Chamas Azuis escrita por Caramelo


Capítulo 7
Sonhos Estilhaçados


Notas iniciais do capítulo

Eai? Como estão meus leitores amados? Faz um tempinho já né... Por favor, não fiquem bravos comigo >.

Agora vou deixar vocês mais uma vez com a nossa teimosa e querida Jane:



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I

Ambos ficamos imóveis por um instante, Jared e eu. Um esperando a resposta do outro. Eu quero acreditar no que ele está dizendo, porém nada disso faz sentido para mim. Tudo nele implora pela minha confiança, mas não posso concedê-la. Não quando ele esconde tanta coisa...

"Confie em nós" ele diz... Será que posso realmente confiar nessas pessoas?

Antes de conseguir responder esta pergunta, a porta da ala médica abre de repente, deixando o som das dobradiças enferrujadas ecoar pelo ambiente. Jared me solta para mirar a porta no mesmo instante, fazendo com que meu corpo finalmente desabe sobre os lençóis da cama. Dirijo meu olhar na direção dela e vejo a imagem de Camélia e Carter surgindo. Algumas pontadas de dor começam a se intensificar em minhas costas à medida que Jared se afasta de mim e caminha em direção aos dois.

— Vocês conseguiram? - Jared pergunta assim que ambos entram.

— Não ouviu o barulho? - Carter responde com outra pergunta.

— Já está tudo pronto! - diz Camélia sem rodeios. - Temos pouco tempo agora... Antes que a nitroglicerina cause uma reação em cadeia.

Vejo que as roupas de ambos estão sujas com algo preto... Como fuligem ou carvão. Tenho certeza de que não estavam assim antes. E o que ele quis dizer com barulho? Foram eles que causaram o tremor de agora a pouco? EU QUERO QUE ALGUÉM ME DIGA O QUE ESTÁ ACONTECENDO!

— Certo... - responde Jared enquanto caminha novamente até mim. - Jane, eu preciso que você...

— Me recuso a sair daqui até que me digam exatamente o que está acontecendo - interrompo ele enquanto me esforço para ficar sentada. Apoio meus braços na beirada da cama e luto contra a vontade de deitar enquanto encaro seus olhos.

— Se recusa? - ele repete em tom de surpresa.

— Espera... - Camélia diz enquanto se aproxima de nós. - O que houve aqui?

— Isso é culpa minha - Jared responde para minha surpresa. - Eu não fui cuidadoso...

— Isso não importa agora - a enfermeira interrompe ele se agachando para me encarar nos olhos. - Jane, eu não sei o que está acontecendo com você e entendo que queria respostas, mas este não é o momento...

— Então quando vai ser? - pergunto antes de deixa-la terminar. Já ouvi essa conversa uma dezena de vezes...

— Quando sairmos daqui - afirma ela em tom resoluto.

— Pois eu não saio até que me contem tudo!

— Já chega disso! - Jared exclama irritado fazendo com que a enfermeira se levante abruptamente e o encare.

— Jared... - ouço Carter dizer enquanto se aproxima de nós.

Os três trocam olhares audazes, como se estivessem em uma discussão silenciosa...

— Eu não me importo com o que vocês pensam - Jared responde após alguns poucos segundos - Eu não vou apostar minha vida só para salvar uma garota inútil...

— O que quer dizer com isso? - pergunto no mesmo instante.

— Ele está apenas... - Camélia começa, mas não tem chance de terminar.

— Não, Cathie! - grita Jared quando a enfermeira coloca a mão em seu braço tentando acalma-lo. - Essa garota teimosa não vai ajudar em nada, não sei o que você e aquele velho tinham na cabeça quando decidiram isso!

— Jared, controle-se! - ordena Carter. Sua voz grossa e firme ecoa por toda a ala silenciando a todos. - Será que vocês não percebem o que está em jogo aqui? Temos que seguir com o plano ou...

— Eu não me importo com qualquer plano estúpido que vocês tenham! - grito obtendo a atenção dos três. Sinto minha garganta arder, mas ignoro a dor assim como a tontura... - Vão me dizer tudo, agora! Eu quero a verdade e não promessas sem sentido...

— Você quer a verdade? - Jared responde no mesmo tom indignado e irritadiço que eu usei -, pois bem! A verdade é que...

