Ramé escrita por LuriCris


Capítulo 6
O espaço entre (11-9).




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Entre tantas vertentes e aplicações possíveis, o que mais me fascina é a magia curativa. Pergunto-me se existe algo mais puro e desinteressado do que o ato de utilizar a própria energia em outro corpo, de canalizar o produto de seu contrato para o bem de outro alguém?

Talvez seja um dos motivos dessa ser, de longe, uma das formas mais complexas de magia para ser aprendida? Magos curadores devem entender não apenas do que faz a magia… magia, mas também devem entender coisas que buscam desacreditar sua existência como princípios científicos e a própria biologia.

Seja de simples unguentos e pomadas até técnicas complexas como a reconstrução de um tecido ou a Transferência de Dano, é um fato de que a magia curativa esteve presente (e foi fundamental) para a consolidação da humanidade.

Como descendente de druida posso dizer com orgulho que as raízes de meu povo estão profundamente intrincadas com essa prática que torna o convívio com a natureza uma completa simbiose…

 

Trecho de “Antologia Druida” pág. 275. Por Zianab C. Lewis. 1889-Gaia.

(Registro 2504.7789/s perante GC.)

 

  

Um parque é o lugar mais propicio para desencadear uma briga entre crianças. Foi o que aprendeu Izuku naquele dia. Não eram raras às vezes em que era assediado por Kacchan e seus amigos no pequeno espaço no lado traseiro de sua escola, da mesma forma que, ele imaginava, aquele ali não seria seu ultimo confronto.

Eram poucas, pra não dizer nenhuma, as crianças que se dispunham a brincar com Izuku, temendo ser excluídas também pelo restante da turma, mas havia essas vezes. Situações em que seus colegas precisavam de ‘mais um’ ou decidiam que a companhia dele seria útil para o desenvolvimento da brincadeira. Izuku sentia-se muito feliz de ser incluído, embora parte de si lamentasse que isso não fosse frequente.

Então ele estava exultante ao trabalhar na caixa de areia, junto com o novo estudante de sua escola. Eles conversavam animadamente enquanto construíam um castelo com os itens que tinham ali. O assunto variava de lições antigas a casas novas (ambos haviam mudado de residência recentemente) e invariavelmente chegou em heróis.

Talvez se Izuku apenas tivesse falado sobre os mesmos tópicos de sempre, contando sobre o que via na TV ou jorrando informações sobre All Might a situação não teria saído tanto do controle, mas ao escutar a pergunta inocente de seu novo amigo Enoshita-kun, junto com seus olhos sinceros, Izuku sentiu-se confiante.

“Wow, não vejo à hora de ser grande o suficiente para entrar na UA.” Enoshita estava empolgado enquanto narrava histórias que seu primo mais velho, então aluno do segundo ano, contava sobre a escola. “Quer dizer, parece incrível. Deve ser ainda mais legal ver com os próprios olhos.”

“Sim, isso mesmo.” Izuku perguntou-se se seria arrogância demais dizer para o menino que morava lá perto e em seu caminho para a escola passava pela entrada todos os dias. “Você seria um ótimo herói com seu Quirk!”

“E você, Midoriya-kun, vai ser um herói também?” Oh, será que Enoshita não sabia que Izuku era Quirkless? Ou ele era diferente de todos os outros e achava que aquilo não importava? Fosse como fosse, Izuku assentiu animado sem perceber o garoto loiro aproximando-se deles.

“Sim, eu quero ser um grande herói para salvar as pessoas com um sorriso, como All Might. Sabe…”

“Hey Deku…” Kacchan interrompeu sua frase e pelo canto do olho Izuku pode ver Enoshita-kun empalidecer. “Quem você pensa que é para sair por ai dizendo que vai ser um herói, hein? Quirkless inútil. E você…” Ele voltou para o outro garoto que estava levantando da areia. “Pare de colocar ideias idiotas na cabeça desse imbecil, ele vai acabar se matando.”

“Isso não é verdade.” Izuku deveria ter ficado quieto, ele deveria ter aceitado as palavras duras e esperado que Kacchan se cansasse. Mas ele também queria mostrar coragem para o amigo que fez, queria agir como um herói que não se calava para coisas ruins, então ele falou. “Eu posso ser um herói também, da mesma forma que vocês.”

“E quem lhe disse isso?”

