Duet escrita por oicarool


Capítulo 2
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/767819/chapter/2

Naquela noite, Darcy Williamson juntou-se aos Benedito para o jantar, após muita insistência de Felisberto. O inglês pretendia passar o menor tempo possível junto à família, e, preferencialmente, sequer encontrar as filhas do homem, para que não fosse mau interpretado. Ainda tinha as palavras de Elisabeta Benedito frescas em sua mente, e antes de ouvi-las, não havia pensado no quanto poderia ser assustador para cinco moças a presença de um homem desconhecido.

Mas Felisberto aparecera em seu quarto, mais cedo, orientando-o sobre o horário do jantar, e apesar das tentativas de Darcy se recusar tal convite, a insistência do mais velho quebrara sua resolução. Darcy tinha dificuldade extrema de fugir de sua educação inglesa, e como tal, poucas coisas o deixavam tão desconfortável quanto a sensação de que estava sobrando em um lugar ou dizer não para as pessoas.

Entre tais desconfortos, viu-se descendo as escadas no horário aproximado do jantar. Percebeu, com certo encantando, que cada uma das Benedito possuía uma cor de roupas característica, e dados os novos vestidos, mantendo as cores de mais cedo, imaginou o que aquilo significava sobre a personalidade de cada uma. E, durante o jantar, a medida que as irmãs interagiam entre si, e com ele, pode observá-las um pouco mais.

Mariana usava tons de laranja. Continuava sendo simpática com ele, e certamente era uma das mais falantes e sorridentes entre as irmãs. Deixava escapar entre suas falas o seu posicionamento certeiro. Darcy gostava dela. Mariana parecia uma pessoa direta, expansiva, e fazia com que pensasse em Charlotte. Tinha interesse em sua vida e motivações, e, entre as irmãs, era quem fazia questão de fazer Darcy sentir-se em casa.

Jane usava tons de azul, que combinavam com seus olhos. Jane era tímida, Darcy podia dizer. Interagia pouco, mas observava tudo com sorrisos contidos. Perguntou uma ou outra coisa sobre a Inglaterra, e demonstrou seu interesse total na conversa quando Darcy mencionou sua amizade com Camilo. Talvez fosse essa a moça mencionada por seu amigo, e Darcy concordaria em um piscar de olhos que Camilo não fora exagerado em sua beleza.

Cecília levava o verde. Seu sorriso era aberto, e sua participação na conversa era quase sempre pontual, e quase sempre para equilibrar algum pequeno argumento entre suas irmãs. Mostrou-se interessada em tudo o que Darcy tinha a dizer, especialmente nas perguntas de Mariana sobre suas aventuras pelo mundo. E, a julgar pelos comentários de Felisberto, era uma fanática pelos livros.

Lídia usava rosa, e não negava ser a mais nova entre as cinco. Era falante, e constantemente o deixava constrangido com suas palavras sobre sua beleza ou seu tamanho. Podia ver que a menina estava feliz com a novidade de ter mais uma pessoa em sua casa, e apesar de deixa-lo sem graça, foi impossível para Darcy não sorrir ou simpatizar com tão doce criatura.

Ofélia Benedito era uma mulher séria, exigente. A todo momento corrigia as filhas, pedia para que falassem menos, para que tivessem modos – mesmo quando não havia nada de errado no que faziam. Mantinha um olhar severo para ele, e Darcy precisou engolir em seco. Era claro para ele que não era bem-vindo naquela casa, e Ofélia Benedito não faria questão de esconder seu descontentamento.

Felisberto Benedito era um homem simpático, e Darcy via em seus olhos a afeição e carinho que tinha por cada uma das mulheres de sua família. Fazia questão de incluir Darcy nas conversas, e Darcy considerava-o um homem muito generoso. Nem todas as pessoas em sua situação teriam a decência de assumir o fracasso, e Felisberto fazia isso a todo momento, mesmo que Darcy não achasse necessário.

Mas, à sua frente, estava o mistério em vermelho. Elisabeta Benedito chamava sua atenção, por todos os motivos errados. Ao contrário das outras irmãs, Elisabeta sequer fazia questão de olhar para ele. Quando participava da conversa, era em assuntos que não envolviam Darcy, e quando ele falava, a moça permanecia completamente indiferente. Não parecia fazer questão de ouvi-lo, e Darcy só soube que ela o escutava porque franzia o nariz, em descontentamento.

