Sem Truques no Amor escrita por Hunter Pri Rosen


Capítulo 8
Uma promessa




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Depois que Gabriel invadiu um sonho meu e me disse umas boas e incômodas verdades, além de uma ou outra provocação maliciosa, eu não tive muita escolha. Eu precisava voltar para o bunker. E para ele. Precisava mostrar que não sou um covarde, como ele insinuou.

Enquanto dirigia rumo ao Kansas, percebi que não estava fugindo apenas dele quando fui embora, eu estava fugindo de mim mesmo. Só que não posso mais negar que venho sentindo algo pelo arcanjo. Acho que, lá no fundo, sempre senti. Mas foi só depois que Gabriel reapareceu — muito abalado pelos anos de tortura no inferno —, foi morto no mundo paralelo num ato heroico e me surpreendeu ao voltar da morte, que esse sentimento ganhou força. E vem ganhando a batalha contra o meu bom senso a cada dia.

Ele tinha razão quando disse que eu sou o motivo para o seu retorno milagroso. Não consegui aceitar que Gabriel tinha morrido de verdade. Não depois de ter acreditado por anos que ele havia sido derrotado por Lúcifer e precisado me conformar. Não depois de ter descoberto que ele estava vivo esse tempo todo e sofrendo nas garras de Asmodeus. Depois que ele reapareceu na minha vida, eu simplesmente não consegui aceitar que o tinha perdido de novo.

Então, numa noite em que eu estava sozinho no bunker e angustiado por Dean — desaparecido desde que virou o receptáculo do arcanjo Miguel —, eu tomei um porre inacreditável, imaginei como seria bom ter Gabriel comigo para enfrentar o momento tormentoso, me martirizei por sua morte tão injusta e... Bom, eu rezei.

Rezei com toda a vontade e desespero do mundo. Desejei com toda a força que ele voltasse. E terminei a noite sozinho, praguejando com a voz enrolada, xingando Chuck por não ter dado a mínima para o meu pedido.

Porém, no dia seguinte, lá estava Gabriel, despencando em cima do Impala. Vivo.

A alta dose de álcool me impediu de lembrar da oração por algum tempo. Mas agora eu lembro com nitidez.

Gabriel acha que voltou por minha causa, porque sou um tipo de missão inacabada, e eu acredito que ele está certo. Porque eu preciso dele. Mais do que gostaria, mais do que poderia imaginar, preciso demais.

Ainda assim, foi um choque descobrir que o meu corpo o desejava tanto. E aquele flagrante constrangedor no banho fez outra parte do meu corpo reagir também, o meu coração disparou. Ali eu percebi que estava apaixonado. Mas, um segundo depois, estava dizendo a mim mesmo que não, que não podia ser. Fiquei apavorado com a ideia, reagi da pior maneira, briguei com ele e achei melhor fugir para colocar a cabeça em ordem.

Dias depois, enquanto eu oscilava entre raiva e saudade de Gabriel, ele invadiu o meu sonho. E então qualquer tentativa de sufocar o que sinto foi por água abaixo. No caminho de volta para casa, admiti a paixão e isso foi um gatilho para que eu lembrasse do restante do sonho.

Daquele... beijo.

A simples lembrança me deixou arrepiado, o coração aos galopes e meu corpo aceso. Parecia que o beijo tinha acabado de acontecer e finalmente decifrei o gosto de tutti-frutti na minha boca quando acordei.

Foi então que um medo me invadiu, afastando a euforia para longe. Medo de estragar tudo, medo de perder Gabriel como perdi as mulheres que amei, medo de desistir do meu irmão ao embarcar num romance com o arcanjo. Medo.

Incapaz de ignorar o que quero, no entanto, eu pretendia colocar as cartas na mesa com Gabriel e enfrentar os meus medos ao lado dele. Então, eu voltei, flagrei Gabriel assistindo Cidade dos Anjos e suspirando por minha causa, conversamos um pouco e o assunto sobre aquele banho ressurgiu. Fiquei sem jeito, tivemos uma pequena discussão por causa do meu medo e o clima se esvaiu. Depois, teve o lance envolvendo o Demogorgon e acabei me exaltando de vez, descontando frustrações em cima dele e ouvindo coisas de Gabriel que eu precisava ouvir por mais duras que foram.

