Âmago da Meia-noite escrita por Shantalas


Capítulo 7
O Castelo Dongau II


Notas iniciais do capítulo

Parte 2 de 2



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Ninguém quis ficar na sala. O primeiro deles a sair foi o alquimista Galahan, seguido pelo acompanhante Devan, depois o Conselheiro, a velha que estava na cama e por último Daniel que se atrapalha na porta junto a Devan até o rei dizer:

— Pegue o moleque!

O sentinela alto puxou o rapaz pelo manto de Jacaré, Daniel pensou que seria punido e se espremeu para fugir, mas Devan em sua pressa para sair o empurrou para trás e Daniel ficou. O Sentinela baixo fechou a porta rápido, quando Daniel se virou assustado, o Rei já estava de frente para ele.

— Por favor senhor, me desculpe. – Daniel suplicou.

— Pelo que? – O rei diz limpando as lágrimas do rosto.

— É... – Daniel não sabia o que dizer. Ele pensava que era o único a ter pavor das reações do rei, mas agora sabia que todos compartilhavam esse sentimento.

— Confio no julgamento de Umbuzeiro, por mais estranho que pareça – O Rei diz e como se examinasse sua própria frase ele continua – Apesar de que algumas escolhas dele são muito abusivas – O rei passa pelo garoto e vai em direção à porta – Sei que você é só uma criança, não quero que se sinta pressionado, mas peço por favor que dê seu melhor para ajudar minha filha.

— Sim senhor – Daniel responde empolgado, mesmo tendo sido chamado de criança ele sentiu que alguém finalmente estava depositando fé nele.

O Rei coloca a mão na maçaneta da porta e o Sentinela ao seu lado, o mais baixo diz:

— Devo aproveitar que os bajuladores saíram, Vossa Majestade, para lhe dizer que o senhor precisa se recompor, precisa se manter centrado, principalmente pelo bem de suas filhas.

— Vossa Majestade, não é bom que os servos vejam seu Rei prostrado e frágil dessa forma – O outro sentinela comenta em sincera preocupação.

— Deixe que eles contemplem que seu Rei é só um homem. – Claus diz.

— É aí que mora o perigo – O sentinela mais baixo, da pele negra, comenta – Não sabemos o que é tudo isso, mas com certeza alguém está tentando lhe atingir.

— Eu sei – O Rei concorda cansado – É por isso que preciso averiguar algo pessoalmente. Vocês dois vão querer olhar isso também.

— É o motivo de sua irritação lá fora? – O sentinela quase da altura do rei pergunta.

— Venham ver, com seus próprios olhos – Claus abre a porta e se retira, os dois sentinelas vão logo atrás.

Daniel observa a porta aberta, a quantidade de expectadores no corredor estava grande. O rei diz com sua voz alta:

— O que diabos faz aí Natanael? Vá cuidar de minha filha.

Sem questionar, o conselheiro entra lançando um olhar zangado à Daniel. O sentinela alto fecha a porta e apenas cinco pessoas permanecem no quarto.

— Esperava que um garoto bárbaro como você fosse ter o mínimo de respeito com os mais velhos – O conselheiro ralha.

Daniel se preparava para a confusão mais uma vez, mas a princesa Kalifa foi mais rápida suplicando:

— Por favor Senhor Natanael, minha irmã pode estar precisando dele.

— Com certeza, minha princesa, perdão. – Natanael fala escondendo o tom contrariado.

Daniel já estava se soltando um pouco na frente do rei, com a sua saída ele se sentiu livre, afiou suas palavras e disse:

— Não é a princesa que precisa do seu perdão, estou cansado de ser tratado como criança por vocês.

A princesa balança o rosto negativamente e suspira alto só então diz com energia:

— Será que terei que me ajoelhar para pedir que minha irmã seja atendida? Já não basta todos esses homens que nada tem a acrescentar e só querem mostrar serviço ao meu pai?

— Desculpa – Daniel pede com vergonha – Vou olhar agora mesmo.

Ele se aproxima com urgência da cama visualizando a princesa Melanir em seu sono profundo. Ela estava deitada de barriga para cima, coberta até o pescoço. Daniel pega o lençol para descobrir a moça, mas o conselheiro o interrompe.

