Âmago da Meia-noite escrita por Shantalas


Capítulo 16
Masmorra


Notas iniciais do capítulo

Parte II de II



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— Que amigo do meu pai você matou?

Kalisto encarou a garota de volta e então percebeu, toda a irritação dela estava se esvaindo e agora ela estava começando a raciocinar direito, logo temeu que poderia estar em perigo, presa no subterrâneo com um assassino. Ele pensou bem na resposta que daria.

— Você pode perceber quando um homem está mentindo ou não?

Kalifa estreitou os olhos pensando e tentando entender onde ele queria chegar, então disse:

— Depende.

— De que?

— Do que o homem fala.

— Então se for um absurdo...?

— Se for um absurdo eu não vou acreditar. – Ela diz em tom óbvio.

— Quer dizer que se um absurdo for a verdade para a sua resposta e eu contar uma mentira conveniente você vai acreditar?

A princesa fica em silêncio, então revira os olhos e segue o corredor, colocando a tocha atrás de si, exatamente entre ela e Kal.

— Se não queria falar sobre o assunto era só dizer.

Parte de Kal queria falar sobre o assunto, outra parte não. Ele segue a garota pelo corredor cobrindo os olhos por causa da proximidade da luz da tocha e coça o corte no antebraço. No final das contas, ele tinha culpa ou não tinha?

...

— Em dez anos que estive aqui, nunca tinha visto ele assim antes. - Alia dizia.

A morena de vestido verde, molhava um pano em uma vasilha d’água, espremia o excesso e pressionava contra o rosto de Natanael. Ambos estavam nos aposentos do conselheiro e intendente, na torre ministerial.

— Se você quer tirar o eixo da sanidade de Claus, ataque sua família, o homem fica louco – Natan comenta deitado em decúbito dorsal sobre sua cama. – Mas nem sempre foi assim, ele ficou desse jeito após a morte da esposa.

— Eu ouvi sobre o caso, na época, minha família havia acabado de se mudar de Selwin para cá.

A mulher estava sentada na beira da cama, logo ao lado do Conselheiro. As mangas de sua blusa interna estavam enroladas até o cotovelo. Ela pacientemente segurava o pano úmido na lateral do rosto de Natanael.

— Não sabia que você era de Septhum. – O conselheiro diz, surpreso.

— E não sou – Ela fala casual – Vim da Ilha de Sargaris, como a maioria. Meus pais resolveram tentar a sorte em uma grande capital. Não deu muito certo.

Por coincidência, Natanael também era do antigo reino de Sargaris, ele fazia parte de uma das pequenas ilhas que se enquadravam em seu território, mas o motivo de ele estar ali não fora o mesmo de Alia. Há pouco mais de duas décadas, um vulcão inativo despertou. Seu nome era Bomfim e os nativos o cultuavam como deus da colheita e fertilidade. Ironicamente, o despertar lento e avassalador de Bomfim colocou todo o povo sargariano para correr, destruindo toda a colheita junto com quem ficasse em sua frente.

Mais da metade dos habitantes da Gleba Rubra eram sargarianos. Com técnicas de cultivo e pesada mão de obra agrária, acostumadas com as terras férteis das ilhas, O reino da Glebra Rubra se ergueu rápido e como grandes celeiros entre os reinos.

— Entendo - Natan assente e, ao retirar distraidamente uma gota d’água incômoda do rosto, acaba tocando a mão de sua assistente que pressionava o pano úmido - Sabe, você realmente não precisa fazer isso Alia, posso muito bem chamar uma criada.

— Está tudo bem, eu faço. Temos assuntos a tratar, podemos falar sobre eles enquanto isso.

Ela levanta o pano para examinar o hematoma. A orelha estava inchada e o lado do rosto também. Alia, passa a mão pelo cabelo grisalho espetado do conselheiro que traz uma preocupação, fazendo-o perguntar:

— O que foi?

 - Nada – Ela diz escondendo uma fraca timidez.

— Está feio?

— Bastante. – Ela responde enfática.

— Aquele brutamontes. – Natan diz sem expressar real aversão.

— Não está zangado?

— Não consigo – Natan responde após pensar uns instantes – Eu gosto de verdade dos Donmarks. O estado em que a Mel se encontra sufoca meus pensamentos, imagina os dele.

Natanael não tinha parentesco algum com a família real, mas estava presente desde o surgimento do reino e seu progresso, que se misturava com o crescimento das três princesas. Como gestor das finanças da coroa, uma posição de confiança, sua amizade com o rei era inevitável. O que veio como uma surpresa para o conselheiro, foi o sentimento paterno que adotaria. Não como algo voluntário, no decorrer de sua paixão pelo trabalho, sem perceber, acabara estendendo sua emoção a outros assuntos reais.

