Charlotte a Herdeira da Trapaça escrita por MJ Triluna


Capítulo 8
Capítulo VII - A tempestuosa verdade




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O que ele acha que sabe? Era a pergunta que mais rondava a mente atordoada de Charlotte. Era a pergunta que mais ecoava entre as centenas que rondavam-lhe a mente naquele instante, queria reagir, rebater, mas era como se a força de sua garganta tivesse se esvaído e tudo se reduzisse a pensamentos e lágrimas.

 

A sombra de olhos azuis tão brilhantes quanto uma estrela no céu noturno, tremulava num gesto hesitante de afirmação. Era doloroso, uma tempestade na mente de Charlotte, mas agora que as tenebrosas nuvens negras já lhe tinham tomado a mente, não adiantava tentar se cobrir com uma peneira.

 

Dura, pesada e dolorosa. Verdade. Fosse como fosse, ela tinha de abrir os olhos.

 

Aproveitando o alívio de ter a aprovação do “homem” para quem ele trabalhava, Arthur jogou a empatia para escanteio, não podia hesitar, nem mesmo parar para pensar na dor que estava causando.

 

Por mais que fosse para proteger quem ele ama e tantos outros, ainda eram sentimentos de outra pessoa, alguém realmente sofrido.

 

— Francamente… — Estalou a língua. — Obrigado pela ajuda, de qualquer jeito. Achei que valia o tiro, mas parece que não, prefere viver como um trasgo com a lâmina bem diante de seus olhos, incapaz de vê-la por simples burrice. Se me permite, srta.Astrid — A menção a seu segundo nome a espantou, ela odiava aquele nome e por isso praticamente ninguém sequer sabia da existência dele, agora tinha quase certeza que ele sabia muito mais dela do que ela gostaria. — Eu tenho que ir a um lugar, curar essas feridas e cuidar da minha vida e das pessoas que dependem de mim, passar bem!

 

Ele foi na direção de pegar os trapos que restaram de sua camisa, nesse meio tempo a garota não conseguia mais conter os soluços. Negar não adiantava mais, ele tinha destruído tudo que ela passara a noite fazendo, criando barreiras de negação, acabando com toda a razão e lógica.

 

— Como sabe meu segundo nome? — Foi a única coisa que conseguiu raciocinar o suficiente para reproduzir em som.

 

Ele soltou um riso de deboche, balançando a cabeça.

 

— Em algum momento você deve ter percebido que não estou te dando cobertura por ser um bondoso cara que mora sozinho no fim do mundo — Revirou os olhos. — Só não sei qual foi o momento que você começou a achar que além de eu ter que fazer meu trabalho em dobro pela sua estupidez, que podia colocar tudo em risco. “Nunca nos faria mal”?! Até parece que não estava lá o ouvindo ao vivo, e agora ele vai levantar suspeitas pra cima de mim. Muito obrigado por facilitar tanto minha vida!

 

— É meu pai… — disse com voz chorosa. — É um maldito cubo tentando entrar no espaço da pirâmide na minha cabeça...

 

— Sua cabeça é um brinquedo para bebês? — Franziu o cenho. — Tanto faz, estou saindo e te dou um conselho, desistir de alguém não é a mesma coisa que persistir em alguém tóxico.

 

— Mas… meus irmãos! — Se recordou do porquê tinha que mantê-lo ali, mesmo que estivesse fedendo e todo machucado. — Alguém tem que explicar e…

 

— Essas suas tranqueiras gravaram, talvez a cabeça deles não seja tão quadrada quanto a sua. Vão entender a situação, se cuidar. Ou ferrar tudo de vez, como você. Obrigado por salvar minha vida quando essa realmente não era a prioridade, mas isso não diminui sua… ignorância — tinha se virado e ver a situação do rosto dela fez a adrenalina se calar, aquele teatro estava doloroso demais, não era nenhum sádico para se divertir com aquilo.

 

Arthur ouviu um som conhecido, que não lhe era agradável, mas sabendo a razão nem mesmo demonstrou surpresa.