A viu ser ríspida com as irmãs algumas vezes, arrancando olhares surpresos das demais, o que o fazia pensar que talvez sua presença fosse o modificador do humor da filha mais velha de Felisberto e Ofélia. A moça fez sua refeição mais rápido que todos os outros, e levantou-se sem qualquer cerimônia, sem que Darcy a visse sorrir nenhuma vez. Ela o intrigava por seus modos, e ao mesmo tempo fazia com que Darcy quisesse ir embora daquela casa.

Após o jantar, Darcy despediu-se dos presentes, não sem antes aceitar o convite de Mariana para um passeio no dia seguinte. Surpreendeu-se ao subir as escadas e ser envolvido por uma melodia desconhecida. Era triste, e ao mesmo tempo muito, muito belo. Darcy viu-se parando em frente à sala de música. Sentia os dedos trêmulos, seu coração profundamente tocado por aquelas notas tão melancólicas.

Darcy era movido a música. Estudara piano desde menino, e a música esteve em todas as suas memórias. Conhecia todos os compositores clássicos, e até hoje, mesmo com a rotina de negócios, ainda dedicava-se à suas próprias composições. Composições essas que nunca mostrara para ninguém, que não sentia-se compelido a dividir. Era íntimo demais, pessoal demais.

Estava ali, embasbacado. Emocionado. Era Elisabeta, só poderia ser. E naquele momento viu o mistério se intensificar, ao mesmo tempo em que sentia estar dentro de sua alma. A música dela tocava em seus poros, e o transportava para ela. Para os olhos que o ignoravam, a mulher que recusava-se a prestar atenção nele, a qualquer sinal de cordialidade. Mas era como se ela estivesse em frente à Darcy.

Existia complexidade nas notas, delicadeza na forma de tocar. Era uma composição própria, ou de algum artista local, mas Darcy poderia apostar que era de Elisabeta. Tentou decifrar alguma sequência, mas era como a moça que conhecera naquele dia: não estava na superfície, não era de fácil acesso. Seus pés não o obedeciam na tarefa de entrar em seu quarto, e Darcy viu-se levando os dedos à maçaneta.

Mas não ousaria atrapalhar. Não ousaria ser uma distração, um inconveniente. Não mais do que já estava sendo. Não invadiria aquele espaço tão pessoal. Sentia-se quase envergonhado apenas por ouvir a música, por imaginar as motivações por trás de sua composição. Respirou fundo, assim que a melodia terminou, e finalmente teve coragem de recolher-se.

Quando adormeceu naquela noite, parte dele vibrava. E seus sonhos foram tomados por música.

##

Os campos verdes amanheceram iluminados pelo sol. O vento trazia frescor à temperatura elevada, e Darcy ficava cada vez mais encantado por cada paisagem que Mariana apontava. A moça fazia questão de contar os detalhes da propriedade, que era enorme, e Darcy aos poucos sentia-se parte daquele universo, conhecendo um pouco mais daquela família que habitava a casa que seria sua.

— E então, está gostando? – a moça perguntou, com um sorriso.

— É realmente espetacular. – Darcy assentiu.

— Espero realmente que goste, e que possa aproveitar tanto deste lugar quanto nós aproveitamos. – o sorriso dela se desfez.

— Por favor, não quero que se sinta assim. – Darcy olhou para os pés. – Faz com que eu me sinta um ladrão.

— Ora, que bobagem, Darcy. – Mariana deixou o riso tomar conta. – Se há algum culpado, este é papai.

— O mundo dos negócios é cruel. Mas seu pai é um homem inteligente, tenho certeza que vai se reerguer.

— Papai odeia os negócios. – a moça disse. – Nunca levou jeito para isso. E mamãe tem um grande ressentimento por não ter filhos homens. Imagino o inferno que estão vivendo.

— Filhos homens? – ele ergueu a sobrancelha. – E nenhuma de vocês poderia administrar os negócios? Na Europa é muito comum.

— Se mamãe permitisse, eu teria o maior prazer. – ela sorriu. – Teria que ser eu, é claro. Elisabeta vive em seu próprio mundo, e Jane não levaria o menor jeito.

— Entendo. E a senhorita gosta mais de aventuras do que de papéis. – comentou, observador.

