Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 11
O casamento




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Vejo o dia amanhecer pelo relógio. Estando do mesmo jeito a madrugada inteira, não fechei os olhos por sequer um segundo. E sou surpreendida quando, às 8:30 da manhã, o meu médico especial abre a porta, sendo que eu havia a trancado, o que me faz pensar que todos devem ter uma cópia da chave no caso de que eu quisesse ter algum tempo de privacidade.

 —– Bom dia! –– deseja ele pegando uma cadeira e a colocando perto da cama. Eu não digo nada. —– Então, Krystal, está tomando certinho os remédios que te passei? —– Afirmo com a cabeça por não confiar na voz, talvez ele não acreditaria se eu dissesse que sim. —– E sua relação com os outros tributos? Tem falado mais com eles? Ido ao refeitório se sentar com todos? —– Afirmo com a cabeça mais uma vez. —– Fico feliz que esteja conseguindo se enturmar mais, nesse caminho você vai ficar boa mais rápido!

Você diz isso porque nem imagina as coisas que já me aconteceram, penso comigo mesma, se soubesse até choraria junto comigo.

Ele está quase indo embora, mas acabo o chamando de volta. Alegre por essa atitude, já que eu quase nunca conversava em suas visitas, o médico especial se vira com um grande sorriso.

—– Eu poderia tomar dois calmantes para evitar os ataques de pânico? —– pergunto o olhando séria, e ele parece confuso. —– É que hoje vai ter o casamento de alguns amigos meus, eles me convidaram e eu não quero surtar no meio de todo mundo.

—– Bem, você até pode tomar sim, mas... —– Ele se senta novamente na cadeira, escrevendo algo na folha que pegou na mesa. —– É provável que fique mais sonolenta que o normal ou sinta um pouco de fraqueza, tem problema para você que isso ocorra?

Os efeitos colaterais dos calmantes eram terríveis, e eu até perdia um pouco a noção do tempo por conta deles. Mas preciso me focar no casamento, então acho que esse esforço vai valer a pena.

—– Não, não tem problema —– respondo após alguns minutos, fingindo um sorriso e assim ele vai embora de verdade sem saber que eu nem dormi.

Fico algum tempo deitada, mas depois me levanto prendendo a peruca em um rabo de cavalo baixo que encosta na minha nuca, indo em direção ao refeitório. Se eu tiver sorte vai ter alguém que eu conheça por lá, talvez eu até posso tomar o café da manhã. E dando uma ajeitada no uniforme cinza escuro, um macacão que cobre meus braços e pernas, saio pela porta.

Há algumas pessoas andando devagar, o que me deixa mais calma. Me sento em uma mesa vazia depois de pegar a bandeja com alguns pães e um copo de leite, procurando por algum rosto conhecido, mas pelo visto todos devem estar dormindo ainda.

—– Olhe só quem eu tive a sorte de encontrar acordada —– diz uma voz atrás de mim e me viro para ver o rosto de Gale.

—– Aparentemente eles adoram me dopar —– brinco sorrindo enquanto ele se senta ao meu lado. —– E pelo jeito não são os únicos, estou certa?

Seria mais fácil se eu tivesse dito logo que eu estava meio chateada pela injeção que tinha me dado naquele dia, sem nem me dar uma explicação do que estava acontecendo. Permanecer assim era algo bobo, tinha plena consciência disso, porém ele não parecia se importar.

—– Acho que esqueci de te pedir desculpas por aquilo —– diz ele depois de tomar um pouco de leite. —– Mas por que está por aqui tão cedo?

—– Meu médico diz que preciso vir para cá, conversar mais, me sentar perto dos outros —– explico conforme fico partindo um pão em vários pedacinhos. —– Ou seja, ele quer fazer eu me enturmar porque acha que com isso vou me sentir melhor pelas coisas que aconteceram.

—– É uma missão realmente muito difícil, até estou com pena de você —– ironiza ele e começo a rir, lhe dando um soco de leve no ombro.

