Ramé escrita por LuriCris


Capítulo 5
O espaço entre (22-12).




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Os vários ramos de estudos mágicos conhecidos e catalogados hoje tornam indispensável para os estudantes das grandes artes uma completa compreensão do conjunto de fatores que tornam a magia uma arte em si.

Desde os tempos de Edward Grandnel, grande alquimista eslovaco, fala-se sobre a apropriação de elementos de diferentes culturas e folclores para um fazer mágico superior e unificado. Tenhamos em mente, entretanto, que, por mais que tal abordagem inclusionista enriqueça cada vez mais a variedade de recursos, ela também torna muito fácil perder de foco os elementos primordiais de nossos estudos e, junto dele, a essência da prática.

Algo que aprendemos desde o inicio, por exemplo, é como todo o nosso fazer e pensar ampara-se na tríplice elementar do necessitar, sentir e conhecer. São esses três fatores que constroem a cadeia e os processos que definem se nossa intervenção obterá sucesso ou não. É de conhecimento geral que a ignorância, (aqui empregada no sentido literal do termo), é fortemente desencorajada, pois, sozinha, gera resultados capazes de destruir completamente intenções e recursos.

A magia é um processo metódico, que brinca com as barreiras da ciência e do impossível, situando-se no espaço entre o crer e o fazer. Ao ser um praticante das artes naturais (por que sim, não existe nada mais natural do que a própria magia mãe) você é responsável pelo total controle sobre suas palavras e percepções visto que essas sempre serão a força motriz por trás de cada uma de suas ações.

Dito isso, ressalto neste trabalho o que digo a cada publicação que realizo: Cerque-se de suas convicções ao realizar qualquer pequeno ato. Para algo obtido nos limites da Sagrada Dualidade a força reside na criticidade e compreensão do que está sendo feito. Insisto, pois, creia em mim, é necessário.

Entendo que ao abrir esse volume, você meu amigo elementista, tem profunda ciência dos processos que formam e regem a vida e energia em todo o universo. Como estudante e praticante das artes mágicas seu compromisso deve ser sempre com a verdade de sua terra, aquela que lhe concerne força, e por isso o estudo é tão necessário. Trate bem seu entorno e ele lhe sorrirá.

Lembro de uma vez que ao ser confrontado pelo exímio mestre Alencard Trunof, falecido a cerca de duzentos anos, hesitei ao responder-lhe sobre minha prática ao executar um ato simples como preparar uma fogueira a partir de uma conjuração elementar. Com vergonha hoje confesso, que a simples facilidade de um feitiço acabou por tornando-o algo automático e mecânico em minha mente.

Digo isso, pois tive apontada para mim, de forma dura, que tal dissociação é um dos motivos que impede nosso crescimento como sociedade. Ao longo de décadas de estudo pude perceber que a automatização e a falta de meditação por parte de magos e feiticeiros está fazendo com que os valores fundamentais percam-se como relíquias do passado.

Talvez seja por esse mesmo motivo que encontremos nos mais antigos a admiração e inveja por sua força? Essas pessoas, algumas que ainda hoje vivem, carregam em suas veias e almas o construir do processo mágico como veio a ser e, sabemos, seria uma lastima virmos a perder legado de milênios.

É por isso que proponho a você, agora, o estudo sobre algo tão simples como o “pensar” e “associar”. Através dessas páginas tenho classificado informações pertinentes a respeito da padronização e metodologia do fazer mágico para que nosso contato com a Sagrada Mãe deixe de ser, ou esperançosamente não se torno, algo privado de seu verdadeiro significado.

 

Prefácio de “Introdução ao pensar.”, por R.R Charls, 1783-Reah.

(Registro 1897.7982/s perante GC.)

