Chamas Azuis escrita por Caramelo


Capítulo 8
Ouvi Os Céus Cheios De Gritos


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoinhas maravilhosas que leem minha história ♥. Como estão?

Lembram-se que eu disse que escolheria uma data certa para postar os capítulos? Pois bem eu fiz isso hehehe. Vou começar a postar nos fins de semana, provavelmente pela madrugada ou de sábado para domingo ou de domingo para segunda. Vou fazer isto de teste por algumas semanas.

Bom agora sem mais delongas, vamos mergulhar novamente na mente confusa de uma apavorada Jane..



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I

Sinto minhas mãos tremerem freneticamente enquanto o corpo do enfermeiro jaz ao meu lado. O sangue que escorre pelo ferimento profundo em sua garganta, feito pela lâmina oculta de Jared, aproxima-se de meus cabelos bagunçados, porém sou erguida antes que ele me toque. Meus olhos continuam vidrados no cadáver assombroso do enfermeiro ao mesmo tempo em que duas mãos fortes envolvem meu corpo e livram-me dos lençóis rasgando-os.

Tudo parece estar no mais profundo silêncio neste curto meio tempo. Não ouço absolutamente nada... E,. embora Jared desvie meu olhar do corpo para mira-lo no lugar, a cena grotesca ainda não sai de minha mente. O toque morno do garoto envolve minhas bochechas enquanto ele segura-me para que eu não desabe outra vez no piso, ainda sim, sinto como se ele não estivesse ali... Como se fosse apenas um fantasma.

Seus olhos azuis estão dilatados e ele está suando... Os cabelos negros, grudando suavemente em suas têmporas dão a ele um tom quase histérico. Ele parece muito instável. Seus lábios se movem dizendo qualquer coisa, porém não consigo discernir suas palavras.

O cheiro de sangue fresco preenche minhas narinas e não sei dizer se é o meu próprio ou o do homem morto... Talvez os dois. Sinto como se estivesse presa neste devaneio durante horas, porém creio que passaram-se apenas alguns segundos...

Tudo parece surreal ao ponto de me fazer duvidar se estou mesmo acordada. Talvez isto seja apenas outra insânia de minha cabeça... Talvez essa e todas as outras mortes que presenciei sejam apenas fruto da imaginação fértil de uma garota louca. Algum tipo de pesadelo macabro... Eu posso ainda estar trancada em minha cela, deitada no chão frio, apenas esperando ser despertada por uma Grizelda viva e furiosa. Minha cabeça está tão confusa que não consigo identificar o delírio do real...

Enquanto esses pensamentos envolvem meu subconsciente, vejo uma imagem familiar surgir atrás do ombro de Jared... Dois olhos vermelhos como sangue estão a me encarar. Seus lábios negros e cortados formam um curto sorriso, embora seu olhar seja de choro. No mesmo instante, percebo de quem se trata...

Eleonor.

O fantasma da mulher está com uma das mãos no ombro direito do rapaz, suas unhas quebradas agarram o casaco branco dele de uma forma tão desesperada que não entendo como Jared não sente. Seu olhar vaga para o corpo inerte do enfermeiro... Ela o observa atentamente, analisando-o de certa forma, e então seus olhos desviam abruptamente para mim outra vez. Vejo-a abrir os lábios, exibindo a arcada dentária tão negra quanto seus cabelos, mas antes que ela possa dizer qualquer coisa, ouço um grito agudo vindo de trás de mim.

II

O som estridente me trás de volta a realidade, libertando-me do curto transe e, em um piscar de olhos, a abantesma desaparece tão rapidamente quanto surgiu. O som de algo caindo, como uma bandeja de metal, ecoa logo em seguida.

— Merda! - ouço a voz de Jared pela primeira vez.

Seus olhos dilatados não estão mais voltados para mim, mas sim para qualquer coisa às minhas costas. Ele parece desesperado... Jared solta-me abruptamente e levanta-se em um pulo disparando naquela direção. Eu caio com as costas no chão outra vez, porém a adrenalina que toma conta do meu corpo me impede de sentir dor. Sinto um líquido grudento sujar meu corpo, mas não quero saber o que é, embora a resposta seja óbvia...

