Chamas Azuis escrita por Caramelo


Capítulo 3
A Correção


Notas iniciais do capítulo

Este capitulo ficou um pouco grande (espero que me perdoem). Mas isto é porque muitas coisas estão começando a acontecer com Jane e eu quis contar o mais detalhadamente possível.
Deixo vocês mais uma vez nas mãos da nossa teimosa e imprudente protagonista...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/766307/chapter/3

I

No imenso e infernal Hospital Psiquiátrico de Sword&Katherine não há leis ou restrições. Tudo acontece conforme os diretores das alas ordenam e, para minha "sorte", estou na pior delas. A ala de contenção máxima. Esta foi criada para abrigar - ou prender para ser mais precisa - todos aqueles que são uma ameaça para a sociedade. Somos internados aqui para que nunca possamos sair ou ter qualquer tipo de contato com o mundo exterior e é exatamente por esta razão que meu pai me trouxe para este lugar. Esta foi a única solução que ele encontrou para me manter longe de minha mãe que ainda deseja minha morte. Todos fora deste lugar imaginam que estou morta e, de certo modo, sinto como se estivesse. Faz anos que não vejo meu pai ou qualquer um de minha família. Estou sozinha, abandonada para apodrecer neste lugar. Já tentei fugir dezenas de vezes, porém tenho tentado cada vez menos. Ficar ou ir não faz muita diferença, pois não há mais lugar no mundo para mim.

Os tais "enfermeiros" do S&K também não são muito diferentes dos pacientes. Todos têm um passado sombrio. Alguns são criminosos, outros assassinos e grande parte deles nem é enfermeiro de verdade. Eles estão aqui apenas para se manter escondidos, assim como os pacientes. Ninguém dentro deste manicômio pode ser considerado "normal", somos todos doentes.

Mas estas coisas não são nem de longe o pior sobre este lugar. A sala de Correção consegue se sobrepor a tudo. Não é bem "uma" sala, mas sim um grande conjunto delas ligadas por um único corredor. Cada uma foi feita para uma Correção especifica e, para ser sincera, já estive na metade delas. É para este lugar que estou sendo levada mais um vez.

II

O corredor sombrio que conecta as diversas salas de Correção se projeta na minha frente conforme o homem que me carrega se aproxima do ambiente assustador. Giro meus olhos procurando por Eleonor e a encontro sendo carregada a alguns centímetros atrás. Ela está quase desacordada e o sangue em suas roupas ainda parece fresco. Ela é uma mulher pequena e magricela devido à desnutrição que ela, e grande parte dos pacientes, sofre. Não parece ter mais do que vinte e cinco anos. Tenho certeza que um dia seus longos cabelos negros causaram inveja em muitas mulheres, mas agora estão emaranhados e sujos de uma mistura de sangue e suor. Ela foi internada três anos depois de mim e desde então só a vejo piorar cada vez mais. Não sei ao certo qual a razão dela estar aqui, talvez seja a filha bastarda de um nobre ou uma ex-amante? Seja o que for, assim como eu, está condenada a ficar aqui para sempre.

Os enfermeiros nos levam até a sala principal, a primeira a direita do corredor. Grizelda, que estava a guiar os enfermeiro, entra primeiro.

— Oh, Sra. Askarce! - exclama o homem velho de óculos sentado atrás da pequena escrivaninha no centro da sala - O que a trás até minha sala de Correção?

— Tenho duas infratoras para punir. - responde ela sem rodeios.

Então Grizelda faz sinal para que os enfermeiros entrem. Eles caminham em direção as duas cadeiras que estão localizadas em frente a escrivaninha e colocam a mim e Eleonor sentadas da melhor forma que podem. Respiro calmamente enquanto tento manter-me firme sobre a cadeira. Encaro o homem que me analisa com um sorriso estampado em seu rosto. Ele sabe muito bem quem eu sou já que nossos encontros são bastante regulares. Onoval Terffiz é seu nome, mais conhecido como O Carrasco das Correções, pois é ele quem dá a sentença.