 

 

 

No espaço de dois anos entre a chegada de Izuku na casa do quarteto, até o momento em que o menino efetivamente escolheu tornar-se estudante de magia, as coisas aconteceram em fogo brando:

Inko ainda não havia acordado de seu coma, tendo sofrido danos severos em sua própria essência. Enquanto isso não era exatamente irreversível, o fato de que essa ferida precisava de tempo para curar tornou-se de conhecimento para o menino. E Izuku compreendia. Dia após dia ele visitava o leito de sua mãe, no mesmo quarto em que ela havia sido instalada ao chegarem a casa, e olhava para seu rosto adormecido, perguntando-se se finalmente aquele seria o dia que ela acordaria.

No geral, a vida de Izuku havia mudado pouco. Ele continuaria frequentando a mesma escola que de antes, sendo levado todo dia apesar da relativa distância. O trajeto durava, em cerca, meia hora de ida e volta, mas Izuku sentia-se mais confortável estando em um local já conhecido.

Foi em uma das viagens com Aya para o centro comercial, que Izuku encontra Katsuki pela primeira vez desde o que havia chamado de “O acidente”. Já fazia duas semanas desde que Izuku havia se transferido definitivamente de seu destruído apartamento para a casa de seus salvadores e, apesar de sua lastima, absolutamente nada pode ser salvo, incluso seus materiais escolares.

Era a missão de ambos naquela tarde, então, encontrar novos cadernos e suprimentos para que Izuku pudesse voltar para a escola na próxima semana. A pequena folga que havia recebido para sua adaptação estava chegando ao fim o que exigia que os itens fossem providenciados. É claro que, entre o entusiasmo de comprar merchandising de All Might e demais decorações para o quarto estupidamente grande que recebera, os itens escolares acabaram sendo relegados ao esquecimento (para o constrangimento de todos os presentes).

Distraído pelas pequenas besteiras que a garota mais velha dizia o menino não havia notado seu amigo até que fosse tarde demais para que pudesse tentar fugir de sua presença. Sinceramente, correndo o risco de ser chamado de covarde (e chamando-se assim internamente) Izuku admitia que ainda não era capaz de lidar com o tratamento que , sabia, iria receber de Kacchan.

Agarrando-se a barra da saia de Aya, então, Izuku apenas se encolheu enquanto escutava a dupla de vozes irritadas aumentando em volume que indicavam a aproximação de Bakugou Mitsuki e seu enérgico filho. Seu desconforto não passou despercebido para sua acompanhante, e suavemente os dedos dela voltaram para seus cabelos, passando por aquele preguiçoso padrão da qual já estava acostumado.

As coisas não poderiam ir tão mal, ponderou enquanto tentava ser racional. Talvez eles não o vissem ou o ignorassem como Kacchan era acostumado a fazer nos últimos tempos, quando não era obrigado pela mãe a levar Izuku em suas brincadeiras.

Foi apenas vagamente que ele escutou as palavras de Aya e viu como ela apontava para uma prateleira a alguns metros dali. As palavras ‘fique aqui, por favor’ e ‘volto logo’ perderam-se em meio ao fluxo de seus pensamentos e foi então que Izuku viu-se sozinho enquanto o volume nunca perdido aumentava mais um pouco. Izuku apenas estava procurando uma forma de se esconder sem parecer óbvio.

“Izuku?” A voz de Mitsuki-san arruinou qualquer plano ou esperança que Izuku pudesse possuir de passar sem aquele encontro. Resignando-se a uma experiência que, ele sabia, seria constrangedora, o menino levantou o olhar, encontrando um par de orbes vermelhas na mesma altura de suas verdes. Kacchan olhava para ele com raiva mesmo sem ter o visto durante quase um mês.

“Mitsuki-san, Kacchan, olá.” (Internamente Izuku queria correr, ir para onde estava Aya, agarrar-se em sua perna e implorar para deixar aquilo para outra hora. Ele queria, mais uma vez, a proteção que estavam dando para ele.)

“Deku.” rosnou Kacchan levando um tapa de sua mãe na mesma hora. Izuku abriu a boca para respondê-lo quando finalmente avistou a pessoa que procurava voltando até ele, enquanto assistia curiosa a interação desajeitada acontecendo.