Passo vários minutos com Gale, ouvindo ele falar sobre como era sua vida no 12, de como ele gostava de caçar e sobre sua família, de sua mãe que trabalhava sem parar, de seus irmãos menores e do pai que havia perdido, e quando se cala quase estou chorando. Eu achava que tinha uma vida ruim no 4, por causa do meu avô em depressão e por não ter tanto dinheiro, mas nunca tive de colocar meu nome mais vezes para a Colheita ou trabalhar sete dias em uma mina sem parar. Algo na história de Gale fez com que eu fosse mais agradecida pelas coisas que tinha, mesmo que elas parecessem pequenas ou insuficientes.

Depois volto para o meu quarto, deitando na cama e encarando o teto, na esperança que o dia passasse mais rápido. A parte boa é que não preciso ficar me perguntando qual roupa ou penteado usar, nem em me preocupar de estar apresentável, já que todos usavam as mesmas coisas com seus rostos magros e vazios. Resisto a tentação de pedir para visitar Peeta mais uma vez, visto que o meu erro foi não ter pensado sobre a maldita trança que obviamente lembraria Katniss, e acho que agora vai demorar até que me queiram por lá de novo. Não vi Johanna porque agora ela precisa descansar e está dormindo, e espero que ela consiga não ter nenhuma recaída.

Mesmo estando a madrugada toda sem fechar os olhos, não sinto um pingo de sono, as pálpebras nem estavam ardendo. E sei que é o começo de uma longa jornada de pesadelos, ainda que estando acordada.

(...)

Quando o relógio bate às 18:50, eu tomo um banho rápido, tiro a sujeira das unhas agora gigantes, arrumo o rabo de cavalo na peruca, coloco meu aparelho no ouvido e tento encontar o meu melhor sorriso.

Ignoro os efeitos colaterais e acabo tomando três comprimidos do calmante, e desço para poder ser uma das primeiras e já arrumar um lugar. Porém, sou surpreendida pela quantidade de pessoas que estavam presentes, tentando ficar perto do altar para ver melhor a cerimônia. Vou para os fundos onde ainda não tem quase ninguém e acabo esbarrando sem querer em alguém.

—– Caramba, te torturaram tanto e você continua sonsa assim? —– pergunta irônica a dona da voz.

É Johanna. De pé, ainda careca, mas com as pernas firmes e limpa. Eu a abraço antes que possa evitar, rindo e chorando ao mesmo tempo, enquanto ela me dá alguns tapinhas nas costas.

—– Mal posso acreditar que está aqui mesmo —– digo quando nos soltamos. —– Como conseguiu se recuperar tão rápido assim? Eu levei no mínimo uma semana para conseguir levantar sozinha.

—– Não estou nada boa, mas não queria perder essa droga de casamento —– responde ela revirando os olhos e eu rio, alegre por ver que continuava a mesma. —– Você foi visitar o Peeta?

—– Sim, só que ele começou a gritar e tive que sair às pressas —– explico triste, ficando ao lado dela para algumas pessoas passarem. —– Depois disso, não me falaram mais nada. Acho que não vão me deixar ir lá durante um bom tempo.

—– Por que não? —– pergunta Johanna curiosa.

Não conte sobre ter feito a trança, digo a mim mesma, a menos que queira ser xingada pela sua estupidez até o dia acabar.

—– A presidente Coin não parece gostar muito da minha cara —– minto, embora eu ache que seja verdade. —– Ela só foi me visitar esses dias atrás, mesmo eu estando aqui a umas duas semanas.

—– Nossa, nem me fale —– interrompe ela, bufando. —– Aquela mulher é muito estranha. Quando foi me ver ficou falando com as enfermeiras, mas nem olhou direito para mim. Acho mesmo é que ela não gosta muito de ninguém.

—– Parece que temos um sério problema com presidentes —– brinco e rimos juntas. —– Johanna... depois que eu saí, o que eles fizeram com o Peeta?

Sua expressão muda e me sinto uma idiota de verdade por ter perguntado algo assim enquanto ela ainda está se recuperando, estou quase pedindo desculpas quando ela recomeça a falar.

—– Os Pacificadores ficaram furiosos ao não te encontrarem na sela, acharam que nós dois tínhamos te ajudado a fugir, o que era uma maneira bem idiota de se pensar porque se soubéssemos mesmo como sair não continuaríamos lá —– dizia ela e eu a ouço com atenção, ouvindo pessoas por perto dizendo que Annie estava perto de chegar. —– Eles triplicaram as doses de torturas, fizeram o frio se transformar em calor, às vezes me afogavam três vezes por hora. Mas houve um dia, um pouco antes de nos resgatarem, que deixaram as paredes brancas e fizeram algo com Peeta. Eu não sei o que foi, mas nunca o ouvi gritar tanto. E quando o vi, era como se estivesse encarando um daqueles bestantes que a Capital adora fazer para nos estraçalhar.

