Âmago da Meia-noite escrita por Shantalas


Capítulo 20
Busca e Magia


Notas iniciais do capítulo

Parte 1 de 2



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/768567/chapter/20


Natanael observa a ponte levadiça subir do lado de fora do castelo. O intendente e conselheiro real estava trajando uma armadura de couro com sua capa verde escura por cima. Ele se sentia pesado em uma armadura de ferro, havia mais de vinte anos que não usava uma, por isso optou por algo mais leve. Ele estava na companhia de outros vinte e um cavaleiros, esses portavam suas pesadas armaduras de aço.

— Tem certeza que não quer contar ao rei? – Um homem grande e forte pergunta para Natan.

Esse homem possuía uma armadura sob medida para ele, de forma que a cintura da armadura era arredondada para que sua barriga coubesse. Seu elmo estava preso ao dorso do cavalo, seu rosto velho estava exposto a luz do sol. Era barbudo como um leão e careca no topo da cabeça, com tufos de cabelos brancos nas laterais.

— Tenho. – Natanael afasta seu cavalo do fosso ficando ao lado do velho e de frente para vinte soldados - O homem ficaria ainda mais descontrolado.

— Eu acho que esse é o tipo de coisa que ele precisa saber. – Diz o velho com sua voz rouca e cheio de razão.

— Você diz isso porque não está com uma dessas no rosto. – O conselheiro vira o rosto mostrando mais uma vez o hematoma deixado pelo rei em um acesso de fúria.

— Ficou ruim – O velho sorri movendo seu longo bigode espiralado – Se fosse eu mandaria outro para cima dele. Sei que Claus não mandaria arrancar minha cabeça por isso.

— Palavras dignas de um mestre de armas, mas não para um simples e franzino intendente.

— Simples? Não há nada de simples em você. Consegue ser praticamente qualquer coisa que esse reino precise. – O mestre de armas diz, sincero.

— Qualquer coisa menos ser um combatente.

— Diz isso vestido nessa armadura de couro. – O velho aponto o dedo para Natan.

— E uma poderosa espada curta. – O Conselheiro faz um gesto para sua espada curta embainhada.

Natan já havia passado dos quarenta e, ao contrário do Rei Claus e muitos outros combatentes mais velhos, sentia-se cansado só de pensar em combates, seu corpo já não respondia como na juventude. Mas ele sabia que, se iria para as ruas liderar as buscas pela princesa Kalifa, havia uma alta possibilidade de confronto. Por isso resolveu roubar o estilo de combate de Andur, que tinha a velocidade como protagonista.

— Haha, você sabe o que dizem, não é a espada e sim o homem que a usa. – O mestre de armas faz uma pausa para um ou dois pensamentos recorrentes em sua cabeça - Quando ele descobrir que escondeu isso dele, vai socar o outro lado da sua face.

— Melhor assim do que ele perder a cabeça e mandar uma centena de homens atrás dela. Temos um inimigo oculto no castelo, quanto menor o grupo e de mais confiança as pessoas, melhor para a segurança de Kalifa.

— Estou feliz por estar no seu círculo de confiança, mas vejo que é um homem desconfiado. Apenas eu e você para liderar as buscas? – O velho barrigudo faz um gesto apontando os vinte homens.

— Sim. – Natan afirma - Dois grupos de dez soldados. Assim é mais fácil de controlar.

— E mais difícil de encontrarmos alguém nessa vasta cidade.

— Na pior das hipóteses patrulhamos as ruas e diminuímos as chances de acontecer qualquer coisa.

— E o Duque? Tem certeza sobre ele?

— Eu confio nele tanto quanto no rei. – O velho deixa transparecer um ar de impaciência, como se achasse a postura de desconfiança de Natan uma perda de tempo.

— Sim. Vocês dois são homens de coração bom. Eu também quero acreditar nele, mas nesse momento não é prudente.

— Não é atoa que o rei te escolheu como tesoureiro – O mestre de armas sorri movendo seu icônico bigode.

Quando Natan saiu de seu quarto e deixou Alia para trás, a primeira pessoa em que ele pensou que poderia confiar era em Dur Holic, o idoso mestre de armas. O homem podia já ter uma idade avançada, mas sua pericia com espada era incomparável no castelo. Ele não tinha ambição alguma a não ser treinar a próxima geração. Seu carisma era grande o suficiente para ter a lealdade de todos os soldados, mas sempre ensinou os recrutas e serem leais ao rei.

—Certo, vamos achar essa menina levada. – Dur Holic se aproxima dos homens a cavalo, já em formação militar - Wendell, você vai com o conselheiro.

Um rapaz novo, com no máximo vinte anos sai da formação e se aproxima deles. Wendell era bonito, com cabelos castanhos e o queixo quadrado. Ele diz sorridente:

— Não sei se é uma boa ideia deixar um idoso simpático como você liderar esse grupamento sozinho nessas ruas perigosas de Dongau.

