Charlotte a Herdeira da Trapaça escrita por MJ Triluna


Capítulo 9
Capítulo VIII - Castelo de vidro




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Jason e Jace não precisaram ver toda a gravação nem fazer perguntas, como Charlotte ainda precisava. Logo no início deixava claro que Phelipe os estava usando como isca para prejudicar Charlotte, e eles mesmos, diferente dela. Os gêmeos não tinham absorvido tanto quanto a irmã de todos os problemas e dramas familiares, afinal, ela era o muro na frente deles segurando tudo sozinha sem reclamar.

 

Havia coisas que eles nem sequer sabiam que tinham acontecido a ela, mesmo que ela tenha feito para protegê-los. Algo triste, porém compreensível.

 

— Façam o que quiserem, só não ateiem fogo na casa, por favor — Sua expressão era vazia, idêntica a expressão que ela portava no hospital depois de ser socorrida e tratada após Rachel quase ter lhe matado usando uma garrafa quebrada como arma.

 

A expressão não era de vazio, não para ela. Era a expressão de maior perda possível, a facada nas costas que mais dói, a dor que corrói, um sentimento que destrói. Haviam lágrimas bem guardadas ali, por debaixo do sorriso forçado e dos olhos inchados, e ela já estava se afogando naquelas lágrimas, sufocada pela vazio em seu próprio peito, desnorteada pela própria mente que não aceitava um fato tão comprovado.

 

— Onde você vai?! — Jace se ergueu preocupado, tentando pará-la de algum modo, sair sozinha naquele estado era perigoso.

 

Ela não respondeu, ele ia insistir, até o irmão colocar o braço em seu ombro negando com a cabeça, sua expressão dizia claramente “deixe-a sozinha consigo mesma” e ambos acabaram olhando-a sair mentalmente perdida, deixando uma enorme dor em seus peitos. Queriam fazer algo, mas não sabiam o quê.

 

Tropeçando nos próprios pés, e segurando com toda sua força as lágrimas, Charlotte chegou onde queria. A clareira no meio do nada, onde despencou de joelhos num segundo, chorando e soluçando alto.

 

Os dentes cerrados, as mãos segurando o peso da cabeça com os cotovelos apoiados nos joelhos. Destruída.

 

Sua mente era uma confusão de auto-depreciação, ali no chão o lugar ao qual ela pertencia: o mais fundo possível. Sua mente sabotava ainda mais o psicológico já abalado, naquele tipo de situação não adiantava ir contra a corrente de negatividade, não para ela. Apenas deixava correr o rio de coisas que ouvira quieta, cada piada de mal gosto, cada ofensa, cada mínimo pedaço de dor, tudo guardado nela. Corriam como um rio em forma de lágrimas por seus olhos, sufocaria se não fizesse aquilo.

 

Algo que ela batizara, brincando, de “aceitar minha lixeira”. Humor negro, uma das coisas na qual ela era boa, e aquele era um dos meios de rir da própria desgraça. Não tinha o que fazer, depois de chorar como um bebê indefeso pedindo socorro, tinha caído numa crise de risadas daquelas de fazer doer as costelas.

 

Rindo para não chorar. A frase nunca fez tanto sentido.

 

"Se continuar assim, não vão ser mais cacos que vou juntar, sim pó de vidro". Pensava e gargalhava, ria como se estivesse na Disneyland ou algo do tipo, parecia tão feliz ao longe… Mas aquela risada desesperada ecoava pela clareira, era ouvida pelas árvores, pela grama, até mesmo pelas pedras do chão. as mesmas pedras que lhe ralava os joelhos sem que ela percebesse.

 

Sua dor era ouvida e sentida por cada folha desde os pequenos arbustos aos pinheiros mais robustos. A natureza se padecia de sua dor, mas nada podia fazer, o trabalho da natureza se baseia em deixar que o tempo cuide de tudo, porque após a queda das folhas no outono sempre chega a primavera. Sim, Ostara, a primavera que ainda iria demorar muito a chegar, afinal com o começo das aulas em agosto primeiro era um verão sufocante, o outono limpava a paisagem lhe tirando todo o verde, depois um inverno tão gélido quando a vida de Charlotte.

 

E só então a estação das mudanças, ali por volta de março a primavera se faz presente. Trazendo consigo de volta a vida, dando fartura aos campos já que não há frutos se antes não houverem belas flores, trazendo mudanças sem tamanho.

