Ramé escrita por LuriCris


Capítulo 7
Os espaços entre (8-3).


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Capítulo um pouco atrasado...



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Tema proposto para debate:

Iniciação na magia: O que mudou no último milênio?

Uma das perguntas que mais recebo hoje em dia, ao me encontrar com outros magos, é sobre a diferença na iniciação mágica das crianças.

Eu fui apresentado à magia em uma época em que ela era praticamente tudo. Por favor, lembrem-se disso. Eu digo, pois era um fato mais do que obvio que filhos de magos aprenderiam magia. Comunidades inteiras se formavam em torno dessas figuras da mesma forma que poderiam ser destruídas por elas. Não era antinatural nem complexo demais, era apenas como a vida era.

Lembro-me de minha avó com seus unguentos que eram conhecidos como os melhores de todas as 50 vilas do norte, território que hoje pertence à Irlanda. Lembro-me do controle de meu pai sobre elementos como fogo e vento da mesma forma que me lembro das habilidades em falar com animais que meu irmão mais velho desenvolveu após fazer seu juramento a uma das três grandes rainhas da velha terra. Era isso que era a magia afinal: uma herança, uma característica familiar, da mesma forma que os hábitos de mesa ou a cor do cabelo.

É por isso que não posso dizer com certeza como funcionava a iniciação de uma criança na magia, 1500 anos atrás, pelo simples motivo que, desde que sou consciente como pessoa, estou em torno dela e fui incentivado a praticá-la.

Sei que hoje em dia ensinar magia é algo que pode ser considerado um privilégio. Potenciais têm nascido cada vez menos de trezentos anos para cá o que preocupa a toda a nossa comunidade. Então, no caso de encontrar um desses, o que devemos fazer?

É mais do que óbvio que os métodos antigos de ensinar magia não servem mais para os dias de hoje pelo simples motivo de que as famílias realmente mágicas são escassas entre si. De nada adianta chegar até um mago antigo em busca de como ele aprendeu magia para ensinar uma criança que vive nos dias de hoje. São duas formas de vida completamente diferentes que não podem ser comparadas!

Ressalto novamente: aprendi magia há mais de um milênio. Na época não havia eletricidade, não havia tanto conhecimento disponível a qualquer um, quase não havia pessoas. O que havia eram pequenas comunidades auto-suficientes, separadas pela selvageria da natureza, que viam em tradições costumes e conhecimentos antigos suas principais formas de sobrevivência.

Por isso jovens amigos: não hesitem em aplicar técnicas educacionais atuais, de conhecimentos mundanos, para seus aprendizes. Eles nunca terão as mesmas experiências que qualquer um pré-inquisição. Eles nunca terão as mesmas experiências que vocês mesmos, apenas algumas gerações mais novas.

Essas crianças convivem com o laico, a tecnologia (cada vez mais abismal). São os futuros magos de hoje aqueles que se desenvolvem em um sistema educacional que preza pela lógica e matemática, não pela poética da palavra ou o poder da semântica. Tão triste quanto é, a sociedade está lógica demais para que subjetivo não perca seu espaço.

Nossos bardos foram extintos, então só nos resta trocarmos de linguagem. Prosperem a partir do novo se isso ajudar o velho a não se perder.

(Essas palavras são o suficiente Joshua?)

 

Depoimento de Gael Fitzpatrick para a última convenção de educação da Universidade Mágica de Coimbra - 1983. Reah.

(Edição escrita com registro 3278.0087/f sob GC.)

 

Izuku tinha seis anos na primeira vez que testemunhou magia por conta própria. Seu aniversário, quase meio ano antes, havia sido um evento singelo, com doces e um bolo, apenas em sua pequena família. Fora o quarteto outra pessoa a aparecer ali foi Aizawa-san que ficou o suficiente apenas para dar-lhe os parabéns e um lindo caderno com capa de couro que Izuku entesourava desde então.

Na ocasião ele tinha escolhido não convidar nenhum de seus colegas de turma, ditos amigos. Izuku teve um dia feliz, regado de mimos e atenção, enquanto tentava esquecer a melancolia de passar seu primeiro aniversário sem a mãe presente. Não lhe escapava de mente o fato de que, em poucos dias, faria também um ano que ele estaria ali.

