Servitutem escrita por Kaline Bogard


Capítulo 3
Você pode ficar aqui


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!!



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Shino sentiu a exaustão através do vínculo. Pelo jeito, o efeito do ataque dos insetos somado a carga da maldição, atingiram o shifter mais profundamente. O que fazia sentido, já que ele era a vítima das consequências. Não aprofundou a revelação que ouviu. Não era o momento apropriado.

Sua última providência foi passar um pouco de pomada na pele do pescoço, para curar a queimadura da coleira e saiu do quarto para que ele pudesse dormir e descansar.

Tinha várias coisas a fazer, reabastecer a despensa, relatórios, produtos guardados no porta-malas do carro… entrar em contato com alguns clientes que encomendaram poções e verificar os novos pedidos que chegaram. Além de tomar um banho para lavar a sujeira e o cansaço do corpo.

E ele largou tudo isso de lado para buscar mais informações sobre a Maldição da Escravidão. Sabia que nenhum dos seus livros traria respostas, pois Shino era um mago branco. Jamais se meteu com magia negra e feitiços das trevas. Então resolveu ligar para sua madrinha, Kurenai-sensei, a mentora que o ajudou na caminhada para se formar um mestre.

A mulher ficou feliz em rever o aluno, porém logo se tornou séria. Ela conhecia tal maldição, uma repudiada pela comunidade dos magos por ser cruel e irreversível. Explicou que era verdade: a coleira agia direto no chacra da pessoa, entrelaçando-se com a energia vital, pois só dessa maneira conseguia sujeitar alguém a qualquer tipo de ordem. Arrebentar a coleira era o mesmo que quebrar o fluxo de energia. A taxa de morte entre escravos desesperados que tentavam se libertar destruindo a peça de ferro era de cem por cento. Historicamente não havia nenhum registro conhecido de alguém que forçou tirar a peça e sobreviveu. Os riscos não valiam a pena.

Terminou a explicação prometendo enviar alguns livros com informações sobre a Maldição da Escravidão e encerrou a ligação.

Após isso Shino resolveu comer um pouco do oden já frio. Por fim tomou um banho e foi para o próprio quarto, aproveitando para verificar o quarto do pai e comprovar que seu visitante dormia tranquilo, ressonando de leve.

Ao descansar a cabeça no travesseiro, só pode pensar uma coisa.

Que dia de louco.

—--

Na manhã seguinte, Shino acordou tocado por um chacra já conhecido, a presença de Kiba não era física, mas o sentia quase como se fosse. Talvez por ele ter recuperado-se por completo.

Continuou deitado mais alguns minutos, reunindo coragem para levantar-se. Nesse ínterim, ouviu um som abafado vindo do quarto do seu pai, bem ao lado.

Saltou da cama e foi verificar, descobrindo Kiba caído no chão.

— O que aconteceu?

— Nada. Quer dizer… faz tanto tempo que eu não ando só com duas pernas que me embaralhei um pouco — Kiba resmungou, aceitando ajuda de Shino para se levantar.

— Quanto tempo?

— Uns quinze anos — o shifter respondeu como se não fosse grande coisa.

Shino quase o derrubou de novo.

— Quinze…?

— Transformado em cachorro. Pensei que ia passar a vida toda naquela forma, porque não tem como tirar a coleira. Já tava até conformado — falou ensaiando alguns passos sozinho, ainda que Shino ficasse por perto para prevenir possíveis quedas.

Pois a única coisa que caiu foi o short que Kiba usava, peça velha da adolescência de Shino, meio gasta pelo uso.

— Caralho! To meio ventilado aqui em baixo — referiu-se ao fato de estar sem cueca. Abaixou-se de leve e reergueu o short.

— Precisamos comprar roupas novas pra você — Shino falou com resignação.

— Não vai me mandar embora? — Kiba indagou, segurando o short no lugar, andando cada vez com mais segurança.

— Claro que não. Você mesmo disse que não pode se afastar do meu chacra — pois o mago gastou boa parte da noite pensando nas implicações em que estava envolvido. A Maldição da Escravidão era magia negra pesada. Dava a entender que a submissão da vítima devia ser total e absoluta. Analisando por uma ótica realista, a obrigação de ficar ao lado do “dono” não era uma exigência impossível. Talvez fizessem algum teste quando o shifter estivesse mais saudável. Todavia, na atual configuração, não ia correr nenhum risco desnecessário. Manter Kiba ao seu lado era o mais indicado.

— Valeu, cara. Eu já tava pensando em procurar algum beco aqui por perto ou tentar ser adotado pelos vizinhos. Se você preferir eu posso voltar pra forma canina e morar no seu quintal… — insinuou.