— A primeira é a Senhorita Eleonor Their Valkir, número de cela 3023 - Grizelda começa falar e o homem começa a anotar tudo em seu caderno de coro escuro -, culpada por infringir as regras  doze, vinte e três e quarenta e cinco da ala de contenção maxima: má conduta com um superior, destruição de propriedade e desperdício de alimento.

— Muito bem - diz ele enquanto arruma seus óculos e analisa rapidamente o que escreveu -, três transgressões logo após ser liberada de sua Correção, pelo visto as doze chibatadas que recebeu pela manhã não foram o suficientes para disciplina-la. Mandem-na para sala do Picquet e a deixem lá por três horas. Isto a dará tempo para pensar.

Observo o homem pegar uma folha qualquer e escrever algumas anotações. Ele carimba o mesmo e o entrega ao enfermeiro que carregava Eleonor. Volto meu olhar para ela. Seu rosto pálido está sem reação, ela apenas encara o chão enquanto o homem começa a levanta-la. Ela não está bem, precisa de cuidados médicos, tenho certeza. Quero dizer alguma coisa, protestar, mas não consigo. Ainda sinto muita dor e minha voz se recusa a sair. Seus olhos escuros encontram os meus e, por apenas um segundo, vejo seus lábios arroxeados e inchados balbuciarem algo para mim, porém não consigo entendê-la. Então a porta se fecha atrás dela e do enfermeiro que a carrega.

Ela será levada para uma das primeiras salas do corredor. Isto é bom, pois quanto mais para fundo do corredor te mandam pior será sua Correção. Mas isto não quer dizer que Eleonor ficará bem, pois ela parece estar muito fraca. O Picquet é um método de tortura do século XVI que o S&K adotou como forma de "correção e disciplina". Ele consiste em suspender os infratores por uma corda e coloca-los com os pés descalços sobre uma estaca de madeira afiada o suficiente para que possa causar pequenos cortes dolorosos, porém não profundos. Dependendo de seu Repressor Eleonor pode ser amarrada pelos punhos ou pelos dedões das mãos. Espero que ela seja forte e consiga aguentar...

— E quanto a Srta. Jane? - pergunta o Sr. Terffiz pronto para anotar em seu caderninho.

— A Senhorita Jane Marie D'Lacy, número de cela 3077 - continua Grizelda com o mesmo e repetitivo discurso de sempre -, culpada de infringir as regras sete, doze e vinte e três da ala de contenção máxima: agressão de um superior, má conduta com um superior e destruição de propriedade.

"Apenas o de sempre" penso comigo mesma.

— Certo - O homem de óculos faz o mesmo processo de pegar os papeis, escrever e carimbar -, mandem-na para sala de açoitamento. Treze chibatadas devem bastar desta vez, afinal vejo que ela já foi bastante castigada pelos seus enfermeiros, não é mesmo Sra. Askarce?

Ele aponta para meu rosto que presumo que esteja deveras inchado devido aos hematomas que ficam em evidencia em contraste com minha pele pálida.

— Hector estava apenas fazendo seu trabalho - responde a mulher de forma ríspida indicando que aquela conversa estava encerrada.

O Carrasco das Correções entrega o papel carimbado com a minha sentença para o enfermeiro que me trouxe. Ele me pega pelo braço direito e tenta me ajuda a levantar, porém eu o puxo de volta. Não quero ser carregada até lá. Junto todas as minhas forças e me esforço a ignorar a dor de meus ferimentos. Respiro fundo antes de começar a andar cambaleante em direção a porta.

III

A enfermeira morena encosta o pano molhado em minhas costas e não consigo evitar um gemido. Ela limpa as feridas deixadas pela corda do chicote com delicadeza, mas ainda assim é agoniante o bastante para me fazer morder os lábios de dor. Toda vez que aquela corda cortava minha pele, sentia como se fosse rasgar e quebrar meu corpo em milhões de pedaços... A dor não parava e parecia doer ainda mais a cada intervalo entre uma chicotada  e outra.

