Âmago da Meia-noite escrita por Shantalas


Capítulo 14
Partida


Notas iniciais do capítulo

Parte II de II



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— O reino da Gleba Rubra fica muito agradecido pelos seus esforços, mas você deve partir.
Eles chegam até o salão principal, movimentado com guardas saindo do dormitório e indo para o almoxarifado. Criados corriam com bandejas de pão e vinho, um grupo de soldados devoravam rápido uma cesta grande cheia de pães em cima da mesa. O Duque faz sinal para um criado.
— Espera aí, isso você já falou – Daniel parou antes de eles saírem pelas portas abertas do salão. – O que está havendo? Porque a pressa?
— Você nos ofereceu sua ajuda, deu tudo de si, mas não pode fazer mais nada. As coisas a partir daqui vão ficar perigosas – Um criado chega perto deles e o Duque pega pão e vinho empurrando ao garoto – Você é minha responsabilidade, se algo acontecer a você é a mim que sua sociedade vai culpar, tudo o que eu quero é que você chegue lá o quanto antes e em segurança. Coma.
Cláudio conduz Daniel para fora do salão indo pelo pátio dianteiro onde mais guardas armados subiam as torres e muralhas. Ele chama uma guarnição de quatro homens que passava. O aprendiz não estava com fome, mas havia dormido de barriga vazia e sabia que precisava de energia, então mordeu o pão e empurrou com o vinho goela abaixo.
— Juntem mais dois homens, seis cavalos e um palafrém dócil para o rapaz.
Os homens saíram sob ordens do Duque. Daniel refletiu sobre as palavras que havia acabado de ouvir enquanto mastigava o pão, ficou com vergonha de si mesmo. Então disse:
— Vou trazer o ancião, ele vai ser capaz de curar a princesa.
Cláudio deu um sorriso nervoso.
— Acho difícil seu ancião se dispor a vir ajudar, mas se você conseguir trazê-lo, todos aqui no castelo ficarão agradecidos.
— Ele vai. Tenho certeza. Não negará ajuda à ela depois que eu explicar a situação. E sobre Kalisto?
— O homem que veio com você? Ele cometeu um sério crime e vai ser julgado pelo rei, temo que talvez seu companheiro não possa mais voltar.
— Entendo – Daniel fica triste e dá o último gole no vinho – Escute senhor, tomem cuidado, essa bruxa não está trabalhando sozinha.
— Porque diz isso? – Claudio diz preocupado.
— O assassinato, foi alguém do castelo, talvez um guarda.
— Porque você acha que a morte dessa criada tem algo a ver com a bruxa?
— Não é óbvio? Eu estava dormindo lá minutos antes, o rei não deve ter divulgado para todo mundo que eu estava indo para o quarto de hóspedes, somente alguns sabiam e os guardas que vigiavam.
— Você acha que o alvo era você? – O Duque pergunta ficando nervoso novamente
— Não pensei nisso na hora, mas depois me veio à mente, aquela garota devia ser a criada que trabalhava no quarto de hóspedes, com certeza dormia lá sem autorização, o assassino não esperava que eu fosse acordar tão cedo, esperou a troca de turno dos guardas e veio para me derrubar, deve ter entrado pronto para matar e quando viu a garota, a eliminou para proteger seu rosto.
— Você acha que a bruxa não poderia possuir alguém? – Duque Claudio pergunta perplexo.
— Não – Daniel responde convicto – Ela não pode. No máximo ela poderia sugerir alguma coisa e para ela chegar perto de alguém, precisa ter tido contato com a pessoa antes.
Houve um momento de tensão no rosto do Duque ao ouvir o que o garoto falava.
— Isso não pode estar acontecendo.
— Senhor, já haviam alguns cavalos preparados – Um dos guardas surgiu montado junto se outros cinco, um deles conduzia um sétimo cavalo.
— Excelente, levem esse garoto em segurança subindo o rio Gaule até a floresta de Aeros.
— Rio Gaule? – Daniel pergunta
— Seus amigos o esperam lá. – Claudio conduz o cavalo solitário pela rédea entregando ao garoto – Quando tudo isso terminar, iremos lhe recompensar devidamente.
