Ramé escrita por LuriCris


Capítulo 4
Sofás e decisões. Fluxo do tempo.




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All Might não o salvou. Mas aqueles garotos sim.

Todos estavam vestidos com pesadas roupas negras naquele então, o que contrastava fortemente das velhas peças de moletom e malha que Izuku os via usando enquanto entravam e saiam do quarto onde haviam instalado sua mãe. E realmente eram jovens, ele percebeu. 

Durante o caos em sua casa a única pessoa que Izuku realmente notara algo da aparência havia sido a garota, Aya, e mesmo essa foi apenas de passagem. Agora olhando para todos eles, que aparentavam estar nas portas da vida adulta, Izuku perguntava-se como eram suas vidas se tão jovens já pareciam possuir tanto poder destrutivo.  Quem exatamente eram aqueles heróis da qual ele nunca havia ouvido falar?

Foram horas em que esteve sentado naquele canto, observando-os entrar e sair da porta em sua frente, enquanto revezavam em ajudar sua mãe e dar atenção para ele, antes que o menino soubesse alguma coisa sobre a situação dela.

Ele sabia que sua ferida era grave. Ele sabia que ela poderia estar morrendo e ele era incapaz de fazer qualquer coisa para ajudá-la. Ele sabia (embora não soubesse como) que aquelas pessoas era sua única esperança.

 "Kaa-san vai ficar bem?" Foram as primeiras palavras do menino quando Aya  atravessou pela porta, centésima vez naquele dia. Seus olhos negros estavam cansados e ela parecia precisar de um bom banho e alguns dias em uma cama (todos eles precisavam daquilo, é claro). Ele havia a obedecido, permanecendo sentado na poltrona em frente a porta do quarto enquanto esperava que ela saísse. "Eu esperei aqui como você me disse então eu posso vê-la?"

"Hey pequeno." Ela respondeu com um sorriso cansado, mas ainda assim sincero enquanto se ajoelhava na sua frente. "Kaa-san está dormindo agora."

"Não posso vê-la?" Ele queria chorar novamente. Fazia horas que não via sua mãe.

"Claro que pode." Sorriu enquanto acariciava seus cabelos. "Apenas não muito tempo, já que não seria bom acordá-la. Podemos tomar um banho, comer alguma coisa e voltar novamente depois. O que você acha?"

"Isso seria bom, eu vou me comportar." Prometeu solenemente ganhando mais um sorriso em troca (ele aprenderia depois que sempre poderia contar com seus sorrisos).

"Eu sei que você vai." Ela levantou então e estendeu a mão para ele. "Vamos então?"

Ele apenas assentiu, com a mão na dela, enquanto seguia para dentro do quarto em questão.

Sua mãe pousava serenamente sobre a cama, exausta. O único movimento era o subir calmo de seu peito enquanto respirava e a palidez de sua pele era facilmente vista, mesmo de onde Izuku estava. Ele parou ali, a uma boa distância da cama, enquanto perguntava-se o que fazer a seguir.

"Izuku?" A moça perguntou calmamente e ele percebeu que apertava sua mão. Envergonhando Izuku tentou soltá-la apenas para receber um suave aperto de volta. "Quer chegar mais perto?"

"Eu não sei." Era sincero. O menino temia que estar perto de sua mãe a quebrasse mais, novamente.

"Só não mexa muito nela e tudo vai ficar bem." Assegurou. Izuku soltou sua mão para se aproximar da cama, perdendo a troca de olhares entre ela e a pessoa recém chegada, que se encostava à porta (os olhos cansados brilhavam vermelhos e o brilho da percepção neles fez com que a encarasse novamente).

“Né, Onee-san, vocês são médicos? Ou um de vocês pelo menos?” O menino queria chegar a sua mãe, abraçá-la e pedir para que cantasse em seus ouvidos, embalando-o para o sono. Izuku já sentia falta de seu cheiro característico, a cadência de sua voz e o calor de seus braços. Então ele fez a próxima melhor coisa que poderia, aproximando-se dela e tocando levemente em seus dedos pálidos.