— Ora, pare de gemer! - pede Camélia um pouco impaciente quando me encolho pela milésima vez ao ser tocada pelo pano úmido que ela passa em minhas costas.

Ela é uma mulher alta e de pele tão escura quando seus cabelos crespos que estão presos no topo da cabeça. Não é magra e tão pouco está acima do peso, seus poucos quilos a mais estão muito bem distribuídos pelo seu corpo de forma que faz suas curvas bem marcadas destacarem-se, criando uma silhueta de dar inveja. Mas mesmo com todos estes atributos a seu favor, Camélia Longdoll está longe dos padrões de beleza do século XIX.

— Mas está doendo! - reclamo ainda com um pouco de dificuldade ao falar.

— Se quer saber - continua a enfermeira enquanto passa mais uma vez o pano úmido encima de outra ferida para limpar o sangue, ignorando completamente meu comentário  -, foi bem feito para você. Onde estava com a cabeça para jogar um prato encima de Hector? Estou aqui a apenas três dias e já estou ficando cansada de ter que cuidar de seus ferimentos... Você já foi açoitada duas vezes só neste meio tempo!

— O que posso dizer - respondo enquanto agarro os lençóis da cama e solto mais um gemido -, acho que é um dom...

— Parece mais uma maldição! - protesta a jovem enfermeira um pouco irritadiça.

— Está preocupada comigo? - pergunto, mas não espero uma resposta antes de continuar - Não fique. Não preciso de sua pena, nem da de ninguém. Sei me virar sozinha...

— Não estou com pena - afirma enquanto coloca o pano, agora completamente vermelho, dentro da bacia com água e o torce -, apenas não quero desperdiçar recursos médicos valiosos com uma criança teimosa e imprudente!

— Não sou criança! - protesto indignada.

— Se você diz... - Camélia responde de forma que deixa claro que só está dizendo isto porque é inútil discutir comigo. Creio que ela tenha razão sobre a teimosia em particular. - Já terminei de limpar, levante-se para que eu possa colocar as ataduras.

Sento-me na cama com um pouco de dificuldade e sinto meus músculos latejarem. Consigo sentir perfeitamente cada um dos hematomas deixados em meu corpo pelos punhos do enfermeiro Hector. Respiro calmamente tentando, como sempre, ignorar a dor. O simples fato de poder deitar nesta cama já me acalma um pouco, mas é claro que ela não me pertence, ela é minha só por agora. Estou na ala médica do S&K apenas tratando de meus ferimentos para que possa voltar ao trabalho rapidamente. Todos os pacientes daqui estão encarregados de alguma coisa, desde lavar as roupas sujas a varrer o chão deste lugar. O trabalho começa logo após o almoço, ou seja, as nove e meia da manhã e dura até o jantar, que é servido as nove da noite. Não há pausa para o café ou para o descanso. É assim que eu e todos os pacientes vivemos dia após dia. Acho que é um meio de nos manter ocupados e evitar que fiquemos loucos neste lugar, quer dizer, ainda mais loucos.

A enfermeira começa a passar as ataduras pelo meu corpo seminu. Apenas meu tronco está descoberto, deixando expostos meus seios e minhas costas. Sinto um pouco de frio, mas não reclamo. Camélia termina de enfaixar meu tórax rapidamente, exatamente como da ultima vez, e puxa a parte de cima do vestido que estava caída para cima. Ela me cobre gentilmente e então abotoa com cuidado cada um dos botões que ficam nas costas do vestido cinzento.

Enquanto ela faz isto, apenas observo a ala vazia ao meu redor. As camas velhas estão dispostas em fileiras encostadas perfeita e meticulosamente nas paredes do lado contrario em que a porta se localiza. Entre cada uma delas há uma pequena mesinha com alguns instrumentos médicos que não reconheço. Este lugar é bem grande e provavelmente o mais bem cuidado do S&K, ou melhor dizer, o único bem cuidado.