Daniel faz que sim com a cabeça e monta no cavalo com destreza recusando a ajuda do Duque. Os cavaleiros seguem na frente enquanto a ordem para abrir o portão é dada. O aprendiz de curandeiro guia o cavalo em um galope lento, sentindo uma apreensão no peito em deixar o castelo daquela forma, mas decidiu dentro de si que traria o ancião para ajudá-los.
Antes de sair do pátio e ir para a ponte levadiça, Daniel ainda reparou no jovem escudeiro de espessas sobrancelhas em cima da muralha, ele o encarava, carrancudo, com seus olhos azulados. Seu rosto inchado mostrava que acordara há pouco tempo. A última coisa que Daniel viu, foi ele correndo para descer a muralha, então estava fora do castelo, retornando para uma rua vazia onde vestígios de uma feira livre se achavam.
O Duque observa o garoto ir embora com sua escolta e ao se virar para retornar ao interior do castelo, dá de cara com a princesa Kalifa vestida em trajes masculinos e usando uma espada longa embainhada na cintura. A camisa que usava era de um número maior que o dela, por isso a gola fechada em cordões a deixava com um decote em U e mangas dobradas. Já as calças pareciam apertadas demais, provavelmente uma peça infantil. Seu cabelo estava firme em um coque atrás da cabeça.
— Pelos deuses Kalifa, isso vai fazer Madame Nora cair direto em um caixão com a boca torcida.
— E vai fazer minha mãe se revirar de felicidade no dela.
— O problema é que você está vulgar.
— Teria ficado mais ainda se tivesse usado a mesma camisa do dono dessa calça. – Diz Kalifa com ar irônico.
— Você não deveria estar aqui, uma garota foi morta.
— Sim, eu sei me defender. Aqueles homens que acabaram de partir estavam com o curandeiro?
— Sim, eu mandei ele ir embora – Diz o Duque em tom sutilmente irredutível.
— Ficou louco? – A princesa pergunta incrédula. - Aquele garoto era a chave para curar Mel.
— Ele quase morre tentando ajudá-la, eu não quero a morte dessa criança na minha consciência. – Aquele não era um dia para o Duque calmo e controlado de sempre – Você viu o quão poderosa essa bruxa pode ser.
— Sim eu vi! – Kalifa aumenta o tom da voz – E você acaba de descartar a pessoa que conteve os avanços da bruxa!
Kalifa saiu determinada em direção à estrebaria, mas o Duque se adianta e barra a passagem dela. Uma criada apressada se aproxima deles sem ser notada.
— Aonde você vai? – Duque pergunta, as sobrancelhas grossas iguais a do irmão se unindo mostrando zanga.
— Pegar um cavalo e trazer ele de volta.
— Não vai não.
— Senhor, o Rei o chama em seus aposentos, diz ser uma reunião particular. – A criada diz mostrando insegurança.
— Meu pai vai saber disso! – Princesa sai em direção ao salão.
Os dois saem rápido pelo castelo, a princesa ia quase correndo na frente e o Duque a acompanhava mais atrás com uma expressão preocupada.
— Kalifa! – Ele a chama, mas sem resposta de volta – Não havia mais nada que ele poderia fazer.
— Ele sabia de coisas que não sabíamos. Não era sua decisão mandar ele ir embora.
Depois disso os dois subiram a torre, calados até chegar ao topo, passando do andar em que ficavam os aposentos das princesas e chegando ao quarto do rei. Não haviam guardas na porta e ela estava fechada. Era uma porta de duas abas grandes e espessas onde a princesa bateu freneticamente até alguém abrir.
O guarda real mais alto, Donavan, vestido em aço, abre a porta, ele escondia parte do corpo ao fazer isso, mas após ver que as visitas eram amigáveis ele os permite entrar. Kalifa avança sem demora, à procura de seu pai. Lá dentro se encontrava o rei, o conselheiro Natanael, Andur e uma mulher de uns vinte e poucos anos que trajava um vestido verde escuro com camisa interna branca e manga longa.
