Sem Truques no Amor escrita por Hunter Pri Rosen


Capítulo 9
Final




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Hoje faz um mês que Gabriel foi embora. Quando nos despedimos naquele sonho, eu sabia que ia sentir a falta dele. Só não esperava que fosse tanto.

Acho que essa é a questão, o que sinto por ele me surpreende a cada dia. Não imaginei que um arcanjo tão irritante e irresponsável fosse capaz de despertar algo tão forte dentro de mim. Não imaginei que eu fosse capaz de me apaixonar de novo, aliás. Por algum tempo, pensei até que meu coração estava morto para esse tipo de coisa e que era melhor assim.

Mas ao voltar da morte, Gabriel fez com que eu me sentisse vivo de novo e acreditasse que, apesar dos problemas que a vida de caçador implica, talvez eu pudesse ser... feliz um dia? Quem sabe.

Ainda quero acreditar nisso, porém é difícil manter qualquer esperança quando a ausência de notícias e um retorno dele que nunca acontece me atormentam dia após dia.

Tenho caçado mais nos últimos tempos. Preciso me concentrar em qualquer outra coisa para não enlouquecer de preocupação.

Dean também tem focado bastante nas caçadas. Ele está melhor em comparação com os dias que sucederam seu resgate, mas é nítido que precisa do negócio da família como uma espécie de terapia também. Enquanto salva pessoas e caça coisas ao meu lado, ele se sente melhor com ele, com o mundo, e a culpa pela história com Miguel vai perdendo força.

Não tivemos qualquer sinal de atividade do arcanjo em questão e o tempo todo me pergunto se Gabriel vai conseguir encontrar o desgraçado, derrotá-lo e voltar são e salvo. Ou... se já o encontrou e as coisas não saíram como ele previa.

Inquieto, me mexo no banco do Impala pelo o que deve ser a milésima vez desde que Dean e eu concluímos mais um trabalho — caçamos um bando de ghouls numa cidade interiorana do Texas — e pegamos a estrada de volta para casa.

Lá fora, a tarde se despede num horizonte alaranjado, enquanto nuances escuras ganham espaço e anunciam  a noite próxima. Dentro do carro, Dean diminui o volume de Led Zeppelin e limpa a garganta antes de dizer:

— Ele vai voltar, relaxa.

Acho que, por puro instinto de preservação, minha reação é replicar com um...

— Ele quem?

Meu irmão me olha de esguelha, o canto da boca levemente esticado.

Ele quem? Sério, Sammy? Okay. Acho que o nome dele é... Gabriel? Certo, isso mesmo. Ele é um arcanjo, um trapaceiro e um filho-da-mãe duro na queda. Refresquei sua memória?

O sorriso se alarga, assumindo um ar de provocação que me deixa envergonhado. Não conversei com Dean sobre os meus sentimentos por Gabriel, muito menos sobre a nossa convivência no bunker durante a sua ausência, do quanto foi importante ter uma companhia enquanto ele estava desaparecido, nem dos meus dois sonhos que o anjo visitou e do que aconteceu neles.

Por algum motivo, eu quis guardar tudo isso para mim por tempo indeterminado. Também não parecia o momento mais favorável para puxar o assunto com Dean. Agora, no entanto, percebo que nunca foi necessário dizer qualquer coisa a ele, meu irmão simplesmente captou no ar.

E, já que ele não parece bravo com a descoberta, deixo qualquer reserva de lado e decido abrir o jogo de uma vez:

— Eu gosto dele.

Então me dou conta que é a primeira vez que admito isso em voz alta. E me sinto incrivelmente bem por fazer isso, uma sensação engraçada de calor surgindo no peito.

— Eu sei — Dean limita-se a murmurar em resposta.

Penso no arcanjo brincalhão e sorrio de leve, é simplesmente inevitável.

— E Gabriel... meio que gosta de mim também.

Dean solta um riso pelo nariz e retruca com ironia:

— Ah, isso sem dúvida é um choque. Preciso de alguns minutos para me recuperar, Sammy.

— Idiota — xingo baixinho e mais por costume.

E o meu irmão retribui de pronto com a mesma maturidade:

— Imbecil.

Por algum tempo, ficamos em silêncio, apenas a canção Good Times Bad Times ecoando pelo Impala e os pneus cantando na estrada deserta. Até que espio meu irmão de canto e, uma vez que acabamos de falar de mim, nada mais justo que ele faça o mesmo.

Pensando assim, limpo a garganta e resolvo sondar:

— E você?

Dean lança um olhar rápido na minha direção e depois volta a se concentrar na estrada.

— Eu o quê?

Arqueio as sobrancelhas com ar óbvio, mesmo que ele não possa me ver nesse instante.

— Você e o Cass?

Meu irmão franze o cenho e sua voz sobe uma oitava quando ele se faz de desentendido:

— O quê?!

Acabo rindo porque ele é um péssimo ator nesse ponto.

