Duet escrita por oicarool


Capítulo 1
Capítulo 1




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Elisabeta Benedito dedilhava o piano, sem realmente prestar atenção em notas ou melodia. Seus cabelos cor de mel estavam parcialmente presos, mas algumas mechas caiam sobre seus olhos. Um suspiro pesado saiu de seus lábios, sem que ela percebesse, e uma lágrima correu por seu rosto. Elisabeta passou o dedo pela gota, retirando-a com uma certa pressa.

Não queria que suas irmãs a vissem naquele estado. Era a mais velha entre as cinco, a mais forte entre elas. A mais corajosa, a que enfrentava todas as adversidades de cabeça erguida. E essa era a maior adversidade que os Benedito enfrentariam. Era um golpe sem recuperação, e só agora Elisabeta percebia a gravidade do que ocorria.

Em alguns meses completaria vinte e três anos, e certamente sua vida estaria completamente diferente quando este dia chegasse. Seu pai, Felisberto Benedito, fora categórico ao contar-lhe, naquela mesma manhã. Estavam falidos, completa e totalmente. Não havia mais como pagar as dívidas, não havia outra saída.

Suas dívidas tinham sido compradas por um inglês, o pai dissera. Seu futuro estava nas mãos de um estrangeiro, um homem que nunca pisara no Vale do Café, e que propusera, na opinião de Elisabeta, um acordo absurdo. Felisberto insistira que fora ele o autor da proposta – da humilhação, até. Mas Elisabeta mal podia acreditar naquilo.

Por isso tentava esquecer suas frustrações dedicando-se à uma das duas atividades que realmente amava – o piano, e a escrita. Mas não queria escrever sobre aquilo, não queria colocar em palavras a sua raiva, sua decepção. Com o pai, com o mundo, com a vida, e com as mudanças.

Podia ouvir as irmãs lançarem as perguntas ao pai, no escritório ao lado. Como seria a partir de agora? O que fariam sem dinheiro ou controle sobre sua propriedade? O que seria de seus futuros casamentos – ou pior, quem haveria de se casar com moças que não tinham mais um patrimônio? Mas para Elisabeta o que estava em risco era ainda maior – era sua segurança, sua dignidade.

— Elisabeta, por que não está com suas irmãs? – a mãe surgiu à seu lado, demandante.

— Já conversei com meu pai. – informou, petulante. – Não tenho interesse em ouvir a história novamente.

— Então sabe que não deveria estar aqui, distraída. – Ofélia resmungou. – Precisa separar seus melhores vestidos para o dia de amanhã.

— Mamãe, se há algo que tenho certeza que temos em comum, apesar de tantas diferenças, é que a senhora está tão descontente quanto eu com este acordo. – Elisabeta encarou os olhos de águia da mãe. – Então, me explique, para que tanto esforço?

— Elisabeta, nunca em minha vida imaginei passar por esta situação. Nasci em berço de ouro, como todas vocês, e nunca me passou a ideia de ser pobre. – Ofélia bufou. – Muito menos gostaria de abrir minha casa para um desconhecido. Mas, independente da incompetência de seu pai, vocês se casarão com bons partidos.

— Sabe bem que já estou comprometida. – Elisabeta elevou o queixo.

— Mas não suas irmãs. – Ofélia lhe lançou um olhar severo. – E se Lorde Williamson permitirá que nosso patrimônio esteja mantido até que suas irmãs se casem, faremos nosso melhor.

— Mamãe, é um absurdo recebermos este homem em nossa casa. – reclamou.

— Minha filha, ouça bem. Eu a amo e, em partes, até mesmo admiro sua forma de encarar a vida. Mas eu não vou tolerar, eu não vou permitir, que arrisque o futuro de suas irmãs. – Ofélia disse, séria. – Escolhe seus melhores vestidos, escreva para o filho do Barão, e o apresse para retornar ao Brasil. E de preferência, junto à Camilo.

— Mamãe, sabe que não...

— Pode. E fará. Quero as cinco casadas o mais rápido possível, antes que os boatos se espalhem e eu tenha que vê-las casadas com operários.

Ofélia não deixou que Elisabeta respondesse, saindo do cômodo. No mesmo instante, as quatro irmãs de Elisabeta surgiram em fila, com olhares espantados. Cada uma tinha uma personalidade diferente, e Elisabeta temeu por suas irmãs. Não confiava que todas fossem capazes de se adaptar à uma nova realidade.