Fiquei surpreso quando ele se mostrou tão compreensivo no final. Gabriel propôs um novo acordo e deixou o que está rolando entre nós em suspenso por ora.

Só consegui gostar ainda mais dele por essa atitude. Porque o arcanjo sabe exatamente do que eu preciso. Gabriel sabe que preciso colocar Dean em primeiro lugar ou nunca vou me perdoar se decepcionar meu irmão de novo. Sabe que preciso trazer meu irmão de volta, são e salvo, antes de pensar em mim, em... nós, antes de permitir que um novo beijo e tudo o que vier junto com isso aconteça.

E, que Chuck me ajude, eu quero que aconteça. Eu quero Gabriel. Não posso mais negar que quero demais.

[...]

Para localizar um arcanjo que veio de um mundo paralelo ao nosso não é fácil. Eu e Gabriel reviramos o bunker de ponta-cabeça, folheamos diversos livros, pastas de arquivos, registros especiais dos Homens das Letras, pergaminhos, viramos dias e noites. Até que enfim encontramos um feitiço antigo em enoquiano e Gabriel o traduz com facilidade.

Um dos ingredientes é uma amostra da graça de outro arcanjo, e ele se dispõe a ajudar com essa parte também. A quantidade foi pouca e Gabriel acredita que em poucos dias sua graça estará tinindo de novo sem problemas. Outros itens encontro no bunker mesmo e os mais específicos tenho que recorrer a Rowena.

Com tudo pronto, fazemos o feitiço e conseguimos a localização de Miguel no fim da noite. O desgraçado está em Minnesota. Arrumamos tudo e partimos rumo à operação resgate no começo da madrugada.

Gabriel queria ir voando para lá, mas achei melhor irmos no Impala, acredito que Dean vá gostar de rever a sua Baby quando retomar o controle do próprio corpo. Também acho que assim chamaremos menos a atenção.

No caminho, ligo para Castiel, afinal ele nunca me perdoaria se ficasse de fora de qualquer coisa envolvendo Dean Winchester. Obviamente, caiu na Caixa Postal porque ele quase nunca me atende mesmo. Mas o que importa é que Castiel nos encontra no meio do trajeto.

Agradeço muito por ele ter ido porque a luta contra Miguel não foi fácil. Custou muito, porém fomos capazes de prender o infeliz num círculo de óleo sagrado depois de muita resistência, tentativas frustradas e espadas celestiais vibrando pelo ar.

Gabriel conhece um ritual raro e, ao proferir as palavras em enoquiano, Dean toma consciência por um momento. Ao ver nós três ali, ele leva um segundo para entender o que precisa fazer: retirar o convite que fez quando Miguel tomou o seu corpo. E o arcanjo não tem escolha quando é expulso assim, ele precisa abandonar o receptáculo pois não é mais bem-vindo.

Sem forma corpórea, a graça de Miguel consegue desviar das chamas sagradas e sobe em direção ao teto do galpão onde o encurralamos. Ele escapa, é uma merda que tenha escapado, porém, nesse momento, eu não me importo com mais nada. Nesse momento, tenho Dean de volta e meu mundo volta aos eixos.

Apago o círculo sagrado o mais rápido que posso e o abraço com força. Depois, é a vez de Castiel, e uma troca de olhares muito intensa entre eles não me passa despercebida. Por fim, Dean quer entender como Gabriel está vivinho aqui na frente dele.

Dou de ombros e, estou tão feliz, que consigo fazer uma piada a respeito:

— Ainda estamos tentando entender isso. Mas, ao que parece, eu não consigo me livrar dele.

E Gabriel, com um sorrisinho enviesado e o olhar cravado no meu, replica de pronto:

— Ao que parece, você não quer se livrar de mim.

Meu rosto fica mais quente na mesma hora e não posso desmenti-lo. Afinal, eu não quero mesmo.

Ao voltar o olhar para Dean, no entanto, noto um sorriso amarelo em seu rosto. Um sorriso que ele se esforça para que pareça contente, mas falha miseravelmente no intento. Não acho que tenha a ver comigo e Gabriel, é outra coisa, algo que o atormenta por dentro, que o entristece.

Conheço meu irmão bem o suficiente para deduzir o motivo. A expressão angustiada que ele luta para disfarçar é devido à culpa. Dean se sente culpado por ter dito sim a Miguel e assim permitido que o arcanjo andasse livremente por essa terra, semeando caos e morte por onde passava, fundando os alicerces de um plano maior e maligno que desconhecemos no momento.