— Opa! Melhor chamar nossa médica parteira, não vejo necessidade de você chegar muito perto da princesa - Nessa hora a porta do quarto se abre e o Duque Claudio entra, estava sem a espada do irmão e parecia confuso. Natanael se vira para ele e pede – Chegou em boa hora, peça à parteira que entre.

O Duque chama a velha de cabelos ralos, ela entra e a porta é fechada novamente, após isso os dois se aproximam da cama. Cláudio coloca a mão no ombro de Kalifa e segue até a Princesa que chorava inconsolável no canto da cama, agarrada ao braço da irmã e, acolhendo-a em um abraço enquanto observa os outros na sala, pergunta:

— Algum progresso?

— Estávamos iniciando agora – Natanael responde – Senhora Padmá, mostre o ferimento ao garoto.

A velha descobre Melanir do lençol sem cerimônia, a menina vestia uma camisola fina branca, com bordados no busto e babados na manga. Seu corpo era magro, com curvas bem delineadas. A velha suspende a camisola, revelando a barriga da garota com um ferimento abaixo do umbigo, estava coberto por uma pasta verde que cheirava a eucalipto. A princesa vestia ainda uma calçola, com grandes babados, que estava abaixada até a linha da virilha revelando uma parte de seus loiros pelos pubianos.

Daniel achou o corpo da garota bonito, mas não se impressionou, ele já havia visto o corpo nu de várias mulheres, mais vezes do que um rapaz de sua idade normalmente vê. Então, Daniel pede à velha que limpe o ferimento para poder examinar melhor. Enquanto a senhora Padmá limpava a pasta verde, ele pergunta:

— Ela está com febre?

— Não – A velha responde passando um pano úmido sobre o ferimento, com cuidado.

— Já tentaram acordá-la? – Ele pergunta para a senhora, mas o conselheiro responde.

— Ela chegou aqui consciente, após uns minutos adormeceu e não conseguimos que despertasse de forma alguma.

— Papai chegou a dar dois tapas no rosto dela – Kalifa comenta achando graça, seu semblante expressando um misto de tristeza com o cômico.

A velha termina de limpar e Daniel vê um traço pequeno, um corte com as bordas escuras, as veias ao redor estavam negras. O rapaz examina bem, cheira, pede para a velha tocar, reconhece o ferimento feito por uma seta e percebe que foi muito bem removido, então pergunta:

— Porque não fizeram a sutura?

— A mandinga ainda está aí dentro.

— Como assim? – Daniel pergunta à velha, sem entender.

— A linha com três nós – O conselheiro responde – Não encontramos. Todos os virotes que achamos com os Goblins tinham essa linha, a que atingiu a princesa era idêntica às outras, mas estava sem a linha, pensamos que está dentro dela.

Daniel percebera que a linha que Devan lhe dera, estava ainda em sua mão, ele coloca no bolso de sua vestimenta discretamente e volta a atenção para o ferimento, apontando para as manchas escuras na pele que delineavam as veias e o corte e indaga:

— E isso aqui? Alguma medicação?

— Não – Padma responde – Isso é coisa ruim.

— Achávamos que o seu ancião saberia dizer o que é isso – O conselheiro comenta.

— Nunca vi isso antes – Daniel repara – O ferimento parece bem tratado, exceto por isso.

— Então – O conselheiro fala como se já a soubesse o que viria – Consegue fazer alguma coisa pela princesa?

Daniel sentiu o olhar de todos em cima dele, até mesmo a princesa chorona na lateral da cama ergueu o rosto para ele, estava inchada e com os olhos muito vermelhos. Ficou inseguro, respirou fundo e pediu:

— Vou ver o que posso fazer. Vocês têm Calla aí?

— O que é isso? – Natanael pergunta

— Uma flor, caso não a tenha, serve Lírio, um que seja branco, ou até mesmo jasmim, se tiver.

— Temos Lírio – Kalifa responde – Quer quantas?

— Umas 4.

— Vou pedir à uma das aias da Mel.

