Chamas Azuis escrita por Caramelo


Capítulo 4
Eternas Saudações Aos Mortos


Notas iniciais do capítulo

Oi gente linda do meu coração.
Queria começar me desculpando pela demora para postar o capitulo, pois esta foi uma semana muito corrida para mim na faculdade e quase não tive tempo de escrever.
Outro motivo para demora foi porque eu havia escrito o capitulo já há alguns dias, porém não gostei de quase nada nele, então deletei tudo e comecei do zero.

Este foi o resultado. Espero que gostem.

Vou deixa-los agora com a nossa querida Jane.



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I

Corro desesperada pelos corredores do S&K sem saber direito para onde estou indo. Não consigo prestar atenção ao que está ao meu redor, pois as coisas em minha cabeça são mais importantes. Não sei o que está acontecendo. Como Eleonor foi capaz de fazer aquelas coisas? Como ela pôde mata-los? Isso não faz sentido... Sempre fui atormentada pelos fantasmas, eles falavam comigo, me tocavam... Mas nunca puderam fazer isto com outras pessoas!

Estes pensamentos ficam girando em minha mente, fico repetindo essas perguntas para mim mesma e não consigo encontrar as respostas. Está tudo tão confuso... Me sinto como a garotinha assustada que eu era há oito anos atrás. Sem saber para onde ir ou o que fazer. Eu estava sozinha naquela época e ainda estou agora.

Minha visão fica embaçada à medida que avanço e percebo que estou chorando. Não de tristeza ou raiva. Estou frustrada. Frustrada por não entender isto, por nunca conseguir entender nada! Por que estas coisas acontecem comigo? Por que SEMPRE comigo?

Enquanto me distraia com os pensamentos em minha mente, meus pés se embaralham devido à corrida desengonçada e tropeço. Quando caio no chão, não seguro um grito de dor ao bater com as costelas no piso de pedra. Encolho-me ali mesmo, chorando, como uma criança. Sinto meu suor grudando nas têmporas, meu sangue escorrer pelas feridas recentes e minhas lágrimas, que não param de cair, rolarem descontroladamente pelo meu rosto. Só quero ficar aqui e chorar... Chorar tudo o que posso.

Porém, este meu pequeno momento de dor, dura pouco, pois sinto um aperto forte em meu braço e, antes que consiga assimilar o que está acontecendo, sou puxada para cima. Levanto-me da melhor forma que posso e tento me acalmar rapidamente. Olho para cima e vejo o rosto de um homem. Não o ouvi se aproximar e nem sei a quanto tempo está aqui. Ele segura meus braços mantendo-me de pé, pois minhas pernas estão bambas e minhas mãos não param de tremer, na verdade, meu corpo inteiro treme. Levo alguns segundos para reconhecer o rosto barbudo que me encara. É um dos enfermeiro, porém não sei seu nome e, sinceramente, não me importa qual seja.

— O que está fazendo aqui? - vocifera o homem.

— E-Eu... - gaguejo tentando parar de soluçar. - E-Eles... Eu não tive culpa... O Sr. Terffiz... F-Foi... Eleonor.

Não me aguento mais e volto a chorar enquanto tento dar uma explicação coerente, mas apenas balbucio palavras sem sentido.

— Pare de chorar! - ele me sacode bruscamente e eu me desequilibro novamente e caio no chão outra vez - Mas que inferno! O que está dizendo? O que é toda está choradeira? Maldita garota louca!

— Mortos... - sussurro escorando-me na parede do corredor e encolhendo-me mais uma vez - Eles... Estão mortos... Eleonor...

O enfermeiro apenas me encara sem entender muito bem o que digo. Respiro com dificuldade enquanto encaro o chão. Só então percebo algo que não havia notado antes: por todo o caminho que percorri até aqui, há um nítido rastro de pegadas vermelhas e levemente úmidas destacando-se de forma que parecem brilhar em contraste com o chão. Um terror toma conta de mim e, imediatamente, lembro-me de quando pisei na possa de sangue enfrente a sala do Picquet para tentar ver o que acontecia lá dentro... Dirijo meu olhar para meus pés e vejo que meus sapatos estão quase que todos manchados com o sangue dos dois homens.