 

— Não me leve a mal, não sei como diabos seu guarda-costas de verdade ainda está vivo tendo que lidar… bem… com você! mas comece a pensar numa simples coisa: se seu pai nunca suportou tanto assim a relação que tinha com sua mãe, por que justo agora? Só pense sobre isso.

 

A sombra de olhos brilhantes sumiu, levando consigo o rapaz. Deixando-a destruída e de queixo caído em seu quarto. E novamente se perguntando como ele sabia daquilo tudo, não era como se existisse uma ficha em algum lugar com todas as coisas de sua vida, um livro narrando seu passado, presente e futuro. Era impossível e ainda assim, ele continuava sabendo.

 

O som do toque de seu celular a despertou de um transe mais longo do que ela mesma pôde se dar conta. Atendeu, reconheceu a voz, ouviu uma simples frase e ficou mais confusa ainda.

 

***

 

— Leonardo Guerra — O sotaque americano sempre fazia o nome do rapaz ficar engraçado, mas nenhum dos dois estava com humor para rir disso naquele momento. — Você não devia sei lá, estar na escola em Nova Iorque a essa hora?!

 

O garoto latino-americano estava encostado na parede da sala da casa dos Donovan, com uma expressão séria que raramente era dotado, ele não tinha habilitação e mesmo assim Charlotte tinha notado uma moto em sua porta, um meio de locomoção que ela nunca tinha tido apreço algum.

 

E havia mais uma nova cicatriz na pele de bronzeado natural, pela primeira vez ele tinha arranjado uma cicatriz no rosto. Era fina e longa, criando apenas uma faixa mais clara de pele quase imperceptível, cortava num ângulo que a fazia pensar que alguém o tinha tentado cortar o pescoço e acabou acertando no queixo e puxando para bochecha.

 

— Eu devia ter vindo antes — xingou, enquanto acendia um cigarro. Coisa com a qual ela já tinha se acostumado, apesar de não ser a favor.

 

— O quê?

 

— Ah, saudades. Devia ter vindo antes porque estou com muita saudade de você! — corrigiu-se o mais rápido possível. — Eu não tenho muito tempo, só vim ter certeza que você está bem e posso ver que não está, como eu esperava não vive sem minha maravilhosa pessoa. — Se animou vendo que tinha conseguido arrancar um sorriso da amiga. — Mas, para sorte de suas pernas retalhadas, eu vou ficar aqui por essa cidade, meio pitoresca e me lembra da minha casa… Yeah! Parabéns pra você!

 

Ela piscou uma, duas, três vezes. Mais confusa ainda.

 

Sua cabeça não conseguia processar os acontecidos das últimas horas e agora uma bomba-H tinha caído no quebra-cabeças ainda não solucionado fazendo as peças virarem pó, nunca mais se encaixariam ou fariam sentido algum.

 

Ela estendeu as mãos abertas diante de seus olhos, contou os dedos três vez, beliscou o próprio braço também três vezes. Abriu e fechou a mão três vezes. Sua mente tinha criado algo com o número três, então depois de tentar três vezes entender algo começou a flutuar num limbo de pensamentos.

 

Não estava mais em sua casa, numa cidade no interior da Dakota do Sul. Estava em um ambiente conhecido e também temido, a primeira casa na qual morou em Nova Iorque, era pequena e simples, mas não era esse o problema, nas memórias aquele lugar era tão mais escuro.

 

O cheiro detestável de álcool se fazia presente, ardendo em suas narinas e diante de seus olhos estava uma cena que ela daria tudo, incluindo sua vida, para impedir. Lá estava, uma criança frágil e pequena, magra e cheia de hematomas e, a frente dela um corpo adulto estava erguido.

 

Atrás da criança loira, um armário, ela persistia em não sair dali. manter as portas do armário trancadas, seu peso ia todo contra as portas de onde ecoava um choro alto e até mesmo pedidos incompreensíveis de ajuda, socorro e perdão — perdão por algo que não era culpa deles, perdão por terem nascido.