Jane Benedito tinha vinte e um anos, e era considerada a mais bela entre as Benedito. Seus cabelos loiros e olhos claros a diferenciavam das outras, e seu jeito doce e misterioso atraía os mais diferentes rapazes de família. Mas Jane já tinha seu coração ocupado pelo amigo de infância, Camilo Bittencourt, que estudava na Europa. Sua inocente irmã jamais se adaptaria a uma vida sem luxos.

Mariana tinha vinte anos, e era com quem Elisabeta menos se preocuparia. Era tão corajosa quanto a irmã mais velha, e ainda mais aventureira. Era destemida, falante e muito bela. Elisabeta apenas preocupava-se com a exigência da irmã quanto aos rapazes, uma vez que jamais entregaria seu coração a um homem que não representasse aventuras.

Cecília era sua irmã sonhadora. Aos dezoito anos, vivia com os olhos nos livros e a mente ocupada por histórias fantasiosas. Adorava mistérios e investigações, e mesmo nos bailes da cidade era comum que Cecília ocupasse seu tempo com leitura. Não acreditava que Cecília se incomodaria com uma vida modesta, desde que pudesse ter todos os livros que desejasse.

E por fim, havia Lídia. A mais nova, com dezesseis anos, era a mais deslumbrada com festas e vestidos. Sua personalidade era expansiva, e seu pai confidenciara que era muito similar à de Ofélia, quando jovem. Lídia provocava os rapazes para que se apaixonassem por ela, gostava de ser o centro das atenções. E certamente não tinha qualquer vocação para uma vida sem bailes e roupas caras.

E Elisabeta era a primeira entre elas. Elisabeta e seus sonhos de desbravar o mundo, de estudar línguas e costumes, de escrever sobre o que via e vivia. Era a prometida do filho do Barão de Bela Vista, Augusto Toledo, que completava agora seus estudos na Europa, assim como Camilo. Augusto era belo, tinha um sorriso fácil, e Elisabeta o via poucas vezes por ano. Ainda assim nutriam grande afeto um pelo outro.

Não estava certa se Augusto partilhava de seus sonhos, mas costumava pensar que haveria tempo para isso antes do casamento. Agora, já não estava mais tão certa deste tempo. Não com os novos acontecimentos, que apressariam seus planos e encurtariam seus sonhos. Por isso precisou secar outra lágrima que caia.

— Ele pode ser bonito. – a voz de Lídia a tirou de seus pensamentos. – Poderia se casar com uma de nós.

— Não é possível que você esteja pensando nisso. – Elisabeta fechou o piano com mais força do que devia. – Lídia, você precisa amadurecer.

— O que foi que eu disse? – a mais nova encolheu-se.

— Você entendeu de verdade o que nosso pai acabou de lhe dizer? – olhou para todas as irmãs.- Todas vocês entenderam?

— Sim, Elisa. – Jane olhou para os próprios pés.

— Elisa, Lídia está apenas tentando ver o lado bom da situação. – Cecília tentou defender a mais nova.

— Não há lado bom. – Elisabeta disse, categórica. – Receberemos um estranho em nossa casa. Um despudorado, se me permitem dizer. Só isso explicaria um homem solteiro propor mudar-se para a casa onde vivem cinco moças de família.

As cinco foram interrompidas por um pigarro vindo da porta, e encararam o sujeito que vinha, acompanhado por Tião, o mordomo da família. O homem era alto, muito alto. Seus olhos azuis eram marcantes, a barba bem aparada emoldurava o rosto, e ele tinha uma expressão quase constrangida.

— Pois não? – Elisabeta arqueou a sobrancelha, arrogante.

— Este é Lorde Williamson, madame. – Tião respondeu, fazendo Elisabeta engolir em seco.

— Peço desculpas por chegar mais cedo do que o combinado. – o homem sorriu, educado. – Meu nome é Darcy. Darcy Williamson.

Felisberto Benedito entrou na sala naquele momento, surpreendendo-se ao ver Darcy. O esperava apenas no dia seguinte, e agora agradecia por ao menos ter conversado com suas filhas antes de sua chegada. Não estava preparado para dizer as filhas que os negócios no Café estavam indo de mal a pior.

