudando em nada.

Eu quero é trucidar o grupo ruidoso de turistas que aparentemente presume que os outros clientes querem ouvir cada palavra da conversa em uma língua desconhecida.

Mas, novamente, eu teria que encontrar um método de assassinato coletivo e efetivo primeiro. Não estou conseguindo decidir uma forma de fazer isso nem com um só indivíduo, imagina com vários!

A música alta de hip-hop estridente nos fones de ouvido do adolescente que está na mesa ao lado também não me deixa muito feliz.

Eu dirijo um olhar gélido a ele. Talvez o congelamento funcione. Ou a eletrocussão. É possível mandar alguém para o além com um curto circuito no celular?

Provavelmente não. Além disso, eu também já usei altas voltagens para eliminar uma personagem.

Preciso de outra coisa. Algo único.

Suspirando, deixo cair a colher na minha caneca vazia. Necessito de um chocolate quente ou de algo com bastante cafeína e açúcar.

Ei, será que esse pode ser o método perfeito que estou procurando? É possível uma dose letal de cafeína e açúcar?

Meu celular toca antes que eu possa pedir outra bebida. Tiro o telefone da maleta e meu humor melhora instantaneamente, quando vejo o nome no visor: Peeta Mellark.

— Alguém pode morrer de overdose de cafeína e açúcar? – pergunto, em vez de proferir um cumprimento normal.

Um momento de silêncio é filtrado pelo aparelho telefônico. Depois, chega a risada gostosa dele, que consegue me arrancar um suspiro a cada vez que ouço.

— Essa é a sua nova saudação? Bom dia pra você também.

Apesar da leve repreensão, a voz sexy de Peeta está cheia de humor.

— Bom dia – repito, de modo mais respeitoso. — Como vai meu editor favorito hoje?

— Eu ficaria envaidecido, se eu não soubesse que você só trabalha comigo como editor. Então, eu não tenho tantos competidores – graceja ele.

Engulo em seco e deixo as palavras saírem de minha boca:

— Você não tem competidores em lugar nenhum.

Peeta silencia por uns segundos.

— É melhor que seja assim, já que eu, sozinho, salvei a personagem principal em seu último livro. Graças a mim, ela calçou um par de tênis em vez de um par de...

— Eu sei, eu sei que troquei a letra "t" pela letra "p"! Um simples erro de digitação! – esbravejo.

— Ou um erro por distração?

— É. Eu queria ver se você estaria atento – ironizo. — Eu vou ter que ouvir isso até o fim dos meus dias?

— Pode apostar que sim.

Eu finjo choramingar, mas a brincadeira familiar sempre me faz sorrir. Eu tenho uma queda por homens com senso de humor e tenho, não só uma queda, mas um tombo pelos que têm talento com as palavras.

Acrescente a isso um par de olhos azuis, um sorriso matador, um ótimo conhecimento de gramática e sintaxe e... pronto! Eu já sou um caso perdido.

Pena que esse homem em particular é o meu editor, que eu nem sei se está desimpedido. Nunca consegui encontrar uma maneira eficaz de descobrir. Todas as vezes que tentei, com indiretas – ou diretas mesmo –, só consegui respostas evasivas.

Também não sei como sondar as pessoas que conhecemos em comum sem gerar suspeitas da minha paixão secreta.

Minha imaginação hiperativa sempre me apresenta um cenário em que eu envio a Peeta um e-mail com os dizeres: Você acha que eu deveria cortar o prólogo e começar com o ponto de vista da detetive? Essa sentença no início do capítulo está muito longa? Ah! E, já que estou fazendo perguntas... Você está solteiro?

Não. Fora de questão. Troco a posição do celular para o outro ouvido.

— Então, e aquela overdose de cafeína? Você acha que um homem adulto poderia morrer disso?

— Não – afirma Peeta sem hesitação.

— Como pode ter tanta certeza?

— É sério. Confie em mim. Se isso fosse possível, você já teria batido as botas naquela época em que o prazo de entrega do seu segundo manuscrito estava se esgotando. Se bem que, talvez você tenha razão, afinal... "Cafeína coloca um homem em seu cavalo e uma mulher em seu túmulo."