E foi nesse exato um ano, percebeu depois, que ao caminhar pela floresta Izuku viu algo que não soube identificar. Colado no tronco de uma das arvores mais antigas de todo o lugar, algo parecido com Glitter brilhava em um lindo padrão cinza esverdeado.

Curioso como era Izuku aproximou-se, embora não sem cautela, e observou durante algum tempo como o pó parecia mover-se e reluzir cada vez mais, apesar da sombra. Não foi difícil notar, depois daquela primeira arvore que o pó, na verdade, espalhava-se ao seu redor, em diversas plantas ou mesmo no ar, sendo levado pelo vento.

A visão era, sem outras palavras, espetacular.

Tendo procurado a origem daquilo ou pelo menos uma explicação plausível (Uma nova planta? Alguma flor da estação?), Izuku apenas encontrou a vegetação já conhecida ao seu redor e isso, era absolutamente estranho. Ele sabia que estava em meio à vegetação antiga é claro, mas poderia ser mesmo magia? Mitsuru muito lhe contara sobre como algumas daquelas plantas haviam visto gerações e gerações viverem, mas mesmo assim, era possível?

Quer dizer, esse era o principal motivo de sua casa estar ali, pra começar. Como proprietários de todos os arredores da construção, era quase óbvio que a mesma havia sido escolhida por mais do que apenas o simples prazer da vista. Por que outros motivos uma área verde, daquele tamanho, ainda estaria nos limites de Tokyo?

“Você vê?” a voz sussurrando em seu ouvido fez com que o menino pulasse de susto e mesmo procurando, não conseguiu encontrar quem falara com ele. “Você vê o pó, não é mesmo? Mesmo que ainda não me veja.” A voz era suave como uma carícia, um singelo afago e o frescor de uma brisa.

“Quem é você? E o que quer comigo?” No mesmo momento todos os avisos e histórias de seus irmãos voltaram até ele. Aqueles em que as flores sussurravam para crianças perdidas ou como as fadas poderiam reinvidicar alguém puramente por capricho.

“Ninguém importante, não se você ainda não me vê. O que, penso eu, é apenas uma questão de tempo...” A voz afastava-se de alguma forma, ele percebeu. A presença que estava ali diminuiu até desaparecer quase completamente deixando para trás apenas um “Até mais ver, peregrino. Por hora, apenas aproveite a dádiva dos antigos.”

No canto de sua visão, um brilho diferente, como a luz do sol nas assas de uma borboleta. Izuku cocou os olhos uma vez mais, percebendo que aquela sim deveria ter sido uma ilusão. Da mesma forma que veio, a misteriosa voz se foi, deixando Izuku ali sozinho com o estranho pó. Isso, parando para pensar, havia sido uma semana antes do incidente em sua escola.

Ele não teve mais contato com o estranho pó depois dessa situação e nem ouviu mais a pequena voz. Parte de si sabia que deveria contar para os irmãos e pedir alguma orientação sobre o assunto, mas por estar cheio de compromissos e tarefas escolares (somados ao problema de sua briga unilateral), o acontecimento foi para o fundo de sua mente.

Isso não faria muita diferença, afinal de contas, já que ele não conseguiria usar magia mesmo assim.

 (Ou foi o que ele pensou.)

 

*****

 

“Aizawa-sensei.” Izuku estava tenso enquanto olhava para o homem que, mais uma vez, assumira seus cuidados para que os irmãos fossem trabalhar. Eram raras as vezes que todos os magos sairiam juntos, mas em todas elas Izuku passara a contar com a companhia do homem rabugento.

“O que foi garoto?” Ele tirou os olhos do que estava fazendo, da bancada da cozinha e olhou para Izuku, parado inseguro na porta. O menino já havia treinado o que pedir um milhão de vezes, ele apenas não fazia ideia de como começar.

“Estou atrapalhado?”

“É claro que não, é a sua casa.”