— Fomos mandados aqui por seu pai! - Camélia grita abruptamente interrompendo o garoto.

Todos encaramos a enfermeira estupefatos e sem saber direito como reagir... Camélia apenas nos encara de volta com uma aparência tensa, mas, apesar disso, seu rosto, levemente sujo de algo que lembra fuligem, parece decidido.

Meu pai os mandou? Não é possível, não pode ser... Depois de todos esses anos, por que agora? E por que justo essas pessoas? Embora não saiba essas respostas, tudo começa a fazer sentido agora... Como eles sabiam da minha existência, o porquê de terem minha ficha... Meu pai estava por trás de tudo!

Não consigo evitar de sorrir ao ouvir isso. Sinto algumas lágrimas se acumularem em meus olhos, porém não tento contê-las. Então ele não se esqueceu de mim. Ele ainda me ama, eu não estou sozinha... Pela primeira vez em oito anos, minhas lágrimas não são de dor ou medo... São de felicidade. Tinha quase esquecido essa sensação.

— E-Ele mandou vocês? - pergunto ainda incrédula com a voz tremula devido ao choro. - Meu pai? Mas por que armar tudo isso? Por que ele apenas não me tirou daqui da forma convencional?

— Por causa de sua mãe - continua a enfermeira. - Ela não quer que você saia daqui... Por isso ele nos contratou, para resgatar você desse hospício sem que a Sra. D'Lacy suspeite.

— Eu poderei vê-lo... - digo quase que para mim mesma.

— Vamos cuidar disso depois que sairmos deste lugar - desta vez é Carter quem se pronuncia. - Agora, precisamos que você nos escute e faça exatamente o que dissermos, entendeu?

Não consigo prestar atenção ao que ele diz... Minha cabeça está repleta dos mais confusos pensamentos que se possa imaginar. Fico imaginando, sonhando, com o que vai acontecer depois daqui... Como será me encontrar com ele. Tenho tanto a dizer... Tanto.

Sou tirada de meus devaneios subitamente por duas mãos que agarram meus braços e me fazem encarar seu rosto levemente mais bronzeado na área próxima ao nariz. Seus olhos azuis fuzilam-me de forma ameaçadora e no mesmo instante percebo que o garoto estava dizendo alguma coisa a qual ignorei completamente.

— Escuta - ele continua -, esqueça qualquer pensamento estúpido que esteja passando pela sua cabeça e preste muita atenção no que vou te explicar. Temos apenas alguns minutos para sair desta ala e precisamos que você colabore para que tudo saia como planejado ou coisas muito ruins vão acontecer, será que fui suficientemente claro?

Aceno com a cabeça enquanto tento me recompor.

— Muito bem - responde o garoto enquanto solta meus braços -, eis a segunda parte do plano...

II

Carter me coloca sobre a única maca hospitalar da ala médica do S&K com cuidado. O ferro repleto de ferrugem me faz duvidar da estabilidade dela, porém não há escolha neste momento. Camélia retira todas as ataduras de meus braços assim que estou em posição na maca.

— Sinto muito - ela diz enquanto retira as bandagens sujas de sangue do meu corpo.

— Quanto mais convincente melhor, certo? - respondo tranquilizando-a.

Dito isto, ela coloca as mãos sobre meus braços nus e aperta onde estão meus ferimentos de forma que deixa meu sangue escorrer por entre os cortes que Grizelda fez em meu corpo sem que abra nenhum ponto. Apenas para deixar os lençóis sujos o suficiente... Mordo os lábios para evitar um grito de dor enquanto a enfermeira cobre-me com o lençol, agora manchado com tom escarlate vivo de sangue fresco.

O plano é relativamente simples... Existe um fosso profundo na área leste do S&K que desemboca em um rio há alguns quilômetros. Os enfermeiros costumam jogar os corpos dos pacientes lá para que se decomponham na água e desapareçam nas profundezas escuras do rio sem deixar rastros. Não que alguém se importe o suficiente com qualquer um de nós para investigar os desaparecimentos, porém é sempre melhor prevenir do que remediar... Principalmente, quando o corpo de funcionários do S&K é composto por assassinos e ladrões...

Atenção é a última coisa que eles desejam, portanto o fosso se tornou a alternativa mais viável para se livrar de toda a "sujeira" do S&K. E, neste momento, é exatamente isto o que eu sou, ou pelo menos o que estou fingindo ser...

