Duet escrita por oicarool


Capítulo 7
Capítulo 7




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Elisabeta encarou sua imagem no espelho. Parecia mais jovem, ou talvez parecesse mais madura. Havia algo sobre sua imagem, naquela noite. Escondeu o tremor leve juntando as duas mãos, as luvas delicadas cobrindo quase a totalidade de seus braços. Respirou fundo algumas vezes. Não gostava de eventos sociais. Não gostava das expectativas de Ofélia, da agitação dos convidados.

E principalmente, não gostava da sensação de peso que sentia no peito. Como se tudo estivesse prestes a dar errado, ainda que não houvesse coisa nenhuma. Mas hoje, havia algo a mais. Havia também um frio no estômago, um coração acelerado diferente. Havia espera, e um pouco mais de certeza em seus olhos. Havia uma dança prometida à ele. Ao homem que, ao longo de tão pouco tempo e tão pouco contato, parecia encaixar-se em alguma parte de sua vida. Alguma parte boa.

Por isso respirou o mais fundo que conseguiu, treinou seu melhor sorriso. Amarrou sua máscara em um laço firme, porém delicado, e dirigiu-se à porta de seu quarto. O barulho ecoava na residência, e certamente sua sala fora transformada em um enorme salão de dança, onde quase todas as pessoas do Vale do Café gostariam de estar naquela noite. E, pela primeira vez em muito tempo, Elisabeta também queria estar. E desceu lentamente as escadas, dirigindo cumprimentos educados à quem passava por seus olhos.

Até a intensidade do azul a atingir, do outro lado do salão. E fez seu corpo vibrar, fez brotar um sorriso mais fácil e mais leve. Era o efeito que ele tinha nela – que a música dele tinha nela. Seria capaz de reconhece-lo mesmo que o salão estivesse lotado. Mas ainda não estava, e Darcy fez um movimento muito discreto com seu copo. Logo, as irmãs Benedito se aproximaram de Elisabeta em comentários empolgados a respeito dos convidados que já estavam lá.

Seu olhar se desprendeu do dele, mas nunca realmente o deixou. E Elisabeta permitiu-se observá-lo receber os convidados, sorrir para os moradores do Vale do Café, engajar-se em conversas. Mas Darcy nunca deixou de observá-la, ou de sorrir a cada vez que seus olhos repousavam nos dela. Como se ele estivesse genuinamente feliz de vê-la, como se ela fosse uma parte importante de seu mundo.

Mas, ainda que a atenção de Darcy a fizesse sentir-se diferente, especial, seu maior sorriso surgiu quando o observou com suas irmãs. Uma a uma, de Lídia à Jane. Ele sorria, feliz, ao convidar cada uma delas para dançar. Divertia-se em uma dança que parecia ter sido feita para cada uma delas, como se ele houvesse planejado cada detalhe, cada nota, cada passo. E Elisabeta invejou por apenas um segundo a forma como todas as suas irmãs pareciam ter uma conexão com Darcy.

Durou apenas uma fração de segundo. Antes de Elisabeta lembrar-se de todas as noites que dividiam. De seu sono embalado pela música dele. Da forma como, nas últimas semanas, ele parecia sempre estar ali, por ela. E ainda que não conversassem e rissem como ele fazia com suas irmãs, de alguma forma ela sabia que havia uma conexão ainda mais forte entre eles. Ainda mais profunda. Uma conexão que ela não lembrava-se de compartilhar com ninguém.

E Elisabeta não pode deixar de sorrir quando, ao fim de cada dança, Darcy direcionava suas irmãs para os homens com os quais elas sonhavam em dividir suas vidas. Rodopiou com Lídia, e ofereceu sua mão à um atônico Tenente Randolfo, que gaguejou qualquer coisa, antes de ser puxado pelo salão por sua irmã mais nova. Cecília foi colocada delicadamente nos braços de Rômulo, e Elisabeta emocionou-se ao ver o olhar que o mais velho dos Tibúrcio direcionou à sua irmã.

Com Mariana, havia riso e brincadeiras, e Elisabeta observou divertida quando Mariana relutou apenas por alguns segundos, antes de sorrir para Brandão. E Darcy ofereceu à Mariana uma piscadela cúmplice, como se aquele fosse um segredo deles, discutido à exaustão. E então Darcy tratou Jane como uma princesa, e qualquer conto de fadas invejaria a beleza e elegância de sua irmã. E a dança deles, como se programada, terminou em frente à um recém chegado Camilo Bittencourt, para espanto e alegria de sua irmã.