“Oh, ok então.” Izuku sentou na frente do homem e aproveitou para espiar sobre o que poderiam ser todos os papeis espalhados pela bancada. Era normal que Aizawa trouxesse trabalho para ali quando ficasse com ele, e Izuku gostava de vê-lo trabalhar. “O que você está fazendo?”

“Terminando de catalogar e organizar uns documentos. Eu acabei aceitando um cargo de estagiário e preciso entregar uma infinidade de coisas até a próxima semana.”

“Que incrível. Onde você vai estagiar? É como herói ou como professor? Pode me dizer? Se não puder, tudo bem! mas eu sei que você vai ser um professor incrível, se for esse tipo de estágio.” Seu entusiasmo fez com que o menino começasse a falar desenfreadamente.

“Menos garoto, menos.” As palavras eram rudes, mas Izuku havia aprendido a ver através delas. Agora mesmo o brilho no olhar do homem mostrava seu bom humor. “Promete guardar segredo se eu te disser?” Ele esperou que Izuku acenasse ansiosamente com a cabeça antes de continuar a falar. “Vou trabalhar como assistente de aulas na UA a partir do próximo ano.”

“Isso é Tãããão incrível!” Exclamou o menino animado no mesmo momento. Seus olhos brilhavam de empolgação enquanto ele se equilibrava sobre sua banqueta para poder se aproximar mais do homem. “Ainda mais do que antes. Quer dizer, todas as escolas são legais, mas a UA?…”

“Eu sabia que você iria reagir assim.”

“Claro que sim! Mas eu fui seu primeiro aluno, não é mesmo? Eu ainda tenho privilégios!”

“Pirralho.” Izuku suspirou então, tornando sua motivação um pouco mais fraca. Aizawa sensei percebeu. “Hey, qual o problema?”

“Eu… queria te pedir um favor, mas agora eu tenho medo de te atrapalhar.”

“Tente então, nunca se sabe.” Incentivou-o, pacientemente.

“Eu gostaria que você me ensinasse a lutar!” Disse rapidamente e, por um momento, temeu que o homem não tivesse entendido.

“Você tem apenas seis anos.” Aizawa apontou em um tom calculador, como se não soubesse se levava suas palavras a sério ou não.

“Vou fazer sete logo!”

“Sim, daqui uns cinco meses talvez? Ainda assim é muito jovem. De onde saiu isso?

“Você sabe o que aconteceu na minha escola há alguns dias não é?” Disse apontando vagamente para suas costas. Ao receber o aceno do homem ele continuou “Eu não pude fazer nada e não gostei disso. Percebi que, se eu quero ser um herói, mesmo sem Quirk, eu preciso me esforçar muito mais do que qualquer um. E para isso eu preciso começar antes também, apenas para poder diminuir a diferença.”

“Oh, sim. Você parece estar na desvantagem simplesmente por ter nascido.” As palavras doeram, mas eram reais. Izuku apreciou que o homem não tentasse suavizá-las, entretanto. “Eu entendo, as pessoas diziam o mesmo sobre mim, afinal de contas. Muitas ainda fazem. Mas eu não vou te ensinar a lutar.”

“Mas…”

“Não agora. Seu corpo ainda é muito jovem para esse tipo de pressão. O que eu posso fazer é começar a te ensinar um pouco de autodefesa e, daqui algum tempo, condicionamento físico. Se você realmente planeja entrar na UA, quanto antes estiver em forma e confiante em seu corpo, melhor.”

“Muito obrigado sensei.” ele estava empolgado. Izuku sabia que sua irmã dificilmente negaria a ele a oportunidade de aprender com Aizawa algo que ele precisasse. Quer dizer, ele poderia até ter pedido para ela, mas ele sabia que ela se sentiria desconfortável, dada sua reconhecida falta de habilidade para ensinar.

“Mas claro que a bruxa tem que concordar com isso.” Esclareceu sensei, tentando conter um pouco de sua animação. “E não pode prejudicar suas notas, mesmo com tudo que você vai ter em seu prato com o passar do tempo.” Isso o deixou confuso, mas resolveu não focar muito, pois ele tinha uma pergunta mais importante ainda em mente.