“Hey garoto.” Disse a mulher loira, ignorando a raiva do próprio filho enquanto olhava para Izuku com tanta pena que Izuku odiou ainda mais. “Nós estávamos tão preocupados com você e sua mãe. Foi aterrador não conseguir contato. Como vocês estão?”

Ele não sabia como responder. O que ele diria? Como explicar que mamãe ainda não tinha indicativos de quando acordaria e como seu novo lar era apenas produto de sorte e talvez um pouco de consciência culpada? Como ele poderia explicar seu medo para a mulher que viu os últimos cinco anos de sua vida?

“Mamãe ainda não acordou.” Disse por fim, sem saber o que mais poderia ser feito. O Choque no rosto da mulher mais velha fez com que ele se arrependesse instantaneamente, entretanto.

“Com quem você está ficando Izuku? E por que está aqui sozinho…”

“Izu, bebê.” A voz de Aya finalmente chegou ao seu lado, a alegria escondendo a preocupação, enquanto ela se colocava entre ele e a pequena família. “Você está aqui. o que acha desses?” Ela segurava, percebeu, um conjunto de cadernos com capas simples, mas grossas, no que parecia ser um bom papel. Em qualquer outra situação Izuku ficaria exultante com isso (provavelmente mais tarde). “Oh, que falta de educação a minha.” O tom era educado e sem falhas, mas frio. Olhando para a mulher e seu filho Izuku tremeu um pouco com a postura da garota. “Quem são vocês?”

“Bakugou Mitsuki.” para registro, Mitsuki-san parecia estar mantendo-se bem contra Aya, o que era admirável. Kacchan ainda não havia aberto a boca e apenas olhava amuado e enraivecido do lado de sua mãe para a estranha que havia chego ali. “Eu sou amiga de Inko. É você quem está cuidando de Izuku? estou preocupada com eles, já que não recebemos nenhuma noticia.”

A postura de Aya caiu um pouco com isso e um pouco de seu cansaço saiu à tona. Ao mesmo tempo a frieza do ambiente dispersou em partes e Izuku sentiu seu cabelo sendo bagunçado.

“Inko-san está estável sim, embora permaneça inconsciente. Estou cuidando de Izu nesse meio tempo, sou Matsukaze Aya, a propósito. Lamento não me apresentar antes, um lapso de educação lamentável.”

“Sem problemas.” O tom indicava que sim, havia problemas. “Eu nunca ouvi Inko falando de alguém com o seu nome. Não sabia que ela tinha parentes fora a sua mãe que faleceu no ultimo inverno.”

“Isso por que não somos parentes.” Aya levantou de onde estava agachada ao seu lado. “Trabalhei com Hisashi durante um tempo e voltei para a cidade recentemente. Estava na lista de contatos emergenciais dele e deu certo de estar de serviço no caso de socorro ao prédio.”

“Oh, eu nunca soube em que Hisashi trabalhava. Inko nunca me disse. E o que seria isso?”

“Comigo ele trabalhou em segurança, mas nossos trabalhos variavam muito.”

Essa era uma informação nova para todos os presentes, incluindo Izuku (se perguntado, o menino diria que seu pai trabalhava com livros, como numa biblioteca ou algo assim. Ele também poderia dizer que seu pai trabalhava com plantas lembrando-se dos incomuns vasos que eram mantidos nos parapeitos das janelas…). O tom da garota, entretanto, desencorajava a continuidade do argumento enquanto sua postura o dava, praticamente, por encerrado.

“Oh, eu vejo.” Mitsuki-san demonstrava sua preocupação não pela voz, mas no restante de seu corpo. Era o tumulto em seu olhar, o apertar de suas unhas contra a carne da palma e a postura tensa que entregavam a Izuku a insegurança que ela sentia.

Kacchan também percebia, é claro, como sua mãe parecia querer estar em qualquer lugar além dali (como as outras três pessoas presentes) e isso foi o que o fez falar novamente. “Quando que você vai voltar para a escola De…Izuku?”

“Oh, provavelmente semana que vêm. Onee-chan está me ajudando com cadernos já que não tenho mais os meus.” Apontando vagamente para os volumes na mão da outra. Ele não se atrevia a realmente encontrar o olhar do menino.