— Mais alguém tem que manter a cabeça nessa situação. Você precisa relaxar.

As palavras de Alia tiveram um efeito reverso no conselheiro e ele se senta, ansioso, retirando o pano úmido do rosto. Seus olhos vão de encontro à varanda de seu quarto, ele morava no topo da torre ministerial, possuindo um dos melhores quartos do castelo. Sua varanda não era tão grande quanto a do rei, ainda assim tinha um tamanho considerável e uma bela vista para a cidade. A iluminação de fora estava cada vez mais forte e invadindo o lugar, na medida em que o sol subia.

— O que vamos fazer em relação ao Duque? Acha mesmo que ele está envolvido? – Alia pergunta observando Natan com preocupação.

— Eu não tenho certeza – Ele responde confuso – Não seria o perfil dele. Cláudio nunca quis assumir suas terras na fronteira do reino, tanto que Claus as deixou sob responsabilidade do velho Conde Yur.

— Aquele que não tem herdeiros? – Alia se surpreende.

— Esse mesmo. Claus fez assim para que não restasse ninguém de olho no território do irmão.

— Então, as terras acabaram sem nenhum dono. O Duque também não tem filhos – Alia comenta com um ar de suspense. Lançando um olhar de indagação. – É coincidência que nenhum dos auxiliares do rei tenham herdeiros?

— O que quer dizer? – Natan pergunta sem tirar os olhos da varanda.

— Sempre me perguntei porque um homem como você não teve esposas.

Havia algo na voz dela, uma sutileza, mas que seria percebida até mesmo por um tolo, porém, a cabeça do conselheiro estava longe demais dali.

— Nunca tive tempo para isso. Sempre me preocupei demais com o Reino. – E, como se esse pequeno desvio de assunto nunca tivesse ocorrido, Natan diz a respeito do Duque - A falta de interesse dele em governar essas terras me faz pensar duas coisas: Ele não quer um domínio ou ele não aceita “migalhas” e quer o reino todo para si.

— Temos que ter certeza então – Alia diz imediata e subitamente decidida a retornar para seu tom imparcial de sempre - Devo reunir os homens que estavam de guarda ontem à noite?

— Isso – Natan se levanta da cama – Faça isso, reúna todos os guardas de plantão que trabalharam na torre do rei ontem à noite.

A garota se levanta da cama e vai se dirigindo para a porta. Natan coça o rosto lesionado notando o alívio das dores e diz com um sorriso:

— Você é um anjo.

Envergonhada, mas tentando parecer normal, ela sorri sem jeito e vai até a porta, que por coincidência é batida várias vezes.

— Senhor Natanael! – Alguém chama com urgência.

Eles trocam olhares temerosos antes do Conselheiro fazer sinal para que ela abra a porta. Um guarda transpirando e ofegante aguardava, sem perder tempo, ele diz:

— Princesa Kalifa libertou o prisioneiro do Rei e fugiu com ele, senhor.

— O assassino? Que veio com o garoto? – Natan diz impressionado.

— Esse mesmo.

Alia abre a boca em choque, já Natan parecia suavizar sua expressão aos poucos e pergunta urgente:

— Disseram ao Rei?

— Não sei ao certo, mandamos um para avisar.

— Pois corra como se sua vida estivesse em risco e avise para não deixar o rei saber.

— Sério, senhor? – O guarda perguntou, achando que havia algo de errado nisso.

— Mas é claro! Deixe que eu cuido de trazer a princesa para casa. Agora vá!

O soldado saiu em disparada o mais rápido que pôde. Alia veio curiosa até Natan e perguntou:

— O que vai fazer?

— Temos que procurá-la o quanto antes, ela pode estar correndo grande perigo.

— Mas, se o inimigo está aqui dentro, talvez lá fora...

— Lá fora pode ser pior ainda, temos Goblins e bruxas e seja lá quem estiver por trás disso.

Natanael vai para a varanda, estava se sentindo sufocado. Ele é recepcionado com uma lufada de vento daquela bela manhã. Os raios de sol tocavam seu rosto em um despertar lento e agradavelmente quente. Seria uma manhã excelente, se não fosse por toda essa bagunça acontecendo no castelo.

— E esse assassino, não é perigoso? – Alia indaga se aproximando devagar da entrada da varanda

— Eu acho que não. Ele veio com o garoto, se apresentou de boa-fé. A minha preocupação é de Kalifa ser o novo alvo.

Decidido ele sai da varanda e cruza o quarto até a saída. Alia suspira quando ele passa por ela, a mulher o acompanha com os olhos. Antes de partir ele diz:

— Junte os sentinelas de ontem à noite. Ache as pistas sobre o criminoso.

Ele se retira rapidamente deixando uma Alia preocupada encostada na porta da varanda. O vento acariciando os sedosos cabelos dela, emoldurando uma expressão triste.


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