— Está tudo pronto - ouço Camélia afirmar -, Jared você vai seguir com Jane para a ala leste enquanto eu e Carter vamos garantir que os enfermeiros não interfiram.

— Espera! - digo tirando o lençol de cima de meu rosto para encarar a enfermeira - Pensei que viriam conosco...

— Não podemos - reponde ela apressadamente - Há mais coisas para resolver, além disso, você estará segura com Jared. Apenas faça o que dissemos e tudo dará certo.

— Temos que ir - diz Carter impacientemente - Estamos perdendo tempo...

Camélia apenas acena e se apressa para segui-lo pela porta. Assim voltamos a ficar apenas eu e Jared. Sinto um frio na barriga e um pouco de ansiedade à medida que os segundos passam. Em breve estarei do outro lado destes muros de pedra, além destas paredes cinzentas... Como será lá fora? Não consigo me lembrar. Tudo que sei sobre, ouvi de conversas entre enfermeiros. O que não é muito útil já que a maior parte deles também está confinada neste báratro.

Jared cobre meu rosto novamente com o tecido leve e ligeiramente áspero do lençol velho e começa a empurrar a maca para fora da ala médica. Meu coração dispara no mesmo instante. Finalmente está acontecendo... Vou poder encontrar meu pai outra vez. Seguro as lágrimas e luto contra a vontade de voltar a chorar. Preciso manter-me firme. O plano depende disso.

Enquanto a maca vai deslizando sob as pequenas rodas, ouço o som dos encaixes enferrujados ecoando pelos corredores conforme avançamos. Acho que discrição é a última coisa que teremos... Sinto as partes ainda úmidas do lençol grudarem em meu vestido e os cortes em meus braços ardem enquanto expostos, porém é uma dor suportável.

Tento ficar o mais imóvel possível e cuido para que minha respiração se mantenha calma e quase imperceptível. Concentro-me no suave balançar da maca e luto contra qualquer pensamento que possa me deixar tensa. Para todos os sentidos, devo estar morta.

Posso ouvir a respiração pesada de Jared enquanto empurra a maca e percebo que ele está tão preocupado quanto eu. Presumo que ele saiba que este plano pode falhar a qualquer instante, mesmo que pelo mais pequeno deslize. Tento imaginar que horas são agora, porém não faço a mínima ideia... Não tenho certeza de quanto tempo passamos na ala médica, o tempo se tornou algo tão banal em comparação com tudo que está acontecendo que perdi a noção.

De repente, o som estridente de algo explodindo, ecoa por todos os lados. O mesmo som que ouvi antes, quando estava na ala médica, porém mais claro e audível que antes. Sinto a maca tremer conforme novos pedaços minúsculos de reboco caem do teto sobre nós. É como se tudo ao redor estivesse prestes a desmanchar... Porém o som não acaba apenas aí.

Uma pequena série de estrondos segue reverberando pelas paredes do S&K e, em seguida, conforme os tremores se intensificam na estrutura de pedras, gritos desesperados juntam-se a sinfonia de estrépitos confirmando meus temores... Algo definitivamente não está certo.

— Jared... - sussurro. - O que está acontecendo?

— Fique em silêncio - ordena ele no mesmo instante. - Mortos não falam!

Desta parte tenho que discordar... Mortos podem fazer muito mais do que apenas falar. Disso sei muito bem. Mas creio que não seja o momento para discutir isso, portanto apenas obedeço. Ainda não sei o que está havendo, mas tenho certeza de que Carter e Camélia estão envolvidos... Imagino que este deva ser o "método" que eles usaram para garantir que os enfermeiros estejam ocupados neste meio tempo.

Ainda sim, sinto que há algo errado nisso...

Passos apressados ressoam pelo corredor à frente e prendo a respiração. As vozes tremulas e aflitas surgem no corredor e parecem se aproximar cada vez mais. Fico ainda mais tensa pelo fato de não poder enxergar nada por baixo do lençol. Concentro-me em minha audição e tento imaginar a cena que se passa ao meu redor.

— O som parece ter vindo da ala norte! - ouço uma mulher qualquer anunciar.

— Pode ter sido uma explosão? - outra voz, desta vez masculina, pronuncia-se. - Talvez uma das caldeiras tenha...