E acontecera rápido demais. Em um ano tinha algumas dívidas, e no outro, com a baixa produção, elas triplicaram, e assim aconteceu no ano seguinte. Agora era tarde demais, e se as dívidas fossem executadas, perderiam tudo. Por isso não teve outra alternativa, quando conheceu Darcy Williamson.

O inglês era herdeiro de uma fortuna na Inglaterra, e acabara de comprar a empresa responsável pela construção da ferrovia que ligaria o Vale do Café à São Paulo. As terras de Felisberto eram chave para a construção, uma vez que parte importante dos trilhos passaria nas terras dos Benedito. Não hesitou, ao saber das complicações financeiras, em fazer uma proposta.

Mas nos seus trinta anos de vida, Darcy poucas vezes vira um homem implorar. Por isso surpreendeu-se quando, ao ter a primeira reunião com Felisberto, meses antes, a única condição imposta pelo homem fosse o futuro de suas filhas. Em nenhum momento o patriarca dos Benedito havia se recusado a negociar. Sabia que estava em situação complicada, e que não haveria outra alternativa.

Darcy já era dono de suas dívidas, e bastava que quisesse cobrá-las, para que não houvesse sequer um teto para onde levar suas filhas. Por isso, implorara. E ao fim, Darcy aceitara o acordo, mesmo que parecesse absurdo. Mudaria-se para a Fazenda Benedito, uma vez que precisava acompanhar a ferrovia de perto.

Porém, os Benedito permaneceriam sob o mesmo teto, e Darcy não falaria a ninguém sobre sua iminente falência. Não até que todas as cinco filhas de Felisberto estivessem bem casadas. Então, ele e Ofélia sairiam da casa, e Darcy poderia cobrar as dívidas. E o amor daquele homem por sua família comoveu Darcy.

— Senhor Williamson. – Felisberto adiantou-se, oferecendo a mão.

— Senhor Benedito. – segurou a mão do homem. – Peço perdão por chegar mais cedo, tentei lhe telefonar, sem sucesso.

— As linhas do Vale do Café estão danificadas pelo temporal. Mas não há problema, a casa é sua. – Felisberto sorriu, inseguro. – Vejo que já conheceu minhas filhas.

— Ainda não fomos apresentados formalmente. – Darcy manteve-se educado.

— Pois bem, estas são minhas cinco joias. – Felisberto apontou para elas. – Lídia, Cecília, Mariana, Jane e Elisabeta.

Darcy cumprimentou uma a uma com um beijo na mão, como a etiqueta mandava. Sentia-se constrangido pela conversa que ouvira, por isso foi breve em seu contato, principalmente quando se aproximou da dama de vermelho, Elisabeta. Eram todas muito bonitas, como Felisberto descrevera.

— Senhoritas. – Darcy murmurou.

— O que está acontecendo aqui? – Ofélia desceu as escadas, travando no lugar ao ver Darcy. 

— Ofélia, permita-se apresentar-lhe à Darcy. – Felisberto foi em direção a esposa, segurando seu braço. – Senhor Williamson, esta é Ofélia Benedito.

— Encantado. – Darcy cumprimentou a mãe da mesma forma.

— Não posso dizer o mesmo. – Ofélia resmungou.

— Perdão senhora, senhoritas. – Darcy constrangeu-se. – Entendo que não deve ser confortável receber um desconhecido em sua casa. – ele olhou rapidamente para Elisabeta, que parecia sequer ouvi-lo.

— É um incômodo tremendo. – Ofélia disse. – Mas todos nós já sabemos os motivos de tal acordo, Lorde Williamson. A casa, no final das contas, é do senhor.

— E agradecemos a generosidade. – Felisberto tratou de acrescentar. – De nos deixar ficar.

— Por favor, não quero que se sintam assim. Eu sou um hóspede nesta casa. E prometo que sequer notarão minha presença.

— Isto é impossível. – Lídia disse, sorrindo, e suas quatro irmãs viraram-se rapidamente. – O senhor tem uma presença imponente.

— Lídia! – Felisberto ralhou.

— Estou sendo sincera, papai. – seu sorriso era genuíno.

— Está sendo mal educada. – Elisabeta intrometeu-se. – Mas, agora que já fizemos as devidas apresentações, peço licença à todos.

Elisabeta não olhou novamente para o inglês, que tentava manter um sorriso, apesar da hostilidade daquela família. Ofélia pediu licença e também saiu do cômodo como um raio.

— Peço desculpas, Lorde Williamson. – Felisberto sorriu constrangido. – Como pode imaginar, não é uma adaptação fácil.