— Sempre achei que seríamos grandes amigos. – Mariana sorriu abertamente. – Vejo que já entendeu meu espírito.

— Você e suas irmãs são muito diferentes entre si. – Darcy continuou andando.

— É verdade. Jane é romântica e doce. Cecília é sonhadora. E Lídia, bem... Lídia é louquinha. – os olhos de Mariana brilhavam ao falar das irmãs.

— São todas encantadoras, à sua maneira.

— E ainda tem Elisabeta. Elisa é a típica irmã mais velha. Tenta absorver todos os impactos da família, nos proteger de todas as decepções. – deu de ombros. – Aprendi a lidar com ela.

— Sua irmã não parece feliz com a minha presença.

— Ela não está. – Mariana riu. – Mas não espere de Elisabeta grandes demonstrações. O que o senhor ouviu ontem foi uma conversa particular.

— Devo esperar que ela me ignore, como fez no jantar?

— Eu apostaria nisso. – Mariana se aproximou, falando baixo. – Enquanto nós teremos que lidar com sua fúria por sermos simpáticas com você.

— Me sinto mal por ser tal estorvo. – Darcy disse, sério. – Sua mãe e sua irmã não deveriam ser incomodadas em sua própria casa.

— Não é mais a casa delas. – Mariana respondeu, revirando os olhos. – Minha mãe não a incomodará, até nos ver casadas. E Elisabeta é a única de nós comprometida. Em breve será a futura Baronesa de Bela Vista.

— Baronesa de Bela Vista? – Darcy surpreendeu-se. – Por acaso sua irmã é comprometida com Augusto?

— Sim. – Mariana assentiu. – O conhece?

— Tive o desprazer de encontra-lo algumas vezes. – Darcy manteve a expressão fechada. – Temos Camilo como amigo em comum.

Mariana o observou, atenta. Precisava admitir que não era uma admiradora de Augusto Toledo. O homem parecia sempre esnobe demais, e bastava que Elisabeta virasse as costas para que os olhos dele buscassem qualquer moça solteira no baile. Era um galanteador, e não fazia qualquer questão de tratar bem à nenhuma das Benedito, com exceção de Elisabeta.

— Vejo que sua opinião sobre ele é tão boa quanto a minha. – Mariana franziu a testa.

— Não seria cortês de minha parte. – Darcy sorriu, desviando o assunto. – Mas começo a compreender um pouco mais a situação.

Augusto Toledo era um mau caráter. Um conquistador barato, que aproveitava-se de moças inocentes, especialmente as que tinham algumas posses. Darcy mal conseguia compreender que Camilo fosse amigo de um homem como aquele.  Não recordava-se de nenhuma vez ter encontrado Augusto sóbrio. Estava sempre em rodas de cartas, apostando mais do que tinha, com mulheres diferentes.

Darcy duvidava que Elisabeta soubesse sobre a vida de Augusto na Europa. Mas, precisava confessar, o relacionamento deles fazia com que compreendesse um pouco mais a moça. Provavelmente Elisabeta era tão esnobe quanto Augusto, e isso justificaria sentir apreço por um homem como ele. Era comum na sociedade, ele bem sabia. Filhos de grandes latifundiários as vezes tinham a sensação de que dominavam o mundo.

Era um contraste, é verdade, com a melodia ouvida no dia anterior. Ainda assim, Darcy não sabia se fora Elisabeta a compositora daquela peça de arte. Talvez apenas fosse detentora de grande técnica. Sabia que estava tentando analisá-la novamente, com base nos pedaços de informação que possuía, e por isso balançou a cabeça, tentando afastar tais pensamentos.

##

Elisabeta observava, de seu quarto, Mariana conversando com Lorde Williamson. Precisou conter a vontade de descer até os jardins e impedir a irmã de cair na lábia daquele homem. Não estava sequer há vinte e quatro horas naquela casa, e já tentava seduzir uma de suas irmãs. Mas alertaria Mariana em outro momento. Preferia evitar qualquer contato com o inglês.

Sentia-se invadida, dentro de sua própria casa. Sentira os olhos dele no jantar, na noite anterior. Ele fora educado o suficiente no jantar, respondendo as perguntas de suas irmãs, mas Elisabeta não confiava nele. Não confiaria em alguém que era capaz de fazer tal acordo. De mudar-se para a casa de uma família, com o intuito de tirá-los de lá. Ainda que não fosse culpa de Lorde Williamson a falência de sua família, era ele o responsável por uma aberração como aquela.