Não conseguimos rastreá-lo antes porque Miguel se movia muito depressa pelos Estados Unidos e, às vezes, desaparecia do mapa por semanas. Agora, que finalmente o encurralamos em Minnesota e o expulsamos, começo a perceber que a vitória não foi totalmente nossa. Alguma coisa aconteceu a Dean enquanto vivia refém do arcanjo, preso dentro de si mesmo. Alguma coisa se quebrou dentro dele.

Dean precisa de mim para juntar os cacos e se reerguer. Não será fácil, mas farei tudo que estiver ao meu alcance para apoiá-lo.

Nesse momento, olho para Gabriel e não consigo decifrar o que vejo no semblante dele. Só sei que desperta um pressentimento ruim em mim e faz um aperto estranho surgir no centro do meu peito.

Dias depois...

Depois de conversar por um bom tempo com Dean na cozinha e repetir, acho que pela milésima vez, que nada do que aconteceu foi culpa dele, sigo para o meu quarto. Encontro Bobby, minha mãe e Jack — que voltaram há pouco tempo para o bunker também —, além de Castiel na sala principal. Despeço-me deles com um meneio de cabeça e logo estou despencando na minha cama.

Antes de fechar os olhos, me dou conta que não vi Gabriel em parte alguma nas últimas horas. Convencido de que ele está enfurnado em algum canto, provavelmente assistindo a filmes de gosto duvidoso ou fazendo seus truques malucos, relaxo e fecho os olhos.

O sono ganha força depressa, mas um farfalhar de asas muito familiar me faz sentar na cama e olhar para a cômoda logo em frente. Então, é inevitável, meu coração erra uma batida e dispara ao ver quem está por aqui.

— Gabriel.

Ele sorri. Um sorriso mínimo e meio social demais para o meu gosto. Um sorriso que não chega aos olhos e que não combina com o arcanjo.

— Olá, Sam.

Abro a boca, mas então desisto de falar qualquer coisa por hora e analiso melhor esse momento. Meu corpo está mais leve e o ambiente em volta muito silencioso, não escuto os outros conversando lá embaixo.

— Por acaso isso é um sonho?

— Bingo.

Estreito o olhar na direção de Gabriel e decido provocá-lo:

— E por acaso você vai me beijar como da última vez?

A surpresa perpassa seu rosto na mesma hora, um brilho de satisfação reluzindo no olhar.

— Ora, ora. Você lembra.

Não foi uma pergunta, ainda assim me ouço respondendo simplesmente porque quero:

— É um choque que eu tenha esquecido. — Faço uma pausa, meu coração disparando mais a cada instante. — Você disse que eu só me lembraria quando estivesse pronto para admitir como me sinto. Isso deve significar alguma coisa.

O sorriso dele se alarga e se torna verdadeiro.

— Acho que significa mesmo.

Entretanto, Gabriel desvia o olhar e cruza os braços, ficando sério pouco a pouco. Estranho porque, nesse momento, esperava uma reação mais empolgada, esperava mais... paixão de sua parte. Não essa inexplicável... resignação?

É então que eu percebo, Gabriel está incomodado com alguma coisa. Como no dia que resgatamos Dean. E ele parece triste também, não apenas sério.

Engulo em seco e, embora não saiba se quero mesmo ouvir a resposta, tento sondar:

— Posso saber por que você está aqui?

O arcanjo ri sem humor, parecendo atormentado por um instante. Então, ele se recompõe e volta a me encarar.

— Porque o covarde da história sou eu, Sammy Boy. Isso mesmo, eu não tive coragem de me despedir no mundo real, então... — Ele abre os braços, indicando o momento em que estamos mergulhados. — Recorri a esse sonho.

— Como assim se despedir?

Não estou gostando nada do rumo dessa conversa, porém preciso entender o que levou Gabriel a tomar tal decisão. Algo me diz que isso não é uma de suas brincadeiras.

Sem rodeios, ele se explica:

— Eu não acho que esse seja o melhor momento para nós, Sam. O Dean está um caco desde que o resgatamos. Por mais que ele esteja tentando se reerguer, é nítido que o tempo que passou com Miguel foi muito duro para ele. Voltar à tona e ter que lidar com as coisas que aquele panaca aprontou enquanto comandava o corpo dele... não foi fácil.

