Âmago da Meia-noite escrita por Shantalas


Capítulo 13
Partida


Notas iniciais do capítulo

Parte I de II



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Era extremamente confortável o calor que emanava do corpo no qual Daniel estava envolvido. Ele sentia a maciez em seu rosto e a suave respiração em seus cabelos. Sua mão envolvia uma cintura magra, mas agradável de acariciar. Então sentiu-se rígido abaixo do ventre e, sem querer, pressionado contra a perna da garota.
Os dois despertaram juntos, a menina sardenta escancarando a boca e Daniel retirando o rosto amassado do busto dela. Se olharam um tempo e foram mudando suas expressões vagarosamente na medida em que iam despertando, para uma cara de espanto.
— Seu nojento!
A menina empurra-o e fica de pé na mesma hora, usava um vestido qualquer, de cor pálida. O rapaz se senta segurando a cabeça, tentando lembrar como as coisas acabaram assim.
— Eu disse que podia dormir comigo se não me tocasse! – Ela fala irritada.
Desconfortável com sua ereção, Daniel prefere não levantar e coloca uma parte do lençol no colo. Ele argumenta constrangido:
— Mas eu não a toquei. – Não que ele se lembrasse.
— Vocês meninos são todos iguais! Quantos anos tem?
— 14 – responde seco
— Pelos Deuses! E eu deixei você dormir no mesmo catre que eu! Pensei que fosse... – Ela cobre a boca com as duas mãos ruborizando, depois aponta um dedo para ele – Não pense que o Cozinheiro vai ficar sem saber de seu atrevimento!
— Eu não... – Daniel fica nervoso – Você nem deveria estar aí, eu sou um hóspede do rei! Esse quarto era para mim!
— Hahaha! – A garota gargalha abrindo bem a boca e depois, como se recordasse de sua etiqueta, tapa a boca com a mão dando risadas contidas e debocha – Não te falei? Sou uma aia da corte de Septhum!
Daniel se irrita de verdade e levanta jogando o lençol no chão. Ele vai se retirando a passos largos para a porta.
— Eu não toquei em você, tá legal? E se quiser contar isso para qualquer um, pode contar. Não sou desse castelo mesmo!
Daniel aceitou a proposta de dormir com a garota, ele se recordava, estava cansado e o catre era grande o bastante para os dois não se encostarem de madrugada. Dormir dessa forma era uma prática comum na sociedade da Mata Viva, até mesmo dormir abraçado nas noites mais frias. Como a garota estava caindo de sono, ele achou que não haveria problema.
— Você está fugindo? Muito fácil dizer isso e correr. Esta pensando que eu não te acho nesse castelo? Se não for da cozinha é da estrebaria, um franzino como você nunca seria da forja ou caserna.
O garoto respira fundo. Ele para na porta e se vira encarando a moça, então utiliza sua técnica de bloqueio mental e recupera seus modos. Ele não queria parecer um menino birrento e imaturo. Então diz maquinal, como se fosse outra pessoa:
— Me desculpe, eu não devia ter aceitado dividir esses aposentos com a senhora. Não tive más intenções ao abraçá-la, se o fiz, estava dormindo. Espero que perdoe meu abuso.
Ele abre a porta para sair, mas desconcertada com o que ouviu, a garota diz ligeira:
— Espera – Ela anda alguns passos até ele – Não precisa falar assim também, tão frio. – Olhando os próprios pés, ela fala acanhada – Eu tive culpa também, achei que fosse só uma criança qualquer da cozinha e permiti que dormisse comigo.
Desarmado, Daniel é cativado pela garota e com sinceridade comenta:
— Mesmo assim, foi rude fazer o que eu fiz, me desculpe de verdade.
— Sobre isso – Ela sorri sem jeito – Fui eu quem abracei você de noite, você estava – Ela hesitou sem saber como dizer – Choramingando e pedindo por sua mãe. Deve ter sido um sonho horrível, não é?
— Ah, é... Então foi isso – Dessa vez é Daniel quem fica tímido. – Obrigado, então. Eu fico muito agradecido.
Procurando um lugar para se esconder da garota, Daniel sai do quarto rápido e fecha a porta. Ele escuta ela dizendo para esperar, mas a vergonha fez o garoto descer rápido as escadas. O sol ainda estava nascendo e, quando passou rápido pelo corredor, viu que uma parte do céu ainda estava escura. Seu corpo estava acostumado a despertar naquele horário, era costume na Mata Viva.