Oh, céus. Quem resiste? Agora ele está citando a frase do livro "O Sol também se levanta", de Ernest Hemingway.

— Ai, ai...

Tampo minha boca com a mão livre, mas não sou rápida o suficiente para encobrir meus suspiros de admiração.

— Também gosta de Hemingway? Alguns autores poderiam se inspirar no estilo marcante dele, com aquelas frases curtas e o uso restrito de descrições para relatar as ações. – Ele solta as palavras num tom arrastado.

Concentro-me no que Peeta diz nas entrelinhas. Depois de dois livros editados por ele, inúmeras videoconferências e mais e-mails do que eu posso contar, conheço Peeta bem o suficiente para detectar uma leve frustração em sua voz.

— Dia difícil?

— Apenas um prazo apertado para os originais de escritores de primeira viagem.

Já me livrei de alguns vícios de iniciantes, mas ainda sei como a edição de um livro de estreia pode ser demorada e exaustiva.

— Eu não sei como você faz isso. Estou me lembrando do meu primeiro livro. Abertura arrastada, exagero de adjetivos, despejos de informações, violações de tempos verbais e trocas equivocadas de pontos de vista... – Estremeço ao recordar meu texto amador. — Para a sua sorte, não sou como era há alguns anos atrás.

Aperto os olhos ao perceber meu deslize linguístico ao usar a última frase. Logo com ele.

— Você está sendo redundante – corrige Peeta, fazendo-me sorrir. — O advérbio "atrás" é desnecessário para indicar o passado, pois o verbo haver, conjugado como verbo impessoal, já indica tempo decorrido.

Ele é tão previsível. Previsível, mas adorável.

Até mesmo as mensagens de texto ocasionais que Peeta me envia usam gramática perfeita e pontuação corretíssima. Infelizmente, nenhuma delas termina com emojis com biquinhos de beijos e coraçõezinhos no lugar dos olhos.

— Está certo – admito meu erro. — "Há alguns anos" ou, então, "alguns anos atrás". Pode ficar descansado comigo e se preocupar apenas com os outros escritores... Por enquanto.

— Muito bem... Mas fique tranquila, pois a maioria dos manuscritos não está tão ruim assim. Eu realmente acho muito gratificante ser mentor de nossos novatos e ajudá-los a crescer como escritores.

Isso é típico de Peeta. Ele nunca reclama ou fofoca sobre qualquer um dos escritores. Ele é o epítome do profissionalismo.

Eu admiro isso nele, mas provavelmente essa característica também pode significar que Peeta nunca cogitaria um relacionamento com uma das autoras sob sua responsabilidade.

— Então, teremos bons livros a caminho – suponho.

— De vez em quando, eu me deparo com manuscritos excelentes – acrescenta Peeta. — Mas nenhum deles é tão bom quanto os seus.

Mesmo sabendo que provavelmente pareço o Gato de Cheshire – o felino de sorriso pronunciado, personagem do livro "Alice no País das Maravilhas" –, em êxtase, eu não posso deixar de erguer os cantos da boca como se tivesse acabado de ganhar o Prêmio Pulitzer por Ficção ou o Nobel da Literatura.

— Já disse que você não tem competidores em lugar nenhum? – Eu me derreto mais uma vez.

— Talvez... Mas é sempre bom ouvir isso de você.

— É mais do que merecido.

Faço uma pausa. Estamos nos cortejando? Ou apenas brincando? Não tenho certeza. A única certeza que tenho é a de que estou sentindo alguns avanços.

Ele pigarreia. Um som de rangido atravessa o celular e imagino Peeta recostando-se na cadeira do escritório, a blusa esticada sobre os músculos bem distribuídos, como aconteceu durante a última chamada de vídeo.

Ainda bem que Peeta não suspeita que aquela imagem não só vai inspirar a descrição física do herói do meu novo livro, como também visitou meus pensamentos algumas outras vezes.

— Então – retoma Peeta —, por que você está perguntando sobre doses letais de cafeína e açúcar? Você está exagerando de novo nesse milkshake de zilhões de calorias?