— Pronto! - exclama Camélia claramente satisfeita com seu trabalho.

Ela é completamente diferente das pessoas que vivem aqui. É como se todos exibissem uma aura sombria e um tom de quase morte, porém ela consegue sorrir e parecer tão cativante. Às vezes é difícil não gostar dela, mas sei que esta alegria deve ser falsa, pois se ela está trabalhando neste lugar é por que também não é uma boa pessoa.

Levanto-me lentamente para evitar o máximo de dor. Camélia caminha até minha frente. Seus lindos olhos verdes parecem brilhar de uma forma que nunca havia visto outros olhos fazerem, presumo que seja algo apenas seu, é lindo e ao mesmo tempo assustador.

— Me escute - diz ela com um tom genuíno de pesar em sua voz enquanto coloca sua mão esquerda sobre meu ombro -, sei que este lugar é difícil e você precisa ser forte, mas não precisa esconder sua dor. Você já sofreu demais e é ainda tão jovem...

— Você não sabe nada sobre mim - eu a interrompo um pouco irritada.

— Sei mais do que imagina... - ela suspira.

Mas, antes que eu tenha chance de perguntar o que isto significa, vejo um vulto passar atrás da enfermeira. Congelo imediatamente. Camélia percebe minha reação nada discreta e tira sua mão de meu ombro enquanto tenta virar-se para olhar o que estou encarando, porém eu seguro seu braço antes que o faça. Ela volta a me olhar um pouco confusa e um pouco espantada. Percebo seus olhos verdes vidrados nos meus.

A imagem que vejo atrás da enfermeira é de uma mulher de longos cabelos negros embaraçados, pele acinzentada - típica dos mortos que vejo desde que nasci -, suas roupas, quase que no mesmo tom, se assemelham muito as minhas, porém estas estão machadas de um sangue fresco que ainda escorre lentamente e pinga no piso de pedra ao seu redor. Normalmente, tento ignorar estas assombrações que insistem em me perseguir onde quer que eu esteja, mas, desta vez, não consigo, pois reconheço perfeitamente o rosto que está a me encarar...

— Camélia - pergunto um pouco tremula -, pode me dizer que horas são?

Ela demora um pouco para responder:

— Já é quase uma da tarde...

— Ela já deveria ter estado aqui! - exclamo enquanto avanço esquecendo-me que ainda seguro o braço de Camélia e fazendo-a virar-se em direção a porta para onde encaro a figura sombria da mulher morta.

A enfermeira grita ao encarar a porta e a solto no mesmo instante.

— Me desculpe! - peço apressadamente, presumindo que a assustei agindo desta forma e a puxando comigo.

— Aquilo... Quando você me tocou... Aquela pessoa - reponde Camélia com a voz tremula - desapareceu. Como...

— Não queria machuca-la, mas preciso ir... - digo ignorando as palavras confusas da enfermeira e encarando novamente a porta. Vejo a figura começar a se distanciar em direção ao corredor - Preciso ir agora mesmo! - completo.

— Espere! - grita a enfermeira enquanto corro desajeitadamente até a porta atrás da mulher cinzenta. - Jane, espere! Eu preciso falar com você, não pode sair assim. Você está...

— Me desculpe! - repito antes de sair.

IV

Sigo a figura sangrenta pelos corredores do S&K com cuidado para não ser percebida pelos enfermeiros que sondam o local. Por sorte, após tantas tentativas de fuga, aprendi a ser sorrateira o suficiente para não fazer barulho ou chamar a atenção deles de qualquer forma. Meu corpo dói e mal consigo acompanha-la, mas minha teimosia é maior que qualquer coisa. Preciso saber o que aconteceu... Por que ela está assim? O que fizeram com ela?