A princesa Kalifa se retira com pressa. Daniel encarando o ferimento, reflexivo sobre o que faria, se deu conta de que seu conhecimento de cura, ensinado por Jaborandi, era limitado, passando a desejar com todas as forças que a técnica das flores brancas desse certo.

O conselheiro Natanael estava desconfiado, examinando com cautela o garoto. O Duque Claudio massageia o ombro da princesa e se levanta dizendo a ela:

— Não se preocupe, Sol. Em breve ela estará rindo conosco.

A princesa apenas balança o rosto e para de chorar por um instante, visualizando todos no quarto parecendo que iria se recompor de seu pesar interminável, porém, se prostra novamente e, soluçando, chora. Kalifa adentra o quarto fechando a porta atrás de si e anuncia:

— Foram providenciar.

— Muito bem – Cláudio diz e se vira para Daniel – Você acha que pode recuperá-la?

O garoto esconde sua incerteza e com uma falsa segurança afirma:

— Eu preciso tentar primeiro, mas prometo usar tudo o que sei – O que é bem pouco, ele sentiu vontade de completar.

O Duque astuto pareceu ler Daniel pela sua expressão e suspirou, mas nada disse, apenas andou até a janela do quarto e lá permaneceu, olhando fixamente para o céu. As nuvens eram escassas e o sol corria para o horizonte, ainda faltava um pouco para ele se esconder.

A tensão no quarto permaneceu por um tempo que Daniel julgou ser demorado, mas ele sabia que era sua ansiedade que transformava os segundos em minutos. Até que foram ouvidas batidas consecutivas na porta e o conselheiro abre recebendo um buquê de flores brancas e bonitas, similar à uma taça, mas sem curvas, contendo um carpelo com pólen amarelo em seu centro. Descrente, ele entrega a Daniel.

O rapaz recebe o pacote e retira uma das flores pelo caule verde, ele sente o aroma adocicado e observa de perto o local onde a planta fora cortada, satisfeito ele diz:

— Desculpe.

— Não vai conseguir fazer nada? – Natanael pergunta.

— Ele está falando com as flores - Kalifa fala ao Conselheiro – Elas não iram se importar – Diz, agora dirigindo-se à Daniel - São do jardim que pertenceu à minha mãe. Se for pelo bem da Mel, as flores não vão se importar.

O Conselheiro vira os olhos impaciente. A conversa fez com que a princesa Sol erguesse sua cabeça, com as bochechas molhadas e rosto vermelho. O Duque e a velha parteira estavam curiosos. Daniel puxa mais três flores e entrega o buquê à velha Padmá, então, ele extrai o caule e deposita as pétalas no receptáculo sobre a ferida. Ele faz isso mais 3 vezes, como se estivesse enfeitando a barriga da garota.

Daniel fecha os olhos se concentrando, ele produz um silvo com os lábios ao inspirar o ar e ao expirar lentamente ele pronúncia uma série de palavras ininteligíveis. O conselheiro se aproxima tentando entender, mas Daniel abre os olhos fitando os lírios.

— Filhas da terra que alimentam o ar, me emprestem sua luz para que essa vida possamos salvar.

Todos esperam ansiosos para que algo acontecesse, menos Daniel que semicerra os olhos, como se estivesse se sentindo mal. Então o primeiro segundo se passa, depois o segundo e o terceiro e nada ocorre. O conselheiro lança a Daniel seu olhar de desconfiança, até que uma brisa leve invade o quarto e muda uma das flores de posição.

— Oh – Padmá exclama, assustada pelo vento.

— Acho que sabemos onde isso vai dar – Natanael diz, contento o ódio.

A primeira flor que Daniel depositou se desmancha, as pétalas se separaram do receptáculo, o estame enruga ficando minúsculo e negro e uma por uma das pétalas vão secando até racharem. Após isso, as outras flores seguem o mesmo destino da primeira até chegar a última flor que o garoto colocou.

Quando todas terminaram de murchar, ficou visível o ferimento da princesa, que permanecia intacto. Daniel balança a cabeça negativamente, então uma a uma das flores no buquê nas mãos da velha começam a secar e cair no chão.

— Isso é coisa ruim! – A velha exclama assustada, arregalando os olhos para as flores, mais do que Daniel julgara ser possível – Isso é coisa diabólica!