Quando descia as escadas, ouviu o som de passos subindo, parecia no mínimo umas quatro pessoas. Daniel ficou preocupado que mais pessoas do castelo o confundissem com um garoto da cozinha e decidiu achar alguém que o conhecesse o quanto antes. Queria muito poder saber do julgamento de Kal.
— Ele vai caçar a bruxa, estou lhe dizendo – Ouviu uma das vozes ecoando em sua direção.
— É loucura, tudo ao nosso redor é floresta, exceto o sul – Uma segunda voz respondeu mais baixo. Outras duas pessoas conversavam paralelamente, algo sobre a troca de turnos da guarda, mas Daniel se focou na conversa dos dois primeiros.
— Sim, eu sei, mas duas das florestas você pode excluir, nessas ela não vai estar: a Floresta do Norte, no território de Aeros e o Bosque Heleno, por causa do vira-bicho – Conclui a primeira voz, a mais empolgada.
— Você está brincando? Acha que a bruxa teme isso?
As vozes foram ficando mais altas à medida que se aproximavam, Daniel havia parado de descer assim que a conversa lhe interessou. Com a aproximação, o garoto fingiu que descia normalmente.
— Em que floresta você acha que ela estaria?
— Aqui perto, na floresta do Gaule, perto do rio. – respondeu a segunda voz, a que falava baixo.
Os guardas encontram Daniel, eram quatro, usavam uma armadura leve com espadas e lanças. O homem que possuía a voz em tom baixo, segura seu armamento desconfiado e pergunta:
— O que faz aqui garoto?
— É o garoto que veio curar a princesa – O soldado mais empolgado fala. – Acho que ele não deveria estar aqui sozinho.
— Me desculpem, acho que houve algum desencontro. Poderiam me levar até o senhor Natanael ou o Duque Claudio?
— Acho que esta muito cedo – um terceiro soldado mais atrás diz – Devem estar dormindo.
— Duvido muito – O guarda mais empolgado falou. – Não com a princesa Mel naquelas condições. – Vamos leva-lo até o topo da torre, lá você...
— AAAAAAAHHHH! - Um grito agonizante e estridente desce as escadas da torre. Daniel sente um calafrio.
— A princesa! – O guarda fala
Todos correm escada acima, os joelhos frenéticos subindo e descendo até a altura do abdômen. O garoto sobe de dois em dois lances de degraus, tentando acompanhar o ritmo dos guardas, mas ficando lentamente para trás. Quando eles chegam ao andar do quarto de hóspedes, os quatro guardas sobem direto a escada rumo aos aposentos reais. Daniel por último, ia logo atrás deles. O garoto lança um olhar casual ao corredor mal iluminado, pois os archotes já haviam se apagado e vê que a porta do quarto onde ele estivera, estava aberta.
O estomago do aprendiz fica em queda livre. Ele congela na escada, sem tirar os olhos da porta e grita pelos soldados. Então vai se aproximando da porta, devagar, virando o rosto para as janelas periodicamente, temendo que alguém viesse de lá. Ele escuta o som dos guardas se atrapalhando na escada e chamando por ele, mas o garoto estava tenso demais para responder.
A poucos centímetros de ver o interior do quarto, ele espera, temendo pelo que poderia encontrar lá dentro. Os guardas chegam da escada perguntando o que ele viu, sem cerimônia eles vão até o quarto e freiam na porta, horrorizados com a visão.
— Kevin, Jon. – O guarda mais velho diz, o que pouco falara até então – Procurem pelo assassino, não deve estar longe. Estevan, bata o sino do alarme mais próximo.
Todos os três saíram em disparada, Kevin e Jon vasculhando os quartos e Estevan correndo para a escada. O guarda mais velho ficou parado olhando e então perguntou a Daniel:
— Pode curá-la?
De alguma forma, Daniel sabia, ela estava morta. Soube assim que o grito terminara. Não por dedução, mas ele sentiu, não sabia explicar o que era. Aquela sensação era nova para ele.
— Está morta.
— Pelo menos tente.
Ele não queria ver, enquanto não olhasse, a pessoa ali morta poderia ser qualquer um, ele não precisava saber. Podia imaginar que a garota sardenta foi para outro quarto e que uma outra menina veio para esse. Tudo era possível, contanto que ele não olhasse.