 

Não só a Deusa da Primavera e a natureza queriam poder fazer algo por Charlotte, muitos outros a observavam de longe há tanto tempo e sempre quiseram fazer algo, mas nunca coube a eles interferir na vida dos mortais e não seria, por maior que fosse, a dor de uma simples criança que ia mudar isso.

 

A cabeça de Charlotte voltada para o humor ainda brincava, não era aquele o tipo de situação em seus livros fantásticos e épicos que alguém chegava para dar uma mão amiga e reerguer o herói? não seria aquela a hora de algo mágico brotar do chão e lhe dar forças? o que diabos ela tinha feito para merecer aquilo?

 

Tinha tirado o poder do Senhor das Trevas como Harry Potter? tinha sido culpada pelo roubo de uma arma divina como Percy Jackson? era idêntica a ex-namorada de dois irmãos vampiros como Elena Gilbert? vinha da casa Stark para sofrer tanto sem motivo aparente? portava o anel para todos governar como Frodo Bolseiro?

 

Ela não sabia, a arte imita a realidade como todos gostavam de lhe dizer. Ela mesma se questionava sobre a realidade dentro de seus livros. Mas onde estava seu Rony? seu Groover? sua Bonnie? ou sequer um lobo gigante por companhia? onde se encontrava seu Samwise Gamgee?

 

— A quem você está enganando? — falava sozinha. — Sempre foi assim, nunca houve uma ajuda mágica, um parceiro que come latas ou um que te salva de gollums malucos… você é Charlotte Fodida Donovan, esqueceu? — Socava a pedra sob seus pés. — Então se foda, SE FODA! — Gritou enquanto levantava e lágrimas voltavam a correr, novamente de desespero. — Levante e lute, não importa o que ou quem, só levante e lute, ainda estou respirando, ainda tenho duas pernas boas, ainda tem que haver esperança em algum lugar… só basta procurar ela, em cada nanômetro do meu ser, só basta procurar…

 

As lágrimas não pararam de correr, mas aquilo era um enorme conforto para ela. A habilidade de falar consigo como se fosse outra pessoa e assim se consolar sozinha foi desenvolvida com os anos, atualmente era tão natural quanto consolar outrem, até involuntário, talvez no fundo aquela habilidade fosse seu Samwise

 

Aquela clareira nem parecia a mesma, antes irradiava vida, luz e paz. Agora era tenebre, sufocante, solitária. As árvores que antes eram dotadas de um verde vivo agora pareciam negras, suas sombras gigantes cobriam tudo, não havia muita luz. Uma fresta da luz emitida pelo sol passava por entre as nuvens pesadas; Tudo parecia triste ali.

 

Esperou as lágrimas secarem, o suficiente para achar que seu rosto já não estava mais tão vermelho e inchado, tomou coragem. Respirou fundo, e se ergueu mais uma vez das muitas quedas que a vida lhe dava, esperando que aquela fosse a última como sempre.

 

Sua cabeça cheia de perguntas só tinha uma resposta para todas: ir a biblioteca em busca de respostas concretas. Qualquer coisa ajudaria àquela altura do campeonato. Não tinha ficado tanto tempo quanto parecera em sua mente isolada na floresta, mas tinha entrado lá com um peso nas costas e uma dor no peito que agora não mais existiam. Breves minutos que tinham lhe parecido a eternidade, ao menos tinham aliviado seu fardo.

 

Voltou para casa como se nada tivesse acontecido, ninguém lhe fez pergunta para sua alegria. Agiu normalmente quando seu pai apareceu, fingiu não ter visto todas as mensagens de Leo no celular assim como estava quase urrando de raiva por Arthur não responder as que ela tinha mandado. Ele tinha algumas respostas ainda para dar, aquele sumiço repentino depois de jogar um paralelepipedo de realidade na cabeça dela não ia ficar barato.

 

A ideia era procurá-lo em casa, mas ela não era idiota. Podia se iludir o quanto quisesse, mas sua paranoia sempre falava mais alto, podia ser um sexto sentido mas a frase “não confie em ninguém, as coisas são mais fáceis assim” ecoava em sua mente como um mantra. Assim como ir a biblioteca ia levantar suspeitas, onde mais tinham daquelas pessoas que a odiavam sem ela nem conhecer? era mais fácil não confiar em ninguém do que correr o risco.

 

Mas o que faria? roubar estava fora de questão, por incrível que pareça, ela já tinha tentado furtar bibliotecas antes e assim descobriu o quão maravilhoso é o sistema que protege os livros, um sistema de segurança a altura do tesouro que guardam na opinião dela. Todavia, só complicava mais sua vida, havia livros que não encontraria online ou em PDF nem que vendesse seu rim.