“Vamos falar sobre isso depois sim? Fique um pouco com mamãe e então nós conversamos.” Acenando com a cabeça Izuku notou que Aya saia do quarto enquanto continuava a falar.  “Vou procurar roupas que você possa vestir. Se precisar de alguma coisa não hesite em chamar.”

“Obrigado.” sua voz saiu pequena, mas mesmo assim ela sorriu.

“Não é problema nenhum. Volto logo.” E ela se foi, deixando o menino com a mãe. Sozinhos, pela primeira vez, pelo que pareciam anos.

Ele a observou com cuidado e cautela, assegurando-se que estava viva e bem. Olhou para os olhos fechados e a pele agora rosada e saudável novamente, tendo como lembrança do que aconteceu apenas a cicatriz dos pontos em sua testa. Com cuidado Izuku deitou-se ao seu lado, ainda sem tocá-la muito e então observou enquanto falava palavras sem sentido sobre o dia que havia tido ou as coisas que viu pela janela. Foi depois de narrar tudo que lembrava que Izuku permitiu-se implorar em voz quase inaudível.

“Acorde logo, por favor.”

 

*****

 

"Ele realmente é Quirkless."

"Eu sei."

"Pretende acolhe-lo, não é mesmo?"

"Você não faria?"

"Potenciais são raros nos dias de hoje."

"Eles precisam de uma família."

"Sei disso, apenas, não assuma os pecados dele."

"..."

"?"

"...Eu não vou."

 

*****

 

Foi o toque da campainha, quebrando o silêncio total do ambiente, o suficiente para acordar Izuku de seu sono. Todo seu corpo doía, mais do que se tivesse brincado com Kacchan e seus amigos, da mesma forma que sua cabeça latejava insistentemente.

Olhando ao seu redor o menino percebeu que, em algum momento, deve ter adormecido enquanto olhava para sua mãe. A suave luz que entrava pela janela indicava que o dia estava amanhecendo e, sem conseguir preocupar-se realmente, perguntou-se como iria para a escola.

O som no andar inferior soou mais duas vezes antes que passos apressados pudessem ser ouvidos e, segundos depois, uma porta sendo aberta. Vozes, diferentes daquelas que estava acostumado, infiltraram-se dentro da casa então e, hesitante, Izuku perguntou-se se poderia ir ver o que estava acontecendo. Uma parte de si temia sair dali, onde havia sido deixado, argumentando que perambular pela casa de estranhos era uma completa falta de educação.

A crescente necessidade de usar o banheiro, entretanto, foi o fator decisivo para fazer o menino levantar-se com cuidado da cama. Ao olhar para o lado, no rosto ainda adormecido de sua mãe, Izuku não pode deixar de sentir-se decepcionado pela inconsciência da mesma. Era mamãe quem acordava Izuku pela manhã então o fato do menino estar de pé, enquanto ela permanecia dormindo ao seu lado, pesava estranhamente.

Ao sair para o corredor, em busca da porta que havia sido mostrado no dia anterior, Izuku escutou algumas frases intercaladas que realmente não faziam sentido e questionou sobre quem poderia estar ali, naquela hora. Sua linha de pensamento voltou para a rota inicial, entretanto, ao chegar até a pesada porta de madeira, perto das escadas, que sabia vagamente pertencer a um banheiro.

Após fazer suas necessidades e lavar o rosto sentia-se um pouco melhor, se ainda irritado, por todo o stress sentido no dia anterior. Ajeitando levemente as roupas amassadas Izuku resolveu arriscar descer as escadas em busca de alguém que pudesse ajudar com sua cabeça ou talvez alguma coisa para comer.

O menino não havia percebido no dia anterior, mas a sala que o recebeu então, ao chegar ao piso térreo, parecia completamente diferente de sua própria casa. O ambiente amplo contava com uma parede inteira dedicada a janelas, fazendo com que a calma luz do amanhecer suavizasse todas as cores ali presentes.