 

Dentro do armário que a criança maior insistia em manter trancado, haviam outras duas crianças e elas eram as donas do choro e dos pedidos.

 

A mulher adulta tinha em mãos nada além de uma garrafa de bebida que tinha acabado de esvaziar, urrava xingamentos e ofensas. Quebrou a garrafa dando um ultimato, a garota tinha de sair da frente.

 

Na noite anterior àquela situação, a mulher tinha bebido muito e depois da terceira garrafa começava a ficar agressiva, assim as crianças tinham se trancado num armário minúsculo sob a escada, com o amanhecer pensaram erroneamente que ela teria adormecido ou desistido, até mesmo caído em algum lugar de tão bêbada.

 

Mas ela tinha na verdade ficado um bom tempo de plantão esperando, o álcool tinha elevado ao quadrado o ódio que tinha criado pelos próprios filhos.

 

E ali estavam eles, pela manhã fugindo da própria mãe.

 

Quando a garota permaneceu protegendo os irmãos, não houve sequer um ato de  exitar. Se a criança não tivesse erguido os braços, cruzados para proteger o rosto e pescoço, teria sido morta ou desfigurada ali mesmo. Cortes e cortes, uma dor lancinante, lágrimas só não jorravam tanto quanto o sangue.

 

Mas a força das pernas continuava prensando o próprio corpo contra a porta do armário, a pura força de vontade e desejo de proteger e viver mantinha os braços, já esfolados por diversos cortes nos mais diferentes ângulos e profundidades, erguidos.

 

Talvez por uma dose de sorte em meio a tanto azar, alguém tinha chamado a polícia mais cedo e Charlotte e seus irmãos foram salvos somente graças a isso, foi chamado de milagre inclusive, uma criança tão pequena tinha sido tão brutalmente machucada, aqueles cortes lhe renderam quase um ano de fisioterapia e mesmo assim quando alguém se aproximava ela só fazia perguntar se os irmãos estavam bem.

 

Perguntou primeiro ao policial que entrou em choque ao ver a situação, que tinha derrubado Rachel com um taser. Depois ao outro policial que era parceiro do primeiro, perguntou aos paramédicos, aos vizinhos que se aproximaram, não era lógico nem sequer ela estar consciente e mesmo assim só pensava no bem dos irmãos, não levantou sequer uma pergunta sobre a própria saúde, não reclamou de dor ou chamou por alguém.

 

E num simples segundo, estava de volta a sua casa e não as suas lembranças dolorosas. Chorando como se estivesse de volta a aquele dia onde teve a dor de ter certeza absoluta que podia se considerar órfã de mãe.

 

A dor tão aguda que podia entorpecer estava lá novamente, assim como a psicológica de saber que a pessoa que, supostamente, devia dar o mundo para te proteger estava fazendo o exato contrário.

 

Bom ou não, aquela cena não era incomum para Leonardo. Era o que Charlotte tinha batizado de “não-presente” um lapso de memórias ruins que lhe tomavam completamente o corpo e a mente. Algumas vezes era apenas reviver o sentimento, por outro lado, a maioria era rever tudo e sentir tudo de novo.

 

Era o que os médicos chamam de TEPT. Transtorno do estresse pós-traumático.

 

Que há anos assombrava a garota. Ele fez o que sempre fazia naquelas situações, a abraçou sem questionar nada, envolvendo aquele corpo cheio de cicatrizes com seus braços, tendo que deixar seu cigarro queimando sozinho numa mão afastada, se garantindo que não queimaria ninguém.

 

Apoiou o queixo na nuca dela, frustrado consigo mesmo, vendo de soslaio os irmãos dela começando a descer as escadas logo esboçando feições de dúvida e confusão, mas ele agiu rápido, ficou de cara amarrada sinalizando com a mão livre para não descerem, apesar da relutância de Jason, eles acabaram subindo de volta.