Me certificarei de levar todas essas palavras que acabei de ouvir comigo para o meu quarto do hospital e repetir que tudo isso foi culpa minha, porque nada teria acontecido se tivessem resgatado um dos dois. Johanna parece perceber que fico sem graça, pode ser que até saiba que me senti culpada ao extremo, e me dá um tapa leve no ombro para que eu possa acordar.

—– Bom, mas deixe isso de lado —– diz ela, olhando para o pequeno altar a nossa frente. —– E me diga, que ideia foi essa de Finnick querer se casar numa época maluca dessas?

—– Talvez ele quis realizar um casamento por causa disso —– digo sorrindo, aliviada por não ser a única a achar a ideia um pouco ridícula. —– Eu estava com saudades de você, magrela.

—– Aposto que sentiu falta dos meus beijos também —– provoca ela com uma sobrancelha erguida.

—– Mas é claro, como eu poderia me esquecer dos seus lábios mágicos? —– brinco rindo, aproximando meu rosto do dela como se fossemos nos beijar.

A história do meu primeiro beijo tem Johanna como principal assassina de expectativas. Aconteceu no Massacre Quaternário, um pouco antes da arena ser destruída; estávamos sentados na areia observando Katniss e Peeta e eles estavam se beijando, então eu comentei com Johanna, que se encontrava ao meu lado, que eu nunca havia beijado ninguém na vida. E ela, sendo a estraga prazer de sempre, simplesmente segurou meu queixo e colou nossas bocas por alguns segundos, e quando me soltou disse "Pronto, agora você já sabe como é", apagando a minha visão de como seria. Naquele dia eu comecei a rir depois disso, mas atualmente acho que não queria que tivesse acontecido.

As pessoas começaram a aplaudir e assobiar e penso que deve ser Annie, até fico nas pontas dos pés para conseguir enxergar melhor, porém é só Finnick dentro de um terno cinza claro e com seu tridente nas mãos —– de primeiro achei estranho ele levar algo assim, e só depois fui perceber que ficava o girando nos braços, tremendo, por conta do nervosismo. Eu também assobio e ele olha em minha direção, me cumprimentando de longe. Haviam outros conhecidos aqui como Katniss, Beetee e até Gale, mas achei melhor não ir até lá para não deixar Johanna sozinha. Estava sentindo falta de Peeta, seria bom se a sua cabeça tivesse melhorado um pouco e ele pudesse estar aqui, rindo e encantando a todos com seu jeito tão meigo e gentil.

Quando Annie finalmente dá o ar da graça, já estou sentindo os efeitos dos comprimidos. Todos, incluindo eu, ficam emocionados conforme ela anda até o altar, com seu belo vestido branco de noiva, os cabelos soltos e um sorriso gigantesco no rosto. A cerimônia dura em torno de no máximo trinta minutos, sendo encerrada com o beijo dos dois e uma salva de aplausos —– e só no momento em que as pessoas estão indo pegar a comida, é que percebo as minhas lágrimas deixando a visão embaçada e eu mudo a opinião, pensando agora que não foi uma ideia tão ridícula realizar algo assim mesmo que estejamos no fim do mundo, porque foi capaz de nos fazer esquecer o pesadelo que nos rodeia, o desespero que tenta nos destruir e a esperança que já parece perdida.

Eu seguro o braço de Johanna e pegamos cada uma um pedaço de bolo dentro de um pratinho, logo percebendo nos detalhes do glacê azul claro que formam desenhos de ondas. Isso quase tem o nome de Peeta, e é muito óbvio adivinhar que foi ele quem fez tudo. Espero que eu ainda possa dizer à ele o quanto estava gostoso e tão bonito ao ponto de se sentir pena de comer, para não estragar.