Os dois grandes sofás contavam com o mesmo tom de azul celeste, complementados pelas diferentes poltronas espalhadas por ali. O restante das paredes era uma mistura quase caótica de cores e quadros de ilustrações populares e, combinadas com as estampas do tapete e almofadas, parecia mais um ambiente daquelas revistas que Mitsuki-san lia do que uma casa propriamente dita.

No canto mais distante, ao lado das grandes janelas, residia um pesado piano vermelho, fazendo o menino perguntar-se se alguém ali tocava ou realmente era apenas parte da decoração. Izuku gostou, entretanto, da sensação de alegria que o lugar emanava.

As vozes estavam mais fortes então e ele conseguiu identificar a direção de onde vinham. Na parede contrária ao piano abria-se outro corredor, que poderia ter passado por despercebido se não fossem as luzes que escapavam dali, projetando sombras diferentes sobre o móvel.

Decidindo arriscar Izuku foi até lá, com as vozes aumentando cada vez mais. Ele então encontrou o que parecia ser uma cozinha. Esse ambiente imitava a sala, ao possuir uma grande janela dedicada para a entrada de luz natural. No lado de fora Izuku podia ver a imensidão verde.

Os móveis ali eram predominantemente brancos, em estilo ocidental e combinavam bem com o que ele lembrava ser a casa de campo que ficou com vovó no ultimo verão. Eletrodomésticos de última geração acompanhavam os móveis antigos e no centro do lugar estava um grande balcão cercado de banquetas diferentes e três pessoas sentadas.

Era Aya, ele reconhecia agora, e dois homens jovens cansados, conversando seriamente enquanto bebiam algo.  Um deles, Izuku percebeu, parecia que não havia dormido a mais de semanas e o menino perguntou-se se estava doente. Ao notar a porta sendo aberta a menina olhou em sua direção e Izuku teria se encolhido e desculpado se não fosse o seu sorriso.

“Desculpe atrapalhar, mas eu ouvi vozes e como estava acordado eu pensei…” Ele se interrompeu, sem saber exatamente como continuar.

“Hey pirilampo.” Ela foi até seu lado calmamente e abaixou-se na sua altura.  “Na verdade, você apareceu numa ótima hora. Eu tenho alguém para lhe apresentar.”

Aya levou-o até onde os homens estavam e assustou Izuku quando o levantou para sentá-lo em uma das banquetas. Acariciando os cabelos dele uma última vez ela retirou-se em direção a geladeira. “Está com fome não é mesmo? você pegou no sono ontem antes de conseguir jantar, fiquei com dó de acordá-lo.”

“Sim, por favor.” Disse o menino sem graça enquanto ela colocava na sua frente uma tigela com iogurte e cereais.

“Pode ser isso por enquanto? Eu vou preparar algo melhor quando o detetive-san aqui sair.”

“Isso é ótimo, muito obrigado.” Disse timidamente enquanto pegava a colher, evitando olhar para cima.

“Suponho que seja esse o garoto.” disse um dos homens, voz rude, referindo-se a Izuku. “A mulher está bem?”

“Sim, embora eu precise que sua condição estabilize antes de dizer qualquer outra coisa. Ela aceitou o tratamento muito bem, entretanto.”

“O que pretende fazer com o menino Matsukaze-san?” Pediu o outro homem, mais gentilmente, embora o cansaço em sua voz fosse igual. “Penso que a assistência social deva ser informada imediatamente, posso me assegurar pessoalmente de conseguir um bom lugar para ele…”

“Ele não vai sair daqui, infelizmente.” Ela cortou suas palavras e virou-se para Izuku novamente. “Pirilampo esses são Aizawa-san e Tsukauchi-san. Tsukauchi faz parte da polícia e Aizawa é um herói que estava de rondas com Treze. Eles ajudaram ontem.” Izuku apenas assentiu, olhando para cima e recebendo um aceno breve de ambos.

“E como você vai fazer para cuidar dele exatamente?” O mais cansado, que Aya apontara como Aizawa, pergunta para ela enquanto seu olhar se mantém em Izuku. Por mais que Izuku tenha ficado empolgado de estar na companhia de um verdadeiro herói, entretanto, o menino manteve-se em silêncio, concentrando-se em seu lanche e na dor de cabeça que insistia em permanecer.