O quê? Sério, Dean? Se quiser eu refresco sua memória também. — E antes que ele discorde, coloco uma empolgação crescente em cada palavra que digo a seguir. — Castiel, o anjo de sobretudo que mais parece sua sombra, que te venera e te atende sempre, sem pestanejar, que te resgatou do Inferno... Ah! Acho que as palavras exatas foram: aquele que te segurou firme e tirou você da perdição. Não é romântico? Épico?

Algo atinge minha nuca com força, arrancando-me um gemido mais de surpresa do que de dor. Por instinto, esfrego a região que Dean acertou com um tapa preciso e desnecessário.

— Mais uma gracinha dessas, e você volta a pé para casa, Sammy.

A ameaça não soa séria. Na verdade, tenho certeza que é só uma forma de mudar o foco da conversa. É por isso que fico surpreso quando Dean joga a estratégia para o alto, expira com certa força e acaba admitindo baixinho:

— Tudo bem, talvez eu goste dele.

Observo-o de canto por um momento, depois me endireito no banco e deixo meu olhar se perder na estrada que parece não ter fim. A noite ganha forma e se estende por toda a parte, fazendo desaparecer os resquícios do que antes foi dia.

— Você devia dizer isso ao Cass — aconselho. — Não que ele não saiba, mas devia dizer com todas as letras.

Exausto, fecho os olhos e estou quase pegando no sono quando tenho a impressão de ouvir Dean finalmente responder:

— Eu vou. Um dia.

Um chiado repentino e estridente de interferência no rádio me faz abrir os olhos alarmado e praticamente dar um pulo no banco.

Irritado, Dean tenta a todo custo ajustar a frequência de novo enquanto resmunga:

— Não, não, não! Justo agora que estava quase na minha parte preferida!

O rádio continua desobedecendo seus comandos e, para tornar a situação mais estranha, as luzes no painel do veículo oscilam como se a parte elétrica tivesse enlouquecido.

— Que diabos é isso? — questiono, tão confuso e apreensivo quanto Dean fica agora.

Antes que meu irmão sequer pense no que responder, o volante do Impala começa a se mover sozinho e o freio não funciona. O chiado para de repente e, por um instante, o Impala mergulha num silêncio sepulcral. Apenas por um instante. No seguinte, outra música começa a tocar com os acordes suaves...

Now I've had the time of my life
No, I've never felt like this before
Yes I swear it's the truth
And I owe it all to you...

Numa reação automática, Dean e eu nos olhamos ao mesmo tempo. Então, de um jeito sofrido, ele sugere a explicação para o estranho evento:

— Sammy... Acho que a Baby foi possuída.

E antes que eu pense no que dizer nesse caso, a Baby do meu irmão simplesmente reduz a velocidade de repente, com um tranco que nos impulsiona um pouco para a frente, e simplesmente... morre rente ao acostamento.

Mais uma vez, trocamos um olhar confuso. Até que o olhar de Dean se transforma em outra coisa. Fúria.

— Já chega! — ele grita, abrindo a porta do carro. — Que tipo de fantasma mexe com o carro de um homem?!

A porta é batida com brutalidade e logo Dean está abrindo o porta-malas. Provavelmente, pretende procurar sal e ferro para expulsar o espírito desavisado que teve a péssima ideia de se manifestar na sua amante de quatro rodas. E eu provavelmente devia ajudá-lo nisso, só que não me movo um centímetro. Não saio do lugar porque uma desconfiança surge num canto da minha mente e ganha força, me mantendo paralisado de surpresa e esperança.

— Gabriel...

Meu coração dispara com a simples menção do seu nome. Bem nesse momento, luzes ofuscantes e coloridas emanam da estrada à frente e a música não se limita mais ao Impala, o tema de Dirty Dancing se espalha por toda a parte, parece tocar no mundo inteiro. Porque agora a música vem da cena que acontece bem diante dos meus olhos, como no filme, só que no meio da estrada. A exata sequência final do filme se desenrola adiante, e acabo rindo ao reconhecer um certo arcanjo no meio da multidão de atores recriados por ele mesmo, vestindo uma roupa exatamente igual a de Patrick Swayze no longa.

— Meu Deus, Gabriel. Você precisa melhorar esse gosto para filmes urgentemente.

Enfim a paralisia momentânea se dissipa, e eu saio do carro, o coração disparado de euforia. Um rápido olhar para Dean e percebo que, apesar de aliviado pelo Impala não ter sido possuído por um espírito, ele também não gostou da brincadeira de um anjo ser o motivo do fenômeno. No entanto, acho que acaba relevando porque também fica feliz por Gabriel estar de volta. Aposto que não tão feliz quanto eu estou agora, seguindo na direção do arcanjo.

Gabriel estala os dedos assim que paro na frente dele. A cena digna de Bollywood se dissipa atrás dele feito fumaça. Um sorriso enviesado surge nos seus lábios, e só então percebo que eu olhava demais para essa parte do rosto dele.

— Você sentiu a minha falta.

A afirmação pretensiosa me arranca um riso espontâneo. Toda a tensão que eu vinha sentindo desde que Gabriel partiu termina de desaparecer, como se nunca tivesse me perturbado um dia.