Apoio-me nas paredes frias e uso-as como apoio para continuar. Respiro de forma pesada e cada passo que dou parece como uma facada em minhas costas feridas. A mulher cinzenta deixa um fino rastro de sangue por onde passa tornando mais fácil de acompanha-la, embora a esta altura eu já sabia para onde está me levando. Reconheço estes corredores, eles levam a apenas um lugar: A sala de Correção.

Ao chegar no corredor onde as torturas ocorrem, a mulher para em frente a uma das primeiras salas... E, para meu terror, vejo escrito com letras brancas e perfeitamente legíveis na porta de ferro a palavra Picquet. A porta está entreaberta e o fantasma atravessa para o lado de dentro. Como não tenho a habilidade atravessar portas ou o dom da invisibilidade, me contento em apenas espiar o que acontece lá dentro pela fresta.

Vejo o Sr. Terffiz e outro enfermeiro parados encarando uma figura caída no chão de forma quase que indiferente. O fantasma também a encara, porém seu olhar é completamente diferente do deles... Ela está chorando, mas não lagrimas de tristeza, suas lágrimas são de ódio. É ela quem está caida ali, é o seu corpo... Esta é Eleonor.

— Como isto aconteceu? - perguntou o Sr. Terffiz ao enfermeiro que vestia seu avental ensanguentado que lembrava as vestes de um açougueiro. Tenho certeza que ele foi o Repressor dela.

— Não sei ao certo - respondeu o homem com um tom genuíno de incerteza. - Ela chegou aqui muito fraca. Presumo que tenha morrido pela falta da comida que privamos dela ou pela perda de sangue... É dificil dizer. Ela também estava bastante febril quando chegou aqui. Presumo que já estava doente há alguns dias...

— Bom - continuou o Sr. Terffiz sem real interesse no que o homem falava -, não pudemos fazer nada para evitar - concluiu descaradamente. - A mulher do Duque ficará feliz ao saber que a bastarda finalmente está morta... Talvez seja melhor eu começar a arrumar a papelada.

— E o que faço com o corpo? - perguntou o outro.

— Jogue-o no foço com os outros - ele deu de ombros.

Não pude conter as lágrimas em meus olhos. Então este é o futuro que nos aguarda neste lugar? Seremos maltratados, abusados e torturados até que não aguentemos mais e sucumbirmos a morte? Será que quando morrer também serei apenas jogada em um foço para apodrecer? Não tenho dúvidas que a resposta para todas estás perguntas seja sim. Todos que vivem aqui foram mandados para morrer lentamente, tristes e sozinhos... Não quero isto, não mais! Não vou morrer neste lugar, me recuso a morrer aqui!

Tudo o que consigo sentir neste momento é ódio, puro e genuíno, assim como Eleonor. Eu queria poder fazer algo... Queria dar a ela sua vingança, ajuda-la. Eu queria poder fazer com que eles pagassem pelo que fizeram. Logo após estes pensamentos passarem pela minha cabeça, como se pudesse ler minha mente, seu fantasma me encara novamente e move os lábios, exatamente como fez na última vez em que a vi, formando as mesmas palavras, porém, desta vez, consigo ouvir claramente o disse:

— Eles vão pagar...

Dito isto, a porta se fecha violentamente. Assusto-me e dou um salto para trás antes que ela acerte meu rosto. Ninguém havia se aproximado, ninguém havia mexido um músculo. A porta simplesmente se fechou. Coloco minhas mãos sobre o metal gelado e, segundos antes que eu tente empurrar, gritos agudos e barulhos estranhos podem ser ouvidos de dentro da sala e logo em seguida sangue fresco começa a escorrer por entre as dobradiças da porta. Uma poça começa a se formar no chão e afasto-me horrorizada. Ando de costas até bater contra a parede do outro lado do corredor. A minha frente vejo a palavra picquet ser riscada e abaixo outras começam a surgir, como se brotassem de dentro do metal e dizem exatamente isto: Todos os repressores vão pagar.