“Você acha que eu consigo? Mesmo sem Quirk?” Obrigou-se a perguntar no final, mesmo que temesse a resposta que receberia. Demorou alguns minutos de silêncio para que ele pudesse vocalizar aquilo e sinceramente, cada segundo entre o final e a aguardada resposta parecia torturante.

“Eu tenho certeza que você consegue, se estiver tentando realmente. Olhe para onde você mora Midoriya Izuku, olhe para a vida que tem. Realmente acha que precisa de um Quirk? Muitas vezes as pessoas recebem cartas diferentes sim, mas ainda faz parte do baralho. Basta apenas saber como utilizá-las corretamente.”

“Eu não acho que tenha entendido bem.” Admitiu. “Mas eu vou! Deixe-me pensar sobre isso!”

“Claro, chegue a sua resposta, ainda temos alguns dias antes que a gangue do terror retorne. E a escola como está sendo agora?”

“Normal? Quer dizer... os professores têm medo de Onee-san?”

“Todo mundo tem medo do monstro, seria preocupante se eles não tivessem. Vá buscar seus cadernos por enquanto, temos a lição para fazer ainda não é?” O tom era conclusivo, encerrando por enquanto aquela conversa.

Izuku apenas sorriu e saiu rapidamente da cozinha. A voz de seu sensei gritando “Não corra nas escadas!” podia ser ouvida por todo o prédio.

 

*****

 

Eles chegaram a casa dois dias depois e Izuku aproximou-se da mesa de sua irmã. O menino havia aprendido com sucesso a desenvolver o que chamavam de ‘olhar de cachorrinho’ que se provou completamente eficiente mais uma vez.

Houve algumas ressalvas sim, e muito ainda precisava acontecer antes que Izuku pudesse começar um aprendizado real em combate, como sensei havia apontado, mas aquele já era um começo, o que deixava o menino extasiado.

Dentro de duas semanas Izuku estava aprendendo a como cair repetidamente no gramado traseiro, sob a guarda de um exigente Aizawa e essa seria uma de suas tardes mais felizes, com toda a certeza.

Dito e feito, na primeira noite Izuku achou que todos seus ossos desmanchariam.

 

*****

 

“Hey Aya…” Foram as primeiras palavras de Shouta para a garota enquanto eles dividiam, mais uma vez, um bule de café. Novamente, passava das duas da manhã e Izuku há muito dormia, tendo desmaiado a tocar em seus travesseiros.

Desde que o menino chegara naquela casa, Shouta se via passando mais de seu tempo ali. Ter ele por perto era estranhamente motivador e cálido, o jovem percebeu, então ninguém se sentia potencialmente culpado em buscar sua companhia. Os magos percebiam isso e achavam fofo (palavras de Ethan, não dele) ao invés de assustador, então ele continuaria enquanto pudesse.

Aya levantou seu olhar de qualquer coisa que estivesse jogando no telefone e fez sinal para que ele continuasse o que ele queria lhe pedir.

“A respeito de Izuku…”

“Sim?” ela lhe incentivou pacientemente. Era em horas como aquela que Shouta se lembrava por que no final ela havia sido sua melhor instrutora.

“Eu acabei aceitando os pedidos loucos dele sobre treinamento, embora eu saiba que um de vocês seria muito melhor nisso. Não me interrompa, por favor.” Ele viu como ela abaixava o dedo, amuada e continuou a falar. “E de certa forma, eu sei mais ou menos onde estou indo. Ele está pegando auto defesa bem o suficiente e já aprendeu a cair sem se machucar.”

“Então qual é o problema?”

“Eu não sei exatamente como seguir a partir disso. Eu comecei meu próprio treinamento quando tinha o dobro da idade do menino e, nessa época, eu já estava atrasado, então foi intensivo se qualquer coisa. Como eu trabalho com condicionamento com uma criança de seis anos Aya?”

Ela parou durante um segundo, pensando em como responder. Shouta esperou pacificamente, vendo como Aya ordenava seus pensamentos em palavras.