O Quarto do rei era a instalação mais luxuosa do castelo. Era quase do tamanho de toda a dimensão da torre, ele possuía varanda em todas as direções, como um terraço nas alturas. Seu teto era uma abóbada, havia duas portas na esquerda e direita dando acesso à varanda. A parede de frente para a entrada era repleta de armas brancas, a maioria eram variados tipos de machados.
— Pai
Kalifa chama. Todos a observam com surpresa, exceto o conselheiro. Cláudio entra logo cauteloso, suando bastante. Donavan fecha a porta e se mantém em vigilância ao lado dela.
— O senhor faz ideia do que o tio acabou de fazer? Ele mandou o garoto ir embora, a única pessoa no castelo que tinha chances de ajudar a Mel.
O rei Claus coça sua farta barba negra e muito sério começa a dizer:
— Kalifa, estamos no meio de uma reunião aqui. Peço que se retire para seus aposentos.
Natanael faz uma careta virando o rosto para a mulher a seu lado. Kalifa fica muito vermelha e inconformada ela fala:
— O senhor sabia disso? Está de acordo com isso? Vai fazer uma reunião e me deixar de fora? Eu também quero ajudar!
— Não aqui, não agora. Uma criada morreu. Podemos ter um inimigo aqui dentro, e quanto menos informações espalharmos, melhor para nós. Agora, se você me permite?
A garota fuzilou o pai com os olhos, e saiu tão rápido quanto entrou. Donavan abriu a porta com agilidade, temendo que ela pudesse atravessá-la. Um silêncio constrangedor se instalou no quarto, até que Natanael pigarreia alto e inicia.
— Bem, estamos todos aqui. O que você quer fazer?
— Primeiramente – O rei diz em sua voz grave – Claudio, mandou o garoto embora?
— Mandei – Ele engole seco.
— Porquê? – Quis saber o monarca.
— Preocupado com ele, estava sob a minha responsabilidade.
Claus ficou consternado e quando ia dizer algo, Natanael o fez primeiro.
— Acho que você fez bem. Aquele garoto deu seu melhor, se continuasse aqui só iria arranjar problemas para ele mesmo.
— Com sua permissão, vossa majestade – A mulher de verde fala – Não poderíamos continuar a deixar nossas esperanças em um método tão instável e antiquado, principalmente se tratando da vida da princesa. O senhor mesmo nos reuniu aqui porque disse que finalmente iria tomar uma contramedida.
— Tudo bem – o Rei diz irritado e começa a andar pelo quarto lentamente – Parece até que todos vocês estão em complô.
— Certo – Natanael diz e se vira para a mulher – Alia, quer começar?
— Sim. Sobre a criada morta, devemos pensar no que isso significa. É a tal bruxa? Os ferimentos foram de uma espada, de acordo com os soldados que acharam o corpo. Poderia ser algum soldado possesso.
— Não – Natanael responde. – Se fosse esse o caso, qual a necessidade do autor se esconder? Uma pessoa possuída do jeito que eu vi a Mel, não teria todo esse controle de fazer algo tão técnico. Sem contar que, se a bruxa tivesse toda essa capacidade de possessão ela não teria usado goblins para fazer seu serviço sujo.
— O que que você acha então? – Alia pergunta.
Natanael olha de esguelha para Claus, como se os dois já tivessem conversado sobre isso e o rei completa:
— Existe alguém aqui no castelo que está do lado da bruxa.
Todos ficam sob a tensão daquela afirmação. A gola da túnica que o Duque vestia parecia estar enforcando-o, ele tenta folgar puxando o colarinho e limpa o suor da testa com a manga, então pergunta:
— Temos um suspeito?
— Não – Natanael responde e, demonstrando súbito ódio, completa – Mas o cara que está envolvido nisso é um verdadeiro desgraçado desalmado, por estar deixando a Mel naquele estado.
— Que garantias temos que isso tem a ver com a bruxa? – Claudio quis saber.
— Quem mais seria? – Natanael responde com uma pergunta que deixa o Duque calado.
— Se fosse um ataque diretamente a mim – O rei diz andando em círculos, tamborilando os dedos em sua espada, Ira da Tempestade – Eu poderia apontar um suspeito, eu poderia entender, um de vocês querendo meu trono, até uma de minhas filhas, sei lá – Ele fez uma pausa onde segurou o cabo da espada com força – Mas atacar a Mel? A minha Mel!
