Duet escrita por oicarool
Houve uma mudança sutil nos dias que se seguiram ao episódio na sala de música. Elisabeta parara de evitar deliberadamente estar no mesmo ambiente em que Darcy. Não apressava o fim de suas refeições, e em alguns momentos, inclusive permanecia em companhia das irmãs e do inglês após o jantar. Este era um desses dias. Ela estava calada, bastante focada em um livro que tinha em mãos, enquanto as irmãs Benedito planejavam o baile dos próximos dias.
Era interessante observar Darcy com suas irmãs, Elisabeta pensava. Darcy Williamson não era um bruto, mas sua aparência também não denunciaria o cuidado que tinha com cada uma das Benedito. Darcy era alto, forte, tinha um olhar observador, e sua beleza não passava despercebida. Apesar disso, Elisabeta via-se cada vez mais intrigada por tudo o que não estava na superfície: suas composições e a forma como parecia enxergar cada membro de sua família individualmente. Especialmente como parecia enxergá-la tão diretamente.
Mas Darcy tratava suas irmãs de forma diferente, e Elisabeta sentia-se comovida por isso. Pela forma como ele incluía pequenos elogios à Jane, toda vez em que a irmã se mostrava insegura a respeito de Camilo. Como voltava para casa com novos livros para Cecília, e a estimulava a discutir suas leituras e trazê-las para o mundo real. Suas sútis orientações para Lídia a respeito do mundo. E sua total sinceridade com Mariana, a forma como os dois pareciam se entender apenas com o olhar.
Era, inclusive, o que a mantinha um pouco mais afastada. Percebia a admiração que Mariana sentia por Darcy, o quanto valorizava sua opinião e sentia-se livre para expressar seus pensamentos. Talvez houvesse algo mais ali. E essa possibilidade fazia Elisabeta tentar reparar menos no sorriso de Darcy, na cor de seus olhos, e a fazia tentar ignorar a forma como seu coração dava um pulo toda vez que ele chegava ao ambiente.
Apesar disso, não parecia possível ignorá-lo naquele momento. Não quando ele tentava fingir interesse em cada detalhe sobre o baile que suas irmãs tentavam discutir. Quando respondia sobre flores, música e convidados, tentando plantar um sorriso no rosto. Elisabeta mantinha seus olhos no livro, mas já era incapaz de continuar a leitura. E quando Lídia reiniciou a lista de homens solteiros que Darcy precisava convidar, Elisabeta não conteve um sorriso.
— Randolfo, Capitão Otávio, Rômulo, Edmundo... – Lídia dizia. – E você deve...
— Falar pessoalmente com cada um deles. – Darcy assentiu.
— E não esqueça o Coronel. – Mariana disse, distraída, arrancando um olhar surpreso das irmãs. – Bem, não seria de bom tom não convidá-lo. – defendeu-se.
— De bom tom... – Jane abriu um pequeno sorriso. – Acrescente o Coronel Brandão à lista, Lídia.
— Darcy, não esqueça de dizer o quanto somos charmosas. – Lídia levantou-se, rodopiando pela sala.
— E os quitutes? Darcy, você precisa conversar com Dona Agatha. – Cecília disse, em um sobressalto.
— Meninas... – Elisabeta disse, com um sorriso, chamando a atenção de todas. – Talvez fosse melhor vocês distribuírem as tarefas. Tenho certeza de que Lorde Williamson não tem tempo ou interesse nesse tipo de preparativo.
Darcy a encarou, um pouco surpreso. Já estava habituado à presença de Elisabeta entre eles, mas era quase sempre apenas física. Elisabeta não costumava participar das conversas e discussões, muito menos direcionar-se a ele, mesmo que indiretamente. Mas ela tinha um olhar tranquilo, e Darcy agradeceu a oportunidade de poder olhar para ela sem restrições, sem medo de ser inconveniente.
— É tão estranho ouvir você chamá-lo de Lorde, Elisa. – Lídia reclamou. – Darcy está aqui há séculos e...
— É a maneira correta de chamá-lo. – Elisabeta revirou os olhos.
— Darcy deixou que o chamássemos de Darcy. – Mariana também revirou os olhos. – Não seja desagradável.
— Não, não está sendo desagradável. – Darcy apressou-se em dizer, ao observar a testa de Elisabeta franzir.
O olhar dela voltou-se para ele, rapidamente, e os dois sentiram um formigamento diferente. Elisabeta engoliu em seco, com a intensidade do azul dele, e Darcy respirou fundo. Refreou o impulso de levantar-se e ir até Elisabeta. O silêncio se tornou quase desconfortável, e por isso Darcy procurou as palavras.