“Isso é uma merda.” O Katsuki proferido por uma Mitsuki envergonhada nada fez para interrompê-lo enquanto ele continuava de má vontade. “Eu posso emprestar meus cadernos para você quando voltar, pra não ficar muito para trás.”

“Isso seria muito gentil da sua parte Kacchan. Foi bom ver ambos.” Apesar de tudo era verdade. Izuku sentia-se de certa forma bem por poder encontrar duas pessoas conhecidas, vivas e bem, que pudessem comprovar que sua vida havia sido simples até pouco tempo. Agora, entretanto, ele apenas queria se isolar em sua nova casa. “Onee-chan, podemos ir?”

Aya conhecia suas palavras. Ela entendeu que seu tom escondia muito mais do que as simples letras proferidas e finalmente veio em seu socorro. “É claro que sim, se vocês nos derem licença...” Era óbvio, seu tom. Uma garantia tão necessária.

Ambos já estavam virando para a outra direção quando Misuki-san proferiu um “espere” mais alto do que deveria. Voltando-se novamente para trás encararam a mulher que estendia o celular no nível dos olhos de Aya. “Me dê seu número de contato, por favor.” O tom imperativo descartava qualquer possibilidade de recusa. “É menos do que o ideal, mas deve seguir por enquanto.”

“Claro.” Izuku já conhecia Aya bem o suficiente para entender a irritação em seus gestos, visto que a menina odiava ser ordenada por qualquer outra pessoa. Ambas eram parecidas demais para se darem bem, percebeu divertido. Após digitar brevemente seu número na lista de contatos Aya devolveu o telefone. “Aqui está. Mande-me uma mensagem e vou ter seu número. Agora, se me permite, Izu e eu temos ainda muito para comprar antes de voltar para casa.”

“Moram nas redondezas?”

“Não. Vivemos perto da parte alta, o caminho é longo então se me permite…”

“Oh, sim. Claro. Foi bom vê-lo Izuku.”

“Obrigado igualmente Mitsuki-san.”

Foi com alivio que as quatro pessoas se afastaram, cada par seguindo a sua própria direção. Ao perder de vista a pequena família Izuku permitiu-se respirar profundamente pela primeira vez.

“Ele é seu amigo?” A voz curiosa de Aya chamou sua atenção e ele olhou para cima, encontrando o olhar pensativo dela.

“Sim. Nós crescemos juntos e estudamos juntos também.”

“hum…Qual era seu Quirk mesmo?”

“Oh, Kacchan expele nitro...glice...”

“Nitroglicerina?” Aya sugeriu quando percebeu sua dificuldade em continuar com a enorme palavra.

“Isso. Ele solta ela pelas mãos e consegue explodi-las. É legal.”

“Fogo então?”

“Algo assim. Por quê?”

Ele pensou que ela não lhe responderia mais depois do silêncio que caiu sobre ambos. Olhando para trás em sua interação o menino procurou por algo que pudesse ter a ofendido.

“Apenas me lembrei que você tinha marcas de queimadura quando nos conhecemos. Quer me explicar isso?” Oh, ali estava. Izuku achava que demoraria muito mais tempo antes que ela juntasse dois com dois, mas ele sabia que seria inevitável. Ele hesitou, não querendo dizer para aquela pessoa quão patético ele era.

“Kacchan não controla bem seu Quirk ainda. Ele acaba explodindo em mim de vez em quando. Mas a culpa é minha, já que eu sempre atrapalho o que ele quer fazer.”

“Isso, definitivamente… não cola. Eu não consigo acreditar Izuku.”

Ele estremeceu. Só que, o que mais Izuku poderia dizer? Era verdade que Kacchan perdia facilmente o controle de suas explosões e era apenas acaso que isso acontecesse sempre perto de Izuku, mesmo sua professora dizia isso.

“Não é tão ruim.” Tentou protestar embora se lembrasse da dor de muitas das queimaduras que recebera nos últimos meses.