Espio a caneca vazia.

— Desde quando você me conhece tão bem?

— Você já me disse várias vezes que troca qualquer coisa por uma taça gigante dessa mistura que você chama de café, mas que, na verdade, é chantili, sorvete de baunilha, calda de caramelo, pedaços de chocolate e uma gota de café.

Suspiro, impressionada com a descrição precisa dele.

— Eu realmente estou na cafeteria da convenção literária, diante de uma caneca vazia... Mas não é por isso que estou perguntando. É para o novo livro. Estou tentando criar uma trama criativa.

— então?

— Nada, nothing, niente, rien.

Peeta ri.

— Duvido muito.

— Tudo o que eu pensei até agora parece bobo ou eu já usei em um dos meus livros anteriores. Eu preciso de algo novo. Não quero ser uma daquelas escritoras que basicamente escreve o mesmo livro de novo e de novo.

— Certo. Pra ser sincero, eu estive pensando sobre seu novo livro também.

— Sério? Você andou pensando o quê?

Mais uma prova de que Peeta é o homem perfeito pra mim. Ele vive em um mundo imaginário povoado por pessoas fictícias durante a maior parte do dia, e me entenderia perfeitamente quando eu começasse a rabiscar guardanapos com ideias para os livros durante nossos jantares românticos.

Já imagino nossos diálogos entusiasmados quando desvendarmos juntos os mistérios nos livros que leremos agarrados no sofá.

O que nunca tive com o Marvel, o ex-namorado ladrão de ideias.

— Claro – afirma Peeta. — Como seu editor, tenho interesse em seu sucesso.

Como meu editor? Seria realmente só isso? Eu prefiro acreditar que nós nos tornamos amigos e que Peeta quer que eu seja bem-sucedida também por motivos pessoais.

— Então, o que você sugere para meu novo livro?

— Eu amo seus mistérios... Eu realmente adoro suas tramas bem construídas e indecifráveis. Mas acho que você deveria considerar, de repente, diversificar um pouco. Talvez fazer uma trama com um pouco mais de sex appeal.

Eu me distraio por um momento com a combinação da voz de Peeta – suave, sedosa e confiante – com a expressão sex appeal. Quase perco o significado de sua frase.

— Você quer que eu escreva um... romance com romance mesmo?

Peeta solta um suspiro.

— Não faça parecer que eu pedi para escrever um romance que envolve muitas donzelas em apuros, caçando um marido e perdendo a pureza... Embora eu tenha certeza de que você escreveria bem qualquer gênero.

Começo a gargalhar. Isso é tão diferente do que eu escrevo.

Será que essa ideia partiu de algum dos chefes da editora? Estou quase com medo de perguntar.

— Eu não sei. Mesmo sem as donzelas casadoiras...

— Ah, não diga isso. Colocar um pouco de romance em seus livros não seria tão ruim assim, seria?

— Não seria tão ruim assim? – Minha voz termina em um quase grito. — Peeta, eu sou Katniss Jasmine Everdeen. Eu mato as pessoas para viver!

— No papel! Poxa, Katniss, se você continuar dizendo essas coisas em voz alta e em público, eu vou ter que tirar você da cadeia algum dia. Será que eu realmente tenho que lembrá-la do que aconteceu quando você ligou para aquela Fundação especializada em toxidade de espécies vegetais e perguntou quantas bagas de beladona eram necessárias para matar um homem de oitenta quilos?

A vermelhidão inunda meu rosto, mas não dou o braço a torcer.

— Os sites em que pesquisei tinham informações contraditórias. Eu precisava saber a dose certa do veneno para a vítima morrer em exatos trinta segundos! – explico pela milésima vez, ainda exasperada.

Assim como o pequeno acidente com a palavra "tênis", Peeta nunca se esquecerá disso.

Espio ao redor. Vários fregueses da cafeteria estão agora olhando para mim como se eu fosse a personificação da Bruxa Má do Oeste, do livro "O mágico de Oz" e da Feiticeira Branca das "Crônicas de Nárnia", em uma só pessoa. Ótimo.