“Onee-chan me disse isso. Eli-nii e Mitsuru-nii e Ethan-nii. Todos dizem que eu posso ser um herói.” Seus irmãos acreditavam nele. Nenhum havia dito ‘desculpe’ ao ouvir seu sonho, eles apenas sorriram.

“E o que aqueles extras sabem? Eles mal te conhecem. Eu sei o estorvo que você é desde sempre. Não vai demorar em eles entenderem também.”

“Pare de mentir Kacchan!” Izuku não devia ter gritado. Não deveria ter perdido o controle e deixado aquele lapso de raiva o dominar.

“Quem você pensa que é para gritar comigo Deku?” O menino não falava, rosnava. Pela visão periférica ele encontrou Enoshita-kun, ainda mais aterrorizado, e implorou pelo olhar que o menino saísse dali. Izuku conseguia lidar com Kacchan, ele só não conseguia, ainda, impedir que o menino atacasse outros. “Fazer amizade com aquele merdinha ali te encheu de confiança não é mesmo? Veja só, o inútil está fugindo.”

A risada de Kacchan poderia machucá-lo se ele não soubesse que aquilo era o melhor. Com um pouco de esperança, logo um professor chegaria ali antes que Izuku se machucasse demais.

“Kacchan, por favor…”

“PARE DE ME CHAMAR ASSIM!” Então ambos os meninos estavam cara a cara, mas Izuku não se permitia tremer de medo. As coisas piorariam se ele fizesse. “Covarde e estúpido Deku, não venha de ‘por favor’ agora que ficou sozinho. Apenas desista desse sonho idiota de uma vez!”

Foi o bruto empurrão que derrubou Izuku na areia de costas. Foram as risadas dos capangas de Katsuki que levaram lágrimas para seus olhos novamente. Mas a ira de Kacchan não foi o suficiente, dessa vez, para aplacar sua resolução.

“Não! Eu quero ser um herói também. Você não pode decidir por…” ele não terminou. Um impacto doloroso foi sentido em sua lateral e, em pânico, percebeu que havia sido um chute.

Horrorizado Izuku percebeu o exato momento em que Kacchan pronunciou com ódio “Veja se consegue com isso então, Herói.” A última palavra foi dita com ainda mais veneno. Nem todos os pedidos de socorro fariam com que as duas crianças parassem de chutá-lo e socá-lo, tudo enquanto seu ex melhor amigo assistia com satisfação.

Chega, era o mantra em sua mente. Chega, chega, chega, por favor, eu só quero fugir daqui. Alguém, por favor… qualquer um, apenas me ajude...

Um forte vento atingiu todos eles, em meio aos seus soluços, enchendo os olhos dos dois sobre si de poeira e areia. Os meninos deram passos para trás enquanto reclamavam e Izuku viu ali a sua oportunidade. Colocando-se de quatro, enquanto seus  agressores estavam distraídos Izuku tentou sair da nuvem de poeira e correr para junto da professora.

Ele poderia ter feito. Mais alguns passos e ele poderia pegar o impulso necessário em uma corrida para aquilo finalmente acabar. Mas, então, ele sentiu uma ardência em suas costas. Era algo conhecido, ao mesmo tempo em que milhares de vezes mais intenso, e ele apenas parou novamente, desabando sobre o chão. De longe ele ouviu um grito de dor brutal antes de apagar na inconsciência.

(Era ele gritando.)

 

*****

 

Bakugou Mitsuki foi retirada de suas tarefas em uma tarde de quinta feira. O trabalho no escritório estava feito para o dia, antecipando o próximo final de semana, e a ligação chegou no momento em que nada restava além de encarar as paredes.

Algo nela despencou ao ver o número da escola em seu identificador de chamadas. Mil e um motivos diferentes de por que ela seria contatada vieram a sua cabeça e, em todos eles, ela temia por Katsuki.

A informação que ela recebeu então não era exatamente uma das que temia, o que tornou a situação, de alguma forma, pior. Levando alguns minutos para estabilizar-se Mitsuki finalmente ligou para Masaru, deixando-o de prontidão para que ela o alcançasse dentro de vinte minutos.

Eles tinham uma reunião escolar para comparecer.

 

*****

 

Quando ela chegou à propriedade escolar foi para encontrar outras pessoas, que conhecia de passagem como pais dos amigos de Katsuki, amontoadas nas gastas cadeiras da recepção. Todos compartilhavam seu mesmo estado de temor, aguardando o momento em que a porta se abriria.