Apoio-me no piso sujo, ainda com as mãos tremulas e tento ver o que se passa do outro lado do estreito corredor. O chão parece brilhar em certos pontos enquanto a luz natural que emana das janelas encontra os minúsculos cacos de vidro espalhados por todos os lados. Parece bonito, de certo modo, de forma que destoa de toda cena grotesca que acaba de acontecer.

Vejo a figura sombria de Jared correndo em direção à outra. Embora as imagens à minha frente estejam confusas, consigo distinguir o uniforme branco de enfermeira do S&K... Jared avança freneticamente naquela direção enquanto vejo a figura uniformizada desaparecendo dentro de outro dos labirínticos corredores que se estendem por toda a estrutura do hospício. O som de uma lâmina sendo sacada ecoa outra vez...

— Jared! - grito com todas as forças que me restam antes que o garoto desapareça corredor adentro. Ouço sua respiração ofegante enquanto ele para hesitantemente no meio do mesmo assim que me ouve.

Ainda de costas para mim ele diz:

— Tenho que ir atrás daquela enfermeira ou ela vai alertar à todos.

— Mas...

— Se eu não impedi-la mais deles virão!

— Você vai... mata-la? - pergunto engolindo em seco sem tirar os olhos da lâmina brilhante que surge de dentro de sua manga.

— Carter e Cathie dependem de mim... - diz ele evitando minha pergunta enquanto cerra os punhos.

— Eu também dependo de você... Por favor - imploro sentindo as lágrimas acumularem-se em meus olhos -, não me deixe aqui sozinha...

Não posso deixa-lo ir. Não posso ficar só neste lugar... Tenho medo, muito medo do que pode acontecer. Se me encontrarem e me levarem outra vez para Correção, eu não suportarei aquilo. Preferir-me-ia morrer ao passar por outra tortura, a ficar apenas um dia a mais neste inferno. Gostaria de dizer tudo isso a ele, porém as palavras ficam presas em minha garganta. Ocultas pelo choro que desata de meus olhos.

O rapaz se vira para me encarar, aparentemente, rendendo-se e desistindo de perseguir a mulher assustada. Ele faz um movimento rápido com a mão direita e a lâmina desaparece mais uma vez. Vejo-o caminhar até mim. Ele se abaixa e seus olhos azuis ficam na mesma altura que os meus. O inchaço no lado esquerdo do seu rosto, causado por um dos golpes do enfermeiro, destaca-se e lhe dá um tom mais severo, de certo modo.

— Está tudo bem, acalme-se - ele diz consolando-me. - Não vou abandona-la aqui, não se preocupe.

— Obrigada... - digo tentando silenciar meu choro.

— Agradeça depois que estivermos bem longe daqui - Jared responde enquanto começa a tirar seu casaco revelando a camisa branca/amarelada de botões que veste por baixo. Seu bracelete de couro fica a mostra e consigo ver alguns mecanismos entrelaçados que envolvem a pequena adaga em seu pulso.

— Para onde vamos agora? - pergunto ao mesmo tempo que Jared coloca seu casaco sobre minhas costas, apoiando-o em meus ombros e ajudando-me a sentar.

— Temos que seguir com o plano... - responde ele pensativo.

— Mas como vamos continuar? - insisto. - A maca está destruída...

— Eu vou pensar em algo! - Sinto o nervosismo em seu tom de voz. As gotículas de suor acumulam-se em seu rosto tenso e presumo que ele esteja tão desesperado quanto eu.

— Por que apenas não seguimos pelos mesmo caminho?

— A ala leste está comprometida agora... Daqui a pouco haverão enfermeiros muito bem armado vindo para cá, temos que encontrar outra saída.

Assim que Jared termina, o som alto e grave, como uma grande explosão, ecoa por todo S&K. É o mesmo que ouvi muitas vezes, porém ainda mais audaz que os anteriores... Tudo ao nosso redor treme descontroladamente e grandes pedaços de reboco caem do teto fazendo sons estrondosos ao baterem violentamente contra o piso.