Alto o suficiente para que todos ouçam, emendo:

— Sou escritora de livros de mistério. Eu escrevo sobre assassinatos e investigações policiais. Eu não executo nada, nem ninguém. Eu não mato nem uma mosca na vida real – baixo a voz, agora falando apenas para Peeta. — Meu talento não envolve cenas com sex appeal.

— Elas são chamados de cenas de amor, não de cenas de sexo.

— É tudo a mesma coisa – resmungo.

— Não, não são a mesma coisa. As cenas de amor são uma expressão dos sentimentos dos personagens. É tudo sobre intimidade emocional e a demonstração do que sentem um pelo outro, mesmo que, de vez em quando, essa demonstração seja a descrição de um ato físico... Pode ser com uma aura de envolvimento e sedução, ou pode ser vigoroso e rápido, contra uma parede.

— Ah...

Desabotoo o botão superior do sobretudo, enquanto o calor pulsa em meu corpo. Caramba, Peeta!

A melhor parte é o divertimento na voz dele ao me dizer essas coisas. E continua:

— Enquanto que uma cena de sexo...

— Eu sei, eu sei. Sem mais descrições, por favor.

Se não interrompesse Peeta, eu iria superaquecer e meus observadores atentos na cafeteria iriam chamar uma ambulância, por acharem que estou tendo uma síncope ou algo assim.

— Além disso – prossegue Peeta —, nem todos os romances precisam ter uma cena de amor mais caliente, apesar do que algumas pessoas pensam, se é essa a razão pela qual você está tão relutante em tentar escrever algo nesse estilo.

Maravilha. Agora Peeta acha que sou uma puritana.

— Não é isso. Não mesmo. Eu não tenho nada contra sexo. Quero dizer, cenas de sexo. Ops! Cenas de amor... Droga! – Nenhum outro homem jamais conseguiu me perturbar assim sem estar no mesmo cômodo que eu. Sem nunca ter estado no mesmo cômodo que eu.

Pouco depois que decidi que Peeta seria meu editor, após longas conversas por telefone, em que descobrimos muitas afinidades, ele assumiu a chefia da filial da editora no Canadá.

Então, nós nunca nos vimos pessoalmente, apenas por videoconferência.

Mesmo assim, basta sua voz para eu me desestabilizar.

Uma risada suave atravessa a linha telefônica. O som sensual me faz corar ainda mais e eu me abano com o bloco de notas.

A essa altura, metade dos clientes da cafeteria provavelmente está ouvindo a conversa. Se alguma das pessoas equipadas com notebooks nas mesas vizinhas são colegas escritores ou, pior ainda, comediantes, estou fornecendo diálogos de primeira.

— Eu lido bem com cenas de amor – digo tão calmamente quanto posso. — É só que... Eu não sei. Romances simplesmente não são minha praia.

Peeta fica quieto por um momento.

— Na ficção ou... na vida real?

Minha boca fica seca. Durante todo o tempo em que trabalhamos juntos, ele nunca me fez uma pergunta tão pessoal.

— O que está acontecendo com você hoje?

Será que ele está apenas tentando aprofundar sua compreensão sobre a mulher por trás de K. J. Everdeen, autora de livros de mistério, ou tem um interesse pessoal na resposta?

— Desculpe-me – diz Peeta, interrompendo o raro silêncio entre nós. — Eu não deveria falar essas coisas, muito menos ter perguntado isso.

— Não, não, tudo bem.

A última coisa que quero é que Peeta pense que minha vida particular está fora dos limites. Se dependesse de mim, Peeta seria minha vida particular.

— Está mesmo tudo bem?

— Sim. Vou me explicar. Quando se trata de vida real, sou uma grande fã de romance. Evidentemente, eu não tive muito sucesso nesse departamento ultimamente. Meu último namorado... Bem, vamos apenas dizer que eu tenho minhas razões para dar o nome dele à minha próxima vítima.

Isso deveria deixar Peeta saber que estou solteira, certo? Apenas no caso de ele não ter visto a atualização do meu status nas redes sociais.

Ele ri.