“Eu vou dar um jeito. E antes que você me interrompa… o tratamento de Midoriya-san é complicado ainda e não vou perder tudo transferindo para alguém ineficaz. Ao mesmo tempo, me recuso a mandar esse menino para longe da mãe, por Deus sabe quanto tempo, sendo que eu também não estou indo para lugar nenhum num futuro próximo. É irracional tirá-lo daqui você sabe disso Neomasa.”

“E por isso quer que eu cuide da guarda dele pra você.” O policial adivinha com um leve sorriso.

“Você me deve uma.”

“Sim, eu sei.” O suspiro cansado dele foi o sinal de que este tópico estava finalizado. Aya em algum momento alcançou o pesado bule e preencheu todas as canecas dos três adultos com café que cheirava fortemente, tirando um suave “Obrigado” do homem. “Agora para esses relatórios...”

 

*****

 

Sentado no grande sofá da sala de estar, Izuku olhava sem realmente ver para a televisão ligada em um anime aleatório enquanto escuta conversas vindas de onde agora sabia ser a cozinha.

Foram horas antes que Tsukauchi e Aizawa tivessem saído da casa com um relatório completo do acidente na casa de Izuku. O menino havia apenas ficado lá, quieto, enquanto escutava palavras incompreensíveis e comendo seu cereal e, ocasionalmente, respondia algumas perguntas.  O sol estava alto no céu quando um dos garotos, Elijah se lembrasse o nome corretamente, atravessou pela mesma porta  e o acompanhou de volta para a sala. Foi nesse momento que Izuku finalmente conseguiu algo para sua dor de cabeça, um chá de fragrância adorável. 

A partir de então o tempo passou mais rapidamente, sendo distraído pelos rapazes com brincadeiras bobas ou o som da televisão. Izuku fez mais uma visita para sua mãe naquela manhã, vendo a mulher dormir por cerca de cinco minutos antes de voltar para o andar de baixo. As caricias em seu cabelo estavam ficando frequentes e os toques gentis faziam com que Izuku se sentisse, ao mesmo tempo, consolado e ansioso pela sua mãe.

É ao ver Aya chegar na sala, vestida com o que poderiam ser pijamas e cabelos amarrados, que Izuku indireita sua postura e resolve então que aquele pode ser o melhor momento para fazer as perguntas que tanto deseja.

“Vocês são heróis?”

“Heróis?” Aya suspira enquanto repete suas palavras e olha para algum lugar na parede atrás de si, como se procurasse ali uma resposta para a pergunta do menino. “Pode-se dizer que sim, e não também.”

“Não entendi.”

“Nem eu entendi essa, Aya.” Do outro lado da sala Ethan, que ele a pouco havia aprendido o nome (finalmente), comenta de sua posição jogada na poltrona. A lareira crepita  e o olhar azedo da menina fez com que o outro risse e voltasse para a tela de seu celular.

“Eu não sei exatamente como lhe explicar isso Izuku.”

“Grande líder você.” Ethan mais uma vez voltou sua atenção para sua conversa, o que lhe rendeu uma almofada, saída sabe-se Deus de onde, diretamente no rosto.

“Cale-se. Ok então. Nós trabalhamos para o governo, junto de forças como exército, polícia e os heróis. Então de certa forma sim, estamos a serviço publico.”

“Mas vocês não são nenhum deles? Eu vi seus Quirks.”

Isso fez com que Aya parasse de falar novamente e pensasse em outra abordagem de ação. O barulho no sofá indicava que ela estava procurando uma posição mais cômoda, de frente para o menino e cruzando as pernas, e incentivou Izuku a fazer o mesmo.

“Izuku, você sabe a quanto tempo existem Quirks?”

“Sei lá, uns duzentos anos? Sensei estava falando sobre isso na escola outro dia, embora eu não saiba certo quanto tempo isso é.”