 

O dia passou rápido demais já que ela estava empenhada em conseguir informação. Continuava recebendo mensagens irritantes de Leo ao mesmo tempo que mandava dezenas para Arthur, agora apenas queria travar o celular dele pela raiva mesmo. Não tinha tempo para as loucuras de Leonardo agora, precisava falar com Arthur, ter mais respostas. Conhecimento é poder e ela tinha muita noção disso.

 

Agora ela tinha vantagem sobre seu pai, mesmo que ainda não aceitasse a dura verdade bem debaixo de seu nariz. Ela estava um passo a frente, não iria cair na armadilha tão facilmente, mas isso não lhe dava um xeque-mate, nem mesmo um xeque. Tinha informação suficiente para manter seu jogo no modo defensivo, preparado para os movimentos do adversário, mas não conhecia o inimigo o suficiente para enfrentá-lo. Um livro que tinha encontrado online era A Arte da Guerra de Sun Tzu.

 

Estava tentando entender aquilo direito, mas era algo bem fácil de entender ali. Conhecer o inimigo é vantagem. Seus inimigos a conheciam mais do que ela gostaria, a fonte deles era o homem que a criou, seu pai, o que não sabiam sobre ela? Era capaz de estarem cientes até de seu ciclo menstrual àquela altura.

 

Então aproveitando sua única vantagem, tinha que ultrapassar seus limites e agindo na surdina saber todo o possível deles. Todas as suas fichas foram apostadas numa chance ínfima, a chance de ela se erguer enquanto o inimigo crê que ela está calma e sem esperar nada.

 

Apesar de parecer pouco, uma única vantagem como essa, de ser o leão na savana bem preparado e parecendo exalar calmaria, porém, se um inimigo ou uma presa aparecer de qualquer lado ele já está pronto, já sabia da vinda, não haverá surpresa alguma enquanto o leão adversário, este não esperava que o calmo felino já estivesse em seu aguardo e que estava muito bem preparado para sua chegada. Tinha um grande valor.

 

Agora tinha que arriscar, ao mesmo tempo que não podia avançar no tabuleiro devia manter suas defesas fortes assim como se preparar para investida do inimigo.

 

Informação. Era a palavra chave, a palavra que brilhava dourada em sua mente como um notificação na tela de um celular, precisava de muita informação e além da biblioteca só tinha uma outra fonte: Arthur.

 

O maluco que anda por aí num falcão nunca tinha sido tão conveniente. Só aparece quando não preciso. Resmungava mandando todos os xingamentos que conseguia imaginar em mensagens de texto.

 

Já era noite, ela devia estar dormindo, mas não conseguia. Sua vontade era sair de casa e ir atrás de Arthur, mas para onde ele tinha ido? tinha desaparecido do meio de seu quarto depois de ser realmente grosso. Podia ir até a casa dele, mas algo lhe dizia que estava sendo vigiada, um sexto sentido talvez.

 

O que fazer? quando fazer? como fazer?

 

Dormiu com essas três perguntas rondando sua cabeça.

 

Então caiu, ilogicamente, caia para cima onde quer que fosse aquele lugar. Seu corpo caia sem parar, mas ela sabia que estava indo para cima, aquilo não fazia sentido algum. Uma vala enorme e escura, coisas se mexiam por lá, mas ela não conseguia discernir nada. E a queda cessou, bateu bruscamente primeiro contra o teto daquele lugar assustador caindo os pedaços, a dor de suas costas contra a pedra maciça a fez arquejar, tentava puxar o ar mas a pancada tinha lhe causado uma completa falta de funcionamento dos pulmões.

 

Se engasgava tentando puxar o ar, quando caiu de cara no chão gelado, a nova pancada permitiu que seus pulmões puxassem ar. Mas a dor, era gigante, pensou em levantar mas tinha certeza que tinha quebrado ou deslocado alguma costela, fora a pancada forte na cabeça.

 

Mas como diabos tinha ido parar ali? que lugar era aquele. Depois de alguns instantes de “argh, ai” e outros sons de dor entre arfadas conseguiu se sentar, não enxergava nada direito era tudo muito escuro, era como estar de olhos fechados. Não podia ver nada, nem mesmo seu próprio corpo, estendeu a mão diante da face diversas vezes e não conseguia vê-la.

 

— Hã? — disse o mais alto que pôde, notando o eco do local que reproduziu muitos “hãs” seguidos do dela.