E, com todas as suas irmãs alegremente dividindo a noite com seus escolhidos, o olhar de Darcy voltou-se para ela. Aproximou-se, tão decidido, que todo o corpo de Elisabeta vibrou em espera. Darcy ofereceu sua mão, e Elisabeta desejou não estar usando luvas, quando os dedos dele se fecharam em volta dos dela, quando Darcy levou sua mão aos lábios, e ela desejou senti-lo em sua pele. Darcy a conduziu para o centro do salão, e Elisabeta de repente percebeu que nunca estivera tão perto dele.

A outra mão de Darcy espalmou em suas costas, e Elisabeta sentiu-se pequena. Sua própria mão encontrou o ombro dele, e se pudesse, se fosse aceitável, teria dando um passo à frente, porque de alguma forma queria sentir mais dele. Nenhum dos dois era capaz de sorrir, e quando a música começou, Elisabeta engoliu em seco. E foi como se nada mais existisse, a não ser o olhar de Darcy Williamson, suas mãos em contato, os dedos dele contra seu vestido.

Nunca algo havia parecido tão certo, em toda sua vida. Nunca sentira seu corpo vibrar tanto, seu controle se esvair, o chão sumir. Desejou ser dele. Dividir todas as danças, para o resto de sua vida. Acordar com aquele olhar, dormir com aquele toque. Desejou que estivessem sozinhos, e que sua boca pudesse tocar à ele. O quis, como nunca quis nada, como nunca quis ninguém. E viu seu corpo responder, como Augusto nunca fora capaz de fazer.

Dos cabelos escuros aos olhos claros, da linha definida do maxilar, da forma como ele parecia tão nervoso quanto ela, ao mesmo tempo em que a conduzia com perfeição. E um sorriso tímido brotou em seus lábios, fazendo Darcy respirar aliviado, o polegar movimentando-se em suas costas, como uma carícia proibida. A voz dele saiu rouca quando Darcy finalmente conseguiu proferir alguma palavra.

— A senhorita está absolutamente fantástica hoje. – ele disse, e Elisabeta sorriu.

— Você também não está nada mal. – e Elisabeta surpreendeu-se ao ouvir o humor em sua própria voz.

Não disseram mais nada, e também não foram capazes de desviar o olhar um do outro. Seus sorrisos cresceram, e quando a música se aproximou do fim, desejaram não precisar se separar. Nunca mais precisar se separar. O fizeram, quase em câmera lenta, como se fosse a tarefa mais difícil daquela noite. A mão de Darcy ainda tocou o ombro de Elisabeta, e uma fração mínima da mão dele tocou em sua pele nua. E foi como fogo, choque. Os queimou, e espalhou energia por seus corpos. Seus olhares desviaram rapidamente para suas bocas, e quiseram esquecer o mundo.

Mas foi um espaço curto de tempo, e Darcy observou a respiração acelerada de Elisabeta. Os olhos dela com um brilho de reconhecimento, e Darcy não precisava perguntar para saber que ela havia notado que ele não a entregara a ninguém. E então viu tudo se dissipar e os ombros dela ficarem rígidos, no segundo exato em que os olhos dela cruzaram com os de Augusto.

O homem aproximou-se, charmoso, sorridente. Darcy quis impedi-lo. Quis diminuir a distância de Elisabeta, puxá-la para si. Mas não o fez, jamais faria tal coisa. Observou, com um desapontamento crescente, Augusto Toledo oferecer sua mão para Elisabeta Benedito. E, como ela não teria outra escolha, o acompanhou até uma dança. Uma dança que, nem de longe, parecia com sua anterior. E que a fez sair, apressada, em direção ao andar superior, assim que terminou.

##

Darcy debateu consigo mesmo se deveria procurá-la. Mas foi um debate curto, pois havia uma certeza em seu coração, e ele lutaria por ela. Elisabeta não era indiferente à ele. E não parecia confortável com as palavras de Augusto. Ela estava rígida, seus olhos evitavam os de seu antigo prometido. E Darcy soube o exato momento em que Augusto disse algo que a desagradou, que a jogou naquele limbo de escuridão. Porque, ao final da dança, os olhos dela não tinham vida.