A música começa a tocar e vejo as pessoas dançando sorridentes, sinto uma certa vontade de também participar, mas não sei como dançar e estou muito envergonhada. De repente sinto alguém me puxando pelo braço e é Finnick, que estava radiante de tanta alegria, e me faz arriscar alguns passos com ele, o que acabava resultando em pisar no pé dele sem querer, quase irmos para o chão e rimos muito por todos os erros. Sou entregue para Prim, a irmãzinha de Katniss que às vezes cuidava de mim junto com as enfermeiras, e ela é melhor para explicar e consigo não machucá-la. Mais uma vez sou entregue e dessa vez danço com Annie, que me recebe de braços abertos sorrindo para mim, mas em algum momento seu rosto muda para a Avox, ela me diz que nunca vai poder vestir um vestido de noiva ou se casar porque eu a deixei morrer sem fazer nada, e preciso disfarçar a girando no ar entregando-a para outra pessoa e saindo dali apressada.

Minhas mãos tremem e meu coração acelera, tento dizer a mim mesma que não é nada, porém não quero mais voltar a olhar para Annie.

—– O que deu para sair desse jeito, sua maluca? —– pergunta Johanna quando me encontra um pouco afastada da festa.

—– Ah, não foi nada —– minto sorrindo. —– Vamos voltar para lá.

Esses remédios só servem para me dar efeitos colaterais, penso enquanto andamos juntas, mas para me ajudar de verdade não prestam.

Os convidados começam a ir embora por volta de 21:00 e eu também decido ir, mas não vou me despedir de Finnick ou de Annie porque eles estão dançando uma música lenta e parecem muito concentrados apenas um no outro. Acompanho Johanna até o quarto dela e a abraço mais uma vez, desejando a ela uma boa noite e que possa se recuperar por completo logo.

E ao adentrar no meu velho quarto de hospital, penso que essa é a única vez que me senti alegre depois de tanto tempo. Além do meu primeiro beijo fracassado, há um outro acontecimento no Massacre Quaternário que me deixa feliz de lembrar. Também envolve Johanna e dessa vez Finnick, estávamos perto do mar um pouco antes de os Gaios Tagarelas atacassem. Me recordo de cada detalhe como se ainda estivesse lá.

—– Johanna, aposto que consigo te derrubar na água sem muito esforço! —– proponho assim que a vejo perto de mim.

—– Está mesmo achando que é tão forte assim? —– ela pergunta enfiando o machado na areia e abre os braços, como se me convidasse. —– Então venha e prove!

De começo fico um pouco com medo. Eu sabia bem o temperamento dela, o quanto sua paciência era curta, e se ela acabasse não levando na brincadeira? E se pegasse o tão querido machado e decidisse cortar a minha garganta? Apenas balanço a cabeça para afastar esses pensamentos já que morrer agora, para mim, é um grande lucro.

Vou para cima dela ainda rindo, sempre deixando claro que estou apenas brincando, mas Johanna acaba colocando tanta força para me empurrar para trás que faz meus dedos quase quebrarem. Tomando força do nada e me impulsando sobre seu corpo, bem perto de seu rosto, ela me joga e caio de costas na areia batendo a cabeça no chão de leve.

—– Não desista, Krystal! Mostre para essa magrela o que é força! —– exclama Finnick e sorrio olhando para o céu pelo jeito que falou.

Estou de pé mais uma vez, tentando fazer Johanna cair de qualquer forma enquanto ela ria tanto que eu estava começando a me assustar de tão estranho que estava soando. Houve um momento de distração em que consegui lhe dar uma rasteira e ela caiu, puxando meu cabelo surpresa por não esperar aquilo, nos fazendo cair juntas na água. Eu recomeço a rir sem parar e tento tirar o líquido que entrou nos meus ouvidos, depois a ajudo a se levantar também.

—– Ainda vai dizer que não sou forte, magrela? —– pergunto sorrindo de lado, a chamando pelo novo apelido.

—– Tudo o que você fez foi estragar a droga do meu cabelo! —– reclama Johanna, tirando os fios do rosto.

—– Eu te fiz um favor, isso sim, você não ganhava patrocinadores por causa desse cabelo feio —– brinco mais uma vez, levantando as mãos quando ela ameaça me bater.

Me deito na cama sendo consumida por essa boa lembrança, esquecendo o que houve quando olhei para o rosto de Annie, me segurando fortemente na esperança de que vamos todos voltar a sorrir assim como antes, que tudo isso vai acabar e de que vamos ser livres.


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