As vozes se afastam e a conversa se perde conforme eles desparecem em direção a ala norte - presumo. Ouço mais amontoados de passos ecoando por todos os cantos e vozes cada vez mais alarmadas passarem por nós. Os enfermeiros parecem nem notar nossa presença, pois estão preocupados demais com o que está acontecendo com o S&K para dar importância a um homem qualquer carregando apenas mais um dos muitos cadáveres de pacientes. Seja lá o que aqueles dois estejam fazendo, está funcionando.

Por um momento, começo a acreditar que tudo sairá como o esperado. Que esse plano ridículo pode realmente funcionar. Preferia que fosse de outra forma, porém não tive escolha... O S&K inteiro deve pensar que sou responsável pela morte do Sr. Terffiz e Benjamin, além disso, ainda não sei que fim teve o corpo de Grizelda. Será que ela já foi encontrada? Não pode ser... Presumo que haveria algum grupo de busca atrás de mim a essa altura.

Me fingir de morta foi a melhor solução. Assim Jared poderia me levar pelos corredores sem que ninguém suspeitasse. E, com a ajuda dessa tal "distração" que Carter e Camélia criaram, a atenção dos enfermeiros está compenetrada em outra coisa... Seja lá o que for.

Eu estava acreditando cada vez mais que em breve estaria longe dos portões de ferro e muito além dos muros altos deste hospício. Infelizmente, nem tudo acontece da forma que queremos...

III

Outro estrondo pode ser ouvido, fazendo com que mais pedaços de reboco e poeira caiam do teto diretamente sobre mim e Jared. Ouço o som das rodas deslizando apressadamente sobre o piso de pedras do S&K quando Jared empurra a maca em direção à direita de um corredor qualquer. Não faço a menor ideia de onde estamos e, sinceramente, não me importo. Só sei que a cada novo corredor que entramos sinto que estou mais perto do que jamais estive de fugir deste lugar.

Jared ao contrário de mim, parece ficar mais nervoso a cada passo apurado que dá. Como se estivesse afobado para sair do interior do S&K. E é isto que me preocupa, além disso, Carter e Camélia ainda estão desaparecidos...

— Você - ouço uma voz grave e um pouco familiar gritar de repente puxando-me de volta para realidade -, fique parado aí mesmo!

Meu coração acelera no mesmo instante e tento ocultar meu pânico enquanto prendo a respiração outra vez. Presumo que este tenha sido o mais longe que já consegui ir em todos os anos em que estive internada aqui. Sinto a adrenalina dominando meu corpo, porém não posso fazer absolutamente nada, nada além de garantir que quem quer que esteja se aproximando não perceba a realidade.

— Fique calma e prenda a respiração... - Jared sussurra para mim. - Farei o possível para que ele não preste atenção em você.

Ele para a maca obedientemente. Posso sentir a tensão em seus gestos. Gostaria de poder ver o que se passa, porém tudo que meus olhos conseguem capturar através do lençol são sombras fracas movendo-se de um lado para o outro de forma que não consigo entender muito bem o que se passa ao meu redor.

— O que está fazendo? - a voz afobada de um enfermeiro ressoa a alguns centímetros de mim.

Consigo sentir sua proximidade exorbitante...

— Fui instruído à despejar este corpo no fosso - Jared responde como se tivesse ensaiado as falas.

— Não deveria estar aqui! - o homem de voz grave alega em um tom que deixa claro sua aflição. - Ninguém está autorizado a sair até que descubram o que... - ele é interrompido por mais um estrondo, desta vez, sinto que foi bem próximo de nós. - O que diabos está acontecendo?

Também gostaria de saber... A cada novo estrondo que ouço, fico ainda mais tensa. Isso tudo está muito estranho. Os enfermeiros parecem alarmados de mais para uma simples distração... Afinal, o que é tudo isso?

Não consigo encontrar resposta alguma... Tudo que consigo pensar neste momento é que não conseguirei ficar imóvel por tanto tempo... Estou quase sufocando debaixo desse lençol, preciso de ar... 

— Acha que eu sei? - Jared responde no mesmo tom que o enfermeiro usara à pouco, porém tenho certeza de que ele está mentindo. - Tudo que fui instruído a fazer foi me livrar deste corpo.

