Duet escrita por oicarool


Capítulo 3
Capítulo 3




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Elisabeta continuava impactada, na manhã seguinte. A música a deixara curiosa, embasbacada. Tremendamente. Lembrava-se perfeitamente da sensação de ouvir aquele som. E não era uma sensação comum para ela. Não estava acostumada a ser arrebatada de tal forma. Aprendera, desde muito cedo, a ser crítica com a vida, com a música, com sua escrita, sua personalidade.

Por isso agora fazia questão de tentar proteger suas irmãs, da forma que pudesse. Lembrava-se de Ofélia criticando seus sonhos constantemente. Dizendo que o trabalho não era para as meninas, até mesmo debochando de seus sonhos de escrever um livro, tornando tudo aquilo distante demais. E não queria o mesmo para suas irmãs, por isso constantemente colocava-se naquela linha de frente.

Quando criança, sua personalidade contrastava enormemente com a de Jane. Jane era calma, enquanto Elisabeta era um furacão. A medida que cresciam, Jane sonhava com casamento, e Elisabeta com o mundo. Não tinha qualquer ressentimento da irmã, mas as comparações de Ofélia eram constantes. E por isso, ao notar que Mariana era muito parecida com ela, Elisabeta impedia a mãe de criticá-la.

Eram coisas boas, no começo. Quando Mariana estava prestes a levar uma bronca, Elisabeta aprontava algo pior. A medida que cresciam, quando Mariana dava alguma opinião polêmica, Elisabeta endossava suas palavras, puxando as críticas para ela. E fazia o mesmo com a introspecção de Cecília. Coincidentemente, Lídia e Jane eram poupadas por Ofélia, uma vez que tinham um posicionamento bastante claro sobre casamento.

Mas, ao longo do tempo, Elisabeta sentiu os efeitos das críticas da mãe. Nunca estava satisfeita com nada do que fazia. Praticava à exaustão qualquer música no piano, até que soubesse todas as notas, todo o tempo musical. Praticava sua caligrafia até ter as mãos doendo, para que todas as letras saíssem perfeitas. E era incapaz de mostrar à outras pessoas qualquer uma de suas composições, ou qualquer um de seus textos.

Por isso sentia-se insegura diante de sua relação com Augusto. Ficara encantada com ele tão logo se conheceram. Ao contrário do que esperava, o filho do Barão fizera elogios à sua beleza, à sua personalidade. Correspondiam-se por cartas, vez ou outra, mas sempre que se encontravam Elisabeta sentia-se valorizada. Como se fosse a razão dos sorrisos de Augusto, como se fosse importante em seu mundo.

Não era uma sensação frequente. Sua estratégia de receber críticas da mãe a afastava das irmãs. Muitas vezes Elisabeta era dura com todas elas, tentando corrigir seus comportamentos antes que Ofélia fizesse. E não poderia dividir as angústias e medos com suas irmãs. Por isso estava acostumada a não ser convidada para todos os passeios, a não saber todos os segredos das irmãs.

Augusto fazia com que se sentisse especial. Falava sobre um futuro juntos, contava a ela sobre o mundo. A fazia sorrir, muito mais do que costumava normalmente. E tudo o que seu prometido contava era inspiração para seus textos, assim como a forma como ele fazia com que ela se sentisse. Havia rascunhos sobre danças, beijos e planos de uma família.

Estava espantada, portanto, com a emoção que a música da noite anterior despertara nela. Era uma sensação de vida, de esperança, tocando diretamente em seu coração, em sua alma. Não procurara defeitos nas notas, mal prestara atenção na técnica. E isso era surpreendente para Elisabeta.

Suas irmãs já tomavam café da manhã, quando Elisabeta chegou ao local. Conversavam animadamente sobre os planos para o dia, que envolviam ir ao modista, passear pelo Vale do Café e talvez visitar Ema Cavalcante. Lídia e Cecília pareciam completamente normais, e por isso, apesar de improvável, Elisabeta perguntou assim mesmo.

— Por acaso alguma de vocês estava na sala de música, ontem à noite? – ergueu a sobrancelha.

— Faz muito tempo que não vou à sala de música. – Cecília negou.

— Desde que você se apossou dela. – Lídia a acusou. – E começou a implicar com a forma como deixávamos tudo fora do lugar.