Pressionado pelo olhar do guarda, foi lá e viu a garota morta. Os olhos fixos no teto, a expressão de súplica, as sardas perdendo cor lentamente, ela estava lá, largada. Uma poça de sangue se espalhava por baixo dela. Seu cabelo castanho curto estava esparramado no chão. Foram dois golpes, um na barriga e outro no peito, uma estocada entre os seios. Local onde, alguns minutos atrás, repousava o rosto de Daniel.
Lágrimas forçaram sua saída pelos cantos dos olhos do garoto. Ele tocou o rosto dela sentindo o calor que se esvaia lentamente.
“Traga-a de volta, você já deve ter poderes o suficiente para fazer isso”. Uma voz veio na cabeça do garoto, então sentiu nojo de si mesmo e se levantou, o Guarda mais velho se aproxima dele com um ar de lamuria.
— Um golpe de misericórdia no peito, realmente, não há nada a ser feito.
O chefe da guarda juntamente com outros dois soldados chegam à sala. Eles adentram examinando a cena e logo Euclides ordena:
— Juntem mais homens, marquem um perímetro no castelo. Não deixem ninguém sair. – Ele se virou para o guarda mais velho – Cameron, pegue uma dúzia de homens e reforce o topo da torre, não deixe ninguém chegar perto dos aposentos reais.
— Sim senhor – Cameron diz. Os outros guardas já haviam se retirado.
— Ele veio por mim – Daniel fala triste
— Que? – Euclides indaga surpreso.
— Eu estava nesse quarto, a pessoa que fez isso veio por mim
— O que você fazia aqui? – Cameron pergunta
— É muito cedo para tirar conclusões. – Euclides comenta
— Somente pessoas do círculo íntimo do rei sabiam – Daniel continuava a falar, parcialmente em choque e absorto – Talvez os guardas também.
— Está acusando pessoas do castelo? – O chefe da guarda pergunta nervoso.
— Isso que você está dizendo é muito sério garoto – Cameron comenta preocupado.
— Isso só pode ter sido ordem da bruxa, quem mais seria...
— Garoto – Euclides chama preocupado.
— A menos que a bruxa estivesse sob o comando de alguém.
— Garoto! – Euclides balança Daniel – Você não está falando coisa com coisa.
Daniel se desvencilha de Euclides, se aproxima da menina morta no chão, ele se abaixa próximo a ela e fecha seus olhos, depois se levanta e esfrega o rosto. Então diz:
— Você tem razão. Não estou pensando direito.
— Melhor levá-lo para onde o rei, não é mesmo senhor? – O experiente Cameron sugere.
— Sim – Euclides diz lentamente – É o melhor a se fazer.
O sino pequeno já havia tocado fazendo com que outros sinos do castelo fossem badalados acordando a todos. Cameron guiava um desmotivado Daniel para o topo da torre principal. Pelas pequenas janelas na escadaria, era possível ver o sol nascente se erguendo por cima do castelo. Dali para cima, restavam apenas os aposentos reais.
Um som de passos rápidos antecedeu a figura bem vestida do Duque Cláudio. Ele estava nervoso, sem seu semblante calmo de sempre, quando avistou Daniel, ficou satisfeito e foi pegando o garoto pelo braço e se deslocando escada abaixo.
— Senhor – Cameron presta uma atrasada continência e diz rápido – Uma criada foi morta no quarto de hospedes.
— Estou sabendo – Gritou o Duque Claudio já fora do campo de visão do soldado.
— O que está havendo? – Quis saber Daniel quase tropeçado nas escadas ao ser puxado.
— Sinto muito garoto! – O homem perde o folego se concentrando em descer o mais rápido possível – Mas você deve ir embora.
— O que? De uma hora para outra?
O Duque demora em dar suas respostas, eles passam pelo corredor dos quartos de hóspedes, um pequeno aglomerado se fazia lá. Vários guardas passam por eles, alguns cumprimentando com urgência, já outros concentrados em subir rápido.
— Posso descer sozinho! – Daniel puxa seu braço sem efeito.
Eles continuam a descer, O Duque pareceu não ligar para o incômodo do rapaz, mas sentindo os puxões, ele diz em voz alta, para ser ouvido acima do som dos passos na escada:
— O reino da Gleba Rubra fica muito agradecido pelos seus esforços, mas você deve partir.


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