— Pode me chamar de Darcy. – ele tentou um sorriso. – Lorde Williamson lembra o meu pai.
Elisabeta o fitou por alguns segundos a mais, e então um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Passou despercebido por suas irmãs, mas para Darcy aquela troca era lotada de significados. Não demorou para que ela voltasse a atenção à seu livro, e Darcy precisasse fingir ainda mais seu interesse pelo baile. E viu-se, de repente, cogitando a ideia de convida-la para uma dança.
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No dia seguinte Darcy precisou sair de casa muito cedo, e não encontrou nenhum dos Benedito no café da manhã. Também não conseguiu voltar para casa no horário de almoço, e ao entrar em casa, naquela noite, o som dos talheres e da voz alta de Ofélia preenchiam o ambiente. Ofélia falava sobre o baile, e por isso Darcy não viu motivos para não apresentar-se à sala de jantar, sendo recebido com olhares de alívio de quatro das Benedito.
— Senhor Williamson. – Ofélia sorriu, irônica. – Estávamos justamente falando sobre o seu baile.
— Ótimo. – Darcy abriu um sorriso forçado. – Trago boas notícias. Lídia, minha querida, saiba que estive com sua seleta lista hoje, e todos eles confirmaram presença.
— Verdade? – a mais nova levantou-se, eufórica. – Inclusive Ranran?
— Se Ranran for o Sargento Randolfo, isso o inclui.
— Ai, meu Deus. Mamãe, precisamos dos melhores vestidos. – Lídia sorriu abertamente. – Preciso dos melhores tecidos.
— Eu quero o meu em tons de verde. – Cecília sorriu, sem surpreender ninguém. – Darcy, você acha que Rômulo estará lá?
— Certamente. – Darcy deu uma pequena piscadela. – Pediu, inclusive, que a senhorita reservasse uma dança para ele.
— Ótimo! – Ofélia bateu palmas, finalmente sorrindo abertamente. – Meninas, teremos muito trabalho a fazer nos próximos dias. Este baile tem que ser impecável e espero todas comprometidas ao final dele.
Elisabeta remexeu-se na cadeira, atraindo o olhar de Darcy. Nos últimos dias Ofélia insistia em falar sobre Augusto, e Darcy percebia o quanto abalava Elisabeta falar sobre o homem. Sentia sua irritação crescer apenas ao pensar sobre ele, e sobre tudo o que estava convencido que Elisabeta não tinha conhecimento.
— Inclusive a senhorita. – Ofélia virou-se para Elisabeta.
— Mamãe... – Elisabeta suspirou.
— Não adianta argumentar, Elisabeta... – Ofélia começou a dizer, mas foi interrompida por Darcy.
— Senhora Benedito, temo não ser capaz de organizar a decoração e quitutes do baile. A senhora poderia indicar alguém para o serviço? – o inglês ergueu a sobrancelha.
— Ora, eu indico a mim mesma. Não há, em todo o Vale do Café, alguém com tanta habilidade para organizar um baile.
— Ótimo, será que poderíamos conversar após o jantar sobre os detalhes?
— É claro. Tenho em mente uma série de detalhes que precisam estar impecáveis. – Ofélia sorriu.
Então os Benedito iniciaram uma conversa a respeito do futuro baile, e de todos os detalhes memoráveis de bailes anteriores. Elisabeta, entretanto, observava Darcy com um olhar intrigado. Não passara despercebido à ela que o inglês tentava desviar o assunto das refeições, sempre que Ofélia voltava suas atenções a ela. Não sabia suas intenções, mas nos últimos dias Darcy evitara que Ofélia discursasse a respeito de Augusto ou de sua incapacidade de manter o noivo.
E sentia-se grata, imensamente grata. Não ter discussões com Ofélia ou suas irmãs fazia com que seu humor melhorasse. Nos últimos dias, sentia seu peito menos pesado, e as lágrimas eram menos frequentes. O olhar de Darcy encontrou o dela, e Elisabeta percebeu, de repente, que o estava encarando. Ela ergueu a sobrancelha, e Darcy fingiu não entender. Mas um sorriso brotou nos lábios dele, e Elisabeta não evitou sorrir.