As paredes de blocos de tijolos acinzentados começam a apresentar fissuras que seguem do chão ao teto e grande parte da fina argamassa sobre elas vai se desfazendo. Os sons de ruínas tombando surge nos andares superiores e várias pancadas contra o chão tomam conta do interior do S&K.

É como se toda a estrutura do manicômio estivesse sendo despedaçada violentamente.

Os gritos desesperados de dezenas de pessoas completam a sinfonia de horrores. Eles vêm de todos os cantos, como que para me atormentar... Parecem os gritos dos mortos... Ecoando momentaneamente e, em seguida, sendo abafados pelos escombros. Não sei dizer se são reais ou se são apenas parte de minha insanidade tomando forma e assumindo meu subconsciente.

Talvez sejam as duas coisas...

— Jared... - chamo-o com a voz tão tremula quanto tudo ao nosso redor, apenas para ter certeza de que ele continua ao meu lado, e percebo que estou agarrando as mangas de sua blusa com tanta força que sinto meus dedos latejarem onde Grizelda estilhaçou minhas unhas. Ainda sim não o solto. Preciso agarrar algo sólido, algo que sei que é real... Tenho que saber que não estou sozinha!

Antes do garoto responder qualquer coisa, badaladas estrondosas sobrepõem-se aos sons agonizantes. Os três eminentes sinos soam do alto do trio de torres do S&K irrompendo por todos os lados, indicando que algo definitivamente está errado.

— O que é isso? - pergunta Jared em meio ao caos sonoro.

— São os sinos... - respondo sem encara-lo, meu olhar está compenetrado ao que acontece ao meu redor. - Eles nunca foram tocados antes...

Minha voz morre no meio da frase. Não consigo entender o que está acontecendo... Tem sido assim desde que conheci essas pessoas. Vários segredos e enganações... Minha cabeça está confusa e o fato de nunca me dizerem nada não melhora minha situação. Tenho certeza de que eles estão por trás disso tudo, mas ainda não entendo como.

Esses sinos funcionam como um alarme para que todo o corpo de funcionários do S&K saiba que alguma catástrofe está ocorrendo. Esta é a primeira vez em que ouço seu som estrondoso percorrendo os corredores sombrios do hospício e não creio que a presença de Jared e os demais seja apenas uma coincidência.

Sinto meu coração acelerar descontroladamente e, minha respiração, já inconstante, começa a juntar-se com o anarquia de sons que tomam conta de todo o ambiente. Tento controlar meu desespero enquanto ainda mais lágrimas enchem meus olhos...

— ne... Jane! - Percebo que Jared estava gritando meu nome e volto meu olhar apavorado para seu semblante ríspido. - Me escute, droga! Temos que fugir daqui, agora! Você precisa continuar lúcida, está bem?

O garoto coloca suas mãos em meu rosto choroso e limpa algumas poucas lágrimas que escorrem pelas minhas bochechas arranhadas. Seus olhos, de um azuis tão claro quanto o céu, imploram para que eu me recomponha. Precisamos fugir daqui, sei disso, porém não conseguiremos comigo agindo tão desesperadamente quanto agora... Respiro fundo tentando me acalmar enquanto o garoto ajuda-me a levantar do chão.

— Jared... - digo enquanto ele me ergue e me coloca em seus baços. - Os sinos são os sistemas de segurança do S&K... Isso significa que a esta altura tudo estará completamente... Lacrado. Todas as saídas serão terminantemente fechadas até que a ameaça seja contida! Como vamos sair agora?

— Vamos encontrar Carter e Cathie - ele responde decididamente -, aquela mulher certamente saberá o que fazer... É a pessoa mais genial que conheço. - Jared completa após alguns segundos.

