Âmago da Meia-noite escrita por Shantalas


Capítulo 6
O Castelo Dongau II


Notas iniciais do capítulo

Parte 1 de 2



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O Quarto da princesa estava cheio de pessoas. Logo ao entrar pela porta, viam-se dois homens conversando em frente à uma janela. Ao lado direito, próximo à parede, ficava a cama onde a princesa repousava. Era um móvel grande, com dossel segurando uma cortina rosa claro e uma senhora, de idade avançada, estava sentada na lateral esquerda da cama. A velha era bem enrugada e pequena, de cabelos ralos e brancos. Estava bem próxima à princesa, que permanecia imóvel na cama e coberta até os ombros por um lençol.

Na lateral direita da cama, de costas para a porta, uma garota chorava, segurando a mão da enferma. Não estava sentada na cama, mais sim de joelhos, com o corpo projetado sobre a cama. Essa garota seria uma réplica perfeita da princesa deitada se não fosse pelas sobrancelhas que eram ligeiramente espessas e seu rosto mais redondo. Vestia um camisão branco, bem longo, sobre uma camisola de tecido fino.

O Rei Claus foi o primeiro a entrar no quarto, dirigindo-se diretamente à garota que estava em pranto e ajoelhou-se ao seu lado, a acolheu em um abraço e não conteve algumas lágrimas. A princesa Kalifa ficou imóvel em frente a cama, observando com tristeza. O conselheiro Natanael se dirigiu até a senhora bem velha e perguntou em tom de voz baixo:

— Alguma reação?

— Nada, a mesma coisa de quando o senhor saiu – A velha responde.

Daniel entrou cauteloso, ele nunca havia visto um quarto tão grande. Além da cama grande, mais dois baús robustos ocupavam o espaço à esquerda dela. À direita da porta, atrás do rei e da princesa, havia um espaço considerável com alguns vestidos pomposos pendurados na parede. Ao lado esquerdo do quarto, em frente a cama, se encontrava uma penteadeira, mas no lugar das usuais escovas, pentes, loções e maquiagens, estava uma série de poções e ervas nas quais dois homens mexiam e um terceiro coordenava.

A porta se fecha e Daniel se vira percebendo a presença de dois sentinelas dentro do quarto, esses não eram iguais aos tradicionais guardas do castelo visto até então. Eram mais velhos, com o equipamento personalizado. Um dos homens era careca, de pele negra, mais escura que a pele de Daniel, vestia armadura com peças de couro fervido, uma capa vermelha, uma faca presa no meio do abdômen e em cada lado da cintura um tipo de espada diferente. Uma longa, curva e de lâmina larga, do lado esquerdo e uma espada curta do lado direito.

O outro sentinela tinha a pele branca, porém queimada de sol, cabelo curto e crespo, uma cicatriz descia desde sua testa, passando pela sobrancelha, até próximo ao canto do olho direito. Este vestia placas de metal e anéis de ferro por baixo com uma capa vermelha anexada às ombreiras. Portava uma espada de uma mão e meia, era alto o suficiente para deixa-la na cintura, ele era quase tão alto quanto o rei, além disso, usava uma massa larga e cheia de nódulos no mesmo lado da espada.

Ambos examinavam Daniel com imparcialidade, pareciam estátuas, um de cada lado da porta. O conselheiro diz com urgência se dirigindo ao garoto:

— Curandeiro, venha ver como a princesa está.

Aquilo chamou a atenção imediata dos homens que estavam na janela e na penteadeira. Os dois homens na janela se vestiam de forma similar com um grande chapéu cônico e uma túnica longa de cor púrpura. Era um velho de barba branca longa e um mais novo, com idade próxima aos 40. Os outros 3 vestiam-se como aristocratas de idade avançada e tinham um broche de metal precioso com o desenho de uma pedra e uma pena. Um deles, com um broche de ouro e uma boina vermelha na cabeça, dirige a palavra ao Rei:

— Vossa majestade, não sabia que o senhor iria apelar para métodos como esse. Talvez devêssemos aguardar mais um pouco, logo a poção do Vigor será concluída.

O Rei não disse nada, estava com o rosto escondido no ombro da jovem na beira da cama. A Princesa Kalifa olhou para o pai aguardando uma resposta, mas Natanael não esperou para responder:

— Enquanto fazem suas poções aí, testamos outros métodos aqui, Sir.

— Vai ter coragem de dar essas suas poções para a princesa? – O sentinela mais baixo ao lado da porta diz. Por alguns segundos Daniel procurou a origem da voz até olhar para trás.

O homem da armadura de couro continua:

— Seu companheiro caiu duro ao testar a que vocês trouxeram.

— Aquela estava muito forte – O homem de boina responde envergonhado – Esta vai ser feita sob medida, e dessa vez supervisionada por mim.