 

Notou um barulho, correntes se arrastando. Algo realmente grande as arrastava, agora podia enxergar algo já que as correntes apesar de partidas e visualmente velhas emitem luz. Douradas e resplandecentes, presas a uma criatura gigantesca, andava em círculos, rondando-a como um predador.

 

Então as correntes tombaram, causando um grande estrondo e levantando uma fina nuvem de poeira que incomodou seriamente o nariz e a garganta dela. Espirrou e tossiu, quase sufocou, mas seu medo estava em pé a sua frente.

 

Um sujeito mal encarado, de olhos escarlates como sangue e com um porte amedrontador. O nariz para cima, em conjunto com um sorriso diabólico sozinhos faziam-na temer aquele homem, quem quer que ele fosse.

 

— A última vez que eu te vi — comentou calmo, mesmo assim sua voz assustava. — não sabia nem andar sozinha…

 

Ela não conseguia formular uma resposta, estava assustada, perdida e mais que tudo: acuada. Se não houver uma rota de fuga, ela simplesmente não raciocina porque tem que haver uma rota de fuga, senão tudo dá errado.

 

Ele começou a andar em círculos, fitando cada centímetro dela em silêncio, o único som ali era o de seus passos firmes e determinados.

 

— Você fede a medo, Astrid — sibilou. — Por que isso não me surpreende? humanos, sempre com medo de tudo e todos, medo até do próprio medo… mas o seu, ah, esse é dos meus favoritos. O medo de aceitar a verdade — Lambeu os lábios como se pudesse saborear o tal medo. — Fugir da verdade não é muito bom, é como um cão correndo atrás do próprio rabo uma hora vai doer e muito… eu deveria ter te matado anos atrás, melhor do que mais um alienado com medo da verdade.

 

— Quem… quem você pensa que é?

 

Ele gargalhou alto, deixando-a mais assustada ainda.

 

— Logo você vai saber, raposinha.

 

Raposinha, por algum motivo aquele apelido ecoou em sua mente, tocou algo, ela não sabia o que já que não se recordava de ninguém chamá-la daquela maneira. Não parece o tipo de apelido que se dá pra alguém de qualquer jeito, mas alguns flashs sem sentido de alguém a chamando daquele jeito lhe vieram em mente. A deixando em choque, estática. Aquilo só piorava.

 

Se encontrava assustada, machucada, perdida e não encontrava uma rota de fuga sequer. E aquilo era um prato cheio para quem lhe causava tanto temor, adorava ver uma presa encurralada e em pânico, se segurava para não matar ela ali, por puro instinto.

 

E quanto ela notou, ele tinha começado a recitar um poema.

 

Se você procurar bem

De leste a oeste e além

A astuta raposa vai encontrar

Seria ela tão astuta?

Seria ela tão destemida?

Seria ela tão cruel?

 

Não, não e não.

Pobre raposinha indefesa

Tão longe de casa

Tão sozinha

 

A tal raposa astuta, não passa de uma fajuta

Um animal sujo

Que vive na lama como bem deve

Se esgueirando entre a vida

Tirando a vida

 

A raposa tão sozinha

Diz ser astuta, mas se fosse não iria tão baixo

A ponto de não medir esforços

Quando para um inimigo colocar à sete palmos

A raposa fajuta

Não é astuta

 

A raposa fajuta

Luta pra viver

Vive para lutar

Sem nenhum lar, sem alguém para quem voltar

E quando o dia chegar

A raposa indefesa se mostrará

 

Uma raposa indefesa, montando uma matilha

Pobre raposinha indefesa

Não consegue ver?

Esses laços que cria são suas correntes

Das quais soltam as minhas

 

Pobre raposinha indefesa

Não pense que sairá disso ilesa.

 

Aquelas palavras, pareciam fogo tremulando por todo seu corpo, ao mesmo tempo que soavam como grego aos seus ouvidos, era capaz de compreender tudo e nada. Uma sensação estranha tomou seu corpo, como algo em seu peito a sugando para dentro de si mesma. Estava confusa e, em meio a aquele sonho tão real só conseguiu dizer três coisas:

 

— Vim parar na Disney?

 

Os lapsos mais dolorosos de sua memória passaram diante de seus olhos, queria chorar ou fazer qualquer coisa, mas uma pressão anormal abatia seu corpo, não conseguia respirar, nem se mover. Viu o homem se transfomar num lobo anormalmente grande, mesmo que não conseguisse sequer puxar fôlego, seus olhos se arregalaram, e suor frio correu sua pele pálida de medo.

