Ordem e Liberdade - As Primeiras Memórias escrita por Lady Chiris


Capítulo 2
Amós




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Algumas noites era difícil dormir. Não era por nada em especial, só que seus trabalhos noturnos eram tão habituais que havia se acostumado a dormir no final da noite, quase no amanhecer. A noite era mais fácil se ocultar pelas sombras, entrar sorrateiramente pelos guardas, andar em seus telhados, entrar pelas suas janelas. Nos últimos meses, na verdade, as missões tem sido cada vez mais escassas. As vezes era só um reconhecimento de área, invadir alguma ruina, algum esconderijo da cidade e nada de relevante acontecia.

                Abriu a janela do quarto de forma vagarosa para que não acordasse seus irmãos e olhou para o céu, onde uma lua cheia, meia escondida pelas nuvens, iluminava a noite. Ebalher, também conhecida como a Cidade Branca, estava silenciosa, o vento da noite era agradável e aquela noite era boa para fazer qualquer coisa, menos dormir. Colocou sua roupa característica do distrito de Bodias: Calça e casaco de linho branco com capuz da mesma cor que cobria sua cabeça e dificultava que alguém visse perfeitamente seu rosto. Não levaria a sua espada, mas escondeu sua adaga na manga do braço direito. Não esperava ter que usa-la, Bodias era seguro para ele, mas desde que a ganhou em sua cerimônia de ingresso como Libertário nunca mais se separou dela. A linda adaga tinha uma lâmina fina, como uma tira de papel, feita para matar com um único golpe se encaixada no lugar certo sem muita bagunça. Nela havia inscrições que apenas um membro sabe ler: A adaga que defende o povo, sou um quebrador de grilhões. Era um acessório padrão para todos os formandos.

                Amós empoleirou-se na janela e olhou para cima calculando o tamanho de seu pulo para chegar a beira do telhado. Pulou certeiro e silencioso como um gato, agarrou-se ao telhado e subiu. Correu pelos telhados, sabendo exatamente para onde ia. Aquele caminho era familiar, nostálgico. Quando era bem jovem, ainda em sua infância, as primeiras lições que precisavam ser aprendidas era correr, saltar, escalar, se pendurar, subir o máximo que puder e se colocar na beirada olhando para baixo sem sentir medo. Claro que quando era criança, isso não era tão simples como hoje. Seus saltos não eram tão altos, sua pegada não era tão forte, sentia medo ao olhar a distância na qual havia que pular, correr tinha seus riscos de tropeçar e cair. Por isso, quando não conseguia dormir frustrado com suas limitações, saía por aquela mesma janela e subia pelos telhados, pulando de casa em casa, em árvores, andando por sobre os muros, subindo a colina e a cada noite conseguia ir mais longe até chegar aos muros na sede dos Libertários, um imenso castelo de pedra que ficava a beira de um penhasco onde habitávam bibliotecários, historiadores e todos os outros homens dedicados as letras e, também, o Gran Mestre Malafaia, aquele que encabeçava os Libertários na Cidade Branca. Hoje aquele caminho até as muralhas era rápido e fácil, porém o fazia recordar os esforços que fez para chegar até ali.

                Amós era orgulho do que se tornara, um dos melhores libertários de campo, eles diziam só para não admitir que ele é o melhor. Se era preciso assassinar um membro da ordem, explorar a Antiga Cidade sem ser percebido, subir na torre mais alto ou espionar alguma reunião secreta era ele que o Gran Mestre chamava.  

                Chegou finalmente as muralhas do castelo e olhou para dentro delas, para a arena usada para o treino de novos candidatos ou pelos veteranos para relembrar velhos golpes ou aprender alguns novos. Ao seu lado, dos portões até as portas do castelo, um caminho de pedras desenhava o trajeto que deveria ser feito. Não podia ficar muito tempo ali. Se os guardas dos portões da muralha ou das portas do castelo lhe vissem, implicariam e fariam uma série de perguntas carrancudas e, sinceramente, não estava afim de lhes explicar o motivo nostálgico que lhe levava a fazer aquilo. Por isso era melhor obedecer às regras noturnas de segurança ou quebra-las sem ser percebido. Olhou em direção ao portão afim de ver os guardas e não os encontrou, o que era estranho, já que os portões nunca ficavam sem vigilância. Olhou com mais cuidado e estavam lá, só que caídos no chão. Amós andou por sobre o muro em direção a eles e pulou em sua direção quando já estava próximo. Os guardas se vestiam igual a ele com a exceção que usava uma espécie de colete de couro e metal na parte do peito. Verificou suas pulsações e eles estavam vivos. Foi só no segundo guarda que percebeu que havia algo em sua roupa, uma espécie de dardo em seu pescoço. Puxou e uma pequena e fina agulha saiu de seu corpo. Olhou novamente para o primeiro guarda e encontrou o mesmo dardo, só que no seu braço direito. Amós escalou novamente a muralha, pulou para o lado de dentro e correu pelo caminho de pedra em direção as portas do castelo. Lá encontrou o mesmo cenário que nos portões: Dois guardas caídos no chão com dardos fincados em alguma parte de seus corpos. Tentou abrir a porta e ela se abriu.