— Mas não foi informado o óbito de nenhum paciente - argumenta o enfermeiro.

— Não queriam divulgar a morte dela - Jared continua sem demonstrar preocupação ou duvida em seu tom de voz. - Pelo menos não até que tudo esteja resolvido...

— Quem é o supervisor de sua ala? A transferência do corpo só pode ser autorizada por ele.

— Acredito que seja a senhora Grizelda Askarce, agora que o senhor Ter... - Jared tenta contornar, porém é interrompido pelo outro abruptamente.

— A Sra. Askarce está tentando obter informações de uma paciente sobre a morte de dois funcionários, tenho certeza de que ela não está ciente da morte deste paciente, certo? - Sinto meu corpo gelar a cada palavra a mais que ouço o enfermeiro pronunciar.

— Muito pelo contrário - afirma Jared com firmeza -, foi ela em mesma quem ordenou que o corpo fosse despachado sem rastros há quase uma hora.. Agora, será que posso prosseguir ou irá querer que traga uma carta por escrito da própria Sra. Askarce para que o convença?

Por favor... Apenas nos deixe sair daqui! Sinto meus pulmões implorarem por ar e minhas mãos começarem a tremer. Eu não posso mais... Não aguento mais!

— Eu até deixaria... - ouço o enfermeiro dizer segundos antes de deixar escapar uma curta risada desdenhosa. - Se tivesse inventado uma desculpa melhor que essa.

— Como disse..? - Jared pergunta, parecendo, pela primeira vez, sem resposta.

— O corpo daquela velha foi encontrado hoje pela manhã... Há quase três horas - diz o enfermeiro, para meu horror e, no mesmo instante, solto um suspiro recuperando o fôlego.

— Droga! - é tudo que ouço Jared dizer, segundos antes de sentir algo batendo violentamente contra a maca e, em seguida, ser empurrada contra uma parede.

O ferro enferrujado das pernas da maca não aguenta a colisão e se parte ao meio fazendo com que eu seja arremessada contra o piso de pedra enquanto o lençol manchado se enrosca ao redor do meu corpo prendendo-me junto a maca quebrada. Ouço o som de vidro estilhaçando-se e pequenos cacos caem sobre mim fazendo novos cortes em minha pele. Tento proteger o máximo possível meu rosto com os braços e uma dor alucinante toma conta de mim.

Cada ferimento meu começa a latejar com o choque e mordo ou lábios segurando um gemido. Sinto o piso gelado embaixo de mim e respiro com dificuldade tentando me acalmar... Forço meu corpo a aguentar a dor e seguro as lagrimas. Não há tempo para me lamentar.

Levanto meus olhos para encarar os dois homens há quase dois metros de mim e meu coração dispara ao ver Jared ser derrubado por um golpe do enfermeiro em suas costelas. A luz do sol penetra pelas janelas quebradas atrás de mim e ilumina a cena de forma quase macabra e pela primeira vez, vejo onde estamos...

IV

— Eu sabia que essa puta estava escondida em algum lugar! - vocifera ele enquanto Jared, assim como eu, cai no chão de pedras se contorcendo. Vejo o enfermeiro agarrar o garoto pelo colarinho do casaco e levanta-lo.

— Diga-me, achou mesmo que iria me enganar? - O homem corpulento pressiona Jared contra a parede enquanto o segura pela garganta sufocando-o. - Eu avisei à Terffiz e à Askarce sobre você e aqueles outros dois quando entraram aqui há quatro dias dias... E agora, os dois estão mortos e eu encontro você tentando fugir com uma prisioneira... Aposto que são os gêmeos estão causando essas explosões agora mesmo...

— Deixa ele em paz! - grito com a voz rouca, chamando a atenção do enfermeiro antes que Jared sucumba à pressão...

Assim que seu rosto encontra a luz o reconheço imediatamente. Perco o folego no momento em que nossos olhares se cruzam... O homem de cabelos negros e nariz achatado, aquele cuja cicatriz que eu causei ainda está fresca logo acima de seu olho esquerdo... O mesmo que causou a morte de Eleonor... Me encara com puro ódio, exatamente como da ultima vez em que nos vimos.