— Eu imagino que não, Senhor Benedito. E por favor, me chame de Darcy.

— Darcy. – ele assentiu. – Vou pedir à Petúlia que o leve até seu quarto.

— Não é necessário, papai. – Mariana sorriu para o pai. – Eu posso acompanha-lo.

— Mariana, tem certeza? – Felisberto arqueou a sobrancelha.

— Lorde Williamson precisa descobrir que nem todas as Benedito são tão hostis. – Mariana sorriu para Darcy. – Ou falastronas. – cochichou, fazendo o inglês rir.

— Pois bem, então Mariana o acompanha até seus aposentos.

— Por aqui, senhor Williamson. – ela fez um gesto exagerado.

Darcy subiu as escadas atrás da moça. Era bom finalmente ver algum ato de simpatia. Estava sentindo-se sufocado e desconfortável naquela casa, muito mais do que esperava que fosse sentir. Mas precisava ficar no Vale do Café, e não via motivos para pagar por outra residência, quando já existia um acordo de negócios para aquela, que era convenientemente perto de seu trabalho.

— Peço desculpas por minha família. – Mariana disse. – Mamãe é mesmo sempre um pouco antipática, inclusive conosco. – ela sorriu.

— Eu entendo que não é uma situação fácil.

— Soubemos nesta manhã. Nenhuma de nós tinha ideia da situação financeira da família.

— Eu realmente não estou aqui para atrapalhar. – Darcy tentou sorrir. – E também não sou um despudorado.

— Ora, não ligue para Elisabeta. – Mariana riu. – Minha irmã pode ser intensa, e certamente lida muito mal com situações que a tirem do controle. Mas é uma boa pessoa.

Darcy assentiu, sem ter muito o que dizer.

— Este aqui é o seu quarto. – Mariana apontou para uma grande porta. – Aquele ali, ao lado do seu, é o de Elisabeta, e duas portas adiante, fica o meu quarto.

— E esta porta aqui? – ele apontou para uma porta que ficava do outro lado do corredor, entre seu quarto e o de Elisabeta.

— Esta é a sala de música. – Mariana deu de ombros. – Temos um piano lá embaixo, mas minhas irmãs gostam mais de praticar nesta sala.

— Minha irmã é uma grande pianista. – Darcy sentiu os ombros relaxarem um pouco.

— E o senhor? – Mariana perguntou, curiosa.

— Alguns dizem que sou um bom pianista. – ele corou. – Mas eu não saberia dizer.

— Fique à vontade para usar a sala. – disse, e baixou o tom de voz. – Convém bater antes de entrar. Elisabeta costuma passar muito tempo nesta sala, tocando ou escrevendo.

— Eu odiaria interrompê-la. – Darcy ficou sério.

— E nem deveria. É uma péssima maneira de entrar na lista negra de Elisa.

— Me parece que já estou nela. – Darcy sorriu, abertamente desta vez. – Muito obrigada, Senhorita Benedito.

— Me chame de Mariana, por favor.

— Não seria apropriado. – Darcy disse, fazendo Mariana gargalhar.

— Você está no Brasil, Darcy. Precisa se acostumar com uma certa informalidade.

E com essa frase, Mariana deu as costas para ele. Darcy abriu a porta de seu quarto e observou o ambiente. Era um quarto grande, luxuoso, muito mais do que ele precisava. Mas precisaria se adaptar à vida no Vale do Café, precisaria se adaptar àquela casa, e principalmente, se adaptar aos Benedito. A perspectiva era quase assustadora para um homem que passara a maior parte da vida sozinho.

Darcy estava acostumado com a solidão. A irmã vivia na propriedade rural da família, na Inglaterra, e os pais eram falecidos há muito tempo. Estava acostumado a viver em Londres, e ainda não sabia exatamente onde estava com a cabeça ao ouvir os conselhos do amigo, Camilo, e comprar a empresa ferroviária.

Mas agora estava ali, no Vale do Café, e não havia outra alternativa. Precisaria aprender a viver naquele lugar, pelo menos por algum tempo.


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Notas finais do capítulo

Esta história tem leve inspiração na adaptação cinematográfica da obra Suíte Francesa.
Também será atualizada um pouco mais lentamente que as outras, porque preciso finalizar Pride and Passion, e dar continuidade à Better Days.
Espero que gostem.