 

— Já passou, Charlie, isso já passou há muito tempo. Você está bem agora, certo? O presente não é tão ruim assim — dizia tentando confortar tanto a ela quanto a ele, segurava as lágrimas em seus olhos.

 

Era a melhor amiga que ele tinha, uma irmã, que sofria constantemente porque ele cometeu vários erros no passado, quando era apenas uma criança, mas isso nunca diminuiu o tamanho de seus erros. Talvez até tenha feito crescer, criado do jeito que tinha sido, podia se proclamar um espartano do século XXI com a intensidade de tudo que viveu desde criança.

 

Não era uma pessoa comum, não teve uma vida comum e devia saber que nunca teria “comum” associado a ele. Mas quando sua amizade por Charlotte cresceu, o comum pareceu tão tentador e ele provou muito do comum, das bebidas, das drogas lícitas ou não, das festas e das luxúrias que só adolescentes conseguem fazer num mesmo lugar. Curtia a vida ao extremo, talvez assim o comum chegasse nele.

 

Mas tudo que fez, foi cometer erros em sua persistência pelo comum.

 

E só depois de tantas tropeços naquela estrada implacável, já tinha aceitado que o comum não era para ele, assim como sabia que boa parte da dor da irmã de consideração tão querida poderia nem sequer existir se ele tivesse se conformado antes.

 

— Ainda dá tempo de pedir pra você não se meter em confusão? — indagou, de olhos marejados. Recordando de como ele, Charlotte e Steven eram ótimos em se meter em confusão desde sempre.

 

Mesmo entre as lágrimas e o desespero, ela conseguiu soltar um riso nasal, também lembrando de toda a confusão que arrumava na cidade que nunca dorme, muitas vezes apenas para não ter que ir para casa. Se considerava egoísta nos dias que não voltava da escola para casa e ia vagabundear pelas ruas, brigar com pessoas desconhecidas e inevitavelmente, se machucar pelas ações estúpidas.

 

— Quero que saiba de uma coisa, Charlie, você importa muito mais para mim do que meus irmãos de sangue, você é minha irmã e nos conhecemos bem o suficiente para eu não precisar falar muito nisso, sempre lutamos um pelo outro. Mas, quero que saiba, mesmo no dia que você me odiar com tudo que tem, no dia que quiser me matar de tanto ódio. Não vai doer, não se preocupe com isso no futuro, você pode me odiar o quanto quiser enquanto ainda estiver respirando para fazê-lo — Seu tom estava sério, ele não era uma pessoa fácil de ficar séria.

 

Suas palavras só a deixaram mais confusa, como poderia um dia ousar odiar ele? A confusão era mais forte de qualquer coisa e mesmo assim, uma das poucas certezas em sua mente era o porto seguro que o amigo representava, um bom lugar para aportar o barco da vida em dias tempestuosos.

 

Tão confusa que não conseguiu formular uma resposta enquanto assistia-o sair pela porta com um semblante tão sério que nem parecia ele, ouviu o ronco do motor da moto se afastar e continuou ali, estatelada, incrédula, num choque sem fim.

 

Em sua mente, o pilar principal de sustentação de sua sanidade tinha desabado, a confiança no pai, a certeza de que ele moveria montanhas por ela tinha se extinguido. Agora, seu mundo se resumia a ela sozinha lutando por ela e seus irmãos contra tudo, com um peito de aço e um coração de pedra para suportar tudo calada.

 

***

 

O clima do lado de fora da casa onde Sarah vive estava horrível, Arthur parecia ter passado a noite num octógono de tantos hematomas pelo corpo. Sarah, sua irmã, se encontrava no gramado caída, se contorcendo de dor; Lágrimas não corriam mais de seus olhos, talvez a dor excruciante tivesse lhe secado as lágrimas.

 

Ela arfava de dor, tentava puxar o ar, mas seus pulmões se sentiam debaixo d’água. A dor, o desespero, tudo aquilo que ela sentia.