— O que está falando, seu pirralho? – O velho Holic sorri - Quem você pensa que te ensinou a usar essa espada? Antes de me conhecer você tremia tanto com uma dessas nas mãos que se ela fosse um pinto, cuspiria na cara do adversário.

Os homens gargalharam alto e até Natanael se permitiu um sorriso. Wendell fica com as bochechas rosadas e olha cabisbaixo para os homens. O mestre de armas transforma seu sorriso rapidamente em uma expressão austera.

— Eu não sei do que vocês bastardos estão rindo, nenhum de vocês consegue ganhar do garoto num duelo.

Rapidamente os dezenove homens fecham suas bocas, constrangidos. Dur Holic se vira satisfeito para conversar com Natanael, o velho gorducho tinha seu sorriso único que levantava seu bigode espiralado.

— Então, como quer fazer isso?

— Vou pela zona nobre do distrito de Sargaris e você pode ficar com o bairro dos comerciantes.

— Não é mais fácil ir direto para o subúrbio?

— Não, essa parte rica da cidade tem menos movimento, já nos subúrbios sempre tem alguém de olho no movimento nas ruas, acho que isso facilitou a movimentação dos Goblins.

— Atenção agrupamento, com exceção de Wendell, dez soldados à minha direta - Dez homens em armaduras montados em cavalos, organizadamente foram para a direita do Mestre de armas, bem onde ele erguia sua mão. – Vocês estão sob meu comando. Os outros dez, atenção, ficam sob o comando do intendente Natanael.

— Sim senhor! - Gritaram todos em uníssono.

— A fração que está comigo – Ele grita guiando o cavalo para partir pela rua larga – Sigam minha liderança!

Os onze cavaleiros galopam ruidosamente sobre os paralelepípedos, pegando a primeira rua à esquerda e desaparecendo atrás de uma casa de pedra a mais de 100 metros de distância. Natanael ficou parado no vão que havia entre o fosso e a cidade, lugar onde antes era uma movimentada feira. Ele ponderou por um tempo, visualizando o castelo.

— Algum problema comandante? – Wendell pergunta.

— E se ela não tiver saído do castelo? Os guardas procuraram em cada centímetro da masmorra e não acharam nenhuma passagem secreta ou túnel escondido.

Wendell acompanhou o olhar do conselheiro para o castelo como se existisse ali um esquema de raciocínio do qual ambos compartilhavam agora. Então disse pensativo:

— Se for assim, então ela está presa no castelo e não vai conseguir sair facilmente.

— Verdade, só temo pela segurança dela lá dentro, sem guardas de confiança – Natanael guia sua montaria pelas rédeas – Vamos procurar por ela mesmo assim, caso tenha saído. Vamos abordar qualquer dupla de pessoas suspeitas.

Natanael guia o grupo e eles se deslocam rapidamente pela avenida, virando por uma rua à direita que era uma descida acentuada. O conselheiro já havia mandado um mensageiro para fechar os portões da cidade e ficar de olho em cada brecha da muralha. A capital da Gleba-Rubra, Dongau, era uma cidade com menos de vinte anos. As muralhas ao redor da cidade eram incompletas pois a coroa não tinha arrecadação o suficiente para várias obras iniciais e o rei não queria pesar nos impostos.

O período de paz no Rammalarius trouxe negligência às defesas do reino mas, felizmente, grande parte da muralha havia sido erguida o suficiente para controlar a entrada e saída se fosse necessário. Desde o ataque à princesa Mel, uma quantidade relevante de homens aguardavam em cada brecha.

A busca continuou por mais de uma hora. Natanael e seus comandados vasculharam as ruas da zona nobre do distrito de Sargaris, parando em cada taverna que cruzavam. A área dos nobres era de privilégio, ficava logo no segundo planalto mais elevado da região. Belas casas de pedra com mais de um andar enfeitavam as ruas em uma arquitetura arredondada, cheias de abóbodas. Algumas delas pareciam ser pequenas fortalezas.

Quando os nobres mais ricos do reino de Sargaris debandaram da ilha em ruína, a melhor opção para eles foi se concentrar sob as asas de um reino em construção, um local onde poderiam conservar sua cultura e negociar um bom acordo para uma pequena parcela de seus bens em troca de privilégios. Claus era sem sombra de duvida um rei nada ganancioso, que recebeu pouco por ter feito muito e ainda doou parte de suas riquezas aos nobres que pouco tinham.

Natanael, como gestor das finanças, sempre achou prejudicial para o desenvolvimento do Reino a postura do rei. O Duque costumava dizer que no lugar de acumular riquezas, Claus acumulava lealdade, ter a nobreza nas mãos fazia parte de um tripé que sustentava seu governo.

— Wendell – O conselheiro parou ao pé de uma escadaria que dava acesso à zona mais pobre do distrito de Sargaris. Wendell se aproxima bebendo água de seu cantil – Mande cinco homens para entregar a mensagem para Dur Holic. Diga à ele que continue a busca na ala oeste.