— Ora, que bobagem. – Elisabeta revirou os olhos. – Sabem que podem usar a sala a hora que quiserem. Só precisamos manter um pouco de organização.

— Mas que tipo de pergunta é essa? – Cecília sorriu. – Por acaso encontrou algo fora do lugar?

— Pensei ter ouvido alguém tocar o piano ontem. – deu de ombros, fingindo indiferença.

— Devo me desculpar. – a voz grave de Darcy chamou sua atenção. – Creio que foi a mim que ouviu.

Os olhos de Elisabeta encontraram os de Darcy, que ainda estava parado na porta, sem entrar totalmente no cômodo. Naquele momento, Darcy percebeu que era a primeira vez que ela realmente parecia enxergá-lo. Durou uma fração de segundo, onde ele achou ter visto curiosidade no olhar de Elisabeta. E então ela assentiu, desviando o olhar do dele.

Elisabeta calou-se, assim que Darcy chegou ao local. Suas irmãs já pareciam completamente habituadas com o Lorde, mas Elisabeta continuava com a sensação de que seu espaço estava sendo invadido. E não sabia como deveria sentir-se a respeito de Darcy Williamson em sua sala de música. Em seu precioso refúgio. Ao mesmo tempo em que sentia-se incomodada, lembrava-se da bela melodia.

Era um paradoxo, e não sabia lidar com tal sensação. Gostaria que Darcy nunca mais entrasse no local, mas a casa era dele, afinal de contas. Em breve, aquele não seria mais seu mundo. Talvez houvesse outra sala de música, mas não aquela. E não o seu piano, sua escrivaninha e todos os textos que escreveu ali.

Ao mesmo tempo conteve o instinto de observá-lo. Viu-se tomada, de repente, pela vontade de saber mais sobre ele. De entender aquele homem que invadira sua casa, que interagia com suas irmãs, e que era capaz de produzir uma música como aquela. Mas não o fez, e terminou sua refeição o mais rápido possível, levantando-se sem olhar para trás.

##

Darcy sentia-se estranho depois daquela breve interação. Por isso, agradeceu quando Mariana teve a ideia de acompanha-lo até a ferrovia, e rapidamente a curiosidade das outras três Benedito fez com que implorassem para ir junto. Darcy estava pouco acostumado à conviver com tantas pessoas, mas a euforia daquelas meninas fazia com que lembrasse de sua irmã.

Estavam no carro, os cinco, e Darcy quase não precisava falar. As Benedito, quando ficavam juntas, falavam por todas as pessoas. Darcy apenas sorria e divertia-se com os assuntos que surgiam, quase sempre relacionados à tecidos ou rapazes. Perguntou-se, de repente, como Elisabeta se incluiria entre aquelas irmãs. Seria mais parecida com Mariana? Ou mais reservada, como Jane?

Não havia como saber. A verdade é que Elisabeta não parecia confortável em sua presença, e suspeitava que essa fosse a causa de tantos momentos de silêncio. Ela nunca dirigira a palavra à ele, mas parecia em uma conversa perfeitamente normal naquela manhã, antes de sua chegada. Talvez fosse diferente quando estava com as irmãs.

— Mamacita falou que organizará um baile. – Lídia disse, e Darcy sorriu com sua empolgação.

— Um baile? – as outras três perguntaram, em coro.

— Para procurar pretendentes. – Lídia bateu no ombro de Darcy. – O senhor sabe, não é Lorde, que mamãe quer casar à todas nós?

— Sim, seu pai deixou isso claro. – Darcy manteve o sorriso.

— O senhor, por acaso, não pretende se casar? – a mais nova disse.

— Lídia! – as outras três chamaram sua atenção.

— É claro que pretendo me casar. – Darcy desviou rapidamente o olhar da ferrovia, para a menina. – Mas ainda não encontrei a dama certa.

— Poderia ser uma de nós. – Lídia deu de ombros.

— Lídia, não fale bobagens. – Cecília riu. – Vai constranger o Lorde.

— Por favor, me chamem de Darcy. – ele suspirou. – E é claro que seria uma grande honra ter uma esposa tão bela quanto qualquer uma de vocês, mas não é assim que o casamento funciona.

— Elisabeta sempre diz isso. – Jane sorriu. – É preciso haver amor, respeito, e principalmente...