##
Ofélia e Darcy discutiam os detalhes do baile. Os custos não importavam, ele dissera. A matriarca dos Benedito poderia usar os recursos como bem entendesse. A realidade era que as meninas estavam empolgadas com o baile, e Darcy já duvidava que houvesse algo no mundo que não faria por elas. Embora Ofélia quisesse casá-las a todo custo, seu coração ficava alegre ao perceber que as quatro tinham sonhos e planos parecidos com os da mãe.
Mas, após uma conversa casual sobre flores, quarteto de cordas e convidados, Darcy percebeu a expressão de Ofélia mudar. Ela era, sem dúvidas, uma mulher muito difícil de lidar. Gostava de suas filhas, mas era severa e geniosa. Felisberto evitava enfrenta-la, e Darcy suspeitava que esse fosse o motivo de Elisabeta precisar fazê-lo. Ofélia não aceitava ser contrariada.
— O senhor sabe que tivemos uma mudança... – ela começou, séria.
— Mudança? – Darcy ergueu a sobrancelha.
— Elisabeta. – Ofélia suspirou. – Eu estive tranquila acerca do relacionamento dela com Augusto. Elisabeta genuinamente gostava do rapaz, e Augusto é de uma boa família.
— Augusto não é digno de sua filha. – Darcy disse, sem perceber.
— O que disse? – Ofélia ergueu a sobrancelha.
— É um patife. Viciado em jogos e em bebida. Não seria um bom marido, a senhora deveria estar aliviada.
Ofélia o observou, séria. E de repente suspirou, mostrando uma fragilidade que Darcy não recordava-se de ver naquela mulher, mesmo após tantos dias de convívio.
— Isso complica as coisas. – ela disse, por fim. – Augusto estará de volta e eu pretendia que o senhor intercedesse, buscando reaproxima-lo de Elisabeta.
— Eu não faria tal coisa. – Darcy respondeu, sério. – Faço muito gosto do relacionamento de Jane com Camilo, ou do interesse de Cecília por Rômulo. Mas Augusto, de forma alguma, e a senhora não irá me convencer do contrário.
— Senhor Williamson, o senhor me toma de uma forma que não é inteiramente correta. – Ofélia levantou-se. – Eu quero genuinamente a felicidade de minhas meninas. Mas conheço minhas filhas.
Darcy a observou, impaciente.
— Nenhuma delas estaria preparada para a pobreza. Nasceram, como eu nasci, cercadas pelos luxos e pela proteção de uma família afortunada. Sei que sou dura, por vezes, mas busco sempre o melhor.
— A senhora é dura demais com Elisabeta. – Darcy viu-se dizendo, para o espanto de Ofélia.
— Elisabeta é a mais forte delas. – Ofélia respondeu, tranquila. – Resiliente, desde pequena. Mas, se o que o senhor me diz é verdade, Augusto a condenaria a uma vida de infelicidade.
Ofélia sentou-se novamente, e novamente respirou fundo. Darcy não conseguia tirar conclusões daquela conversa.
— Minha filha precisa de um homem digno e honrado. E precisarei de sua ajuda para encontrá-lo. – disse, por fim.
— Eu mantenho minha condição. – Darcy suspirou. – Eu a ajudarei, mas suas filhas decidirão com quem e quando querem se casar.
— Elisabeta será uma tarefa mais difícil do que minhas outras filhas. – Ofélia abriu um pequeno sorriso.
Darcy assentiu, levantando-se. Seu coração estava acelerado, sua mente repleta de pensamentos. Aquela conversa fora o suficiente para que Darcy percebesse a realidade. Não queria encontrar um pretendente para Elisabeta. Não queria vê-la nos braços de Augusto, ou de qualquer outro homem. Nenhum deles seria digno o bastante, e Deus, sequer sabia se ele era digno.
Seria, sem dúvidas, a tarefa mais difícil entre todas. Não era como dizer à qualquer um dos cavalheiros escolhidos pelas irmãs o quanto elas eram merecedoras de qualquer cortejo. Era muito maior do que isso. Precisaria convencer Elisabeta de que ele, Darcy, era merecedor de seu afeto. E não fazia ideia de como faria algo do tipo. Não fora capaz sequer de trocar meia dúzia de palavras diretamente com a moça.
E o surpreendia a intensidade dos sentimentos que brotavam naquele momento. A forma como parecia conhece-la, como parecia ser capaz de ver sua alma. Linda, ferida, intensa. Percebeu, então, que nada mais importaria. Seria sua missão fazer Elisabeta feliz, e, se tivesse sorte, seria o escolhido dela para dividir tal felicidade.