“Izu… quando isso acontecer novamente você vai me contar imediatamente, entendeu?” O tom dela não permitia discussão e, mesmo que a contragosto ele concordou.

(’quando’ disse ela, ele perceberia muito tempo mais tarde, não ‘se’. Aya conhecia abuso bem o suficiente para saber como funcionava.)

“Eu não sabia que você conheceu meu pai.” Lembrou-se das palavras dela anteriormente e isso mexeu com algo no fundo de seu peito. Ele queria ouvir mais sobre o homem.

“Oh sim. Ele era muito legal e falava muito sobre seu pequeno Izuku sabe? Talvez outra hora eu lhe conte a história completa, mas agora precisamos terminar essa lista.”

“Ok.” disse agradecido e a conversa perdeu-se novamente para cadernos e canetas enquanto eles finalizavam suas compras.

 

*****

 

A semana seguinte chegou mais rapidamente do que ele estava confortável e, mesmo sonolento, Izuku se preparava para fazer o caminho para a escola junto com Ethan na manha de segunda. Sendo justo, seus irmãos haviam cogitado e o questionado sobre a possibilidade de transferi-lo para um colégio em seu próprio bairro, muito mais perto e cômodo para o menino, mas a aparente elite do mesmo intimidou Izuku que não se considerava confiante o suficiente naquele então para algo como isso.

Sua recepção, ao chegar, não foi nenhuma surpresa. Sendo tratado entre luvas de pelica e dó incapacitante Izuku tinha que lidar com os constantes pêsames e pena de pessoas que nunca haviam lhe honrado as horas do dia até então. As professoras tratavam-no como se de vidro e os demais alunos não paravam de encará-lo, sussurrando sem nem ao mesmo importarem-se com ele estando ali ou não.

Kacchan, é claro, continuava tão indelicado e grosseiro como sempre fora. Nos primeiros dias após sua volta, entre as noticias de sua nova residência e do acidente de sua mãe se espalhando, o menino havia deixado Izuku em relativa paz, ignorando-o na totalidade de seu tempo e direcionando a atenção de todo o seu séquito de idiotas do menino menor. O encontro entre Izuku e sua família no centro comercial ainda parecia pesar sobre suas cabeças, mas ambos se recusavam a fazer qualquer referência a ele.

Tal luxo foi de curta duração, entretanto, quando após uma semana de tratamento silencioso a atenção do loiro explosivo retornou com força total para Izuku e sua aparente inutilidade. A única diferença, entretanto, é que agora Izuku parecia ainda mais digno de pena.

 

*****

 

Mas as coisas boas superaram, em muito, as coisas ruins.

Izuku sentira-se encantado na primeira vez que pode visitar a totalidade de seus arredores. A casa em que moravam estava instalada na base de uma montanha íngreme, rodeada por um enorme e antigo bosque que, segundo Ethan, ainda conservava magia antiga pura e inalterada. A construção fora reformada de um antigo barracão de armazenamento, depois de ser comprada em um leilão, e todo o ferro usado nele garantia para os moradores relativa privacidade e certa segurança contra os moradores da floresta.

Durante o dia Izuku correria e descobriria todas as trilhas escondidas na mata e, não raras às vezes, poderia visualizar, mesmo que apenas ligeiramente, os contornos daqueles que poderiam ser as fadas residentes. Aya olhou-o consternada na primeira vez que Izuku narrou-lhe a experiência de ver vultos e, durante cerca de um mês o menino aprendeu a tecer amuletos.

(Eles temiam, é claro, que o menino tivesse conquistado a egoísta afeição de algum Fae ou mesmo Yokai e que esse tentasse levá-lo usando a própria inocência de Izuku como arma. Então, meses antes de aprender magia em si, Izuku já estava tornando-se proficiente em como locomover-se ao seu entorno.)