“Sim, duzentos e setenta anos e é muito tempo, de certa forma.”

“Mais do que uma vovó.”

“Sim.” Ela riu com seu raciocínio o que fez Izuku pensar que havia dito algo certo. “Pense como, é mais ou menos a época que a vovó da vovó da sua vovó nasceu, talvez mais tempo até.”

“Uau...”

“É, uau. Antes disso as pessoas eram comuns, você já sabe disso não é? Não existiam mutações ou habilidades como as que nós vemos hoje. As pessoas eram absolutamente comuns e super poderes eram apenas artifícios da ficção.”

“Eles eram como eu?” Izuku chutou incomodado, temendo o lado para onde sua conversa estava indo. Todos haviam sido muito gentis consigo, até então, e Izuku temia que o tratassem diferente se ele contasse para eles sobre ser Quirkless.

“Eles eram como nós?” Ela corrigiu e o menino corou perante a possibilidade que ela lhe apresentava. “Vê? Nenhum de nós aqui tem alguma mutação, assim como você mesmo. Se procurarem em nossos DNA a única coisa que vão encontrar são genes antigos e obsoletos. O ponto que estou querendo chegar, entretanto, é que nós não temos seus chamados Quirks, como a sociedade define. Então não, você não os viu.

“Mas as coisas que vocês fizeram... vocês curaram mamãe.”

“Isso é outra coisa.”

“Você realmente é ruim explicando.” Nessa hora Elijah entrou na sala e sentou-se na borda do sofá, ao lado de Aya, enquanto acariciava os cabelos de Izuku. Sorrindo, ele ofereceu ao menino pedaços de frutas que carregava em uma tigela, que Izuku agradeceu honestamente.

“Todos aqui sabem disso.”

“Se vocês não tem quirks, o que vocês tem?”

“Oh, a pergunta de um milhão.” Ethan novamente exclama de sua poltrona e novamente é atingido por uma almofada.

“Izuku, nós somos magos.” O tom de Aya era sério enquanto olhava para o menino que apenas lhe encarava boquiaberto, a maçã que ia para s lábios, esquecida.

“Vê? Simples. O gato está fora do saco.”

“Magos? Como a magia que passa na TV?”

“Algo assim, embora a magia em si seja muito mais complexa do que a mídia faz parecer. Mas o ponto é que nós não temos Quirks por que o que temos, e usamos para ajudar você e sua mãe, é magia. Nós não somos heróis por um motivo parecido já que heróis precisam de licenças de heroísmo e usam Quirks para conter outros Quirks de uso irregular.

Nós trabalhamos para o governo, contemos e manipulamos a energia mágica do mundo e também auxiliamos heróis dos bastidores quando suas habilidades são insuficientes. Aquele monstro que atacou sua casa?” Izuku apenas acena com sua cabeça indicando que estava acompanhando o que ela lhe dizia. “Aquilo era um Ghoul: uma criatura criada e mantida pela  corrupção da magia e que, infelizmente, apenas magos ou feiticeiros conseguem conter. Qualquer herói provavelmente morreria ao ser pego na barreira.

Esse também é um dos motivos que você vai ficar conosco em vez de ir para alguém conhecido. Nós precisamos manter sua mãe sob observação, já que ela foi ferida com magia, e  como eu disse, não vou separar você dela.”

“Vocês não tem Quirks então?”

“Não. Foi nisso que prestou atenção?” O tom dela era indefinido entre exasperação e curiosidade, diversão.

“Só... eu não entendo. Eu não sabia que magia existia de verdade.”

“Magia sempre existiu, muito antes dos Quirks, da mesma forma que sempre estivemos a serviço do governo de uma forma ou de outra. Cada caso é um caso, na verdade, embora as coisas já tenham sido melhores.”

“Como assim?”

“Não, isso não é importante, não se preocupe.”

“Eu... conheci heróis magos hoje.” Ele sorriu um pouco experimentando as palavras conforme elas saiam de sua boca.

