Duet escrita por oicarool


Capítulo 5
Capítulo 5




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Elisabeta acordou cedo no outro dia. Se fosse sincera, mal havia dormido. Já era madrugada quando deixou a Sala de Música, e o sol ainda não estava no céu quando acordou. Era mais um dia, e forçou-se a sair da cama, a usar suas horas disponíveis para praticar. Afinal, era a noite de Darcy no piano. Era impressionante como havia se tornado uma rotina para ela.

Não gostava de dividir seu piano. Nem com Lídia ou Cecília. Lídia costumava comer em cima do piano, e lambuzar as teclas. Cecília apenas ocupava o instrumento, pois nunca teve interesse maior em aprender sobre ele. Mas era diferente com Darcy, e gostava de ouvi-lo tocar. Acalmava seus pensamentos, fazia com que dormisse melhor. O que era surpreendente, pois sequer gostava dele. Bem, sequer o conhecia.

Darcy estava em todos os lugares, em todas as refeições, e estava com suas irmãs quase todo o tempo que tinha livre. Era quase insuportável ouvi-las falando sobre o quanto Darcy era dedicado, educado e maravilhoso. Em geral, os elogios partiam de Lídia, mas não demorava até todas começarem a comentar sobre as maravilhas de Darcy Williamson.

Elisabeta precisava confessar que, aos poucos, sentia curiosidade de conhecê-lo. Talvez ele realmente não fosse uma ameaça para suas irmãs. E precisava valorizar quem conseguia conquistar as quatro, de uma só vez. Além disso, existia a música, que as vezes dava a impressão à Elisabeta de que eram íntimos, de que o conhecia de uma forma diferente das irmãs.

Mas Elisabeta não sabia como se aproximar, ou se queria se aproximar. Muito menos agora, diante de seu rompimento com Augusto. Sua vontade era ficar sozinha e quieta, e por isso caminhou até a sala de música. Estava exatamente da forma como ela deixara, horas antes, mas de alguma forma estava diferente. Elisabeta ligou algumas luzes, observando o cômodo novamente.

Não havia nada fora do lugar. Ou, reparando bem, havia. A partitura que deixara no piano, na noite anterior, não estava mais ali. Mas o piano não estava aberto, o banco não estava afastado, e ela não o ouviu tocar. A partitura apenas não estava no lugar que deixara. Elisabeta olhou em volta do piano, esperando encontra-la caída. Mas não havia nenhum sinal.

Abriu sua pasta de partituras, encontrando o exato local onde deveria estar, e para sua surpresa, a folha estava ali. E isso significava que Darcy estivera ali. Mas não havia nada mais de diferente. Talvez ele apenas precisasse de alguma coisa, e não tivesse resistido a ideia de provocá-la. Pois só poderia ser algum tipo de provocação que ele guardasse suas partituras – justamente a única coisa que Elisabeta deixava desalinhada na sala.

Mas, quando sentou-se ao piano e o abriu, surpreendeu-se. Havia um pedaço de papel ali, e Elisabeta rapidamente o pegou. Reconheceu as notas, sem nenhuma dificuldade. Era um pedaço da partitura da música de Darcy. As últimas notas dele, seguidas pelas notas que ela tocara na noite anterior. As notas que complementavam a música dele. E que ele havia ouvido.

Elisabeta procurou qualquer outro sinal no pedaço de papel, mas não havia nada além do que já havia visto. Tocou novamente a música de Darcy, e quando chegava ao final de sua parte, seus olhos foram atraídos novamente para o pedaço de papel. E ali ela notou que havia algo a mais. Ao final de sua contribuição do dia anterior, Darcy acrescentara mais duas notas. E quando observou, ao lado da última, as reticências vibraram no papel.

Sem querer, Elisabeta viu-se sorrindo.

##

Mas, se imaginasse o dia que viria pela frente, Elisabeta teria permanecido na sala de música ou em seu quarto. Suas irmãs estavam ansiosas com o baile que se aproximava, e preocupadas a respeito de seus vestidos. Falavam todas ao mesmo tempo, e Ofélia discursava a respeito da importância de estarem em seus melhores trajes, e da necessidade de novos vestidos.