Shino pensou na oferta por alguns segundos. Mas decidir aquilo era algo contra a sua índole decente.

— O que você prefere? — devolveu o poder de escolha ao garoto (Se é que ainda podia chamá-lo desse modo).

— Eu... eu prefiro ficar assim! — a resposta veio rápida — Sinto falta de conversar, de andar e comer que nem gente. De fazer coisa de gente. Amo meu lado shifter, mas é meio solitário. Queria falar com a minha mãe e a minha irmã!

Shino concordou com um aceno de cabeça. Não planejou ter um novo morador em sua casa, por sorte era um homem racional e prático. Que preferia encontrar soluções a chorar sobre o leite derramado.

— Por mim tudo bem — encerrou o assunto.

— Obrigado! Tive uma primeira impressão horrível, mas você é um cara legal.

O mago limpou a garganta e não disse nada. Ajudou o outro a sair do quarto e a descer as escadas devagar, porque Kiba ainda não tinha recuperado o equilíbrio por completo. Enquanto preparava o café, foi assistido pelo outro, que narrava algumas de suas peripécias, se gabando de feitos impressionantes dos quais mais da metade Shino desconfiou serem apenas bravatas hiper-exageradas (como na vez em que ele derrotou um dragão e fugiu do caçador -tudo na forma canina- ileso).

Infelizmente para alguém como Shino, que amava cozinhar, teve que servir oden outra vez, com as últimas leguminosas. Kiba não pareceu se importar em nada com a falta de opção culinária.

— Depois do café eu vou comprar mantimentos e vejo alguma roupa para você.

— Vou com você!

— Não acho que seja indicado sair vestido como está. E não tenho outro traje adequado pra te emprestar.

— Porra, cara. Esqueci desse detalhe. Tudo bem, eu espero aqui — olhou cumprido na direção do fogão, onde a panela com sopa descansava.

— Sinta-se a vontade — Shino quase sorriu. Quase.

Kiba não se fez de rogado. Levantou-se depressa, quase tão rápido quanto as mãos se moveram para segurar o short que escorregou. Na hora de se aproximar do fogão, fez com passos comedidos, meio inseguro de andar na postura ereta.

— Ah — ele mastigou cenoura depressa, meio que engasgando pra engolir — Você vai muito longe? Não sei qual é o limite da distância que posso captar o seu chacra.

As sobrancelhas de Shino se ergueram pela dúvida pertinente.

— Não tem nenhum supermercado nesse quarteirão. Mas há uma kombini aqui perto. Posso comprar uma roupa de emergência, então iremos juntos comprar o resto. Acha que até o final da rua é seguro o bastante?

O garoto franziu a testa e concentrou-se para mensurar o poder do Chacra de Shino. Humanos costumavam ter um raio significativamente curto de propagação de energia. Contudo aquele homem era um mago, e a magia elementar fazia com que seu fluxo de Chacra alcançasse mais longe do que o normal.

— Sim, acho que é seguro sim — pareceu satisfeito com as próprias conclusões e não demorou a voltar a comer — Você cozinha bem pra caralho!

— Obrigado — Kiba comia com tanto gosto, que Shino se contagiou e resolveu repetir a refeição, algo que nunca fazia.

— Na forma shifter eu não sou um bom caçador. O olfato é apurado, tenho a força… agilidade… mas falta instinto. Não há o que fazer, minha mãe se envolveu com um Pastor-da-Mantiqueira e eu sai ao meu pai. Minha mãe é uma Braco Alemã, e o pai da minha irmã é um Husky. Adivinha só? Minha irmã puxou ao pai dela e nasceu Husky. Eu devia ser um Pitbull ou um Rotville, pra impor respeito. O pessoal me trata com “owwn que fofo, olhem esse pelo perfeito”. Tá, eu sei que sou lindo, mas preferia ser perigoso. É melhor que ser um pinscher! No nosso Clã é raro nascer uma raça pequena, a gente não mistura muito… mas vai que…

Shino quase sorriu diante da verborragia. Ficou mais do que provado que Kiba sentia mesmo falta de conversar! Porque matracou cada segundo que sentou naquela mesa, e parecia longe de cansar.

— Vou falar com Ino e perguntar um jeito de entrar em contato com sua família.

— Valeu, cara! Assim fico até sem jeito de ter desconfiado de você. Pensei que era um cuzão, mas está me ajudando bastante. Não sou bom caçador, mas posso retribuir pegando uns ratos e protegendo a sua estufa.