“Não somos heróis menino.” O de cabelos negros (Mitsuru? Izuku não sabia, o rapaz estava sempre junto de Ethan.) apontou de onde estava parado na soleira da porta, tendo recém chegado ali, mas Izuku apenas negou com a cabeça.

“Vocês são heróis pra mim, e mamãe, embora ninguém mais saiba. Vocês nos salvaram e estão me ajudando mesmo sendo sem Quirk. Quer dizer, é claro que vocês não precisam disso já que eu vi seus poderes e eles são muito legais, o que eu quero dizer é... eu não conhecia ninguém sem Quirk que fosse tão legal assim e isso me deixa feliz, pois se vocês são tão fortes então eu posso não ser tão inútil como todos dizem né? Talvez eu possa ser algo muito legal também... como vocês e All Might.

“Oh, um sério caso de audição seletiva.” Disse o mesmo menino com mais diversão do que antes e Izuku percebeu que estava divagando novamente (nenhum deles o repreendeu por isso, perceberia depois). “Esse é seu Aya.”

“E mamãe? Ela sabe disso? Quando ela vai acordar?”

“E chegamos na questão de ouro número dois. Izuku, lembra quando eu disse que ia te fazer uma pergunta em troca da ajuda para sua mãe?” O menino apenas assente e ela morde o lábio antes de continuar “Por algum motivo o Ghoul causou muito mais dano para sua mãe do que os demais que estavam lá. O dano espiritual nela foi intenso e isso é algo que podemos curar completamente com magia, mas vai levar muito tempo.”

“O que isso quer dizer?”

“Quando encontramos você eu percebi que seu potencial mágico é fora do comum para pessoas dessa época, então eu preciso te propor a possibilidade de colocar-se sob nossos cuidados até que sua mãe torne-se apta novamente. Você aceita viver como convidado nessa residência e sob nossa proteção?”

“Eu realmente posso decidir isso? Eu sou só uma criança.”

“Se fosse uma situação comum, você não poderia. Mas infelizmente um mago vai ter que cuidar de você, sejamos nós ou não.  Então eu te ofereço isso: a segurança de responder sob o meu nome.”

“Você se sente culpada? Por mamãe?

“Também, mas principalmente, toda a magia lhe negligenciou e gosto de pensar que aprendo com meus erros. Essa é uma oferta que, a partir de agora você vai receber muitas vezes, então posso ser a primeira. Você vai permanecer, junto de sua mãe, como uma parte de nossa casa? Pode negar é claro e, mesmo que aceite, quando sua mãe acordar ela vai ter que decidir novamente, por ambos, mas até lá a escolha é sua.”

“Eu... vou ficar com vocês, se isso não for ruim. Vocês salvaram mamãe e eu quero ficar perto dela. Eu vou mesmo morar aqui?”

“Sim, embora você ainda vá manter sua vida anterior da maneira que for possível.”

“Ok, eu posso fazer isso.”

“É claro que pode.” Ela acariciou seu cabelo e se levantou. “Essa não é a decisão que uma criança deveria tomar. Vamos comer alguma coisa sim? Seu café da manha foi mais fraco do que eu queria.” Ela pegou sua mão enquanto o içava do sofá. Izuku sem resistência deixou que o segurasse em seus braços, preocupando-se apenas em não derrubar as poucas frutas que ainda segurava. “Isso não deve ter matado sua fome. Vamos fazer uma refeição decente. O resto nós podemos resolver amanhã."

Foi  apenas depois de jantar e ser colocado em uma cama quente, muito mais tarde, que Izuku permitiu-se chorar novamente liberando toda a tensão que havia se acumulado naquela tarde. A perspectiva de viver sem sua mãe por perto, mesmo que breve, enquanto a esperava acordar o assustou absurdamente, mas ele faria se isso significasse manter ambos seguros.

Os braços ao redor de seu pequeno corpo o confortavam e Izuku caiu no esquecimento embalado por uma desconhecida canção de ninar.

 

*****

 

Eram realmente quatro as pessoas naquele estranho grupo que congelou sua casa no tempo e destruiu toda a sua mobília e seriam ainda semanas para que se entrosasse com eles.