Elisabeta quis apontar a imprudência daquela atitude, uma vez que não eram mais uma família com tantas posses, mas refreou-se ao observar a expectativa das irmãs. Por isso, o máximo que fez foi recusar-se a ir junto, alegando que possuía vestidos perfeitamente apresentáveis para a ocasião. Aproveitou a tarde para escrever, e quase achou que teria um dia normal.

Pelo menos até ver as expressões pálidas de suas irmãs quando chegaram em casa, e em seguida a face vermelha de Ofélia. Perguntou-se o que teria acontecido, mas logo sua mãe direcionou-se à ela, e Elisabeta sentiu o coração palpitar. Suas irmãs a olhavam com espanto, e Elisabeta quase pode adivinhar o que havia acontecido.

— Imagine qual não foi minha surpresa na cidade, Elisabeta. – disse, em voz alta. – Encontrei com a Baronesa de Bela Vista, mãe de Augusto.

Elisabeta engoliu em seco.

— E para meu espanto, ela lamentou muito o rompimento de seu relacionamento com Augusto. E lamentou muito que estejamos passando por tal situação. – Ofélia disse ainda mais alto. – O que foi que você fez?

— Mamãe, eu não poderia me casar com Augusto sem que ele soubesse de nossa situação. – Elisabeta levantou-se.

— Você podia, sim. Podia e devia ter feito isso. Porque agora não arruinou apenas o seu casamento, mas expôs todas as suas irmãs ao falatório. – apontou para as outras. – Como você espera que suas irmãs se casem, se logo toda a cidade saberá que estamos falidos?

Darcy chegou em casa naquele momento, mas os gritos que vinham da sala de leitura o deixaram paralisado no lugar.

— Eu não imaginei que Augusto fosse dizer aos pais. – Elisabeta disse, simplesmente.

— Você não imaginou? – Ofélia aumentou o tom da voz. – Como é que você não imaginou, se tudo o que faz é passar o dia no mundo da lua? Você é incapaz de pensar nas suas irmãs.

— Mamãe, não diga isso...  – Jane tentou interferir.

— Fiquem quietas. Vocês deveriam estar ainda mais furiosas. Elisabeta acabou de condená-las à uma vida de pobreza. Ou você acha que Julieta deixará Camilo se casar com uma moça sem posses, cujo único atrativo é a beleza?

— A culpa é minha. – Elisabeta olhou para as irmãs. – Por favor, me deixem sozinha com mamãe.

— Elisa, mas... – Mariana tentou argumentar.

— E Mariana? Nem Brandão irá querer se casar. Cecília sequer tem um pretendente. – Ofélia continuou. – Consegui cinco filhas inúteis...

— Por favor. – Elisabeta pediu, sentindo a respiração acelerada. – Por favor, subam.

As quatro saíram em silêncio, e encontraram Darcy parado na sala da frente. Mariana fez um sinal para as irmãs, e os cinco voltaram à prestar atenção na conversa.

— Não fale assim com elas. – Elisabeta disse, firme.

— São minhas filhas! – Ofélia gritou.

— Então não as apavore! – Elisa aumentou o tom de voz.

Evitava a todo custo discutir com Ofélia. Era exaustivo, drenava suas energias. Mas já fazia algum tempo que Elisabeta sentia que estava prestes a explodir. E nada a deixava mais no limite do que ouvir a mãe rebaixar as irmãs.

— Eu não estou apavorando suas irmãs. Estou sendo realista, já que você não cumpre seu papel de irmã mais velha. O que tinha na cabeça ao romper com Augusto?

— Eu não rompi com Augusto. – Elisabeta virou-se de costas. – Ele não está disposto a casar-se com uma mulher sem posses.

— Tola! Ele não sabia, não descobriria até depois do casamento.

— E então, mamãe? Descobriria depois do casamento e eu estaria fadada a uma vida infeliz?

— Pelo menos você teria quatro irmãs felizes. – Ofélia desdenhou. – Espero que a sua felicidade valha o preço da infelicidade de suas irmãs.

Elisabeta engoliu as palavras, sentindo o impacto das da mãe. Por isso evitava as discussões. Ofélia sabia a forma de atingi-la, cruelmente. Tentava e queria compreender a mãe, mas se tornava sempre muito difícil nesses momentos. Ofélia, quando contrariada, deixava despertar seu pior lado. E era um lado que machucaria quem estivesse pela frente.