O segundo homem, vestido como aristocrata, com um broche prata no peito, diz malicioso:

— Se vão colocar a vida da princesa a mercê de curandeiros, pelo menos tragam um com mais experiência. Esse rapaz irá se borrar só em ver as partes íntimas de vossa alteza – Ele se aproxima de Daniel que imediatamente se fecha para ele, irritado – Com licença meu rapaz, você ao menos já viu sangue na sua vida? Não estou falando de um pequeno corte, estou falando de uma ferida feia...

O Rei olha de seu canto, lágrimas corriam para sua barba, mas o olhar que ele lança era cheio de ira. Sua voz grave e alta sai entrecortada por um nó na garganta, mas depois recupera a imponência.

— Você está muito preocupado com as partes íntimas da minha filha. É a terceira vez que comenta.

Daniel assiste a tudo calado, apesar de se irritar, já estava acostumado a ser tratado como criança, mesmo já sendo um adulto. A princesa Kalifa também era uma espectadora, observando-a Daniel percebeu que ela tinha semelhança com as outras duas garotas loiras da sala, porém, ela era a que possuía os traços mais diferentes, mais nova, olhos mais estreitos e ao observar as reações de seu pai, parecia uma criança.

— Longe de mim vossa majestade – o homem diz nervoso, mostrando as mãos e balançando o rosto – Apenas acho que o corpo da princesa merece privacidade.

— Sir Galahan – O Rei chama o homem de boina – De quantos desses seus alquimistas precisa para fazer sua poção?

— Posso fazer eu mesmo, Vossa Majestade – Ele diz imediatamente e guiando seus dois subordinados para a porta, da forma mais sutil possível, ele diz – Os senhores aguardem lá fora.

O sentinela vestido em metal abre a porta para os dois alquimistas saírem; O homem que usava um broche de prata diz antes de sair:

— Me desculpe se o ofendi em qualquer momento, vossa majestade.

Os dois homens se retiram e o sentinela mais alto bate a porta atrás deles. Mais uma vez o de pele negra diz:

— Esses homens não passam de charlatães oportunistas.

— Ainda há um deles – Seu companheiro avisa despreocupado.

— Esse homem é um charlatão oportunista. – O sentinela baixo diz sério.

— O que foi que disse? – Galahan indaga cheio de receio, olhando de esguelha para os sentinelas.

— Você é sempre cheio de si mesmo – O velho de chapéu cônico fala – Esse momento não é para nós e sim para cuidar da princesa.

— Estou fazendo meu melhor aqui – Galahan diz irritado e se concentra em suas misturas, parecendo perdido no que fazia.

O velho de chapéu cônico e barba longa se aproxima de Daniel, lentamente, lembrando ao garoto o jeito do Ancião, talvez pela barba branca. Ele diz com seu ar sábio:

— Meu rapaz, tenho certeza que métodos de cura não irão adiantar aqui, sem dúvidas isso é obra de forças malignas. Lucas, me dê aqui a ponta do virote. – O homem trajado igual ao velho se adianta e entrega uma ponta de seta – Observe meu jovem – Ele revira a ponta da seta e mostra uma pequena fissão que já havia sido forçada e mostrava uma pequena linha de tecido branco dentro.

Com cuidado o velho retira o fio minúsculo que estava bem enrolado em sua rachadura, possuía o comprimento de uma falange do dedo mindinho e tinha três nós bem distribuídos. A princesa Kalifa se aproximou para ver e o conselheiro também. O velho oferece a Daniel como se fosse algo nocivo, o rapaz pega em sua mão e examina.

— Sinta o cheiro – ordena o senhor serenamente, como se soubesse tudo o que vai acontecer.

Daniel aproxima o nariz sentindo a delicada fragrância, era doce e agradável. A princesa Kalifa se aproxima também, se curvando para a mão do rapaz, mas o conselheiro se mete da frente sem delicadeza e diz:

— Não minha princesa, não é uma boa ideia a senhora cheirar, melhor nem se aproximar.

— Tudo mundo já pegou isso e cheirou – Kalifa diz frustrada. Daniel viu que todo o modo delicado da garota fora embora – Se fosse fazer mal já teria feito.

— De novo esse assunto? – Natanael questiona, se irritando – A senhora sabe muito bem que, seja lá o que for isso, pode ter você e suas irmãs como alvo.

Kalifa vira o rosto brevemente para seu pai que estava ocupado demais lamentando e cresce para cima do conselheiro dizendo:

— É só um maldito cheiro estúpido! Que mal pode haver?

A garota dócil, de poucos momentos atrás, se fora, Daniel se impressiona. O sentinela maior, intervém na discussão deles.

— Não acho que seja o momento mais apropriado para isso. Porque todos vocês não deixam o garoto examinar a Princesa Melanir de uma vez?