Realmente não foi. Não tem sido. E, por mais que Dean seja um guerreiro nato, não sei quanto tempo vai levar para ele dar a volta por cima, parar de se culpar e seguir em frente dessa vez.

— Seu irmão precisa de você, Sam.

Olho fixamente para Gabriel ao replicar com firmeza:

— E eu preciso de você.

Ele sorri de leve.

— Eu vou voltar, bobinho. Pelo menos... pretendo voltar.

O breve alívio que sinto por Gabriel insinuar que isso não é uma despedida definitiva se esvai um instante depois por conta da segunda frase. E é nesse momento que as peças se encaixam e o motivo da sua partida fica claro.

— Você vai atrás de Miguel. Sozinho.

Gabriel abre os braços num gesto de confirmação.

— Eu tenho que ir. Mesmo que Miguel seja de outro mundo, ainda é meu irmão de algum jeito e um problema que só eu, sendo um arcanjo como ele, posso resolver. Ele escapou da última vez, Sam, mas garanto que foi mesmo a última. A graça passou muito perto das chamas sagradas, isso com certeza o enfraqueceu um pouco.

Um temor surge dentro de mim.

— Ele ainda pode te matar.

Gabriel ri de leve e protesta imediatamente:

— Sua fé em mim é muito animadora, valeu.

Inquieto e começando a ficar irritado com a teimosia em forma de anjo, afasto o lençol e me coloco de pé num instante. Caminho até Gabriel e exijo:

— Eu quero ir com você. Eu quero acordar agora mesmo e ir com você. Não se atreva a me deixar aqui. Eu posso ajudar, Gabriel. Todos nós podemos ir juntos atrás dele.

Não gosto nenhum pouco do semblante impassível que vejo na minha frente.

— Lamento, Sam. Nós já tentamos em equipe e o desgraçado escapou. Dean precisa muito de você nesse momento e eu preciso fazer isso sozinho. É uma questão de honra para mim. Eu fugi de batalhas desse tipo por muito tempo, mas esse Gabriel ficou definitivamente para trás. Eu tenho que colocar um ponto final nisso. Talvez... Talvez seja o segundo motivo pelo qual voltei da morte. Chuck sabia que só um arcanjo seria páreo para outro arcanjo.

Embora uma parte de mim fique orgulhosa da evolução de Gabriel e acredite que foi para lutar contra Miguel que ele também ressuscitou, a outra parte é dominada por uma aflição cada vez maior. Ele estará se arriscando muito se abraçar essa causa. Miguel é tão poderoso quanto ele, e o resultado do placar é imprevisível.

— Eu quero ir com você...

Minhas palavras soam mais como um pedido agora. Um pedido cuja resposta, infelizmente, eu sei qual será.

— Não vai rolar, camarada. Eu não posso me dar ao luxo de ficar preocupado com você enquanto tento chutar o traseiro do Miguel. — Gabriel esboça um sorriso e um olhar caloroso na minha direção. — Eu preciso de foco, e você costuma tirar o meu.

O comentário em tom de confissão me faz rir um pouco. E pensar bastante. Por fim, sei que minha única escolha é me conformar. Ele não vai mudar de ideia. Nem mesmo por mim.

Fecho os olhos por um instante. No outro, reduzo nossa distância a nada e encaixo meus lábios nos dele com suavidade. É nítido que pego Gabriel de surpresa, mas também é nítido que ele gosta de tal surpresa pois corresponde com fervor.

Busco seus olhos de novo e exijo com firmeza:

— É bom você voltar.

Gabriel sorri. Um sorriso largo e com o ar divertido que é a sua marca registrada. Ele recua um passo, erguendo a mão e arqueando as sobrancelhas algumas vezes.

— Pode apostar que eu vou. Dois beijos em sonhos? O próximo tem que ser no mundo real.

Sorrio fraco e faço uma promessa a nós dois:

— Será.

Gabriel sorri mais uma vez e estala os dedos. O farfalhar de suas asas se espalha por toda a parte e então... eu estou sozinho no quarto, nesse sonho, tentando confiar na promessa que acabei de fazer. Esperando que Gabriel volte um dia —  logo, depressa — e assim eu possa cumpri-la.


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Notas finais do capítulo

Inté o último capítulo ♥



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