— Não aceitar menos do que merecemos. – as outras três completaram.

Darcy pensou sobre aquilo. Não achava que Elisabeta merecia um homem como Augusto. Mesmo que não fizesse questão de conviver com ele, nenhuma mulher merecia um homem sem dignidade. Viu-se aflito, de repente, pela ideia de que a moça não fizesse nenhuma ideia a respeito do caráter do homem com quem se casaria. Não que aquilo fosse um assunto dele, mas era inevitável o pensamento.

— De qualquer forma, todas nós temos nossos pretendentes. – Lídia continuou falando.

— Não são bem pretendentes. – Mariana cerrou os olhos.

— Porque você não quer que o Coronel seja seu marido. – Lídia sorriu. – Mas Jane tem Camilo, e Cecília gosta de Rômulo.

— Lídia! – Jane e Cecília ralharam ao mesmo tempo.

— Ora, Darcy mora em nossa casa. Logo esse será o assunto de todas as refeições. – disse, fazendo as irmãs rirem.

— Espero que mamãe convide Rômulo. – Cecília animou-se.

— Camilo ainda está na Europa, então não acho que ele virá ao baile.

— Camilo Bittencourt? – Darcy espiou Jane.

 

— Sim. – ela disse, envergonhada.

— Camilo é um grande amigo. – Darcy sorriu abertamente. – E sempre fala sobre uma jovem princesa brasileira, que assumo ser a senhorita.

— Verdade? – Jane não conteve um sorriso. – Camilo fala sobre mim?

— Em quase todos os momentos do dia. Vou escrever à ele, perguntando se não tem planos de antecipar sua vinda ao Brasil.

— O senhor... você faria isso? – Jane arregalou os olhos.

— Ora, é claro. Que mal faria?

O assunto pretendentes e casamento chegou ao fim, tão logo todos chegaram à ferrovia. Então Darcy explicou todos os processos da construção para quatro pouco interessadas Benedito.

##

Elisabeta tentava escrever algumas linhas, sem sucesso. O papel em branco ainda estava na mesma posição, e embora estivesse fervilhando em pensamentos, parecia incapaz de formar um raciocínio lógico. A casa estava silenciosa, com a ausência de suas irmãs, e Elisabeta não evitava o sentimento de apreensão com o convívio das quatro com Darcy.

Apreensão que era compartilhada com Ofélia, a indicar pela forma como entrou, sem qualquer aviso, na sala de música. Elisabeta ergueu os olhos para a mãe, que tinha o rosto vermelho. Ofélia caminhou pelo cômodo, em silêncio, até voltar seus olhos para Elisabeta, e iniciar um discurso.

— Soube por Petúlia que suas irmãs estão com o inglês. – cuspiu as palavras. – Não uma, ou duas. As quatro. Posso saber por que a senhorita não as impediu.

— Mamãe, sabe bem que não consigo impedi-las de nada.

— Mas deveria, Elisabeta. É o seu papel zelar pelo bem de suas irmãs. Que tipo de falatório pode gerar pela cidade um passeio como esse? Lembre-se que suas irmãs precisam se casar.

— Eu sei, mamãe. Todas nós sabemos. Mas o que sugere que eu faça?

— Que as impeça, Elisabeta. Que pare de perder tanto tempo escrevendo bobagens e coloque juízo na cabeça de suas irmãs.

— Por que a senhora não o faz? – Elisabeta irritou-se.

— Porque, enquanto você ignora o bem estar de suas irmãs, eu estou fazendo o possível para mostrar que são ótimas opções de casamento. – Ofélia gritou, contendo-se em seguida. – Não é possível que seu egoísmo não veja nada além de seu próprio nariz.

— Mamãe... – Elisabeta bufou, tentando conter seus ânimos. – Eu vou falar com elas.

— É o mínimo que deve fazer. E espero que a carta para Augusto esteja à caminho da Europa. Você precisa se casar antes do Barão saber sobre o fracasso de seu pai.

— Já está a caminho. – confirmou, omitindo o conteúdo das cartas.

— E proíba suas irmãs de terem contato com este homem. Prefiro estar morta à ver uma de minhas filhas se casando com quem nos tira até o teto.

Elisabeta respirou aliviada, quando Ofélia saiu do cômodo.