 

O animal a abocanhou de uma vez, brutal.

 

— Até a próxima… — A voz macabra ecoou em sua mente em pane.

 

Assustada e com dor, teve certeza de que estava tendo a sensação de ser mastigada viva. E não conseguia mover um dedo para mudar aquilo, a impotência da situação era o que mais irritava, talvez fosse coisa de sua cabeça, todavia aquela situação parecia ter sido criado para o simples motivo de mostrar o quão impotente ela é.

 

— NÃO! — Deu um pulo da cama, lágrimas escorriam por seu rosto, caiu no chão ainda respirando ofegante.

 

Parecia um dos pesadelos de quando se é criança, que mesmo quando você acorda eles ainda estão lá para te assombrar. Não tinha percebido que havia gritado até seu pai entrar desesperado pela porta, ficando assustado de prontidão. Há anos ela não tinha um quadro de terror noturno ou qualquer coisa do tipo, aliás, há muito tempo ela não o deixava ver suas lágrimas. Se fazia de forte e chorava às escondidas, como sempre, porém agora se encontrava chorando como uma criança.

 

O olhava com aquela expressão de dor e sofrimento, seus olhos que sempre pareciam vazios ou desatentos ao mundo real lhe imploravam ajuda. Abraçava o próprio corpo tentando parar de ofegar, a expressão não era só de pânico, era de vulnerabilidade, algo que ela não demonstrava desde que era uma criança de verdade.

 

Engoliu seco, semi-cerrou os olhos, os fechou de vez suspirando, quando os ombros caíram já estava explícita sua covardia. Ele fechou a porta como se não estivesse vendo nada, recuou com a covardia de não estender a mão a alguém que chora, regressou com seu orgulho gigantesco, orgulho que tinha gerado tamanha mesquinharia.

 

Sussurrou um “não me deixe sozinha” enquanto via a porta fechar, daquela vez diferente de muitas outras, queria ajuda, um ombro amigo, um consolo. Se encolheu abraçando as próprias pernas, pressionando o rosto contra elas, soluçava baixo.

 

***

 

— Se me permite — Arthur resmungou pressionando mais o gelo contra o hematoma. — Devia colocar as cartas na mesa com ela, se é pra dar uma paulada de verdade que seja duma vez.

 

Leo o fitou furioso, ele ainda não tinha aceitado que Arthur continuava no tabuleiro mesmo que ele tivesse ido cumprir seu trabalho.

 

— Por que não? Ela nem detesta mentiras, é tão fácil de perdoar quanto uma cachoeira de correr para cima!

 

Arthur revirou os olhos, exausto. Kai ouvia tudo atencioso, o que lhe deu a deixa de que sua ideia não era assim tão inaceitável e incabível. Lembrava da expressão perdida de Charlie, lembrava da dor em seus olhos, da negação, e mais que tudo de seu esforço em salvá-los, se arrastando floresta a dentro. Era uma guerreira, lutou pela vida que tem, merecia a mais pura verdade em respeito de seus esforços.

 

— Olhe, ela está sem chão. Incrédula. E sei o suficiente pra saber que não vai cair na frente de ninguém, não vai deixar ninguém ajudar, mas, com você é diferente, tenho certeza que é, não vai ser nada como romance adolescente da tv com sorvete e choradeira. Dê a ela crédito pelo esforço, por ter lutado todo esse tempo, dê a verdade que ela merece!

 

— Eu devo ter batido muito forte na sua cabeça… — Leo fez menção que ainda tinha mais o que bater em Arthur.

 

— Leonardo, fique onde está  — rosnou Kai. — Entendo seu ponto, é certo. Mais que certo é o que deveria ser feito, mas o mundo não gira assim, ele não te dá alívio depois de te derrubar, a vida não é assim, Arty, e a Charlotte sabe disso. Sabe mais até do que eu, ou ela, gostaria.

 

— Não importa! Alguém precisa fazer alg…

 

— Está insinuando que eu não me importo, Parker?! — Se levantou claramente alterado. — Eu aprecio isso tanto quanto você, mas sei que quando algo é necessário, o que eu quero vai pra puta que pariu. — Passou a mão pelos cabelos, suspirou, relaxando os músculos. — Tem essa música… — Arthur e Leo congelaram, havia lágrimas nos olhos de Kai, algo inédito. — “Fall to rise”, o nome, a Charlotte adora essa música, cair para subir, é algo que ela entende bem.


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