Levou minutos quietos ali, ouvindo apenas os vislumbres de vozes bravas do outro lado da porta, o que indicava uma discussão feroz. Apenas vagamente Mitsuki pensou ter reconhecido uma delas como a de Aya e isso acabou formando um nó em sua garganta acompanhada do início de uma suspeita.

Quando o homem que conhecia apenas de reuniões escolares abriu a porta atraiu a atenção de todos instantaneamente. Ele parecia um retrato vivo do inferno. Suor escorria por sua têmpora, perdendo-se, de alguma forma nas dobras de sua camisa amarelada. O terno mal cortado acentuava seu desconforto da mesma forma que a estranha gravata amarela deixava-o com um aspecto ainda mais doentio.

Suas mãos tremeram um pouco ao segurar a maçaneta e ele suspirou fundo antes de encarar todos os adultos ali e, sem palavras, acenar para que entrassem em sua sala. Enquanto se acomodavam Mitsuki finalmente pode ver seu filho, que também era trazido para o ambiente junto com dois de seus colegas.

Havia Izuku na sala também, aconchegado nos braços de Aya, que realmente estava ali, sentada em uma das cadeiras mais confortáveis.

"Como vocês foram informados..." Começou o diretor suando frio. "Estamos aqui por causa da situação envolvendo as crianças..."

"Situação? É assim que você quer chamar isso?" Matsukaze Aya estava possessa, se fosse o suficiente para descrever seu estado de espírito.

"Matsukaze-san, como já conversamos entenda..."

"Mas ali é que está. Eu não tenho que entender nada. A única coisa que eu preciso saber é o motivo de ter sido chamada para buscar uma criança de seis anos na enfermaria com uma queimadura de segundo grau nas costas. E um curativo completamente porco ainda por cima."

Mitsuki gelou com aquele novo pedaço de informação e, pelo canto do olho viu Katsuki endurecer em seu lugar. O menino evitava contato visual com qualquer um ali presente.

"Katsuki? Algo que eu preciso ficar sabendo? Vou lhe dar agora." O resmungo, mas sem retórica de seu filho, confirmou novamente o que o telefonema lhe dissera. A única diferença é que o abismo entre ‘seu filho feriu um colega por acidente’ estava sendo preenchido.

"Eu solicitei uma reunião com os responsáveis dos alunos envolvidos como a senhorita exigiu." O homem continuou falando com Aya, inconsciente da troca de Mitsuki com seu próprio filho. "Mas um acidente não é motivo para tanta exaltação..."

"Sim." confirmou a senhora Tanaka (?), ansiosa para livrar-se de um potencial problema. "Eles são apenas crianças, acidentes acontecem jovem."

"Um acidente é tropeçar nos próprios cadarços. Um acidente é errar a direção e levar uma bolada ou até mesmo trombar com alguém. O que aconteceu aqui, minha senhora, foi um ataque covarde e a queima roupa com um Quirk potencialmente destrutivo em uma criança Quirkless."

"Isso foi apenas um caso isolado."

"Se um caso isolado me fez vir buscar uma criança calcinada aqui o recorrente será aonde? Eu vou ter que tirar-lo de um necrotério?

"Ora jovem, não diga besteira..."

"O menino tem uma queimadura NAS COSTAS, resultado de uma explosão. Você tem noção de quão fodido isso é?"

"Matsukaze-san, espero que controle sua linguagem mesquinha na frente das crianças...”

"E eu esperava que vocês controlassem suas crianças mesquinhas, mas mesmo assim, aqui estamos.”

"Eu entendo a essência do que está acontecendo aqui agora.” Interrompeu Mitsuki quando viu que a discussão continuaria infinitamente se continuasse daquele jeito. “Por falar nisso: por que não fui informada que essa reunião era sobre meu filho maltratando alguém?“

"Bakugou-san, entenda que não queríamos preocupá-los apenas por...”

Apenas por?" Repetiu entre os dentes. O humor de Mitsuki se equiparava ao de Aya (que fervia ainda mais do que antes). Por sorte naquele.momento um jovem que aparentava ter sua mesma idade, e ela reconhecia vagamente como Elijah, entrou na sala e tirou Izuku de seus braços apoiando o menino contra o peito e acariciando os cabelos da criança chorosa. "Meu filho feriu uma criança gravemente sob seus cuidados e você considera isso algo sem importância? Katsuki venha aqui agora. Eu vou perguntar mais uma vez: o que vocês fizeram?"