“Se fosse eu?” Ele assentiu para que ela continuasse. “Eu não trabalharia. Pelo menos não diretamente. Como posso te dizer? As pessoas tratam condicionamento apenas como resistência, cair e levantar tantas vezes quanto possível no menor período de tempo, e esquecem que isso é mais o resultado do que as bases, sabe? Não que esteja errado e sinceramente Izuku precisa muito desse tipo de coisa, infelizmente.”

“Eu percebi.” Isso recebeu um sorriso triste dela, ambos se lembrando do episódio, como decidiram chamar.

“Acho que estou querendo te dizer que… movimentos são importantes, mas tem coisas subliminares tão importantes quanto que você pode e deve trabalhar igual. Instinto, reflexo, velocidade de resposta e disparada são exemplos sabe? Até mesmo a percepção espacial e dos arredores? Essas são habilidades importantes de serem desenvolvidas e que podem ser trabalhadas através de brincadeiras, sem um treinamento brutal ou que possa comprometer seu corpo.”

“Isso… faz muito sentido.” Admitiu Shouta pensando em formas de empregar isso praticamente.

“Vê? Izuku é uma criança enérgica e temos, literalmente, uma floresta em nosso quintal, então há espaço para qualquer coisa que você queira fazer nesse estilo Shouta. Claro que eu estou falando a partir de minha própria infância. Se você pedisse para Elijah ele provavelmente iria sugerir que Izuku decorasse toda a teoria antes de aprender a dar um soco.”

“Isso definitivamente é verdade.” Shouta admitiu divertido, vendo como aqueles caras se conheciam tão perfeitamente (resultado de décadas trabalhando juntos).

“Não se afobe ok? Você ainda tem uns meses até as férias escolares e Izuku vai esperar sem problemas. Até por que, ele também tem muito a fazer. E nós todos estamos aqui. Pode pedir ajudar de qualquer um de nós a qualquer momento que for necessário.”

“Muito obrigado.”

“Não seja por isso. Eu adoro te ajudar quando posso. Agora, indo da água para o vinho… que mensagem era aquela Sho-u-ta?”

Ele precisou pensar um pouco no que ela queria dizer e gemeu ao perceber exatamente do que Aya estava falando. Foi então que ele fechou o livro em sua frente, se resignando em pelo menos duas horas de interrogatório brutal.

 

*****

 

“Né… Izuku?”

“Sim, Onee?”

“Como você se sente a respeito de irmos visitar uns conhecidos meus por um momento?”

O olhar no rosto de sua irmã já lhe dizia que aquilo seria não muito legal para nenhum deles.

Não havia dúvida nenhuma, é claro, que eles iriam.

 

*****

 

Entrar na sede do Grande Conselho parecia o mesmo que mudar completamente de mundo, para o menino de, então, seis anos. Ele encolheu-se contra as pernas de Aya enquanto eles marchavam pelos corredores absurdamente compridos.  Existiam poucos lugares no mundo que poderiam ser tão... vazios e isso era  desconfortável para a criança acostumada ao caos decorativo que era a própria casa.

O teto estava facilmente a mais de dez metros sobre suas cabeças, formando uma elegante abobada. Tanto ele quanto as paredes eram impossivelmente brancos o que aumentava a sensação de pavor no corpo do menino. Seu nervosismo era tanto que ele sentia-se incapaz de apreciar os detalhes nas fardas que os irmãos utilizavam naquele então.

Isso realmente queria dizer algo visto que ele era fascinado por aquelas vestes que via raramente. Izuku tinha certa fascinação pelo padrão escuro de cores e todos os detalhes existentes nas partes internas de suas capas. Cada um deles possuía seu próprio padrão afinal, adaptado a partir de suas habilidades e personalidades. Havia centenas de historias naqueles pedaços de pano e cada uma delas era mais fascinante do que a outra.

Escondido sob a capa estava apenas o uniforme padrão de calças sob medida e os casacos pesados acompanhados dos mesmos detalhes coloridos. Era o tipo de uniforme que Izuku imaginava ver em programas de televisão e filmes de alto orçamento. Pessoalmente, isso superava qualquer expectativa.