Foram necessários a primavera e o verão de seu primeiro ano para percorrer e reconhecer todo o entorno da residência, tendo como ultima conquista o cristalino lago subterrâneo. Nessa ocasião Izuku percorria uma de suas trilhas com Elijah, empolgado em mostrar para o garoto cada uma de suas descobertas que poderia se lembrar e o mesmo lhe acompanhava em busca de ervas curativas.

Izuku pode dizer que, literalmente, tropeçou seu caminho para a entrada da caverna e depois de cinco minutos de caminhada ambos encontraram uma das visões mais deslumbrantes que ele já havia tido em sua existência. A água ali era tão pura que Elijah empolgou-se com o potencial da mesma para a confecção de unguentos e poções curativas. Depois de limpar o caminho e marcá-lo para uma volta posterior ambos voltaram para a casa, onde prepararam Izuku para sua futura volta às aulas.

Todas as informações aprendidas por Izuku eram catalogadas em cadernos, da mesma forma que seu ainda crescente interesse em heróis. Uma parte de suas prateleiras era separada para ambos os tipos que volumes que agora aumentavam no dobro de velocidade.

A cômoda de madeira no quarto de sua mãe estava cada dia mais repleta de mimos, itens bonitos e especiais, encontrados pelo menino em suas caminhadas. Desde pedras coloridas até borboletas presas em âmbar, todas as peças continham uma história que o menino contaria empolgado para o corpo adormecido.

(Não raras eram as vezes que ao mostrar suas conquistas para os demais moradores eles apenas ririam de seu entusiasmo e lançariam olhares protetores para fora quando o menino não estava olhando.)

A parte mais empolgante da localização de seu lar, entretanto, era o fato de que ele realmente ficava a menos de dez minutos de caminhada do campus principal da UA. O grito empolgado que Izuku soltou ao descobrir essa informação rendeu semanas de risadas e provocação implacável da parte de Ethan, que foi silenciada apenas quando Mitsuru intervir e calou a boca de seu companheiro.

Algo que mudou, fundamentalmente, em Midoriya Izuku: O menino de maneira lenta, mas seguramente, estava crescendo mais confiante em si mesmo. O incentivo e carinho que recebia das pessoas em sua casa tornava ser Quirkless algo quase sem importância. O fato de seus irmãos também carecerem de Quirk, possuindo apenas a mágica em suas veias, o aproximava ainda mais dos mesmos fazendo, pela primeira vez, que ele se sentisse de igual valor as pessoas ao seu redor.

Claro que as coisas em sua escola continuaram ruins, com direitos ao tratamento mesquinho e palavras duras habituais que voltaram à mesma frequência anterior depois de um tempo, mas pelo menos não pioraram demais. Mesmo não contando para seus irmãos, ele sabia que todos percebiam visto que sempre lhe faltavam materiais ou como cadernos sumiam algumas vezes. Nessas situações ele apenas insistia e inventava desculpas, temendo o dia em que parariam de aceita-las e iriam até a escola.

Mesmo que parecesse idiota, Izuku ainda queria se agarrar a aquela pequena parte de sua vida que não mudou nada. O menino temia perder a ultima conexão que restava com o bairro e o local que cresceu como sabia que faria se fosse transferido. Então ele ficou em silêncio aguardando o momento em que, sabia, suas desculpas não seriam mais o suficiente.

 

*****

 

Aizawa-san apareceu mais algumas vezes em sua casa e todas elas eram acompanhadas de bem humoradas trocas de farpas entre ele e Aya. A cada vez que o homem entrava pela porta ele parecia querer estar em qualquer lugar além dali, mas em todas elas se instalava no mesmo lugar da cozinha e consumia uma quantidade preocupante de café extraforte (a única pessoa capaz de acompanhá-lo parecia realmente ser Aya, que também funcionava na base da cafeína).

Foram necessários seis meses dessa rotina e uma lição de hiragana, entretanto, para que Izuku se sentisse confiante o suficiente para aproximar-se do homem mais velho. Naquele então Aizawa havia levado documentos que queria que os irmãos assinassem e, enquanto Aya lia seus relatórios, Izuku lutava com sua lição em outra banqueta.