— Humm. Deixe-me adivinhar... Ele vai morrer de uma maneira horrível?

— Isso é certeza. Mas eu ainda não defini os detalhes do assassinato ainda.

— Então, você está buscando uma maneira que nunca usou em seus livros? Que tal uma flecha? – sugere Peeta. — Várias flechas?

— Oooh! Isso definitivamente é uma possibilidade.

Rabisco a sugestão no bloco de notas, sublinho duas vezes e desenho um grande ponto de exclamação ao lado das palavras.

— Parece que existe uma ex que você não se importaria de eliminar na ficção também...

Peeta faz um muxoxo evasivo.

— Acho que todos temos, não é?

— É verdade.

Aguardo um pouco, mas Peeta deixa por isso mesmo. Nenhuma informação sobre se ainda está solteiro.

— Katniss...

Eu amo o jeito que meu nome soa vindo dos lábios dele.

Transformo a bolinha do ponto de exclamação em um pequeno coração, depois franzo o cenho para a folha de papel. Talvez eu deva me arriscar na escrita de um romance. No fundo, em meu peito, bate um coração repleto de coisinhas fofas e bregas.

— Sou toda ouvidos.

— Eu não quero mudar seu estilo ou convencê-la a escrever algo com o que você não se sente confortável. Se escrever um romance não é pra você, tudo bem. Isso não é o que eu estava sugerindo de qualquer maneira.

— Então, o que você estava sugerindo?

— Você já considerou livros de suspense romântico? – pergunta Peeta.

— Suspense... ro-mân-ti-co? – Debulho cada sílaba.

Outro murmúrio de Peeta. De alguma forma, ele consegue fazer até mesmo esse som indefinido de um jeito sexy.

— Sim. Você ainda pode ter um enredo de mistério, com criminosos perigosos, tensão de roer as unhas e trabalho de inteligência policial. Você apenas adicionaria uma subtrama romântica.

— Se não é tão diferente do que eu tenho escrito, por que tentar um novo gênero?

— Não é um gênero tão diferente. Seria apenas acrescentar cenas hot.

— Eu pensei que elas fossem chamadas de cenas de amor, não de cenas hot.

— Touché! – O tom de Peeta revela que ele está sorrindo.

Até esse exato momento, nunca considerei mudar o que escrevo, e não queria fazer isso agora, mas talvez Peeta esteja certo. Se eu quero manter minha escrita sempre renovada, é quase um dever pensar em me aventurar em outros gêneros.

Pode ser uma opção dar um namorado à detetive Everlark – não, eu não fui sutil na escolha do sobrenome da personagem –, pois isso a humanizaria e seria mais fácil para os leitores se identificarem com a policial workaholic, além de fornecer uma boa fonte de conflito interno.

E, se eu incluísse um pouco de romance em meus manuscritos, pelo menos seria capaz de viver algo assim através de minhas personagens, já que minha própria vida amorosa é inexistente no momento.

— Você tem talento de sobra pra isso. E muito mais.

Sorrio. Peeta nunca esconde o quanto gosta da minha escrita, distribuindo elogios e críticas construtivas. Ainda assim, é bom ouvi-lo dizer novamente.

— Eu ainda posso matar meu ex-namorado? – indago.

Peeta ri aquela risada especial dele, a que me conquistou desde a primeira vez em que nos falamos ao telefone e que sempre me faz sorrir em resposta.

— Nós poderíamos colocar esse detalhe no contrato de publicação, se você quiser. Qual o nome dele mesmo?

— Marvel. Marvel Quaid. – Finalmente revelo a ele quem é o meu ex-namorado. A risada dele para. — E não precisa fazer constar nada em contrato. Eu confio em você.

— Obrigado por confiar em mim. Sabendo quem é seu ex-namorado, isso significa muito mais do que pode imaginar – diz Peeta. Seu tom está sério agora. Ele deve conhecer a fama de desleal de Marvel. — Obrigado por me ouvir. Mesmo que você acabe não seguindo minhas sugestões, isso significa muito.

— Não precisa agradecer. É que...

Até mesmo para conversar com outras pessoas, a lembrança de Marvel bloqueia minhas palavras.