— E espero que arrume um pretendente logo. – Ofélia empinou o nariz. – Há muito em jogo, Elisabeta.

— Mamãe, eu acabei de romper com Augusto. – Elisa deixou escapar.

— Ora, não seja dramática. – revirou os olhos. – Não temos tempo a perder.

As irmãs Benedito e Darcy rapidamente sentaram-se, ao ouvir o silêncio, e logo Ofélia passou por eles, bufando e ainda mais vermelha do que anteriormente. Elisabeta veio alguns minutos depois, e Darcy não deixou de notar suas mãos trêmulas. A mais velha das Benedito aproximou-se de Jane, e beijou sua testa.

Foi um ato simples, mas tocou Darcy profundamente. Ouvira toda a conversa, e mais uma vez ficara claro para ele que Elisabeta se colocava em frente às irmãs. Havia pedido que todas saíssem, no exato momento em que Ofélia se direcionaria a elas. E então aquele afago na irmã, sem nenhuma palavra, sem pedir nada em troca. Antes que as outras pudessem reagir, Elisabeta já estava subindo as escadas, no mais absoluto silêncio.

Não demorou para que as irmãs voltassem à conversar sobre o baile, as roupas que usariam, os pretendentes que encontrariam. Darcy sorriu com a alegria das meninas, mas seu coração doía pela mais velha delas. Seu pequeno mistério em vermelho, que parecia cuidar de todas, e não ser cuidada por nenhuma.

##

Elisabeta não apareceu para jantar, como Darcy já imaginava. Ouvia, muito baixo, o piano, desde que Elisabeta deixara a sala. Agora, subindo as escadas para recolher-se, Darcy passava a ouvir as notas com mais clareza. Era a melodia dela, dos dias em que tudo parecia dar errado. Os dias em que ela discutia com alguma das irmãs ou com a mãe, e se refugiava na sala de música.

Era uma, entre tantas das composições, mas Darcy sentia que era a mais triste delas. E naquele dia, mais do que em qualquer outro, sentia-se tocado, emocionado, e incomodado. As meninas Benedito eram todas inteligentes, simpáticas e ótimas pessoas. Mas, por algum motivo, nenhuma delas parecia perceber a irmã mais velha, e isso o afligia.

Elisabeta era reservada, ele já notara. Talvez as irmãs apenas respeitassem seu espaço, seu tempo. Mas Darcy tinha a impressão que havia mais nisso. E talvez se identificasse, em partes. Também era o irmão mais velho, e nunca deixara Charlotte notar suas angústias ou medos. Precisara fazer isso, tomar a figura quase de um pai, para dar suporte à Charlotte.

Talvez o mesmo acontecesse com Elisabeta. Podia imaginar o quanto era difícil conviver com Ofélia e suas expectativas. Não deixara de observar que, nem por um momento, Ofélia havia se preocupado com os sentimentos a filha. Cogitado que romper um romance, mesmo que com um homem desprezível como Augusto, pudesse gerar algum sofrimento.

Darcy entrou em seu quarto, mas seus ouvidos estavam na Sala de música. Estavam nas notas de uma melodia sofrida, que fazia cada vez mais sentido, a medida que Darcy conhecia aquela família, a medida que observava Elisabeta. Deitou-se em sua cama, ainda totalmente vestido, e fechou os olhos.

Mas, naquele dia, a música dela parecia ainda mais um pedido de socorro. As notas, em geral bem executadas, as vezes falhavam. O tempo da música era diferente do habitual, e Elisabeta pausava a todo momento, recomeçando em segundos que viraram minutos. E então Darcy levantou-se, de súbito, caminhando até a porta. Abriu a sua, e parou em frente à porta da sala de música.

Não deveria invadir aquele local, atrapalhar aquele momento. Não eram amigos, Elisabeta em quase um mês dirigira a palavra à ele menos de cinco vezes. Ela o desprezava, sentia-se mal com sua presença. Ele ocupava sua casa, sua sala de música, e agora sentia-se no direito de comover-se com ela, com uma dor que ele imaginava que Elisabeta sentia.

