Berlim, Alemanha – 07h00, quarta-feira.

            Percebi naquela manhã que o sol que entrava pela janela de manhã seria um grande problema. Logo de manhã cedo, ele entrava pelas portas de vidro da varanda, mesmo com as cortinas fechadas, e me obrigava a levantar, incomodando meus olhos ainda fechados, que foram abertos e surpreendidos com o horário, porém, a maior surpresa foi ver que minha mãe já havia acordado. Sai da cama e andei em direção a minha mala, abri ela e procurei por uma blusa e uma calça confortáveis para vestir, me troquei e arrumei o cabelo, ainda descalça, andei em direção a cozinha do quarto onde mamãe já preparava o café da manhã com alguns queijo-quentes e suco de laranja.

            Me sentei e comecei a folhear o jornal, nada de muito interessante, então resolvi pegar uma das revistas que tinha comprado na noite anterior, comecei a ler ela, empolgada com seu conteúdo, até que minha atenção foi interrompida pelo som da campainha tocando – apenas naquele momento percebi que o quarto tinha uma campainha – freneticamente e fazendo com que minha mãe fosse atender a porta. Abrindo-a, se deparou com uma garota alta com um celular na mão e uma bolsa na outra.

            - Bom dia, senhora Black – disse Bel, dando dois beijinhos como cumprimento em minha mãe e seguindo quarto adentro.

            - O que faz aqui tão cedo, criatura? – indagou minha mãe com sarcasmo.

            A garota pareceu ignorar a pergunta, apenas parou e se virou para mim, percebendo minha presença, andou em direção a mesa e me cumprimentou com os dois beijinhos também.

            - É tão bom te ver! – disse já se sentando ao meu lado na mesa.

            - Nos vimos ontem a noite, não faz tanto tempo.

            - Vou fingir que não ouvi esse comentário e passar para o que interessa – disse ela finalmente largando o celular sobre a mesa. – Tenho ótimos planos para você hoje.

            - Planos?

            - Para conhecer os vizinhos – explicou ela, tomando um gole do suco de laranja em meu copo. – Convidei alguns amigos que moram no meu condomínio para irem lá em casa hoje a tarde passar um tempo na piscina, curtindo e conhecendo você.

            - Eles sabem que eu vou?

            - Essa é a graça, vai ser uma surpresa. Eu não avisei nada, apenas disse que deveriam chegar às duas que eu já estaria esperando, mas é obvio que sempre chegam mais cedo minhas melhores amigas, você no caso será a primeira, estará lá em alguns minutos, meia hora no máximo.

            - Você mora em condomínio? – indagou minha mãe.

            - Achei ter deixado isso claro antes, mas sim, é um condomínio fechado e com uma segurança ótima, além de não ter muitas casas 14 no máximo. São casas enormes e uma delas é a sua futura casa, assim espero – ela encarou minha mãe com um sorriso inocente e os olhos brilhando de esperança.

            - É claro, vou junto com vocês conversar com seus pais sobre a forma de pagamento e para ir olhar a casa.

            - Que bom, pois eu vim de táxi e não tenho dinheiro o suficiente para a volta.

            - Eu devo me arrumar, então – disse eu, já me levantando e indo em direção a minha mala.

            - Sim, eu te ajudo a escolher as roupas, vai ter meninos lá.

            - Eu sei, também sei me arrumar para a ocasião, só quero a sua aprovação.

            - Tudo bem – disse ela me acompanhando – o que tem em mente então?

            - Para roupa de banho, estou entre esse biquíni com cropped ou esse maiô com as costas todas expostas e vendas nas laterais que levam ao meio da barriga.

            - Você quer causar, gostei disso. Acho que o biquíni vai te expor mais, se é isso que quer, porém, se quer chegar e chamar a atenção dos meninos eu sugiro um que deixe seus seios a mostra.

            - Meninas! – reprovou minha mãe da cozinha.

            - Brincadeira, senhora Black.

            - Vou levar esse então, agora a roupa que vou usar...