As letras grosseiras parecem ter sido feitas com ódio e escorrem como se fossem feitas com o mesmo sangue que escorre pela porta. Minhas mãos começam a tremer freneticamente e sinto um suor frio escorrer de minha testa. De repente a porta se abre tão violentamente quanto quando havia se fechado. Assusto-me novamente com o som alto que o metal faz ao bater contra a parede do lado de dentro. Minha respiração está acelerada e não consigo parar de tremer enquanto encaro a figura sombria de Eleonor que aparece em minha frente. Suas lágrimas ainda não cessaram, porém agora há um sorriso amedrontador em seus lábios arroxeados. Ela fica parada apenas me encarando e eu faço o mesmo, mas isto não dura muito tempo, pois Eleonor começa a gritar e avança sobre mim em uma velocidade tão rápida que parece que vai me fazer atravessar contra a parede atrás de mim. Eu levo minhas mãos ao rosto para me proteger e não consigo conter um grito de terror conforme ela se aproxima. Mas nada acontece, apenas sinto um frio incomum e abaixo minhas mãos. Onde Eleonor deveria estar, agora há apenas uma tênue neblina branca flutuando pacificamente no ar.

Ainda sem entender o que está acontecendo, caminho em direção a sala ensanguentada e não consigo evitar de sujar meus sapatos de sangue ao pisar na poça que cerca a porta. Ao olhar para dentro, a cena que vejo é quase indescritível. Eles estão mortos. Estão todos mortos! E há sangue por todo lado... Afasto-me imediatamente para não olhar mais para aquela cena macabra. Lágrimas de terror escorrem sem parar pelos meus olhos.

Não sei o que fazer... Não consigo correr, porém também não quero ficar aqui...

De repente ouso outro barulho vindo do corredor. Dou um salto virando-me imediatamente para ver o que está acontecendo e me deparo com os olhos verdes e brilhantes da enfermeira Camélia encarando-me um pouco distante. Ela percebe o sangue no chão e corre assustada até mim.

— Você está bem? - ela pergunta colocando suas mãos na minha cabeça para checar se estou quente ou apenas para limpar meu suor.

— E-eu - digo com dificuldade e ainda tremula - não p-pude fazer nada... E-Eles... Eles estão...

Não consigo parar de soluçar, estou apavorada... É a primeira vez que vejo um fantasma fazer tal coisa. Me pergunto se é real ou se é apenas outra alucinação... Eu não sei e o fato de não saber é o que me deixa mais assustada.

A enfermeira olha para a sala e dá um salto para trás deixando escapar um grito de terror. Ao ouvir isso, percebo que é real. Isto aconteceu mesmo... EU NÃO ESTOU LOUCA!

— Você está vendo! - exclamo eufórica, esquecendo por apenas um segundo tudo que tinha acontecido. Outra pessoa viu! Finalmente.  - Eu não estou maluca!

— Jane - diz ela ainda sem tirar os olhos da cena sinistra a sua frente -, você fez...

— Acha que eu fiz isso? - pergunto interrompendo-a imediatamente e voltando a realidade.

— Jane, não é isso...

Não fico para ouvi-la terminar a frase. Rapidamente me afasto dela e corro para longe deste lugar. A dor parece ter desaparecido quase que completamente, mas presumo que seja apenas efeito da adrenalina.

— Jane, espera! - Posso ouvi-la gritar ainda pouco antes de eu dobrar em um corredor qualquer e desaparecer de sua vista. - Mas que criança teimosa!

Não quero ouvi-la, não quero ficar aqui! Está tudo tão confuso... Quero apenas ficar sozinha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E agora? O que será que tudo isso que esta acontecendo significa? O que a enfermeira Camélia queria dizer para a Jane? Será que tudo isto é real?
Desculpem, mas sem spoilers...

Até o próximo capitulo e, como sempre, obrigada por lerem.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Chamas Azuis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.