##
Havia mais um pedaço de partitura no piano, na noite seguinte. E a cada duas noites, um novo surgia. Toda vez que abria o piano, uma nova parte da música havia sido adicionada. A que ouvia na noite anterior, a que ela completava sempre que sentava-se naquele local. Aos poucos as notas faziam sentido, a música ganhava forma. Era uma mistura diferente, totalmente nova.
Era parte dela, com seus momentos densos, e parte dele, com alívio. Não falavam sobre aquela composição. Continuavam trocando poucos olhares durante o dia, alguns sorrisos que faziam o ar faltar, o coração bater mais forte. Mas era quase como se tivessem medo de quebrar aquela conexão, tão forte e poderosa. Darcy não tinha dúvidas de que, apesar de conversar com cada uma das Benedito por horas a fio, Elisabeta era quem melhor o conhecia.
E ela via-se ansiando por aqueles momentos. Os momentos em que a música dele invadia sua alma, como suas escolhas pareciam sempre refletir o dia dela. As músicas alegres nos dias em que o jantar era repleto de discussões, as escolhas de qualquer compositor que ela mencionasse durante o dia. Não havia dúvidas em seu coração de que Darcy pensava nela, tanto quanto ela pensava nele.
O baile se aproximava, e as meninas Benedito entraram em consenso de que um baile de máscaras era o mais apropriado. Elisabeta percebeu, tardiamente, que escolhera seu vestido e sua máscara pensando em Darcy. Não costumava sentir-se confortável em eventos sociais, mas, de repente, queria sentir-se bonita, desejável. E, na noite anterior ao baile, parecia ansiosa demais para a música.
Suas irmãs também estavam em polvorosa, e por isso todas se reuniram para experimentar seus vestidos. Elisabeta ainda temia o interesse de Mariana por Darcy, e por isso não pode evitar abordar a irmã.
— Mariana, o seu vestido é lindo. – Elisabeta disse, sorrindo verdadeiramente. – Pensou em alguém em especial?
Mariana ergueu a sobrancelha, um sorriso travesso surgindo em seus lábios.
— Não conte para as outras. – ela aproximou-se de Elisabeta. – Brandão pediu para dançar comigo.
Elisabeta suspirou, quase aliviada.
— Brandão? Você não o achava sem graça? – Elisabeta manteve o sorriso.
— Não depois que descobri que ele tem uma motocicleta. – Mariana disse, baixinho. – Agora venha, coloque sua máscara.
Elisabeta completou sua vestimenta, e as irmãs olharam para ela. O vestido vinho tinha pedrarias por toda sua extensão, e moldava seu corpo com perfeição. A máscara dava um toque misterioso, e fazia com que seus olhos brilhassem em contraste. Pela primeira vez, em muito tempo, Elisabeta sentiu-se genuinamente bonita.
— Você está linda! – Cecília suspirou, sorrindo.
— Parece uma rainha. – Lídia se aproximou, tocando o vestido.
— É tão bom vê-la fazer algo conosco. – Jane disse, de repente. – Você está sempre tão distante.
Elisabeta aproximou-se da irmã, a puxando para seus braços. E logo todas as outras se uniram a elas, causando risos entre as irmãs.
— Minhas irmãs, não há ninguém que eu ame mais no mundo do que vocês. Me perdoem por não ser sempre a irmã que vocês merecem. – Elisa sorriu, triste.
— Não foi o que dissemos. – Mariana passou a mão no rosto de Elisabeta. – Apenas sentimos sua falta.
— Então eu proponho que este seja um baile tipicamente das irmãs Benedito. – Lídia disse, alto.
— Com danças coletivas, para o desespero de mamãe? – Cecília sorriu.
— Combinado! – as outras três disseram, ao mesmo tempo.
Quando Elisabeta finalmente chegou à sala de música, naquela noite, seu coração estava leve. Era como se as últimas duas semanas fossem um alívio em sua angústia. Conseguira espaço para respirar, evitara brigas maiores com a mãe, e principalmente, com as irmãs. Passava mais tempo com elas, e estava animada com o baile. Animada como não lembrava-se de estar há muito tempo.
Surpreendeu-se, porém, quando abriu o piano. Não havia nenhum pedaço de partitura naquele dia. Em seu lugar, uma rosa branca, solitária, com um papel amarrado a ela. Elisabeta sentiu seu coração acelerado, e desenrolou rapidamente o pequeno pedaço.
“Me daria a honra de uma dança no baile de amanhã?”
Um sorriso brotou em seus lábios.
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