Ele entrou na sala de música, e não ficou surpreso ao encontrá-la ali. Sua máscara estava em cima da escrivaninha, as luvas ao lado. Darcy retirou sua própria máscara. O lugar estava iluminado apenas pela lua, e pelas luzes de fora da casa. Elisabeta olhava para o exterior, apenas uma pequena parte de seu rosto visível para ele. E ela tinha o olhar perdido, molhado, as mãos trêmulas, e a respiração acelerada. Não acelerada como estivera após a dança deles. Descompassada, como sem controle.

Darcy conteve o impulso de passar seus braços por ela, trazê-la para si. Era seu maior desejo, mas jamais tocaria em uma moça sem que ela quisesse. Jamais se aproveitaria de um momento de fragilidade. Aproximou-se, ainda assim, parando ao lado dela, olhando para o exterior e tentando ver o que os olhos de Elisabeta enxergavam. Mas ele sabia que o pensamento dela estava longe, muito além de seu campo de visão.

Surpreendentemente, Elisabeta sentiu parte de sua tensão dissipar, assim que Darcy entrou no cômodo. Assim que ele se aproximou, e pareceu puxar seus pensamentos para ele, trazer a realidade, como uma lufada de ar. E Elisabeta sentiu-se protegida, envolvida, ainda que ele apenas estivesse parado à seu lado. Então os olhos dele encontraram os dela, e sua respiração parou por um segundo.

Duas lágrimas solitárias corriam por ali, e Darcy não foi forte o suficiente para não se aproximar. Para não levar as mãos ao rosto dela, e deixar que seus polegares deslizassem por ali, limpando aquele choro que, se pudesse, arrancaria dela. Elisabeta conteve a vontade de jogar-se nos braços dele, ainda assim, aninhou a cabeça em uma das mãos de Darcy.

Vulnerável. Era como sentia-se naquele momento. Nunca deixara que ninguém a visse daquele jeito. Sempre estivera sozinha quando o mundo parecia insuportável demais, quando a tensão era em demasia. E agora não conseguia sair daquele toque, daquele olhar preocupado que a observava, da mão que a acariciava delicadamente, como se ela fosse quebrar a qualquer momento.

— Respire. – a voz dele saiu baixa, quase sussurrada.

E Elisabeta fez exatamente isso. Fechou os olhos e respirou.

— Ele não merece você. – as palavras dele fizeram os olhos de Elisabeta se abrirem. – Me desculpe. – ele disse, rapidamente.

— Não. Não peça desculpas. – Elisa sussurrou rapidamente. – Eu apenas não esperava ver Augusto.

Ela deu um passo atrás, e então caminhou em direção ao pequeno sofá no canto da sala. Deitou-se naquele espaço, o corpo encolhido, e Darcy não resistiu ao impulso de ir até ela. Sentou-se no chão, e instintivamente uma de suas mãos buscou a dela, entrelaçando seus dedos. E Darcy temia o que ela poderia dizer, que ela confessasse seus sentimentos por Augusto, porque ele estava perto, tão perto de acreditar que havia um futuro para eles.

— Ele disse que eu poderia ser amante dele. – ela disse, e os olhos verdes brilhavam com a repulsa e a tristeza.

Darcy sentiu seu maxilar enrijecer, e sua mão apertou instintivamente a dela.

— Que gosta de mim, mas agora que sou pobre... – Elisabeta frisou a palavra. – Se eu quisesse, poderia ser amante dele.

Todos os seus impulsos eram de sair dali, descer as escadas e bater em Augusto até que seu rosto ficasse irreconhecível. Mas os olhos de Elisabeta tinham tantas dúvidas, tantos receios. E ele seria capaz de pedi-la em casamento ali mesmo, se pudesse.

— Você não será amante de um patife. – ele disse, e sua outra mão acariciou o rosto dela, em uma posição desajeitada. – Será a esposa de um homem honrado, e que terá a sorte de tê-la a seu lado.

— Eu não sou quem você acha. – ela disse, insegura.

— É muito melhor do que eu imagino. – Darcy rebateu, de forma tão rápida, que Elisabeta acreditou nele, e seus olhos ficaram ainda mais abertos. – Eu vejo você, senhorita Benedito. Sua devoção à suas irmãs, sua proteção com elas, mesmo quando corta sua própria carne.