A admiração do menino pelo jovem herói cresceu enormemente quando o mesmo transferiu-se para seu lado e ensinou-lhe calmamente os passos de sua lição. Depois de quinze minutos Izuku sorria satisfeito para o papel completo de respostas e podia jurar que o homem estava o mais próximo possível de envergonhado.

“Vê?” Aya lhe provocou enquanto invocava uma caneta “É um professor natural.”

“Cale-se Matsukaze” retorquiu, mas, mesmo assim, espalhou os cabelos de Izuku como se dizendo ‘bom trabalho’. “Eu não tenho tempo para isso agora.”

“Você tem apenas vinte anos. Claro que tem tempo, criança idiota. Não tente enganar essa velha.”

“Se essa velha parasse de destruir tudo em seu caminho ela poderia até me dar conselhos sobre como gerenciar o meu tempo.” O tom ácido de Aizawa não combinava com o brilho divertido em seus olhos, porém, ao tomar mais um gole da bebida escura.

“Cale-se cria indelicada. O rato te quer por perto e você sabe disso. É só uma questão de tempo para que ele pule em você e te obrigue a usar aquele diploma.”

“Eu vou cruzar essa ponte quando chegar nela.”

“É um professor Aizawa-san?” Em retrospecto, aquelas eram as primeiras palavras diretas de Izuku para o homem, mas a sua admiração estava evidente na voz. O homem apenas lhe olhou, como se tentando ler seus motivos, antes de desistir de qualquer linha de pensamento.

“Estou estudando para isso conforme posso. Falta muito para que eu possa ser um verdadeiro professor, entretanto.”

“Isso é incrível. Eu não acreditaria se não tivesse visto. Você vai ser um ótimo professor.” O menino estava tão empolgado quanto o homem desconcertado. Aya escolheu aquele momento para voltar para a conversa.

“Se você já terminou sua tarefa vá arrumar a mochila para amanhã pirilampo. Aizawa ainda vai estar aqui quando você voltar.”

“ok, Onee. Muito obrigado pela ajuda hoje Aizawa-sensei.”

 O menino não ficou para ver a reação dos adultos, mas algo que parecia a risada de sua irmã o acompanhou para fora.

 

*****

 

“Deixe-me gravar isso para a posterioridade, por favor. Sua expressão é única AIZAWA-SENSEI.”

“Cale-se de uma vez bruxa. Esse menino é empolgado demais.”

“Sim, mas eu não o culpo. Os professores de Izuku estão muito abaixo do ideal. Essa experiência foi como uma brisa de ar fresco para ele.”

“Discriminação?”

“Bem, ele é Quirkless.”

“Por que não o muda de escola?”

“Izuku não quer e eu não quero tirar mais nada dele. Você é um bom exemplo de professor para ele, entretanto, e por isso eu te agradeço.”

“Não me agradeça por algo que deveria ser básico de um educador.”

“Deveria, mas infelizmente nao é.”

“…”

“?”

“Hey, sobre sua viagem, semana que vem… ”

“Sim?”

“Se você realmente precisar acho que posso ficar com o pequeno durante esses dois dias.”

“Muito obrigada Aizawa. Só não deixe ele perto de Yamada.”

“Eu aprendi da ultima vez.”

“Pergunto-me se é verdade.”

“Cale-se!”

“ohhh...”

 

*****

 

(Antes que o ano letivo chegasse ao fim, as famílias de quatro estudantes foram chamadas pela direção do colégio infantil. Pais grandes e orgulhosos, e professores obviamente favoritistas, tremiam sob a ira emanada da jovem sentada na cadeira em frente ao diretor, enquanto segurava uma criança chorosa e maltratada em seus braços.

A reunião que aconteceria ali, então, era a culminação de dois anos de bullying e maus-tratos frequentes em direção ao pequeno menino de cabelos verdes e olhos brilhantes que nunca havia feito nada contra ninguém.

Naquele dia, Midoriya Izuku sairia da escola nos braços da irmã com vergonha em seu rosto, mais uma queimadura nas costas e uma ideia formando-se em sua mente.)


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