Muito relaxado, pago na mesma moeda:

— E você sentiu a minha.

Gabriel não confirma. Não é preciso.

Observo-o atentamente, em silêncio, uma distância de dois passos ainda nos separando. E o olhar que recebo de volta faz meu coração acelerar mais um pouco, como se fosse possível.

De repente, quando estou prestes a reduzir a distância a nada, Dean grita de algum lugar atrás de nós:

— Eu não vou ficar aqui segurando vela para as madames!

Gabriel e eu olhamos para ele, e um segundo depois ouço um estalar de dedos perto de mim. Dean desaparece no ar ao mesmo tempo em que o arcanjo diz enigmático:

— Feito. — Volto-me para ele com uma expressão questionadora. — O quê? Pensei que ele ficaria feliz em chegar mais rápido em casa.

Indico o veículo no acostamento e ressalvo:

— Sem o Impala? Ele deve estar puto agora.

Gabriel solta uma gargalhada, algo que me deixa confuso até ele explicar:

 — Eu mandei o Deanno direto para o colo do Cass. Será que vai ficar muito bravo ou me agradecer pelo empurrãozinho?

Imagino a cena, analiso as possibilidades e tudo que consigo dizer é:

— Acho que vamos descobrir em breve.

Gabriel não diz mais nada. Apenas me encara de um jeito indecifrável e contínuo. Um olhar que me deixa nervoso feito um adolescente, droga...

Coloco as mãos nos bolsos da jaqueta porque, de repente, não sei o que fazer com elas, e fico feliz quando lembro de um assunto importante:

— E o Miguel? Suponho que você o encontrou? O que fez com o maldito?

E isso é o bastante para romper o encanto com o qual o arcanjo me fitava.

— Eu não consegui matá-lo, Sam. Não que eu não pudesse, mas no último instante... tive uma ideia melhor e não resisti. Então, eu roubei a graça dele e o joguei num looping do tempo dentro de Super Mario Bros.

Acabo sorrindo diante da revelação.

— Combina mais com o seu estilo.

Gabriel abre um sorriso, apreciando o elogio que fiz.

— Não é?

Então o silêncio se instala de novo. Torna-se pesado, sufocante, até que me dou conta que não aguento mais e que não preciso mais hesitar assim.

— Gabriel?

Parece estúpido chamá-lo, uma vez que ele está bem aqui na minha frente e com a atenção totalmente focada em mim.

— Sam? — ele imita o meu tom com desfaçatez.

Sorrio fraco e abaixo a cabeça, afastando para longe qualquer temor que eu ainda sinta em relação a isso que está acontecendo entre nós.  Quando volto a erguer o rosto, não há mais nada que me impeça de viver essa história.

— Acho que vou te beijar agora.

O arcanjo arqueia as sobrancelhas de um jeito brincalhão, mas o brilho possessivo e ardente nos seus olhos não me passa despercebido.

— Quer uma trilha sonora para esse momento? — ele sugere, erguendo a mão, pronto para estalar os dedos. — Ah, eu lembrei de uma perfeita!

— Não se atreva!

Venço a distância e tomo seus lábios num beijo impulsivo para impedi-lo de colocar tal gracinha em prática. E também porque eu já pretendia beijá-lo mesmo, claro.

Então, envolvo o corpo de Gabriel com mais calma, abraçando-o pouco a pouco, pressionando cada parte de mim em cada parte dele, e me delicio ao perceber o quão bem ele se encaixa ao meu corpo, o quão bem corresponde e se entrega como eu. Tão bem quanto nossas bocas ao se envolverem com mais profundidade, num ritmo maravilhoso, quente e vivo de línguas e lábios.

O beijo é desconcertante e perfeito. Aqueles que só existiram nos sonhos foram também, mas nada se compara à realidade. Saber que Gabriel realmente está aqui comigo e não vai a lugar algum sem mim torna tudo mais doce e avassalador. Torna o calor mais intenso. E a sensação de pertencimento, uma certeza irrevogável.

De súbito, ouço um maldito estalo, e uma nova música começa a se propagar no ar:

My love,
There's only you in my life
The only thing that's right...

Logo estou rindo contra os lábios do arcanjo e afastando o rosto apenas o suficiente para ameaçar de um jeito que eu pretendia que fosse sério:

— Você me paga, Gabriel.

Ele ri de leve, os olhos divertidos faiscando de desejo e algo muito puro ao mesmo tempo. Então, alcança  a minha nuca, mergulhando os dedos no meu cabelo de forma carinhosa, e sugere:

— Com beijos?

 

FIM

 


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Notas finais do capítulo

A Baby ficou no canto (acostamento, no caso) de castigo = sinta a referência ksksksksk

Endless Love me lembra uma certa cena de Friends, só para constar hahahahaha

Beijo de verdade até que enfim, né non?

Nesse momento, Dean ainda está no colinho de Castiel e os grilhos fazem cri cri cri kkkkkkkkkk

Bom, gente, obrigada a todos que chegaram aqui, desculpa meus bloqueios e hiatus ♥

Hasta la vista ♥



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