Talvez fosse por isso que ele não se cansasse em olhar para eles quando possível, tentando perceber cada um dos detalhes presentes nas quatro versões das pesadas vestes.

(Seus irmãos, mesmo que formassem uma equipe documentada e oficial, definitivamente não se comportavam como uma. Ao contrario da tradição, eles pareciam vestir aquelas roupas em especifico apenas quando precisavam estar em assuntos formais, então realmente eram raras as vezes que as mesmas deixavam seus espaços nos roupeiros.)

Seus dedos se amararam ainda mais na capa de Aya quando eles finalmente pararam em frente à pesada porta, também branca, no fim do corredor. O homem velho e mal encarado que lhes guiara até ali (apesar do revirar de olhos de cada um dos seus irmãos) parou em frente a ela antes de, exageradamente, bater pedindo autorização para a entrada deles ali.

“Anuncio a chegada de Matsukaze-sama, Quarta Cadeira, bem como o restante de seu Coven e…” Ele hesitou ao olhar para Izuku que se encolheu ainda mais contra a jovem.

“Protegido.” Foi a única palavra de sua irmã, que estranhamente foi recebida com um brilho de temor do homem. Depois que ele repetiu o que ela havia dito, naquele tom alto de voz, a porta abriu com uma pompa inacreditável para a criança.

O homem não seguiu em frente a partir dali, parando ao lado da abertura, com a cabeça baixa respeitosamente enquanto eles cinco entravam. Ethan estava no final de seu grupo e Izuku pode ouvi-lo estalar a língua quando a porta fechou novamente após sua passagem.

Dentro daquele cômodo estava a maior mesa que Izuku já havia visto em sua vida. Feita completamente de pedra, ainda mais branca que as paredes (se possível) e cadeiras que mais pareciam tronos de madeira e veludo, o móvel ocupava uma boa parte da grande sala. Da mesma forma que em sua casa, uma das paredes era completamente composta de vidro, permitindo que a luz natural e a vista de um elegante jardim chegassem até ali.

Realmente era uma coisa de magos, percebeu, tanta apreciação pelo ambiente e entorno.

Sentados à mesa, e ocupando o topo da mesma, estavam três homens velhos, vestindo vestes tão pesados quando as dos jovens, mas de cor clara, que olhavam para sua irmã em diferentes escalas de curiosidade. Ela retornou com um olhar zombeteiro enquanto acariciava os cabelos do menino ao seu lado.

Todos possuíam grandes cabelos e barbas brancas e, mesmo sentados, Izuku poderia dizer como que suas alturas pareciam divergir pouco entre eles. Dois pares de olhos claros, nas pontas, olhavam para ele com algo parecido com aceitação velada. Os olhos negros no centro eram abertamente afetuosos ao encararem os recém chegados.

“Vocês mandaram nos chamar?” Até Izuku entendia que aqueles homens deveriam ser as figuras de maior autoridade em todo aquele prédio. Tudo neles emanava a sensação de poder que até então Izuku apenas tinha sentido a olhar para All Might ou mesmo Endeavor. (Ele precisava temer pela própria vida se o tom dela parecesse desrespeitoso demais?) “Eu tenho quase certeza que não fiz nada grave demais desde a última vez que estive aqui.”

“Esse deve ser o único motivo para eu ver minha neta?” Disse o que estava no centro dos três. Isso, definitivamente, fez o queixo de Izuku cair. Ele sabia que Aya era meio importante, mas até tal ponto?

“Ah… agora o menino entrou em colapso. Parabéns sensei.” Disse ela olhando para Izuku, adivinhando o turbilhão que passava em sua mente.

“Mas seriamente Aya… quando você pensava em dizer para o conselho sobre assumir…”

“Eu não. É por isso que não disse nada. Estou cuidando do menino enquanto sua mãe se recupera. Nada alem disso foi decidido.”

“Entendo. Essa é a sua versão oficial sobre o assunto, então.” O homem olhou com afeição para Izuku, que se encolheu ainda mais contra a menina. “Izuku-kun, não é mesmo? Os chamei aqui hoje, pois penso que, como Mestre e antigo guardião de Aya, eu devia ter a honra de acolhê-lo oficialmente em nossa família.”