"A culpa é de Deku." Aya não media olhares assassinos, nem mesmo para seu filho que se encolheu um pouco depois de soltar a frase. "Ele estava dizendo como se tornaria um herói legal, como os irmãos. Deku não pode ser um herói..."

"Isso não explica ainda o porquê da queimadura nas costas."

"Ele fugiu, o covarde, quando o desafiei a me encarar. Agarramos suas roupas e..."

"Você atacou meu irmão.” A jovem interrompeu a narrativa da criança com um tom estranhamente medido. “O covarde é você Katsuki."

"Como pode dizer isso." Tanaka, chorosa, exclamou novamente. "É apenas uma criança!"

"Realmente. Se ele tivesse o mínimo de idade penal pode ter certeza que eu pessoalmente estaria fechando sua cela agora.” Ela parou de falar enquanto levantava-se da cadeira em que estava. Em nenhum momento seus olhos deixaram Izuku. “Não estou aqui pra perder meu tempo discutindo com vocês. Eu tenho mais o que fazer, principalmente providenciar tratamento de verdade para a criança, mas eu exijo a punição adequada para eles três, entretanto." Acena para Katsuki e os amigos, finalmente voltando seu olhar para o homem. "E você pode ter certeza, senhor diretor, que a escola não vai escapar disso."

"Você não pode chegar aqui e simplesmente ameaçar todos assim." Defendeu-se o homem.

"Oh, mas ali e que está: eu não estou ameaçando ninguém. Não sou idiota ou ignorante das leis. Conheço os direitos do meu irmão e não vou deixar um inútil como você, nem mais um segundo, decidir sobre ele. Tenho documentado muito do tratamento que Izuku recebe, e sinceramente, isso de hoje é uma cerveja no topo do bolo.

Espero que seja advogados sejam ótimos Diretor, por que você vai precisar. Quanto a vocês...” Virou-se para os pais que encaravam aterrorizados. “Mantenham suas crias longe de meu irmão. A próxima vez que Izuku aparecer com um mínimo arranhão vocês vão se arrepender de ter nascido.”

“Aya…”Mitsuki, sinceramente não sabia o que dizer para a mulher ali. Como justificar algo que ela mesma condenava? Não havia nenhuma forma que poderia defender Katsuki, caramba. Nem Masaru estava tentando, dada a gravidade do problema.

Foram poucas as vezes que as duas haviam interagido desde que se conheceram, mas ela via a completa adoração da outra pelo menino ferido. Existia o respeito e agradecimento por algo que ela mesma não pode fazer por Inko e seu filho, embora Mitsuki pensasse estar disponível para isso. Como ela poderia olhar para o rosto da amiga depois disso? O que Inko diria se acordasse hoje?

“Por favor, não…” Aya lhe interrompeu. “Não agora… Eu preciso tirar Izuku daqui e garantir que não vão ficar sequelas graves. Eu falo com você outra hora.”

“Claro, eu entendo. Por favor, acredite quando eu digo que Katsuki vai se arrepender disso, todos eles vão.” Os outros pais não tentaram mais protestar, desistindo de defender a atitude falha de seus filhos. A aceitação de que o castigo era inevitável estava sobre todos.

“Eu não sei o que dizer mais.” A tentativa de sorriso era fraca e falhou antes de chegar à metade. Os olhos eram cansados apesar da tempestade.

Ela não se despediu de ninguém enquanto abria a porta e segurava para que Elijah passasse com Izuku em seus braços. O silencio que ficou era brutal e foi Mitsuki mesmo quem o quebrou. “Agora pirralhos, sobre o seu castigo…”

 

*****

 

“Matsukaze-san! Midoriya-kun!“ Izuku escutou a voz de sua professora enquanto ela se aproximava deles, em meio ao estacionamento. Sua aparência desgrenhada e falta de fôlego mostravam como ela correra para alcançá-los. Onee não parecia muito feliz com isso. Aya não prestou atenção em sua chegada, abrindo uma porta do carro e esperando Elijah sentar Izuku delicadamente sobre o banco. Apenas depois de instalar o menino ela reconheceu a presença.

“O que você quer?” A completa falta de delicadeza de sua irmã fez com que a mulher hesitasse durante um momento.