Então, a senhora deixa cair o buquê antes mesmo da última terminar de secar e sai do quarto correndo, assustada, sem fechar a porta. Os curiosos do lado de fora tentam ver o que ocorria, o mestre da alquimia Galahan e o velho astrólogo Devan eram os da dianteira. Kalifa foi a primeira a sair do estado de espanto e fechou a porta com um baque forte que trouxe os outros de volta à realidade.

— Foi um truque – O conselheiro tenta se enganar.

— O que... O que significa isso? – O Duque diz embasbacado.

Pela primeira vez desde que Daniel chegara ali, a princesa Sol se levanta da cama e anda vagarosamente até o buquê ressecado, erguendo-o do chão, com uma expressão lamuriosa.

Daniel junta os restos das flores na barriga de Melanir, vai até Sol e retira com delicadeza o buquê das mãos da garota, ela era um pouco mais alta que ele, apesar do corpo de moça. Ele se agacha aos pés dela, junta os restos no chão, se levanta e anda até a janela onde o Duque estava.

— O que significa isso? – O Duque Claudio pergunta com energia, perdendo um pouco de sua estimada calma.

— É uma magia das trevas, magia negra. Significa que algum bruxo muito poderoso lançou um feitiço em sua princesa e que talvez só o ancião poderá salvá-la.

Pedindo passagem ao Duque, Daniel atira os restos das flores pela janela. O vento faz as pétalas ressecadas levantarem voo em espiral, flutuando em direção à cidade, passando por cima da muralha e se desmanchando cada vez mais.

Em uma floresta, não tão distante dali, onde uma clareira abria para um chalé, uma senhora feia pendurava uma criança inconsciente de cabeça para baixo em um galho de árvore. Com as duas pernas amarradas, vestido em uma roupa grosseira de aldeia, o menino balança por cima de um balde de madeira grande e a senhora feia terminava de puxar a corda que o suspendia, passando por cima do galho. Com esforço, ela consegue amarrar a corda na raiz. Mancando do pé direito, a senhora feia vai até uma machadinha cravada em um resto de tronco de árvore, próximo à lenha e, ao se virar de volta para o garoto, uma brisa balança seus cabelos ralos.

Movendo seu nariz avantajado, fareja o ar como um cachorro, estranhando algo, ela observa a casa. Quase na mesa hora, um guincho de porco é ouvido e a senhora feia deixa a machadinha cair no chão, acelerando o passo, mancando em direção a porta.

— Yulma! Yulma!

Ao escancarar a porta uma faca deixa de lhe acertar por centímetros, batendo na parede de madeira com um som oco. A senhora olha assustada para a lâmina cravada que ainda balançava.

— Que diabos! É culpa sua não é? Seu demônio!

A velha Yulma estava mais feia do que nunca, deitada em um trapo de pano grosso no chão, ela se senta mostrando um braço imobilizado e enfaixado em linho. Seu rosto estava com centenas de rugas, algumas coladas lado a lado.

— A menina! Estão mexendo na menina! – A senhora feia diz.

— Mas que inferno! Quem diabos, nesse reino minúsculo e ridículo, tem a audácia de mexer nos meus feitiços? Traga o diabo do porco para cá!

A Bruxa mais nova sai da casa, vai até os fundos onde havia um leitão, pequeno e rosado, amarrado em uma estaca de madeira. A pobre criatura tremia como se tivesse frio e ainda soltava guinchos esporádicos de medo. A Bruxa solta a ponta da corda da criatura e o puxa pelo caminho de volta sem piedade, fazendo-o tropeçar e ser levado contra a vontade, chorando e berrando cada vez mais.

Em pé, no meio da sala, Yulma vai até o leitão que foge de medo aos berros e consegue pegá-lo pela orelha, cravando suas unhas compridas com maldade.

— Deixa que eu resolvo isso aqui – Ela sorri assistindo o porco se contorcer e chorar de dor – Agora vá cuidar do meu banho de beleza.

— Como desejar – A Bruxa Neófita sai mancando de casa e xingando sua mestra baixinho. Ela pega novamente a machadinha do chão e vai até o garotinho pendurado. Ele não tinha mais do que dez anos de idade.


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