 

Arthur sentia em dobro, você causou isso. Foi o que tinha ouvido antes da sessão de tortura começar. Kai não levantou um dedo, não socou Sarah, nem sequer chegou a tocar nela, com a influência que tinha sob ela, um simples pensamento era suficiente.

 

Jack, o sujeito que devia, na opinião de Arthur, fazer aquilo parar, na verdade estava o imobilizando. Depois de ele tentar “ajudar” a irmã duas vezes e conseguir piorar a situação. Arthur sempre odiou Jack, pelo simples fato de ser o namorado da irmã e porque o homem lhe irritava apenas por existir, todavia, agora ele tinha mais motivos ainda pra odiar o bruxo.

 

— Já deu, eu entendi! PARE! — Urrou tentando se soltar, chorando como não fazia a muito tempo. Chutou diversas vezes as pernas de Jack, usou a cabeça como arma se debatendo, mas de nada adiantou.

 

E para surpresa dele, parou. Mas o motivo não tinha sido seus suplicos, sim a sombra da gigante asa do animal que pairava sobre eles, a expressão irritada do homem de olhos azuis indicava que não estava esperando aquilo.

 

Um dragão enorme, completamente prateado, de cabeça fina e comprida. O legítimo Wyvern fincou as garras das pontas de suas asas no chão, as patas traseiras logo em seguida. se eriçou se mostrando superior, uma característica comum para um animal orgulhoso como um dragão. Remexeu as asas e só ficou quieto quando o cavaleiro desmontou dele, o xingando numa língua atualmente considerada morta, antigo eslavo.

 

Sua expressão era um mesclado de preocupação com raiva. Acendeu um cigarro, não ligando para situação dos presentes ali, deu uma grande tragada para relaxar um pouco. Franziu o cenho, suas íris de réptil já a mostra, assim como a pele no entorno dos olhos criando lentamente finas escamas transparentes. Verdes e reluzentes como uma esmeralda, uma risca fina dividindo-os ao meio, pareciam os olhos de uma serpente.

 

Segurou o cigarro na boca, puxando dos bolsos um par de soco inglês e os colocando, deu outra tragada abaixando a cabeça, o cigarro estava na metade e mesmo assim foi jogado longe. quando sua cabeça se ergueu o mais bravo de todos os homens teria caído de joelhos chorando e implorando pela mãe.

 

Seu olhar não era só assustador, era como uma lança rasgando a carne de quem os fitava, ou era fitado por eles, sem dó. Seus dentes cerrados lembravam um animal rosnando segundos antes de atacar, as feições faciais dele faziam o imponente dragão ao seu lado parecer um pequeno cão de estimação e ele sim, um monstro.

 

— Um herdeiro de nidhogg, metade homem e metade dragão. O colar não deixa dúvidas, Galan Siar. Guerreiro dos céus, um caçador de dragões… — Jack comentou com certo nojo em seu tom de voz.

 

— Não perco meu tempo com humanos metidos a besta, meu caro bruxo — retrucou, aquelas duas palavras em gaélico escocês eram uma ofensa.

 

— Você está adiantado — Kai se pronunciou, irritado.

 

— E você, como sempre, atrasado — respondeu no mesmo tom. — Primeiro, se esse bruxo de merda falar mais uma vez de nós, Saighdear dean Altnabreac, juro por Tyr que faço ele engolir todos os seus livros e ervinhas da paz! — ralhou. — Segundo, só para ter certeza, chefe, aquele é meu substituto? — Apontou com o dedo indicador, deixando bem à mostra as lâminas nos cantos do soco inglês.

 

— Sua inteligência é espantosa, Leonardo — respondeu sarcástico.

 

— Okay, parceiro. A primeira regra do Sterlotnardo¹, mexeu com a Charlie? Apresento-lhe o inferno! — Jack largou Arthur na hora que viu a moeda girar no céu segundos antes de um soco cortar a distância entre Leonardo e Arthur.