“Eu preciso pedir perdão. Por tudo. Foi uma completa falha o que aconteceu com Midoriya-kun e sinto-me envergonhada por isso. Lamento que tenhamos nos conhecido nesse tipo de situação.”

“Saito-san? É isso?” Ao receber a confirmação sua irmã suspirou. “Eu não preciso de desculpas, eu preciso saber que meu irmão está sendo bem cuidado e vocês falharam terrivelmente nisso. Que tipo de sociedade crianças como aquelas vão formar se aprendem o ostracismo desde aqui?”

“Eu entendo você.”

“Sério? Diga isso pras costas de Izuku.”

“Me deixe terminar, por favor. Eu entendo você, por que minha  mãe é Quirkless também e, mesmo sendo de uma geração mais antiga, ela ainda sofre. É por isso que, inutilmente, imaginei que proteger Midoriya-kun explicitamente pioraria ainda mais a situação dele e isso está me comendo por dentro, por que, no final, não fez diferença nenhuma.

Então sim, eu vou aceitar a punição que receber. Isso é apenas o justo e o certo já que eu acredito nessa mesma sociedade em que as coisas funcionam. Só que eu preciso, pelo menos, lhes pedir perdão. Eu virei o rosto em algo que eu mesmo provei em primeira mão e odeio com todas as minhas forças.“

“Espero que esteja sendo sincera.” Aya disse depois de alguns pesados minutos em silêncio.

“Eu sou.”

“Ok, se isso for tudo estamos de saída. Nos vemos.”

Eles saíram então deixando a mulher e o prédio para trás.

 

*****

 

Estava silencioso no caminho de volta para casa. Eram raras as vezes que eles andavam de carro, preferindo sempre transportes públicos menos poluentes (dependemos da natureza mais do que qualquer um Izu, a respeitamos mais do que qualquer um), mas naquele então Izuku aproveitava o estranho luxo enquanto deitava de barriga para baixo no banco traseiro. O Grande utilitário permitia que o assento fosse tão confortável quanto uma cama e, no caminho, Izuku espaçava entre diferentes sensações.

Na parte da frente Aya e Elijah permaneciam silenciosos. Hora ou outra a menina, que estava no banco do carona, virava seu olhar para ele.

“Você exagerou um pouco lá.” Elijah interrompe o silencio auto-imposto no automóvel e seu tom deixa os demais ocupantes tensos. “Mas eu não posso dizer que não entendo.”

“Um sermão agora? E eu não exagerei, eles ultrapassaram os limites.”

“Eu não posso lhe dar sermões. E você podia ter lidado com aquilo com mais elegância.”

“Foda-se elegância. Eu não vou pedir desculpas para ninguém e nem voltar atrás.”

“Eu sei que você não vai. Você nunca faz.”

A única resposta que ele recebe é um bufar e então o espaço fica em silencio mais uma vez.

“Pirilampo, como estão suas costas?” Izuku estava quase pegando no sono quando a pergunta chega. Todos os analgésicos que havia recebido na escola para sua queimadura estavam deixando-o estranhamente grogue.

“Elas ardem.” Disse sinceramente. Na mesma hora, como se um sinal, a carne começa a latejar novamente e, sem ter o que fazer, Izuku choraminga.

“Eli, eu vou pular para trás. Esfrie mais o ar, por favor.”

“Me deixe encostar aqui, sua louca!”

“ok, ok. Só faça rápido.”

O carro para no acostamento e apenas vagamente Izuku escuta portas abrindo e fechando. Cerca de um minuto depois Aya está com ele no banco traseiro, segurando sua cabeça e murmurando alguma coisa estranha enquanto passa a mãos perto da queimadura. Izuku sente como a dor se esvai novamente, entorpecendo seus arredores, e ele cede sua postura tensa.

“Muito obrigado Onee, Onii.”

“Não seja por isso. Né Izu, você pode me dizer agora? Por quanto tempo isso vem acontecendo? E eu estou falando sério dessa vez.”

“Não é hora de perguntar isso Aya!” Elijah exclama logo que ela termina. Aya o ignora.

“Eu… sempre foi assim, desde que eu descobri que era Quirkless. Kacchan parou de brincar comigo e, depois de um tempo, ele sempre me machucava, mas nunca tinha sido desse jeito. Eu não sei… Eu sempre pensei que não era de propósito…”

“Shh… entendi. Izuku, você não precisa aguentar esse tipo de coisa sabe?”

“Vai acontecer algo ruim com eles?”