Não fazia sentido, e continuou sem fazer sentido. Virou as costas para voltar para o seu quarto, mas então ela fez uma nova pausa. E antes que pudesse controlar seus instintos, Darcy abriu a porta, talvez com um pouco mais de pressa do que o necessário. Elisabeta sobressaltou ao ouvir a porta, e secou algumas lágrimas com a manga do vestido.

Os olhos de Elisabeta se viraram para ele, e Darcy sentiu as pernas fraquejarem. Os olhos dela estavam vermelhos, muito, muito brilhantes. Seu nariz também estava vermelho, e ele podia ver que as mãos de Elisabeta tremiam. Ele aguardou, e preparou-se, para o momento em que ela iria expulsá-lo dali.

Elisabeta estava surpresa. Seu coração batia forte, e os olhos de Darcy não saiam dos dela. Olhos que não tinham curiosidade, e sim preocupação. A testa dele estava franzida, e Darcy tinha uma expressão de tristeza no rosto. Tristeza que se encontrava com a dela, que fazia seus olhos arderem um pouco mais.

Não sabia o que ele estava fazendo ali, e devia sentir-se ultrajada, incomodada. Ele estava em sua sala, enquanto ela estava em um momento particular. Mas não sentiu nada disso, era apenas como se o tempo estivesse andando mais devagar, enquanto nenhum dos dois se movia.

Darcy abriu a boca para falar alguma coisa, mas não tinha o que dizer. Não sabia o que estava fazendo ali, nem o porque de estar ali. Não sabia como agir diante da lágrima solitária que escorria, e que Elisabeta limpou rapidamente. Não sabia como agir diante da figura frágil, e de sua vontade de puxá-la para seus braços.

Mas o silêncio começou a incomodá-la, uma vez que também não sabia como agir. Não sabia porque sentia-se confortável com ele, porque não estava apavorada por Darcy vê-la naquela situação – uma situação que nenhuma de suas irmãs jamais vira. Os olhos dele continuaram nela, e então Elisabeta suspirou.

— Me desculpe, é o seu dia, não é? – ela disse, sua voz fraca, trêmula.

Darcy fez sinal negativo com a cabeça, e de repente se aproximou em passos rápidos. Parou em frente à Elisabeta, ainda com os olhos nos dela. Queria dizer alguma coisa, queria ao menos explicar o que estava fazendo ali, desculpar-se. Não queria, de forma alguma, que Elisabeta sentisse que ele estava ali para expulsá-la.

Ela piscou, e duas lágrimas rolaram por seu rosto, e foi então que instintivamente a mão de Darcy foi até seu bolso. Ele retirou um lenço branco, e sem refrear-se, levou-o ao rosto dela. Darcy secou uma das lágrimas, e depois a outra, e naquele momento Elisabeta pensou que mais delas viriam, apenas pelo cuidado do gesto.

Darcy ofereceu o lenço para ela, e Elisabeta o segurou entre os dedos. Foi uma fração de segundos, a que as mãos deles se tocaram. Um arrepio passou pelos dois, uma intensidade que não estavam preparados. Mas foi breve, e o lenço estava na mão de Elisabeta, enquanto Darcy olhava em seus olhos pela última vez.

Ele abriu a boca novamente para falar, mas novamente não foi capaz. E Elisabeta abriu a boca para agradecer, mas não encontrou palavras, não encontrou sua voz. Viu Darcy virar as costas, e lançar um último olhar antes de sair da Sala de Música. Assim que ele saiu, Elisabeta deixou mais lágrimas escaparem.

Tentou limpá-las com o lenço, mas o perfume do tecido atingiu suas narinas. E então percebeu que era um perfume familiar, conhecido. Era o cheiro da sala de música, que se intensificava após Darcy passar por ali, que se acostumara a ansiar, sem perceber, no último mês. Elisabeta ficou olhando para a porta, e surpreendeu-se ao perceber que queria que Darcy voltasse.

Mas Darcy apenas ouviu, e percebeu que a música não recomeçou, a porta da sala de música se fechou, segundos antes da do quarto de Elisabeta. E apenas esperava que ela pudesse ter uma boa noite de sono.


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