Dito isto, dezenas de passos apressados surgem de um corredor atrás de nós. Passos pesados, como uma marcha... Que aumentam conforme se aproximam. Por um segundo fico confusa imaginando o que pode ser, porém, instantes antes da primeira silhueta aparecer de uma esquina de corredores, a resposta surge em minha mente... Enfermeiros. Não quais quer enfermeiros, estes são como soldados. Guardas. Por assim dizer. Que "cuidam" de possíveis ameaças para o hospital psiquiátrico e, no momento, nós somos uma dessas ameaças.

— Os outros dois estão aqui! - ouço um deles gritar com um vozeirão tão grave que quase me faz pular do colo de Jared.

O rapaz segura-me fortemente em seus braços enquanto tenta correr comigo para o mais longe possível daqui. Seguro a respiração enquanto enterro meu rosto em seu peito. Não entendo como nos encontraram em tão pouco tempo... Aquela enfermeira, não pode ter sido tão rápida, pode?

— Parem aí mesmo! - ordena outro guarda atrás de nós antes que Jared consiga chegar a um metro de distancia de onde estávamos e, no mesmo instante, consigo vê-lo disparar um virote contra nós.

O tempo parece congelar neste momento, como se tudo ocorresse vagarosamente. Vejo a balestra nas mãos do enfermeiro sendo erguida e logo depois os mecanismos que envolvem o virote - dardos similares a flechas, porém mais curtos - desprenderem-se bruscamente soltando-o voluptuosamente em nossa direção.

O pequeno virote, acerta o ombro de Jared, logo abaixo de meus olhos e deixo um suspiro assustado escapar pelos meus lábios quando o som de carne sendo perfurada invade em meus ouvidos. Tudo parece extremamente silencioso, desde que os sinos pararam de tocar e isto torna tudo ainda mais macabro do que antes. O grito de Jared ecoa pelos corredores e ele cerra as mãos enquanto me segura, tentando, inutilmente, amenizar a dor...

Sinto cada músculo meu sendo comprimido à medida que seu aperto se intensifica. Ainda sim, a dor parece quase superficial... Talvez todo medo e agonia que estou sentindo esteja bloqueando meus sentidos, forçando-me a ignorar qualquer sofrimento ou fraqueza que deveria estar sentindo.

Infelizmente, não tenho muito tempo para pensar nisso, pois o enfermeiro dispara mais uma vez contra Jared. Desta vez, acertando uma de suas pernas. A dor alucinante faz com que o garoto desabe contra o piso, levando-me junto ele.

Ambos caímos desajeitadamente e soltamo-nos com o choque. Os enfermeiros rapidamente chegam até nós e um desespero sem igual toma conta de mim. Tento rastejar para longe deles, porém sou agarrada por mãos fortes que me puxam para trás antes que tenha chance. Eu grito com todas as forças para que me soltem e debato-me bruscamente tentando livrar-me de seu aperto.

Minha visão fica borrada e então percebo que estou chorando... Isto não pode estar acontecendo... Não posso ser pega por eles! Não posso voltar para aquela cela... Prefiro morrer!

Ouço xingamentos confusos e várias vozes ao mesmo tempo dizendo milhares de coisas que não consigo discernir. Sons de espadas brandindo e lâminas colidirem umas com as outras... Dirijo meu olhar imediatamente para Jared, vejo-o novamente de pé, lutando contra a dor que as flechas lhe causaram, e com a sua pequena lâmina sacada contra mais de seis enfermeiros muito bem armados. A cena poderia ser cômica se não estivesse tão desnorteada e desesperada como estou agora.

Esta é uma luta que ele jamais vencerá, até mesmo eu percebo isso. Este plano sempre esteve fadado ao fracasso, acho que lá no fundo sempre soube disso. Estou condenada a viver por toda eternidade neste manicômio dos infernos... Como pude sonhar que um dia escaparia deste antro?

Enquanto Jared tenta lutar contra o bando de enfermeiro à sua frente, o homem que me segura puxa minha trança, agora quase inteiramente desfeita e desgrenhada, e força-me a ficar ajoelhada. Logo depois ele amarra meus braços nas costas, embora eu tente desfazer o nó puxando e debatendo-me contra o piso, é ineficaz tentar fugir deles.

Creio que eles já venceram...