##

Naquela tarde, quando Mariana, Cecília, Jane e Lídia retornaram, Elisabeta as esperava na sala. Havia respirado fundo, e repensado as palavras em sua mente, infinitas vezes. Odiava aquele tipo de confronto, odiava ter que lidar daquela forma com suas irmãs, como se fossem incapazes de decidir seu próprio futuro. Mas concordava que Darcy não era confiável, e temia por elas.

— Precisamos conversar. – disse, levantando-se.

As quatro irmãs trocaram olhares, sentando-se em seguida. Elisabeta respirou mais uma vez, de costas para elas, antes de encará-las.

— Precisam tomar cuidado com Lorde Williamson. – ela disse. – Não conhecemos este homem, não é de bom tom que passem tanto tempo em sua companhia, especialmente você, Mariana.

— Darcy apenas nos levou para conhecer a ferrovia. – Jane tentou argumentar.

— Não importa, Jane. O Lorde está aqui por um acordo comercial. Um acordo que envolve garantir que todas nós tenhamos bons casamentos.

— E o que isso muda? – Cecília revirou os olhos. – Não podemos conviver com ele?

— Não. Nem devem. – Elisabeta disse, firme. – Precisam pensar no futuro. Este homem pode ser um maníaco, um assassino.

— Que exagero. – Lídia bufou. – E quem você pensa que é, nossa mãe? Você não manda na gente.

— Eu sou sua irmã mais velha. – Elisabeta ergueu o nariz, arrogante. – Deveriam me ouvir.

— Ouvi-la? – Mariana finalmente se manifestou, levantando-se. – Acho que está incomodada por Darcy não se importar com sua presença.

— Mariana, eu...

— Não, eu vou falar agora. Você se acha sempre tão superior à todos, Elisa, especialmente à nós. Darcy é gentil e nos trata bem, e não nos afastaremos dele só por sua causa.

— Eu estou pensando no bem de vocês. – Elisabeta cruzou os braços.

— Você é uma hipócrita. Quando seu amado Augusto está aqui, ele mal olha para nós. Debocha de tudo, o tempo todo. E eu não recordo de, alguma vez, vê-la prestar atenção nisso.

Elisabeta ergueu a sobrancelha, surpresa. De fato, nunca notara algo semelhante.

— E então Darcy aparece, e é educado com todas nós. Passamos uma tarde muito agradável com ele, Elisabeta. Inclusive muito mais agradável do que seria passar a tarde com você.

— Mariana. – Jane levantou-se. – Não precisam brigar por causa disso.

— Precisamos, sim. – Mariana elevou a voz. – Estou cansada de Elisabeta sempre querendo nos dizer o que fazer. Está virando uma cópia de nossa mãe.

Elisabeta sentiu o impacto das palavras de Mariana. O olhar da irmã para ela era magoado, repleto de decepção. E, à julgar pelo silêncio das demais, suas palavras estavam longe de ser uma reflexão de momento. Seus olhos queimaram, mas não choraria na frente de suas irmãs. Nunca chorava em frente à elas.

— Pense como quiser. – sua voz saiu um pouco trêmula, e Elisabeta pigarreou. – Mas nenhuma de vocês deve ficar sozinha com Lorde Williamson. Estamos entendidas?

Cecília levantou-se, segurando o braço de Mariana e impedindo que a irmã prolongasse a discussão. Elisabeta retirou-se em silêncio, subindo as escadas rapidamente. Podia ouvir as irmãs iniciando uma conversa calorosa entre elas, mas preferia não ouvir mais nenhuma palavra. Entrou na sala de música rapidamente, encostando-se na porta, aflita.

E ali as lágrimas rolaram por seu rosto, de forma continuada, até o ar faltar, até ver-se imersa em pensamentos negativos. Sentou-se ao piano, e deixou que seus dedos guiassem uma de suas composições, como se as notas fossem capazes de acalmar seus sentimentos.

Quando Darcy chegou, horas depois, o piano ainda era ouvido ao longe. O assunto das irmãs Benedito ainda era a discussão com Elisabeta – que ele jamais soube o motivo. Mas, à julgar pela tristeza daquela melodia, a mais velha das irmãs parecia em pior estado do que as demais, que em meio à reclamações, riam livremente.


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