                Amós estava calmo mesmo diante de um ataque onde os invasores ainda poderiam estar ali. Por não saber o número exato de invasores, o correto seria pedir ajuda. Mas o corpo e a mente de Amós não estavam inclinados a fazer isso. Qualquer ameaça presente ali poderia ser facilmente neutralizada por ele. Afinal, era isso que fazia e o melhor de todos. Olhando para dentro do castelo, tudo estava quieto e meio escuro, iluminado apenas por algumas velas nas arandelas de metal. Não tinha dúvida dos responsáveis por aquele ataque, contudo não podia deixar de admirar a audácia do Ordenários. Bodeas e o Castelo Sede eram para ser os lugares mais seguros, uma fortaleza impenetrável para eles. Aquele ataque era culpa deles mesmos, por serem relaxados, por baixarem a guarda. Por não pressionarem os Ordenários, os deixaram com tempo livre para planejar um ataque. No entanto, não entendia porque escolheram apenas adormecer os guardas ao invés de mata-los. Um encontro entre Libertários e Ordenários sempre terminava em sangue. Ele entrou no castelo e foi o mais rápido possível em direção aos dormitórios onde os homens de letras compartilhavam seus leitos. Eles estavam dormindo tranquilamente em seus sonos naturais e aparentemente não faltava nenhum deles. Se eles estavam no Castelo Sede e não estava matando todos que encontravam, então eles estavam atrás apenas de uma única pessoa: O Gran Mestre. Subiu até chegar ao quarto do Gran Mestre. Abriu a porta e ele não estava lá. Seu coração bateu um pouco mais forte ao tentar imaginar que tipo de plano os Ordenários tinham para que quisessem apenas o Gran Mestre. Talvez não estivessem atrás de mata-lo, mas sim de todas as informações que ele poderia dar dos Libertários da Cidade Branca e de qualquer outro país. Se esse fosse o caso, Malafaia estaria em seu escritório, um andar a baixo. Correu descendo as escadas, fazendo o menor barulho possível com os pés até se deparar em frente ao escritório e ela estava aberta. Ela nunca ficava aberta, fechada quando Malafaia estava dentro e trancada quando estava fora. Correu para dentro do escritório e suas suspeitas se tornaram reais. Malafaia estava lá, encurralado entre a sua mesa de madeira e a grande janela em vitral que vazaram as luzes da lua em azul, vermelho e amarelo. Do outro lado da mesa de costas para ele estava uma pessoa usando vestes marrons que pareciam um tanto puídos com capuz. Na sua mão direita estava uma adaga com uma lâmina curvada. A pessoa percebeu a sua presença e olhou para trás. Amós não perdeu tempo e avançou, tirando a adaga de sua manga. O Invasor se virou usando a sua para se defender e os dois começaram uma luta com Amós indo para cima, estocando, tentando achar qualquer abertura nas defesas de seu adversário. Porém o invasor se defendia com a mesma velocidade, com as adagas se chocando, retinindo em uma canção. Os duelistas se atacavam criando uma coreografia, uma dança em que cada passo era perfeitamente acompanhado pelo outro, numa sincronia excepcional. Malafaia, vendo que mais ninguém prestava a atenção em si, saiu do seu escritório as pressas. Aquilo fez, mesmo que por um segundo, o invasor olhar para Malafaia que corria do escritório, tempo o bastante para Amós perceber a abertura em sua defesa e atingir de forma rápida e profunda seu braço. O invasor colocou a mão em sua ferida, soltando um pequeno gemido de dor. Foi só aí que percebeu que o invasor na verdade se tratava de uma mulher. Olhou fixamente para o seu rosto, tentando gravar suas linhas, traços e feitios até ouvir os gritos de ordem e bravejo de Malafaia. Dava para ver na cara da invasora que ela sabia que logo estaria cercada e, com o que parecia ser as suas últimas forças, foi a sua vez de ir para cima, desferindo ataques duros, rápidos e descompassados, até conseguir atingir a mão que Amós usava a adaga, dando um corte profundo e o desarmando-o. Amós praguejou e no seu um segundo de distração, sua adversária havia dado cinco passos para trás em direção a janela. Quando Amós decidiu que iria avançar com os punhos livres, a invasora fez um gesto rápido com o braço, como se tivesse lançado algo em sua direção. Amós demorou para processar que aquilo era uma ameaça e teve menos tempo ainda para esquivar. Olhou para o seu ombro direito e viu o mesmo dardo que encontrou nos guardas desmaiados. Ele olhou novamente para ela e seus olhares se cruzaram. A coisa fez efeito rápido. Logo ela era apenas uma silhueta disforme, ofuscada pelas luzes coloridas vindas da janela. Sua visão se apagou e sentiu seu rosto ir de encontro ao chão. Antes de perder de vez todos os sentidos, ouviu um som de vidro quebrando e de passos entrando.


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Notas finais do capítulo

Se estiver curtindo a minha forma de escrita, sugiro que procure minha outra história também em desenvolvimento "Eras - Portais Entre Mundos".
Até o próximo capítulo.



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