            - As roupas, pois vai ser uma agora para a manhã, outra para o almoço, pois será com os meus pais e é essencial que seja uma roupa mais elegante, outra para a chegada do pessoal e pra usar até chegar e hora da piscina, mais uma para a noite, onde vou fazer uma pequena festinha.

            - Então que tal essa blusa de amarrar aqui do lado, parecida com aquela que você comprou, junto com aquele jeans rasgado?

            - Perfeito, seu senso de moda é muito bom, nisso não vou precisar te ajudar.

            Nós rimos e continuamos a escolher as roupas. Fui obrigada a levar uma das saias que comprei com uma blusa decorada e um salto para o almoço com os pais da Bel, além de usar um dos shorts com um cropped simples junto de um tênis preto para a chegada dos amigos, depois para a noite escolhi um sutiã preto totalmente decorado com rendas e um shorts jeans preto rasgado, além de um casaco transparente com desenhos de flores por todo ele, que era comprido e parava no meio da cocha, talvez um pouco além. Ajeitamos tudo dentro de uma mochila, junto com brincos e colares, um kit completo de maquiagem, meu notebook, um caderninho pequeno com algumas poucas canetas, mais alguns pertences.

            Depois de trocar de roupa e pegar meu celular, descemos para o estacionamento do hotel para pegarmos o carro, mamãe deu a partida e alguns minutos depois, quando Bel e eu já estávamos conversando sobre os planos para a tarde, ela recebeu uma ligação provavelmente de uma das amigas que iria para lá, avisando que chegaria atrasada por causa do transito, pois era uma das que morava fora do condomínio, como eu, por enquanto. A garota lamentou a demora da amiga, mas resolveu ligar para outra, confirmando que chegaria no horário, ela pareceu concordar e disse que chegaria em alguns minutos na casa da Bel, porém, nós demoraríamos ainda algum tempo para chegar lá.

            O condomínio era grande, visto de fora, dava para ver o topo das altas mansões dali. Tinha uma segurança rigorosa, com um segurança do lado de fora monitorando o movimento das pessoas e carros passando por ali, outro dentro de uma cabine que se comunicou conosco por meio do interfone, perguntando quem erámos, quem iriamos visitar, qual a placa do carro, onde estacionaríamos, se estacionaríamos, se tínhamos avisado previamente a pessoa que iriamos visitar, qual a casa, dentre outras perguntas que foram interrompidas quando Bel interferiu, dizendo que estava junto e que nós estacionaríamos na nossa futura casa, a mansão que ficava na rua dois.

            Depois de permitir nossa passagem, abriram os grandes portões e fomos guiadas pelo condomínio até a tal rua dois, onde ficava nossa casa, era bem próximo, nós entravamos na rua principal, a rua um, e tinha uma outra rua, paralela chamada rua três, onde não estava a fachada de nenhuma casa, apenas a lateral das que tinham a entrada para a rua um e para a dois, onde entramos e logo paramos, na mansão que ficava na logo na esquina. Era grande, com a porta em uma varanda, janelas na frente e um pequeno jardim com um canteiro feito de terra e pequenos arbustos e outras árvores de pequeno porte que eram cercados por um gramado que por sua vez cercava a calçada, havia também uma área da calçada que se estendia mais próximo da casa, que era a garagem do carro, onde mamãe o estacionou.

            Saímos do carro e logo Bel começou a apontar para as casas indicando onde morava cada um de seus amigos e também vizinhos que não tinham filhos ou que não eram da nossa idade. Passando ao lado de uma casa ouvimos passos rápidos de alguém correndo atrás da gente, uma garotinha que começou a gritar o nome da Bel, que se virou e andou em direção a menina, que nem era nova, tinha nossa idade ou até mais.

            - Angel, querida, essa é a Raven de quem lhe falei – disse Bel me apresentando a garota.

            - Prazer, me chamo Angelina Lodge, sou melhor amiga da Bel e colega de turma dela, ouvi falar muito de você – a tal Angel estendeu a mão e eu a apertei, ela então sorriu e se voltou para Bel. – Acho que a Liv e a Emily já estão na sua casa.