A espada vibrou da bainha e uma linha de eletricidade brilhou muito rápido na cruz da espada. Alia se agarrou a túnica do Conselheiro Natanael com um leve grito de espanto. Donavan se afastou da porta preocupado.
— O senhor deve manter a calma, tirar sua concentração deve ser o objetivo do inimigo. Talvez até alguém de fora, um invasor querendo chamar a nossa atenção para assuntos internos.
Andur se locomove devagar para o lado do Duque, se apoiando com as costas na parede, o sentinela fala:
— Não sabemos quem é o inimigo aqui dentro, mas sabemos o que ele queria.
A atenção de todos se volta para o guarda real. Ele vestia sua armadura de couro e suas duas espadas. O Duque parecia não olhar diretamente para ele.
— Daniel estava naquele quarto, só os deuses sabem porque ele não estava lá na hora da morte.
— O que ele fazia lá? – Natanael diz surpreso.
— Eu esqueci desse detalhe, após a noite nas masmorras com os Goblins- O rei diz. – Fui eu quem mandei ele se hospedar lá.
— Sim – Andur diz e pergunta ao Duque – Quem mais sabia dessa informação?
Claudio se vira constrangido e responde:
— Eu fiquei sabendo disso pela boca do garoto quando despachei ele pela manhã.
— Sim, com quais guardas? O senhor lembra o nome? – Andur diz em um sutil tom de acusação.
— Não lembro, peguei os primeiros que olhei.
— Mesmo sabendo que tentaram matar ele?
— Está me acusando de ter matado aquela garota? – Duque Claudio diz irritado, visivelmente sob estresse.
— Andur! – A voz do Rei trovejou – Não permitirei que faça tal acusação contra meu irmão. Isso é uma afronta contra mim.
— Desculpe, vossa majestade – Andur diz sarcástico – Se o senhor seu irmão age de forma suspeita.
Claus avança contra Andur, mas Natanael se mete na frente colocando a mão no peito do Rei e falando em voz alta:
— Espera! Espera! – O rei para, bufando. O conselheiro direciona a pergunta ao Duque – Ontem, na hora de ir até o ancião pedir ajuda, você reuniu uma frota de 50 homens, demorando para sair e ainda voltou lentamente pela estrada. Porque diabos demorou tanto? Eu queria só uma resposta clara.
O rei achou tudo aquilo ofensivo demais e perdendo o controle de si direcionando o punho contra o rosto do conselheiro, mas no meio do caminho abriu a mão acertando um tapa num enorme estalo. Natanael foi atirado para traz e caiu de costas no chão, sua face ficou marcada de vermelho e a orelha inchou quase no mesmo instante.
— Parem de apontar o dedo contra a minha família! – Berrou o rei descontrolado. - Onde está a prova da fidelidade de vocês!? Quem me garante que não estão envolvidos?
Alia socorria Natanael, ainda zonzo, no chão. O Duque se aproxima do irmão com as mãos levantadas pedindo para ele ter calma.
— Não perca o controle, Claus.
O rei enfia o rosto nas duas mãos e senta na cama luxuosa. Cláudio senta ao seu lado e o consola com alguns tapas nas costas. Natanael se levanta com a ajuda de Alia.
— Você não está em condições de fazer nenhuma reunião - Dizendo isso, Natanael se retira com o auxílio de Alia. A mulher abre a porta sozinha com dificuldade.
Andur lança um olhar de dúvida e insegurança a Donavan, os dois ficam ali parados com suas expressões falsamente impassíveis.
— Vamos atacar – O rei retira as mãos do rosto, mostrando fúria.
— Atacar quem? – O Duque diz preocupado.
— Yulma, a maldita bruxa.
— Mas como? – Claudio diz incrédulo – Não sabemos onde ela está.
— Está em uma floresta nas redondezas da nossa capital.
— São muitas florestas, Claus, como vamos achá-la?
O rei se levanta determinado.
— Nem que eu derrube cada árvore dessas matas, mas eu vou achá-la e destruí-la.


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