Isso alertou Shino para o fato de que precisaria encontrar algo com o que distrair Kiba. Se ele ia ficar por ali, não podia ficar só deitado e comendo. Ele parecia um garoto cheio de energia que precisava ser bem aplicada.

— A princípio o que acha de me ajudar com as tarefas de casa? — lembrou-se de lançar a sugestão através de uma pergunta, para não dar a impressão de que usava a premissa de “dono” para ordenar algo ao garoto (Sim, ia continuar chamando de garoto porque ele agia como um).

— Ótimo! Posso lidar com isso sem problemas — sorriu satisfeito.

A frase funcionou como marco final da conversa. Ambos se concentraram em terminar de comer o resto da refeição. Depois da qual o dono da casa se despediu, dizendo que iria até a kombini. E Kiba se comprometeu a lavar as poucas louças e tentar guardar tudo no lugar.

Shino saiu de casa e observou a construção. Conseguia sentir a presença de Kiba claramente, quase como se ele estivesse ao seu lado. A sensação era esquisita. Captava traços de empolgação, satisfação e algo de… alegria.

Ousou erguer uma barreira de proteção simples e pouco elaborada.

Concentrou-se de novo. Aquela técnica não interferiu em nada. O chacra de Kiba chegava até ele como se não houvesse nada para atrapalhar.

Cheio de cuidado, seguiu pela rua. Pouco a pouco sentia a energia enfraquecer, mas não desaparecer de todo. Mesmo quando chegou até a kombini, era como se um pequeno fragmento do garoto-shifter estivesse com Shino, levinho, mas o bastante para que a Maldição não agisse de um jeito negativo, ativada pela ausência. A loja de conveniência ficava bem no limite que Shino podia se movimentar.

Apesar disso, decidiu fazer compras depressa e voltar para casa, para não correr nenhum risco.

Aquele era um comércio bem completo, embora cheio de produtos genéricos. Ao fundo da loja encontrou um demonstrador cabideiro com dezenas de camisetas brancas simples, no mesmo modelo básico. Pegou três delas.

Em outro cabideiro encontrou bermudas de pano em várias estampas. Não era nada aclamado pelo mundo da moda, mas muito melhor do que desfilar por aí com um short que caia de tão largo. Era apenas uma medida provisória, depois levaria Kiba até uma loja de roupas. Teve o cuidado de comprar uma escova de dentes vermelha, pra combinar com as marcas no rosto dele.

Shino não era nenhum milionário, ganhava bem para sua sobrevivência e acabava economizado bastante. Suas poções recebiam muitas encomendas, as plantas que cultivava ganhavam fama na comunidade sobrenatural, vendia bastante e fazia sua reputação aumentar. Como era um homem de hábitos rotineiros, nada extravagante, o dinheiro que sobrava ia direto para o banco. Sua conta corrente tinha um saldo que o permitia fazer aquelas compras sem se preocupar. Pensou se devia levar dois bento para garantir a janta, mudou de ideia sem considerá-la demais. Amava cozinhar, preferia ir ao supermercado, comprar matéria prima e preparar a comida com as próprias mãos.

Ao chegar no caixa pegou alguns chocolates. Kiba disse que vagava como cão por quinze anos. E Shino intuía que ele era do tipo que adorava doces, devia sentir muita falta de guloseimas como aquela.

Estava voltando pra casa quando surpresa varou o vínculo e atingiu Shino como um golpe invisível. E então raiva, apreensão e medo. Sentimentos que não eram seus, que reconheceu como do shifter que abrigou em sua casa.

Saiu correndo com a certeza de que alguma coisa terrível aconteceu, suspeita que se confirmou: a barreira invisível tinha sido destruída. Não diminuiu o ritmo ao entrar na propriedade, apenas largou as sacolas no chão e correu para os fundos, onde uma onda de energia explodiu de modo agressivo.

Havia um homem parado no centro do terreno, de cabelos grisalhos presos em um rabo-de-cavalo baixo e roupas exóticas. Segurava Kiba pela coleira, erguendo o garoto uns bons centímetros do chão. O rosto dele estava ferido no nariz e nos lábios, sangue pingava e manchava a blusa emprestada.

— Ora, ora — o desconhecido debochou, olhando pra Shino por cima da lente dos óculos de grau — Então foi você quem me passou a perna? Depois de quinze anos atrás desse vira-latas, você se tornou o dono?

— S-Shino — Kiba também olhou para o mago, com preocupação sobrepujando o medo em sua face — Foge! Ele é o caçador!


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Notas finais do capítulo

Você desconfiam de quem é o caçador? Já usei como vilão antes

hohohoho

Tá meio na cara, né?