Elisabeta franziu a testa, em dúvida, mas isso apenas encorajou Darcy.

— Vejo suas angústias, ouço suas músicas. Sua solidão, e seu enorme coração. – Darcy não resistiu à levar a mão dela aos lábios. – A vejo, e a admiro.

Elisabeta fechou os olhos ao sentir os lábios de Darcy, suas palavras como uma carícia em seus ouvidos, em sua alma.

— E não permitirei que um patife, um homem sem honra ou caráter, a faça pensar o contrário. – um sorriso discreto surtiu nos lábios dele. – Nem que eu precise fazê-lo engolir as palavras.

— Não será necessário. – um riso baixo escapou de Elisabeta, quando seus olhos se abriram, e Darcy poderia viver naquele segundo. – Estar aqui comigo é o bastante.

Darcy beijou novamente sua mão, e em seguida a soltou. Ajeitou-se no chão, suas costas encostadas no sofá, enquanto as longas pernas descansaram no tapete. Ficaram em silêncio, e Darcy sentiu falta do contato com o corpo dela. Mas não fez menção a segurar novamente sua mão. Fechou os olhos, e surpreendeu-se ao sentir a mão de Elisabeta em seus cabelos, em sua nuca, com um carinho tão sútil, e ao mesmo tempo despertando cada parte de seu corpo.

Ela gostava de tocar nele, descobriu. E gostava de ser tocada por ele. Gostava da voz dele acalmando seus pensamentos, dos olhos atenciosos. Darcy segurou sua mão, de repente, e virou a cabeça em sua direção, os olhos encontrando os dela. Beijou a palma de sua mão, e então seu pulso, tirando-lhe o ar. Parecia que a eletricidade estava no ar, e então as palavras de Augusto estavam longe em sua memória, os olhos de Darcy sendo seu único pensamento.

Darcy beijou novamente seu pulso, e a energia correu por seu corpo. Elisabeta engoliu em seco, umedeceu os lábios, fazendo o olhar de Darcy ser atraído para sua boca. Mas ela estava vulnerável, e por mais que o desejo de juntar seus corpos fosse quase irresistível, ele seria incapaz. Por isso acomodou-se novamente, mantendo sua mão em contato com a dela.

Elisabeta queria mais dele. Mas, naquele momento estava satisfeita. Sua mente estava mais calma, e um sorriso tranquilo descansava em seu rosto. Seus olhos se fecharam, sentindo a carícia de Darcy em sua mão. Não soube por quanto tempo ficaram ali, mas o barulho do exterior diminuiu, e depois de um tempo, as luzes do lado de fora se apagaram. Ouviram a voz de Mariana pelo corredor, mas deixaram que o tempo passasse, não quiseram se preocupar com tal detalhe.

Darcy remexeu-se, depois do que pareceram horas, e seus músculos estavam doloridos pela posição desconfortável. Elisabeta percebeu no mesmo momento, enquanto sua mão brincava com a dele. E em um suspiro, ela sentou-se no sofá, e então levantou-se, olhando para Darcy, que só agora levantava-se também.

— Acho que está tarde. – ela disse, com um sorriso. – Obrigada por estar aqui.

— Não me agradeça. – Darcy também sorriu. – Não haveria outro lugar em que eu gostaria de estar.

Elisabeta virou as costas, em direção a porta, mas deteve-se, o encarando novamente.

— Gostaria de ouvi-lo tocar amanhã. – disse, tímida. – Aqui.

— Aqui? – Darcy engoliu em seco, entendendo a proposta, a quebra daquela barreira. E então um sorriso bonito surgiu em seus lábios. – Seria um prazer, senhorita Benedito.

— Elisa... – ela disse, de repente. – Ou Elisabeta, como preferir.

— Elisa. – o sorriso dele se alargou. – Elisa está bom.

E sua expressão era tão bonita, tão leve e alegre, como se realmente não houvesse outro lugar em que ele gostaria de estar. Como se chama-la pelo próprio nome – ou pelo apelido que suas irmãs usavam, fosse um bilhete premiado. Elisabeta não resistiu, e cruzou a distância entre eles. Colocou-se na ponta dos pés, e depositou um beijo na bochecha de Darcy, antes de sair da sala de música.


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