 

O soco primeiro lhe acertou em cheio na caixa torácica, deixando-o em pânico com o choque elétrico que acompanhou o golpe, não teve tempo de raciocinar, o segundo soco foi propositalmente de raspão e a lâmina do canto do soco inglês fez bem seu trabalho, cortando profundamente a bochecha dele e novamente um choque elétrico que tornava a experiência ainda pior.

 

A-rithist! — Ordenou quando o pequeno dragão que surgiu em seu ombro saltou em cima de Arthur.

 

O animal não tinha asas, tornando óbvio que se tratava de um Drake. Suas escamas azuis que podiam parecer verdes de acordo com a luz reluziam, era pequeno e rápido, contendo dois chifres minúsculos na cabeça de onde faíscas saiam a todo instante. Seus dentes a mostra deixavam claro que apesar de pequeno, ele tinha uma grande sede de sangue e assim como o Wyvern grande e prateado, impunha sua posição orgulhosa e superior.

 

— Já basta! — Kai pegou o pequeno dragão pelo rabo, como se fosse um lagartixa. Ignorando as descargas elétricas que ele soltava. — Achei que tivessem te ensinado a não matar os subordinados que não são seus.

 

— Solte o Ray — disse entredentes. — O estado que a Charlotte está, o trabalho da minha vida foi arruinado por esse imbecil em o quê? Um mês? E mais que o trabalho para o qual sou preparado desde que nasci, a minha melhor amiga está sem chão, desesperada e tenho quase certeza que a essa altura ela está fugindo ou se escondendo em algum lugar pra chorar, torça pra ela não ir arrumar briga com o primeiro bêbado que encontrar!

 

— Acha que não sei disso? e que não sei o que é melhor para ela?

 

— Não e não. Mas você esteve lá? você enxugou as lágrimas dela uma única vez? você conhece o desespero que é estar do lado dela vendo aquilo e não poder fazer nada?! NÃO! — Arthur e Sarah se encontravam abismados, ninguém gritava com Kai, ninguém. — Não é jogando um tijolo de realidade na cabeça da Charlotte que ela vai funcionar, pelo contrário, ela está em pane. Não tem ideia do que fazer, como reagir, o que pensar! você é meu chefe e pai dela, mas com todo respeito, não conhece ela metade do que eu conheço.

 

— Não me provoque... — respondeu, confirmando cada pergunta do garoto.

 

— Tire esse imbecil de perto dela, o resto eu resolvo. Mas se você preferir deixar nas mãos dele até o prazo esperado, pode deixar uma UTI reservada para overdose que sua filha vai conseguir!

 

— Pode até não ser de sua natureza conhecer limites — rosnou —, mas você os está ultrapassando e devo dizer que não sou apreciador disso.

 

Eles se encararam por minutos longos, imaginando talvez um torturando o outro. Mas a discussão cessou ali, com um acordo ocular feito depois de uma batalha que não necessitou de palavras. Kai e Leonardo bufaram com a mesma expressão, deixando claro que já tinham aquele tipo de intriga com frequência.

 

Porém, como o homem tinha dito. Não é da natureza de um caçador de dragões conhecer limites, o trabalho deles se baseia em olhar para os limites, dar risada deles e usá-los de tapete enquanto passam.

 

Arthur tentava novamente acabar com o sangramento em seu rosto, irritado, ferido e cansado. Com uma vontade quase incontrolável de socar muitas pessoas apenas para aliviar a tensão.

 

— Qualquer corte no rosto vai sangrar muito, parceiro, aqui — Se agachou, enchendo a mão de terra e indo para onde Arthur se encontrava sentado no chão. — Assim vai resolver, amigão! — Esfregou a terra na ferida sem dó, deleitando-se da inferioridade do outro, dando tapas leves na face cortada. — A mocinha vai sobreviver.

 

Soltou um riso nasal, se erguendo e internamente orando para ganhar qualquer motivo para bater mais naquele pobre coitado, olhando em volta.