Wendell prontamente despacha cinco homens que vão a galope acelerado. Enquanto Natanael, Wendell e os outros quatro cavaleiros desciam as escadas devagar com seus cavalos, um deles diz formalmente.

— Permissão para falar senhor.

— Seu nome?– O Conselheiro pergunta.

— Claus, senhor. – Era um soldado jovem, provavelmente novato. Deixara crescer uma barbicha no intuito de parecer mais velho.

— Certo Claus, sua mãe sabe agradar um rei – Natanael se permite um raro sorriso naqueles dias de angústia – Você pode falar.

— Eu nasci nesse distrito senhor. Conheço alguém que pode nos ajudar nas buscas.

— E quem seria? – Eles chegam em uma praça logo após a escadaria. O conselheiro para sua montaria.

— Ele é um servente em uma estalagem aqui da zona baixa, lembrei dele assim que avistei a praça porque fica aqui perto. Se chama Tyron, ele vende informações sobre coisas que ocorrem na rua.

— Que tipo de coisas? – Natanael indaga curioso.

— O senhor é mais velho do que eu, deve saber melhor– O soldado Claus diz sem jeito – Grandes eventos, ele sempre está ciente.

— Bem, vamos ouvir o seu amigo então.

O soldado guia-os até uma rua com declive, ali o movimento era bem maior. Na zona nobre, todos temiam por causa do incidente com a princesa e ninguém saía de casa, mas ali os habitantes ignoravam esse fato. Crianças brincavam nas ruas aos montes e mulheres sentavam nas portas tricotando ou fazendo algum outro trabalho manual.

Ao fim da descida, uma casa grande de madeira se achava bem agitada, com música de uma flauta e badolim. Uma placa de madeira pequena, logo acima da entrada dizia "Taverna da Rolha Mágica". Na esquerda uma mulher gorda e sem metade dos dentes se ofereceu para ficar com os cavalos em um estabulo pequeno e precário.

— Uma moeda de cobre para escovar. – A mulher diz rabugenta.

Eles recusam a oferta da mulher e o Intendente sugere que apenas ele e Claus entrem para conversar. Wendell concorda e permanece fora com os outros dois.

O interior da taverna era simples, quatro mesas grandes e retangulares ocupavam todo o espaço. Os bancos eram coletivos, de madeira rústica. Três grupos distintos de pessoas sentavam nas mesas e havia um bêbado solitário no início de uma mesa, longe de um grupo que conversava na outra extremidade. Um homem alto e gordo estava atrás de um balcão encarando-os. Um senhor de idade tocava bandolim enquanto uma menina de uns quinze anos soprava uma flauta, ambos na esquerda do salão, próximo à única mesa vazia.

Os dois vão até o balcão, os outros fregueses se calam vendo a heráldica da Gleba-Rubra no peito da armadura de Claus. Ambos os visitantes apoiam seus cotovelos no balcão tentando descontrair a tensão que se instalou. Natan repara em uma porta logo atrás do homem e um corredor mais à esquerda, além do balcão. Na prateleira do alto, atrás do homem gordo, se achava uma serie de rolhas de todas as cores e tamanhos.

— À que devo a honra de uma visita dos soldados do rei? – Diz o taverneiro com um sorriso, ele tinha um dente de cobre e outro de prata lado a lado, mas o lugar consecutivo estava vazio e o próximo era preto.

— Onde está Tyron?

— Beba uma cerveja e ele aparece – Diz o homem alargando seu sorriso.

Claus lança um olhar para Natan pedindo permissão.

— Duas cervejas então – Natan pede.

— Tyron! – O homem grita olhando para a porta atrás de si – Duas cervejas!

Em poucos segundos um garoto sujo e magricela aparece com duas canecas de cerveja e as deposita no balcão. Ele toma um leve susto quando percebe que eram soldados os clientes, logo baixa o rosto e faz uma reverência.

— Em que mais posso ser útil?

— Tyron, sou eu, Claus. – O soldado diz, animado.

O garoto magricela levanta o olhar desconfiado, então levanta o rosto surpreso com a boca aberta e diz:

— Vossa majestade! Quanto tempo.

Claus corou olhando desconfiando para Natan, então deu um sorriso forçado. O taverneiro se afastou indo pra ponta do balcão e ficou lá olhando para a rua através da porta.

— Alguma novidade? Não achei que sobreviveria ao treino, bom te ver. – Tyron ia dizendo efusivo.

— Olha Ty, estou a serviço. Preciso de uma informação.

— Claro parceiro – Tyron faz um gingado com a cabeça em sinal afirmativo – Diz o que você quer saber. Esse senhor é seu superior?

— Sim.

— Não.

Claus sem querer desmente Natan ao responderem ao mesmo tempo. Tyron olha de um para o outro confuso.

— Sim – Claus repete – Ele não é meu superior.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se houver alguém lendo está história nessa plataforma, seria bom se eu tivesse algum sinal disso, por favor.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Âmago da Meia-noite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.