Entre soluços e gritos o homem me arrasta até o corpo do enfermeiro que havia nos atacado há pouco. Vejo de relance a imagem de Jared sendo jogado contra uma parede e batendo com a cabeça violentamente. Sangue começa a escorrer de sua testa, entre seus cabelos escuros, manchando seu rosto quase inerte, enquanto o rapaz desaba mais uma vez contra o piso. Desta vez, não creio que irá levantar-se como da última vez...

Eu grito seu nome tentando acorda-lo de alguma forma, porém isto serve apenas para desgastar toda a voz que me resta. O enfermeiro que me arrasta para longe de Jared, joga-me em frente ao cadáver que ainda jaz no chão frio. A janela quebrada trás o frio do entardecer e sinto a garoa de uma futura tempestade entrar quase que despercebida pela abertura em cacos.

— Cale essa maldita boca! - ele vocifera para mim de forma que me encolho próxima ao corpo e fico deitada sobre todo aquele sangue pegajoso.

Minhas lágrimas não param de escorrer e creio que eu deva parecer uma criança aos berros. Mas eu não me importo...Eu preciso disso. Tenho que chorar, gritar, resistir... Pois se não o fizer, então estarei me entregando outra vez a eles.

— Me perdoe - sussurro para o rapaz desacordado a alguns metros de mim. Não consigo deixar de sentir que tudo isso é culpa minha... Eles vieram aqui por mim. Se não fosse pelo meu egoísmo, meu desespero de fugir, talvez Jared não precisasse sofrer. Minha existência continua a ferir pessoas mesmo agora... Eu deveria estar morta a muito tempo. - Me perdoe - repito mais uma vez entre soluços desviando meu olhar.

A última coisa que vejo antes de levar um golpe violento contra minha cabeça para silenciar-me, são os dois olhos completamente inertes e sem vida do cadáver que me encara a centímetros de meu rosto. Então minha visão escurece e perco todos os sentidos, entregando-me mais uma vez a escuridão incerta de meus sonhos... 

III

Quando acordo, a primeira coisa que meus olhos capitam são as paredes quebradas do S&K que compunham uma cela... Não como a minha, esta é diferente. Maior e possui um cheiro familiar de carne pútrida. Sinto um enjoo subindo pela minha garganta, porém consigo me conter a tempo. O ambiente é iluminado por algumas poucas velas e não possui janela alguma. Eu nunca estive neste lugar, não faço a menor ideia de onde estou...

Tento mover meus braços, porém percebo que ainda estou amarrada. Estou sentada em uma cadeira de madeira completamente atada, presa como um animal... Exatamente, como Grizelda havia me amarrado naquela maldita sala. O aperto, exageradamente justo, machuca meu corpo de forma que certamente deixará hematomas.

— Responda! - ouço alguém gritar ao meu lado e quase dou um salto de susto percebendo, pela primeira vez, que não estou só.

Ao meu lado há outra pessoa, igualmente amarrada, esta está com o rosto inchado de tantos golpes e sangue escuro escorre pelos seus lábios. Ele parece cambaleante e quase desacordado. Seus cabelos negros, grandes o suficiente para cobrir seus olhos, estão encharcados de algo que presumo ser suor.

"Jared..." sussurro em minha própria mente.

Olho ao meu redor e percebo outras duas pessoas amarradas... Elas não estão tão maltratadas quanto o rapaz, porém posso perceber os hematomas bastante nítidos em seus rostos cabisbaixos. Não sei dizer se estão lúcidos ou desmaiados, mas de uma coisa tenho certeza: Eles são Camélia e Carter. Até mesmo eles foram capturados... Mas como isto aconteceu? Pensei que tinham um plano... Achei que tudo estava perfeitamente arquitetado. Pelo visto, estava errada.

— Não parece tão ameaçador agora que está amarrado - continua o enfermeiro desferindo mais um golpe contra o rapaz indefeso. - Por que não diz mais nada? Onde está seu tom de deboche agora?

— Pare... - digo quase sem voz de tanto gritar, porém o enfermeiro parece ter me escutado.