Ele solta Jared no mesmo instante, e direciona sua raiva para mim... Lembrando um lobo que encontra sua próxima presa durante uma caçada. Vejo o corpo do rapaz deslizar novamente para o piso frio do S&K. Ouço ele tossir freneticamente tentado recuperar o ar.  O enfermeiro começa andar em minha direção, mas não antes de acertar um chute violento no rosto de Jared fazendo com que ele solte um grunhido de dor. Um pânico toma conta de mim e tento encontrar, inutilmente, um meio de fugir.

— Não se preocupe - diz ele com um sorriso sádico estampado em seu rosto enquanto se aproxima de mim. -, eu vou brincar com você também...

Tento me livrar do lençol que está preso e rastejar para longe dele, porém ele rapidamente se abaixa e segura meus braços prendendo-me completamente contra o chão. Sinto seu cheiro de suor próximo de mim, misturado com o cheiro de sangue fresco e o enjoo volta subitamente.

— Vamos ter muito tempo para isso agora que Eleonor não está aqui... - seu hálito quente e fétido bate contra meu rosto e luto contra a vontade de vomitar. - Ela era muito mais bonita que você, mas acho que podemos nos divertir... Só precisamos dar um jeito nesses hematomas.

Eu não entendo o que ele está querendo dizer com isso... Ele quer me torturar? Assim como Eleonor...? Não consigo decifrar o que estas palavras significam...

— Grizelda cuidava para que nenhum enfermeiro tocasse em você... - ele continua - Mas agora eu serei seu novo cuidador, já que você e seus amiguinhos fizeram o favor de se livrar dela. Aquela velha gostava de ter brinquedos particulares...

— Me solta... - resmungo ficando cada vez mais assustada. - Por favor... 

— Fique calma - continua o homem -, prometo ser gentil.

O que ele quer dizer com isso? Não entendo uma palavra do que ele está dizendo! Sinto a tontura voltando e tudo começa a girar ao meu redor outra vez. A única coisa que parece continuar intacta é a imagem do homem grotesco em cima de mim...

Minha respiração fica pesada, quero gritar e sair correndo daqui, mas não consigo mover um músculo sequer. Estou completamente imóvel e indefesa. Sinto todas as minhas esperanças começarem a ruir, se estilhaçarem como vidro, conforme minha visão vai escurecendo.

Fecho os olhos aguardando o pior, porém o único som que ouço é o de uma lâmina sendo sacada e de algo que lembra alguém engasgando... Sinto algum líquido cair sobre meu rosto e forço-me a continuar consciente. Abro meus olhos tentando enxergar através da visão turva e deparo-me com dois olhos azuis encarando-me por trás do homem que ainda segura meus braços.

Jared segura o enfermeiro pelas costas com a mão esquerda agarrando seu colarinho enquanto a direita está na garganta do homem, juntamente com a lâmina de uma adaga perfeitamente alojada abaixo do queixo do mesmo. A lâmina parece sair de dentro da manga de Jared, como se estivesse oculta naquele bracelete que ele usa...

— Não ouse colocar suas mãos podres nela - diz o rapaz de olhar sanguinário enquanto retrai a lâmina novamente para dentro da manga de seu casaco fazendo com que ela desapareça novamente -, seu porco nojento...

O sangue começa a espirrar pelo corte recém feito, acertando meu rosto completamente em choque. Encaro imóvel o enfermeiro corpulento levar suas mãos até a garganta, inutilmente, tentado estancar o sangue, enquanto engasga com o mesmo. Jared apenas se afasta cambaleante enquanto observa o homem cair ao meu lado formando uma poça de sangue escuro ao meu redor.

Fico meramente assistindo aquela cena sem fazer nada, tentando entender o que acaba de acontecer...


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Notas finais do capítulo

Este foi mais um capítulo, espero que tenham que gostado, deixem um comentário se quiserem dizendo o que acharam.

Uma pessoinha maravilhosa me deu a ideia de estipular uma data certa para lançar os capítulos e gostei bastante disso, eu vou arrumar uma agenda para marcar os melhores horários e tentar organizar um sistema melhor. Quando postar o próximo capitulo, isso já vai estar resolvido (espero hehehe), então informo a vcs. ♥

Ah, mais uma coisa, vcs preferem capítulos mais compridos como esse e "Eternas Saudações aos Mortos" ou preferem capítulos mais curtos?

Isso é tudo, tchauzinho e até o próximo capitulo.



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