Demorou mais um dia para que Izuku decorasse todos os nomes daquelas pessoas e se sentisse confortável para começar conversas com os mesmos. Mas observá-los tornou-se quase como um passatempo para o menino que pouco a pouco ia aprendendo mais sobre todos. 

Mitsuru era japonês, isso ele sabia com certeza. O garoto mais pálido que os demais tinha o cabelo negro até os ombros e a feição típica de seu povo. Sua atitude calma e conservada, que em primeiro momento sempre parecia gritar ‘distancie-se’ escondia consolo e  tranquilidade, coisas que Izuku aceitava de braços abertos todas as vezes.

Ethan, por sua vez, era mais difícil de identificar. Sua pele era bronzeada e o estranho cabelo dele (dreads como mais tarde ele lhe ensinou) caia em algo parecido com uma cascata até seus joelhos (Izuku nunca havia visto meninos com cabelos longos antes). Orgulhoso Ethan entretinha Izuku com diferentes histórias que pareciam absurdas, mas que arrancavam tímidas risadas da criança.

O que parecia faltar de calor em Mitsuru, de primeiro momento, era abundante em Ethan e sua atitude energética. O rapaz havia tornado sua missão familiarizar Izuku com a estrutura da casa grande demais. Os únicos momentos em que Ethan realmente ficava tranquilo eram aqueles em que descansava no sofá, encostado no outro rapaz (seus olhos brilhavam quando Mitsuru não podia ver e os dedos sempre se encontravam sob as mantas).

Elijah era diferente, o mais de todos. Seus cabelos loiros e olhos azuis se destacavam em qualquer lugar que estivesse. Sua pele pálida parecia tão fria, como seu olhar (ele não era frio, Izuku já havia aprendido depois do primeiro curativo).

Izuku descreveria Elijah como uma tarde de primavera: gélida em certos aspectos, mas completa com o potencial da próxima estação, da mesma forma que um consolo para quando o calor viesse a ser demais.   Elijah era quem repreendia e corrigia, era quem interceptava as atitudes e feitos malucos sob aquele teto e quem dava fim nas discussões mesquinhas quando elas ficassem demais.

Aya tinha seus longos cabelos, nunca da mesma cor (ou de uma cor só). A menina tinha praticamente a mesma altura que Ethan e irradiava a mesma energia ansiosa. Os olhos negros não mudavam nunca embora, às vezes, Izuku jurasse ver tons de marrom e verde infiltrando-se por eles.

Seus braços eram quentes. Nas noites em que Izuku acordava de um pesadelo, ou mesmo naquelas em que a solidão de seu quarto se tornasse demais para lidar sozinho, eles deitariam juntos sob as cobertas e a voz dela, repleta de divagações tolas, o levaria para o esquecimento.

E então haveria Inko e Izuku, a pequena família de feições fofas e cabelos verdes que se instalara na grande casa, como se sempre tivessem pertencido ali, depois de terem sido desabrigados.

 Inko ainda dormiria e Izuku ainda esperaria por sua mãe, cada instante mais ansioso, enquanto tentava navegar pelos hábitos que estava adquirindo e sua nova realidade.  

 

 

*****

 

Os ferimentos de Midoriya Inko curraram-se tão rápida e eficientemente que poucos poderiam dizer que os mesmos existiram algum dia. Sua pele voltara a ser rosada e saudável e as olheiras dos últimos dois anos desapareciam pouco a pouco.

A mãe do menino não acordara, entretanto. Depois de dois dias constatou-se em Inko a condição de Coma induzido magicamente. Izuku chorou novamente naquele dia.

 

*****

 

O tempo passou mais suavemente a partir dali, estações mudando levemente. Os dias escorriam preguiçosos em semanas e essas em meses, levando as flores e folhas junto delas. Antes de aquele ano terminar a nova vida de Izuku estava encaminhada.

Eles se mudaram para a grande casa de Aya, no extremo subúrbio de Musutafu, cercada por árvores, vida e ar fresco. Cozinhavam em velhos fogões a lenha que nunca se apagavam e catavam galhos e partes de árvores caídas no bosque nos fundos de seu quintal.