            - Ótimo, logo vai conhecer o resto das meninas, Raven.

            - Que bom – disse para ninguém em especial, depois voltei a atenção para Angel. – A Bel disse que tem alguns meninos que moram aqui e que vão para a casa dela hoje, mas ela não quis me falar quem e como são, você quer me fazer esse favor?

            - Bem que eu queria, mas recebi ordens para não contar e a Bel tem muitas coisas que pode usar contra mim se eu não obedecer, tenho meus motivos.

            - Entendo, mas então, essas Liv e Emily são amigas próximas de vocês?

            Quando percebi já estávamos quase no final da rua paralela e já avistávamos a casa da Bel, porém, não era a mesma de quando havíamos buscado ela na noite anterior, ela pareceu entender meu olhar confuso e começou a explicar.

            - Sim, são tão próximas quanto a Sarah, dona da casa em que você me buscou ontem, ela era a minha antiga casa, mas meu pai vendeu para a mãe dela quando nos mudamos para esse condomínio, eu esqueci que você não sabia disso, desculpa.

            - Sem problemas, é muito bonita.

            - Ah! Você é a menina que vai morar na mansão a venda, não é? Nossa, como sou lerda, nem me toquei antes.

            - É sim e tudo bem não ter lembrado, não é nada demais.

            - Mas é claro que é, afinal é a segunda maior casa daqui e uma das mais caras, ninguém queria comprar.

            - Digamos que meu pai deu um jeito nisso, Angel – Bel piscou para nós enquanto abria a porta da frente.

            Um vulto passou correndo e pulou em cima dela, um Pitbull com uma coleira rosa presa ao pescoço que começou a lamber o rosto da dona, alegre com sua chegada, depois do tumulto a menina se recompôs e a cadela seguiu para cumprimentar as outras pessoas ali presentes, parando à nossa frente e estendendo a patinha, esperando uma resposta, respondi ao ato do animal com alegria e depois me abaixei e comecei a fazer carinho na cabeça dela.

            - A Princesa é treinada para isso? – indaguei me levantando e encarando a Bel enquanto entrava em casa e nos indicava passagem.

            - Não, aprendeu sozinha e resolveu usar isso para cumprimentar todas as visitas. Sintam-se à vontade, a Angel já é da casa e vocês também serão.

            - Seremos?

            - Precisam almoçar com meus pais, eles iram aprovar vocês de certa forma, mas é obvio que vão passar.

            - Assim espero, por enquanto, onde está sua mãe? – perguntou minha mãe.

            - Provavelmente na cozinha, eu te levo até lá. Angel, pode subir com a Raven para o meu quarto, por favor?

            - Claro, vem Raven – ela pegou em minha mão e me puxou escada acima me guiando pelos corredores até o de quartos, onde havia duas portas abertas, quando passamos na frente de uma Giuli saiu de dentro dela correndo e nos abraçou em conjunto.

            - Oi meninas! A Emily e a Liv já estão esperando no quarto da Bel, se quiserem saber.

            - Oi Giuli, saudades – disse Angel, cumprimentando a menina com outro abraço.

            - Como foi a viagem? Me conta tudo depois!

            - Mas é claro, agora, preciso apresentar a Raven para as meninas.

            - Certo, até logo – ela voltou para o quarto e seguimos para a última porta do corredor, quarto da Bel.

            Lá dentro estavam outras duas meninas, uma com cabelos loiros, vestindo blusa preta e saia xadrez, além de um coturno marrom, a outra era de cabelos castanhos com as pontas tingidas de rosa escuro, usava um vestido azul claro com uma jaqueta jeans cinza presa a cintura, diferente da outra, ela estava descalça. Como as duas estavam sentadas na cama se levantaram e andaram em direção a porta, fazendo questão de me encarar, sorrindo.

            - Você deve ser a Raven – disse a loira. – Muito prazer, sou a Lavinnia, mas devem ter lhe apresentado como Liv.