“Com seus colegas não, enquanto eles não se aproximarem de você. A escola é outra história.”

“Vai insistir nisso?” Elijah novamente entra na conversa e seu tom não é dos mais dispostos.

“Crianças. infelizmente, são crianças. Precisam de orientação e não posso condená-las por uma situação que saiu do controle. Mas a escola era responsável, além de ser um lugar de educação civil, não uma fábrica de valentões.”

“Você só esta procurando desculpas para foder com a vida de alguém.”

“Isso também, da mesma forma que você foge do conflito sempre, mesmo que isso seja injusto. E a propósito, linguagem. Tem uma criança aqui.”

“Você não está sendo séria.”

“Mortalmente.”

Elijah olha para trás, apesar os protestos dos outros dois passageiros.

“é incrível o nível de arrogância dela ao admitir isso.”

“Desenvolva…”

“Você jurou como um marinheiro na frente de quatro crianças a menos de uma hora. Você recém disse ‘foda-se’ com todas as letras.”

“Ambas as situações exigiam.”

“Não digo mais nada.”

“Claro que não, senhor pacifista.”

“Onee…” Izuku interrompe a conversa novamente antes que ela se torne mais uma briga.

“Sim pirilampo?”

“O que é um pirilampo?” Sinceramente, não era isso que Izuku ia perguntar, mas o estado de sua mente simplesmente jogou a pergunta para fora.

“Pirilampo? É uma forma de dizer vaga-lumes. Combina com você, sabe?”

“Oh, meu cabelo?”

“Seus olhos. Eles brilham do mesmo jeito. É como se fossem constantemente iluminados.”

“Você gosta dos meus olhos.” Isso o deixou feliz. Seus irmãos estavam sempre o elogiando, seja seu comportamento ou notas, mas era a primeira vez que recebia um elogio em sua aparência.

“Eu amo seus olhos, e seus cabelos, e suas sardas, e suas bochechas fofas…”

“Pare, pare, pare…” mesmo a sonolência não o impedia de ficar completamente envergonhado. O fato de que a dor amortecia novamente, sob o toque dela, ajudava Izuku a relaxar. “Né Onee… você está fazendo algo nas minhas costas?”

“É claro que sim. Tem algum problema? É desconfortável? Existem pessoas que odeiam a sensação de magia curativa…”

“Não, é quentinho. Eu só perguntei por que eu estou me sentindo muito melhor desde que você se sentou aqui.”

“Oh graças a Deus.” Ela estava aliviada, ele percebeu, de não ter ultrapassado nenhum limite.

“Magia é tão legal, eu queria saber fazer esse tipo de coisa…”

Ele não escutou mais nada do que foi dito enquanto adormecia, mais uma vez, na presença daquelas duas pessoas.

 

*****

 

Kacchan e os demais foram proibidos de chegarem perto de Izuku, permitindo que o menino curasse em paz. Seu castigo foi decidido em uma semana de suspensão e a limpeza do pátio da escola pelo resto do ano.

 (Nunca é cedo demais para serviços comunitários. Estamos no planeta desde que nascemos.)

Izuku notou, estranhamente, como o início do verão não o afetava tanto como o restante dos seus colegas. Sempre havia uma brisa fresca que ele poderia facilmente encontrar. O sol nunca era quente demais.

Sua professora continuava a mesma e, como havia prometido, cuidava de Izuku perante os alunos de outras turmas, que ainda tentavam chegar até ele ocasionalmente.

O diretor, após reunião com pessoas que todos descreviam como ‘assustadoras de preto’ renunciou de seu cargo. Este foi assumido por uma senhora designada pela secretaria da educação.

Os funcionários da escola olhavam para Izuku e tremiam às vezes.

Enoshita-kun não se aproximou mais de Izuku depois disso.

*****

’Eu queria saber fazer esse tipo de coisa’ diz ele.” Elijah pronunciou sobre um ignorante Izuku adormecido enquanto estacionava, numa conversa que o garoto nunca saberia.

“Percebeu também então?” Aya abriu a porta traseira e acomodou o menino em seus braços enquanto caminhava em direção a porta da cozinha.

“Qualquer pessoa num raio de três quilômetros poderia ter percebido.”

“Algo assim.” Ela concordou suavemente.

“Ele vai ser forte.”

“Sim, a questão é: Quanto?”


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Notas finais do capítulo

Seria isso então?
Até a próxima!



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