Izuku escutava animando enquanto os mais velhos cantavam pequenas músicas folclóricas que o menino realmente não entenderia, embora gostasse, e sentavam-se com ele enquanto praticava timidamente seu hiragana.

Eles arejariam os cobertores em dias de sol e fariam chocolate quente nos dias frios e chuvosos. Nas duas ocasiões em que a neve caiu os cinco construiriam bonecos juntos e fariam anjos ao redor da propriedade (os chás de Elijah não permitiriam que Izuku adoecesse).

 Não raras vezes Izuku teria a companhia de apenas um deles durante tantos dias e isso o preocupava. Nessas situações o menino nunca dormia em sua própria cama, estando junto de sua amada mãe ou em um forte de travesseiros improvisado em qualquer lugar da casa.

Em sua volta, mais vezes do que não, trariam consigo cicatrizes e contusões bem como histórias novas e pequenos mimos. O mais novo integrante da casa viveu para ter aqueles momentos em que seus trabalhos terminariam e todos estivessem em casa, se não sãos, pelo menos salvos.

Todos esperavam sua mãe acordar...

Izuku ganhou seu próprio quarto, não mais aquele que compartilhara com a mãe nos primeiros dias, e durante semanas os jovens revezavam-se em acompanhar o menino a escapadas pela cidade para comprar os itens necessários e reabastecer seu estoque de mercadorias de heróis. Tornara-se um jogo, e piada interna, encontrar alguma peça exata que já havia possuído e isso o deixava ainda mais feliz quando acontecia.  Figures Actions, cobertores, roupas e qualquer merch possível começaram a preencher a estante branca ou os demais cantos do quarto do menino, colorindo-o como seu herói favorito.

Izuku não pode dizer com exatidão quando, nesse meio tempo, começou a chamá-los de irmãos. Sua convivência e estilos de vida haviam se tornado algo não natural quanto respirar e o menino acabou por esquecer as lembranças daqueles tempos em que era apenas ele e sua mãe.

E eles agiam como tal também, percebeu Izuku. Eram verdadeiros irmãos mais velhos cujo único objetivo era estragar o caçula além do reparo.  Eram cada vez mais os itens e lembranças que recebia de suas visitas seja pela cidade, país ou, quando o trabalho lhes exigia, mundo. Era algo rotineiro para a família presentear seu novo integrante, seja com pretextos de devolver apenas o que haviam destruído ou como prêmios de bom comportamento. Nesses dias Izuku iria até o quarto de Inko, ansioso por compartilhar qualquer novo item de sua coleção. Ele poderia falar durante horas enquanto a mulher repousava ali, serena. Seu sorriso estava ali, entretanto. O restante Izuku preenchia com a imaginação.

 

*****

 

Mamãe fazia tanta falta.

 

*****

 

"Eu quero ser um herói." Ele diz um dia, enquanto folheia um dos livros de Mitsuru na sala de estar, era um raro período de calma com todos presentes na casa. Os demais estão ali com ele, encolhidos sobre os sofás, e Aya apenas desvia sua atenção da tela de seu telefone.

"Nós sabemos." Ela diz.

Ele sorri e volta a olhar para as páginas.

 

*****

 

(Aos sete anos Izuku aproxima-se novamente de Aya com uma pergunta a ser feita e um objetivo cravado em mente. Ainda seriam anos para que Inko despertasse de sua condição, mas o menino estava decidido a que, quando isso acontecesse, ela o encontraria na melhor condição possível. Ele queria mostrar a todos, principalmente mamãe, que ele poderia ser um grande herói.

“Ensine-me magia, por favor.” O olhar que recebeu da pessoa sentada na escrivaninha era um reflexo do seu e, quando ela largou a pena que segurava, Izuku sentiu-se apreensivo. Recostando-se na cadeira, como se cansada de preencher papelada, a jovem acena para ele e Izuku entende, permitindo-se sorrir então.

“Eu estava pensando que você nunca perguntaria.”)


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