            - Sim, Liv, o prazer é meu.

            - Me chamo Emily – disse a morena. Logo desviando o olhar de mim para Angel. – Como foi a viagem para Borkum?

            - Maravilhosa, depois mostro fotos, agora, vamos apresentar a Raven para o quarto.

            - Tour pelo quarto da Bel, amo! Aqui fica a cama, aqui a sacada, do outro lado tem o closet e o banheiro, é bem grande, só tenta não se perder – começou Liv.

            - Ah, por favor! Vamos nos sentar na cama ou no tapete e conversar – sugeriu Emily.

            - Ok – respondemos em uníssono.

            Então eu e Angel nos sentamos na cama, enquanto Emily se sentava em um pufe próximo e a Liv puxou uma cadeira da escrivaninha e se sentou nela.

            - Bem, você vai morar aqui no condomínio mesmo? – perguntou a morena.

            - Sim, minha mãe e eu nos mudamos faz pouco tempo e estamos num hotel mais ou menos perto, mas pretendemos nos mudar para cá logo, por isso minha mãe veio, para conhecer a casa e acertar tudo com o pai da Bel.

            - De onde você era antes de vir para Berlim?

            - Munique.

            - Por que saíram de lá? Dizem ser uma cidade ótima para se viver – disse Liv.

            - Meus pais se separaram e minha mãe preferiu não viver próximo de um lugar que trazia uma memória triste.

            - Nossa, então viajaram para o outro lado do país, sua mãe não estava brincando quando disse que queria ficar longe.

            - É, bem, ela não brinca com algumas coisas.

            - Sinto muito, sei como é, meus pais também são separados – disse Emily.

            - Os meus só brigam além da conta, nada de separações, graças a Deus, sem querer desmerecer o que aconteceu, meus sentimentos – disse Liv.

            - Bom, vamos todas ser vizinhas, bem próximas, quer dizer, vai morar do meu lado – comentou Angel.

            - Eu moro na última casa dessa rua e a Emily mora na primeira casa da rua, do outro lado.

            - Mais alguém de vocês, quero dizer do grupo de amigos da Bel, mora aqui?

            - Os meninos, mas só dois moram nessa rua, os outros moram na sua.

            - Eles são legais?

            - Bonitos, alguns, retardados, mas são legais em geral.

            - Vejo que já se enturmou – Bel entrou no quarto fazendo o foco de todas virarem para ela e a encararem, ela seguiu para dentro do quarto e se sentou na cama.

            - A Sarah ligou mais cedo e disse que vai chegar em alguns minutos, já deve estar perto daqui.

            - Ótimo, temos mais companhia além dela, Max disse que vai almoçar conosco, eu disse que não, então ele insistiu em chegar mais cedo do que o combinado para a piscina.

            - Isso é um problema?

            - Quando falamos que os meninos eram retardados, esse aí não é exceção, muito pelo contrário, é um dos únicos que tem problemas mentais além de retardado, não são sérios, mas é irritante às vezes.

            - Eu tenho uma teoria de que ele usa drogas todos os dias às cinco da manhã para ficar chapado durante todo o dia.

            - Que loucura.

            - Enfim, vamos fazer alguma coisa, não ficar só paradas conversando.

            - Trouxe kit de unhas, podemos pintar, talvez colocar unhas postiças se alguém quiser.

            - A Raven não precisa, as dela já são enormes.

            Todas rimos então Liv voltou-se para uma pequena maleta do lado da escrivaninha do quarto, ela a puxou para o tapete, onde todas nos sentamos e abriu, começando a exibir esmaltes de todas as cores, caixas com unhas postiças, potes com brilhantes, pincéis, caixinhas com glitter e sombra pigmento, produto para unhas em gel, cola de unhas postiças, moldes de vários tamanhos para unhas em gel e objetos para retirar cutículas. Ela colocou sua maleta no meio do tapete e nos encarou.

            - Quem vai ser a primeira?