— Você não tem que decidir agora – garante Peeta, quando o silêncio se prolonga. — Pense nisso por um tempo. Podemos falar mais a respeito quando nos encontrarmos daqui a pouco.

Daqui a pouco? A mera menção envia um formigamento por meu corpo.

— Daqui a pouco? – reproduzo a pergunta que está em meus pensamentos.

— Você não vai mais participar da conferência de autores em São Francisco?

— Bom, é o que eu espero, mas fui barrada na entrada do auditório. Preciso de uma credencial, que Effie falou que vai chegar às minhas mãos...

Nem termino direito a frase. Mal consigo acreditar que vamos nos conhecer pessoalmente pela primeira vez. Depois de estar apaixonada por Peeta por quase dois anos, o pensamento de ficar face a face com ele é emocionante e aterrorizante, na mesma medida.

Reprimo um suspiro. É bem provável que eu me envergonhe diante de centenas de pessoas – incluindo meus colegas escritores, leitores beta e críticos –, confessando meu amor incondicional por meu editor, no palco onde serei entrevistada.

— Estou com sua credencial — revela ele. — Eu, Effie e Prim fizemos um suspense básico sobre esse nosso primeiro contato pessoalmente.

— Ah, então você está mancomunado com aquelas duas... E pensar que você estava escalado pra ser o herói do meu próximo livro... com romance. Agora é você que vai ser o vilão. O maldito antagonista.

— Não ficaria legal. Eu tenho um nome não muito comum e que estará no seu livro. Peeta Mellark, editor. Fica estranho um antagonista homônimo.

— Sem problemas. O nome será Pita. P. I. T. A. – soletro.

— Ai, não. Esse é o meu pesadelo. Meio mundo erra a grafia do meu nome desse jeito... Eu mereço mesmo tanto castigo?

— E como merece!

— Eu não vou reclamar mais, se você permitir que o P. I. T. Ase envolva romanticamente com uma morena fatal.

Agarro a beirada da mesa. Ele gosta de morenas! É agora ou nunca.

— Peeta... Eu estava pensando...

— Sim?

— Poderíamos, talvez... Quero dizer, você teria tempo de se reunir durante a conferência para debater comigo ideias para métodos únicos de assassinato? Vou até trazê-lo à cafeteria por minha conta. Não se preocupe que sei o que vou pedir pra você: chá, sem açúcar. Nada dos meus milkshakes de zilhões de calorias.

Não hesitando por um segundo, Peeta aceita:

— Mal posso esperar por esse nosso encontro.

Fecho a boca. Ele disse... encontro?

Não se precipite, Katniss. É apenas um modo de dizer.

Mas Peeta ganha a vida escolhendo as palavras certas para colocá-las nos lugares precisos. Ele não teria dito, se não quisesse me passar essa mensagem? Ou estou me iludindo?

O garoto da música alta escolhe esse exato momento para esbarrar em mim e derramar café gelado por todo o meu bloco de notas.

Não, não, não. Agora não!

— Oh, droga. O que você pensa que está fazendo, seu inconsequente? – berro para o moleque, ainda com o celular próximo à boca.

Por alguns momentos, nenhum som atravessa o telefone, como se Peeta tivesse parado de respirar.

— Se você prefere manter as coisas estritamente profissionais, eu entendo. – Peeta suspira. — Não vou mais tocar no assunto.

— Não! Quero dizer, sim! Eu adoraria tomar um café com você... Como um encontro, não apenas como uma reunião de trabalho!

Apenas o silêncio responde.

— Peeta? Você ainda está aí?

Sem resposta.

Afasto o celular da orelha e olho para o visor iluminado, indicando o fim da ligação.

Ótimo. Nenhum final feliz hoje.

 


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Notas finais do capítulo

Olá!

Nenhum final feliz hoje, é claro, pois hoje não é o final...

Mesmo por telefone, o Peeta é irresistível, concordam?

Preciso saber o que estão achando...

Até o próximo capítulo!

Isabela

P.S. O novo capítulo de "A Redenção do Tordo" ainda não está pronto, mas está quase...



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