— É verdade – O outro sentinela, vestido em couro, completa – Vocês ficam nesse enxame todo e nem sabemos se o garoto é capaz de algo, deixemos ele mostrar de uma vez se vai ser útil ou não.

O conselheiro toca na mão de Daniel para ele afastar o pequeno fio para longe da princesa. Kalifa lança um olhar de zanga para o conselheiro, mas se recolhe para perto da cama, ao lado contrário em que a velha estava.

— Mas é claro que daremos uma chance a essa criança – O velho de chapéu cônico começa – Mas como eu estava lhe dizendo, meu rapaz – Ele se aproxima mais uma vez de Daniel – Eu suspeito que isso seja um feitiço direcionado para as princesas, para qualquer uma delas. Vê? São três nós, iguais as três estrelas da coroa do rei Dragão Graco e o perfume da Bela Humilde, conhece essas constelações? As estrelas possuem poder, elas guiam o homem, elas formam nosso caráter, e seu poder é neutro, não escolhe lados, se vai causar o bem ou o mal é seu usuário quem vai decidir.

Houve uma pausa onde o velho se certificou de que todos prestavam atenção nele, exceto pelo rei que fazia companhia à sua filha que chorava muito. Então continuou a falar de seu jeito como se fosse onisciente.

— Só estou dizendo isso para que você saiba onde pode estar se metendo. Pense bem no que vai fazer.

— Ancião Devan – Natanael pergunta formal – Se o senhor acha que é um feitiço, qual seria o objetivo dele?

Por um instante pareceu que Devan, com toda sua barba branca, não sabia a resposta para a pergunta, então ele deu um longo suspiro e disse:

— Para trazer sofrimento. A Constelação da Bela Humilde mostra certo sofrimento, uma vez que a humildade em si traz muito disso e seu caminho leva à constelação do Precipício Infinito.

Daniel se sentiu cansado de tudo aquilo, ele observou o rosto das pessoas ao redor verificando se mais alguém parecia farto e chegou à conclusão de que estavam na verdade desesperados. E não era para menos, afinal, a princesa estava adoentada e ninguém fazia ideia do que se tratava. O conselheiro Natanael estava aflito, a todo momento batendo o pé direito no chão ou cruzando os braços e batendo os dedos. A princesa Kalifa escondia bem, mas seu olhar entregava a sua angústia e tristeza. Até os dois sentinelas na porta pareciam levemente apreensivos, o olhar duro e as críticas rápidas demonstravam isso.

O acompanhante do velho Devan não parecia aflito, mas cansado e até mesmo perdido. Daniel respira fundo para relaxar e reunir tudo o que escutou até então, ele visualiza a princesa enferma coberta pelo lençol com apenas a cabeça e o braço de fora, membro este que estava agarrado à mão da chorosa irmã, à beira da cama. O pai afagava os cabelos loiros da filha deitada, parecia estar velando seu sono.

— Senhor – Daniel diz com dificuldade – Não acha que sua interpretação desses sinais é muito fantasiosa? Esses três podem fazer referência a qualquer constelação do céu. Poderia ser o cinturão do gigante, interpretado pelo Bispo de Althamis, Farias Pulliver, como o cinturão sufocante; ou então uma das linhas do Titeriteiro, simbolizando algum tipo de manipulação; ou a lâmina da Adaga Cruz, simbolizando um ataque.

Enquanto falava, Daniel sentiu que o acompanhante do ancião aprovava sua ideia, quando mencionou o Titeriteiro ele sem perceber assentiu. Já o velho Devan parecia chocado.

— E o perfume? – Daniel continua ganhando confiança no seu discurso – Poderia ser qualquer mulher das 59 constelações catalogadas, A Mulher dos Seios Fartos, A Dama contra o Leão, Silkaria presa em sua redoma....

— Não verdade é sua proteção – o Velho interrompe.

— Quem se importa? Esse perfume pode até mesmo não ser uma analogia à uma mulher, e sim à Flor de 5 pétalas do sul ou qualquer outra constelação. – Toda a frustração acumulada de ser tratado como criança e subestimado explodem em seu peito e ele desabafa – O que quero dizer aqui é que as suas deduções são tão boas quanto botas para cobra.

— Que audácia a sua! – Devan diz revoltado. Todo seu ar de sábio e calmo se desmancharam em uma expressão raivosa.

— Tire o salário de Devan e dê ao garoto – O sentinela mais baixo diz.

— Não sabia que Devan era pago para não fazer nada – O mais alto completa.

Uma confusão estava para se armar, o conselheiro já dizia algo por cima da frase de Devan, já não era possível entender nada do que os dois diziam, quando Daniel finalmente estava compreendendo que ambos estavam lhe dizendo para medir suas palavras, o Rei se ergue do canto e ordena com sua voz parecendo um trovão:

— Já chega! Saiam todos vocês!


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