— Vejam só - diz ele desdenhosamente direcionando seu olhar para mim e deixando Jared cuspindo o próprio sangue -, sua namoradinha esquizofrênica acaba de acordar... - O enfermeiro agarra o queixo de Jared e o força a olhar para mim. Nossos olhos encontram-se por apenas dois segundos, porém é o suficiente para que que consiga perceber toda agonia por trás de seus olhos azuis, agora manchados de vermelho na esclera. - Será que devo "interroga-la" também?

Ouço risos vindos de um canto da cela, porém não desvio meu olhar dos olhos do garoto, tenho certeza de que são apenas outros enfermeiros assistindo ao show de horrores e divertindo-se com o nosso sofrimento. Sinto as lágrimas se acumularem mais uma vez em meus olhos...

— N-Não... - desta vez é a voz grave de Carter que ecoa pela cela prendendo a atenção de todos. Ele parece cuspir as palavras de forma que deixa bastante clara sua repulsa - Bélior, ela não sabe de nada...

— Como não? - questiona o enfermeiro fingindo não se abalar com o pronunciamento repentino de Carter. - Até onde sabemos, está puta é responsável pela morte de três de nossos mais prestigiados funcionários.

— Ela não tem nada haver com o que estamos fazendo... - a voz doce, porém decidida de camélia substitui a de Carter e a moça levanta sua cabeça para encarar o homem moreno de forma desafiadora.

— Se ela não está com vocês - vejo-o caminhar até ficar de frente para a enfermeira coadunada à cadeira. Ele apoia suas mãos nos braços da cadeira e inclina-se de forma que seus rostos ficam a apenas alguns centímetros um do outro -, então porque encontramos aquele verme de olhos azuis carregando ela pelos corredores?

— Talvez estejam há tanto tempo neste lugar que estão começando a imaginar coisa... - responde Camélia com um sorriso debochado estampado em seu rosto ferido. - Passar muito tempo em um manicômio pode ter deixados vocês tão loucos quanto os pacientes que atormentam...

Camélia não consegue terminar a frase, pois o homem bruto disfere um golpe contra seu rosto silenciando-a bruscamente. A enfermeira ri desdenhosamente enquanto vejo sangue escorrer pelos seus lábios inchados. O enfermeiro se afasta dela dizendo algo sobre ela estar enlouquecendo, porém não presto atenção em seus resmungos... Estou concentrada demais tentando, mais uma vez, entender o que se passa nesta sala.

Parece que eles se conhecem... O enfermeiro e meus três companheiros. Isso não é apenas um interrogatório qualquer... Isso é pessoal.

Creio que há mais coisas que Camélia e cia escondem de mim, porém isso tudo está tão... Confuso, está mexendo com a minha cabeça... Não sei o que concluir e estou fraca demais para conseguir pensar sobre qualquer coisa. Tudo que quero é sair aqui correndo o mais rápido possível... Quero respirar ar puro. Preciso de liberdade.

— Sabe que é inútil - ouço mais uma vez a voz de Carter pronunciar-se -, não sabe? Jamais diremos qualquer coisa a vocês... Estão apenas perdendo tempo.

Dito isto, outro som ensurdecedor eclode de um lugar acima de nós. O mesmo som que ouvi tantas vezes... Vejo as fissuras nas paredes aumentarem gradativamente e poeira cair do teto sob nossas cabeças. Todos olham ao redor, apavorados, presumindo que, a qualquer segundo, tudo pode desabar.

Pensei que Camélia e Carter eram os responsáveis por estas explosões... Mas eles não podem fazer nada presos aqui, podem? Creio que não. Não amarrados desta forma... Algo definitivamente não está se encaixando. Parece que todas as minhas certezas estão sendo revogadas uma atrás da outra e sendo substituídas por ainda mais duvidas... Me pergunto quando encontrarei as respostas que tanto procuro...


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Notas finais do capítulo

Eai? O que acharam do capítulo? Comentem se quiserem vou adorar ler todos os comentários ♥

Até o próximo capitulo e tchauzinho, amores.



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