Izuku não sabia o que fazer. Ele estava convivendo com magos há mais de um ano, mas se limitavam apenas aos seus irmãos. O menino os ouvia falar algo sobre o Conselho às vezes, de forma que ele entendia como a instituição era a regulamentação universal da magia, mas saber que uma das pessoas mais importantes ali parecia ter sido responsável pela educação de Aya era… surreal.

Olhando de soslaio para ela Izuku viu como seu olhar o incentivava a responder. O tapa delicado em suas costas tirou o menino de trás das suas pernas, deixando-o completamente a vista dos três homens.

“Muito ob-obrigado senhor.” Ele imitou a ligeira mesura que viu outras pessoas fazendo para Aya enquanto eles caminhavam pelos corredores. Talvez aquela fosse a forma de se cumprimentar ali? “Me sinto honrado de ser convidado.” Izuku estava orgulhoso de si mesmo por ter se lembrado daquela linha. Animes poderiam ser úteis, afinal de contas.

“Não seja tão formal conosco, por favor. Você é apenas uma criança e, por mais que eu admire sua boa educação, eu não pretendo forçá-lo a agir como algo diferente.” O tom era o mesmo paternalista que Aya e os outros usavam consigo (era o mesmo tom que ele se lembrava de papai usando).

“Muito obrigado?” Ele estava hesitante se era assim que realmente deveria responder, mas ver que não foi corrigido mostrou que, pelo menos, não estava tão errado.

“Estou ansioso para ver o que as estrelas lhe trazem garoto.” Disse solenemente o homem a esquerda. Sua voz era mais cadenciada que a outra, como se gasta. Izuku apenas assentiu, ruborizando-se novamente.

“Agora Izuku-kun...” Interrompeu o homem do centro, conquistando a sua atenção novamente. “O que você pensa sobre conhecer as redondezas do prédio enquanto conversamos com sua irmã? Vai demorar apenas um momento e sei que Elijah, Ethan e Mitsuru não se recusariam em guiá-lo por ali.”

“Eu posso mesmo?” Isso tirou um sorriso verdadeiro do menino enquanto ele imaginava conhecer as coisas fora daquele corredor morto por onde andara.

“Claro que sim.” O homem era muito gentil enquanto acenava para a saída, e a porta se abria com seu gesto. “Quanto antes você aprender a se locomover por aqui vai ser melhor, afinal de contas.”

“Sensei!” Qualquer outra coisa que ele quisesse dizer foi interrompida pelo protesto de Aya. Eles tiveram outra conversa através de olhares que Izuku ainda não entendia.

“Sim, me desculpe minha querida.” Seu olhar parecia realmente pesaroso enquanto voltava para Izuku. “Então, o que você me diz?”

“Onee?” A ansiedade era obvia em sua voz enquanto olhava para sua irmã em busca da aprovação.

“Não vejo por que não. Apenas impeça Ethan de destruir algumas paredes sim? Toda essa porcaria aqui é estupidamente cara.”

“Hey.” Protestou o garoto em questão enquanto estendia o braço para que Izuku fosse até ele, o que o menino imediatamente fez, afastando-se de onde estava.

“Muito obrigado senhor.” Ele disse para o velho homem, cujo nome ele ainda não recebera, percebeu, e voltou-se para o irmão, que o afastou em direção a porta e para o exterior.

“Sem problemas, meu menino.” Foram as últimas palavras que escutou antes que atravessassem novamente pela assustadora porta, que se fechou em suas costas.

Sua irmã ficou sozinha ali com o velho homem enquanto eles percorriam os corredores, Izuku louco para realmente ver o que havia no prédio. Conhecer a sede do Conselho, em todas as salas e espaços que a compunham além do corredor estranho era, por falta de palavras melhores, fascinante.

Havia toda uma área com salas que Elijah disse ser de aulas seniores (O equivalente a universidade para as demais pessoas), da mesma forma que as estufas e um local afastado que Elijah disse ser o Jardim botânico.