A moça respirou fundo, tentando conter uma crise de ansiedade. Lidava com aqueles sentimentos desde muito nova, e desde que o pai contara a ela sobre a situação financeira da família, na manhã anterior, Elisabeta sentia-se a beira de perder o controle. Respirou mais uma vez, tentando não deixar que os pensamentos invadissem sua mente.

Tentaria ser otimista. Tentaria não pensar no quanto poderia ser catastrófico para suas irmãs se todos na região soubessem sobre sua situação financeira. Lídia e Jane nunca conseguiriam bons casamentos. Sua mãe provavelmente morreria de desgosto. Seu pai sentiria-se culpado. E não poderia garantir que Cecília se adaptaria a uma vida diferente. Era tudo ameaçador demais.

E ainda existia aquele homem, que rondava sua casa. A espreita, aguardando para tomar o que fora deles um dia. E se fosse um despudorado, um homem sem escrúpulos? E se fizesse mal à suas irmãs? Por que um homem decente aceitaria tal acordo? Ele poderia mudar-se para outro lugar, um lugar onde suas irmãs não estivessem.

Ela abriu a janela, subitamente. Precisava sentir o ar em seu rosto, precisava preencher seus pulmões com ar puro. Seu peito doía naquele momento. Suas mãos tremiam. Mas não se deixaria levar. Retomaria o controle. Respirou fundo novamente. E assim repetiu os exercícios que seu médico orientara. Encher os pulmões de ar, e soltá-lo. Repetidamente.

Conseguiu acalmar-se, ao menos o suficiente para escrever a carta que enviaria à Augusto. Estava decidida a contar sobre a situação financeira de sua família. Não haveria como esconder aquilo. Seu pai teria a oportunidade de negociar os casamentos de suas irmãs, mas o dela já estava acordado. E agora tudo mudava.

Escreveu as palavras com pesar. Embora não concordasse, as posses de uma família, seu patrimônio e legado eram importantes, principalmente para conseguir um bom casamento. Elisabeta nunca importou-se em ter um bom casamento, por isso seu coração enchia-se de esperança que para Augusto, ela seria mais importante do que sua conta bancária.

Dependia disso, até. Se estivesse casada com o filho do Barão de Bela Vista, suas irmãs teriam maior chance de encontrar bons partidos. E ela não precisaria abrir mão do homem por quem era apaixonada. Não sabia o que seria de sua vida se Augusto a rejeitasse. Mal conseguia pensar nessa possibilidade sem voltar a sentir o ar faltar em seus pulmões.

Os pensamentos de Elisabeta giraram o dia inteiro ao redor daquela carta e de sua resposta. Mal conseguiu comer naquele dia, e quando chegou a hora do jantar, alegou uma indisposição para não encontrar sua família. Estava em seu quarto, relendo as palavras que escrevera para Augusto. Não queria parecer desesperada, ao mesmo tempo havia proferido seus sentimentos.

Seu coração estava acelerado, e as mãos tremiam novamente. Estava novamente prestes a deixar os sentimentos de apreensão invadirem seus sentidos. O medo já tomava conta dela. Fechou os olhos, respirando fundo, e foi então que ouviu. A melodia invadiu seus ouvidos, trazendo calma instantânea.

Levantou-se, abrindo a porta, e o som vinha da sala de música. Apenas ela, Cecília e Lídia eram frequentadoras assíduas daquele lugar. Mas suas irmãs não tocariam aquela melodia. Era nova, fresca. As notas eram claras, e formavam uma melodia limpa, que parecia simples, mas envolvia grande conhecimento. E o som era belíssimo. Verdadeiro, honesto.

Perguntou-se se seria possível. Seria Darcy? Seria possível que aquele homem a quem julgava daquela forma fosse um músico? Elisabeta fechou os olhos novamente, envolvida pelo som. Seu corpo vibrava com as notas, e suas mãos tremiam por outro motivo. Sua respiração estava mais calma agora, e Elisabeta sentiu uma lágrima escorrer por seu rosto.

Era emocionante e profundo. Retornou à sua cama e finalmente viu o sono chegar, embalado pela melodia que enchia sua casa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Duet" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.