 

— Você… — Sarah só estava em pé porque Jack estava servindo de apoio. — Nunca mais, nunca, levante um dedo para o meu irmão.

 

— Ih, não tinha visto a dama ainda. Perdão, querida, mas isso só depende do cérebro minúsculo dele — brincou, colocando logo sua pose galanteadora apenas para provocar.

 

Kai já revirava os olhos sabendo o rumo daquela conversa.

 

— Você se acha engraçado, experimente! Vou te fazer ser uma lagartixa só para dar paras corujas comerem! — respondeu de prontidão, a dor era um incentivo para seu ódio.

 

— Olha só, tem realmente muitas ruivas na Escócia, tão lindas quanto o lugar devo acrescentar. Mas eu, particularmente, enjoei de ravinas de outono. Prefiro as morenas atualmente, sinto muito — prosseguiu esperando qualquer reação de Arthur. — E, chefe, é aqui que vou morar? bem melhor que aquele horror que tinha me arrumado em Nova Iorque e a vista não é tão ruim...

 

Lançando um sorriso malicioso para Sarah conseguiu tudo que queria, Arthur tentou se levantar, furioso com o modo com o qual sua irmã estava sendo tratada por um completo estranho. Antes mesmo que ele deixasse o chão, um chute bem calculado acertou seu tórax em cheio, causando até certa falta de ar, ele caiu para trás sofrendo mais ainda com as dores.

 

— Ah, eu detesto drunkfood. Então é bom você saber cozinhar mais que macarrão instantâneo — Se dirigiu a Sarah, ainda portando o mesmo sorriso.

 

— Nem por cima do meu cadáver!

— Já chega de brincadeiras, crianças. Leo você tem um lugar de fachada na cidade, tenho certeza que não vai ter problemas de vir para cá tendo o Sleang. E Sarah, quanto ao seu cadáver eu posso providenciar, mas você pode preferir tratar melhor um exemplo para seu irmão. Acho que não preciso citar o quão rígido é o treinamento de alguém como ele, assim como não preciso lembrar o quanto ele vale mais que você e seu irmão juntos com mais todos os problemas que me arrumam de brinde. Não se faz um soldado desses do dia pra noite, então se ele mandar você pular, você só pergunta a altura, entendeu? — Mesmo que estivesse dando ordens explícitas, não perdia o tom sarcástico. — Jack, eu sinceramente não sei porque diabos você vive na minha casa, mas as regras aqui são minhas. Portanto, não vamos colocar o orgulho dos bruxos em disputa com o dos caçadores de dragões.

 

— Como se fosse necessário, quem foi atrás de nós com o rabinho entre as pernas durante a inquisição e tem vivido com proteção contra os bersekers até hoje? Ah, bruxos. Aqueles humanos que fazem truques engraçados… — Acrescentou.

 

Jack cerrou os dentes, concordou com a cabeça e fuzilou o caçador de dragões com os olhos ao mesmo tempo que ajudava Sarah a andar até o irmão ainda caído no chão.

 

— Agora, eu tenho mais que fazer. Não se matem, quer dizer, não matem meu soldado de valor — Kai fez uma última piada antes de sumir como se fosse fumaça no ar.

 

Arthur conseguiu se levantar sozinho, com uma expressão de quem queria matar. No entanto, isso só fez a situação ficar mais divertida para Leonardo, todo o orgulho de um caçador de dragões inflava seu peito.

 

— Só vou dizer uma vez, cachinhos-dourados. De agora em diante, você fica muito, mais muito, longe mesmo mesmo da Charlie, ou eu vou ser obrigado a livrar o mundo de sua existência irrelevante.


E assim, Leonardo fazia uma ótima chegada a sua nova casa, se dando perfeitamente bem com aqueles que ia conviver. Mostrando sem um pingo de dó, que seu trabalho era sério, que seu treinamento foi árduo e tortuoso para ele estar ali, deixando clara toda a selvageria que tinha adquirido ao longo da vida. Um legítimo Saighdear dean Altnabreac.


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