As áreas comuns eram povoadas e alegres por diversos magos, de diversas idades (Muitos alunos das turmas seniores ou funcionários em período efetivo).

Mas, de longe, o que mais fascinou Izuku foi a antiga biblioteca. Ela com certeza, deveria ser o maior cômodo de todo o palácio que servia como Conselho. Nas paredes, estantes que alcançavam do chão ao teto forrados de volumes, desde os mais antigos com capas de couro surrado até alguns que pareciam mais atuais, até mesmo em pastas de plástico.

“Esse lugar é incrível!” Disse empolgado enquanto puxava Elijah pela mão em direção ao interior encarando, mesmo que superficialmente, a extensa coleção que o acervo parecia possuir. Eles estavam na seção de botânica quando Izuku parou abruptamente olhando para um dos volumes.

Era razoavelmente antigo, mas bem preservado e num estranho tom de marrom. Apenas vagamente podiam ser vistos relevos de plantas gravados na superfície do couro que o encadernava. Por algum motivo, Izuku não conseguia tirar seus olhos dele.

Nenhum dos garotos disse nada enquanto Izuku estendia sua mão até o mesmo, sentindo-se estranhamente em paz ao tocá-lo. Uma parte enorme de Izuku ansiava por abrir aquelas paginas e ver o que estava ali dentro, mesmo que ele soubesse que dificilmente entenderia algo do que estava escrito ali.

Não impedia seu desejo, entretanto, de mantê-lo consigo.

“Isso te interessa?” Foi Mitsuru quem quebrou o silêncio e Izuku tirou a visão do velho volume para encontrar o olhar questionador do jovem. Havia uma estranha compreensão naqueles orbes, algo que Izuku estava contendo-se para não pedir do que se tratava (Mitsuru sempre era incrivelmente vago quando Izuku fazia e isso o frustava).

“Eu acho que sim...” Admitiu por fim, voltando a visão para a prateleira. “Mas eu não sei por quê.”

“Não se force a descobrir.” Ele disse como se fosse óbvio. Talvez fosse. “A resposta vai vir para você.” Izuku observou enquanto ele pegava o volume da prateleira e se dirigia até o balcão onde a atendente estava esperando para atendê-lo.

“O que...” O menino tentou perguntar, mas foi interrompido pelo suave sorriso que ele lhe dirigiu, ao voltar-se para trás.

“Eu fiquei, estranhamente, com vontade de ler algo sobre isso Izu.” Disse como se isso explicasse tudo que ele precisasse saber. “Se chamou a atenção de meu tão inteligente irmãozinho, deve ser um assunto muito interessante, afinal.”

Izuku sorriu mais uma vez, antecipando uma tarde preguiçosa sentado com o rapaz enquanto ambos descobririam, juntos, aquelas páginas.

O restante da visita foi quase ofuscado pelo entusiasmo e expectativa.

 

*****

 

“Esse foi um dos dias mais legais da minha vida!” Disse naquela noite, excitado apesar da sonolência, enquanto Aya o colocava sob as cobertas.

“Sério mesmo? Eu poderia passar mais um tempo sem isso.” Contradisse-o enquanto tentava ajeitar-lo, sem muito êxito.

Isso fez com que o menino olhasse sério para ela que sorria gentilmente para ele. Seus movimentos pararam durante algum tempo e o tapa de Aya sobre os travesseiros foi indicação mais do que suficiente para que ele se deitasse ao seu lado.

Depois de acomodados no quarto escuro, Izuku finalmente permite-se ceder ao cansaço, sendo rapidamente levado por ele.

“Onee…” Disse com o pouco de energia que possuía para permanecer acordado.

“Sim?”

“Eu acho que sei o que eu quero de aniversário agora.”

Foram suas últimas palavras antes de cair no sono. O vazio veio antes que a resposta da mulher fosse ouvida por ele, mas isso estava bem. Eles ainda teriam muito tempo.

 

*****

 

“Sinceramente… eu não acho que realmente existisse mais uma escolha, pirilampo.”


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Notas finais do capítulo

E... Seria isso, por enquanto.
Nos vemos no próximo capítulo ?!



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