— Mas o que é isso...? - ouço o enfermeiro se perguntar ao perceber as pegadas no chão.

Porém, antes que eu tenha chance de balbuciar qualquer outra besteira, vejo Grizelda surgir do mesmo corredor por onde eu vim. A loira está desgrenhada e alarmada, suponho que tenha corrido até aqui. Ela não me percebe, pois seu olhar para diretamente no enfermeiro ao meu lado.

— Benjamin e o Sr. Terffiz estão mortos... - ela fala abruptamente, quase que sem reação. Perece estar em choque.

Imediatamente, o enfermeiro olha para mim. Fico quieta, apenas encolhida no chão.

— Mas como...? - o homem exclama ainda me encarando de forma amedrontadora.

— E-Eu não sei... - responde Grizelda - Foi horrível! Havia sangue por todos os lados... E pedaços!

— Quando foi que isso aconteceu? - Desta vez, ele desvia seu olhar para a mulher que está prestes a entrar em colapso.

Nunca havia visto Grizelda desta maneira. Ela sempre foi tão séria e rígida, parecia que nada a abalaria. Mas aconteceu... Finalmente sua mascara de durona caiu. Não consigo evitar uma pontada de satisfação a vê-la desta forma. Depois de tudo que esta mulher me fez passar, é bom vê-la sofrer também.

— Não tenho certeza - ela responde -, eu estava indo entregar uns papeis na sala do Sr. Terffiz quando vi a poça de sangue espalhada pelo corredor e os encontrei daquele jeito!

Grizelda os encontrou daquele jeito? Mas e quanto a Camélia? Ela estava lá... Tenho certeza! Pensei que ela informaria a todos...

— Tinha uma coisa escrita na porta e... - Continua a mulher em pânico, porém para de repente olhando ao redor e, pela primeira vez, seus olhos concentram-se em mim. - pegadas... Haviam pegadas...

— Pegadas? - pergunta o outro alarmado.

— Sim! E eu as segui até aqui...

Ambos me encaram agora. Minha respiração fica pesada e tento me arrastar para longe, mas o enfermeiro rapidamente agarra-me para que eu não fuja. Ele segura-me mais uma vez pelos braços e me força a levantar enquanto tento, inutilmente, debater-me para me livrar dele. Ele me ergue tão alto que apenas a ponta dos meus pés toca o chão, depois ele me prensa contra a parede. Solto um gemido de dor com o impacto e lembro das feridas das chibatas. Sinto meu corpo inteiro latejar. É tanta dor, tanta... Que sinto como se fosse quebrar.

— O que aconteceu? - vocifera o homem novamente. - Por que está suja de sangue?

— E-Eu... - respondo com a voz fraca. Mal consigo pronunciar uma palavra.

— Responda! - grita Grizelda se aproximando furiosamente. - Você estava lá? Foi você?

— Não seja ridícula! - xinga o enfermeiro - Ela não conseguiria matar dois homens sozinha!

— Não sozinha, mas pode ter tido ajuda! - insiste a outra. - Ela sempre odiou todos nós! E agora ela e um bando de doentes mentais resolveram se vingar! Foi isso, não foi?

Apenas seguro minhas lagrimas e encaro os olhos dilatados da mulher.

— Responda! - ela grita novamente assustando-me.

— N-Não fui eu... - luto para dizer enquanto tento não chorar mais. - N-Não pu-pude fazer nada...

— Não vai confessar? - responde Grizelda aos berros. - Muito bem, proteja seus cúmplices o quanto quiser! Vamos leva-la para Dama de Ferro. Quem sabe assim ela resolva nos contar alguma coisa...

II

— Não! - grito enquanto sou arrastada pelos corredores pelo enfermeiro grande e corpulento - Por favor... Não! Eu não fiz nada, não fui eu!

Tanto Grizelda, que nos guia apressadamente, quanto o homem barbudo que me segura, ignoram-me. Tento com todas as forças me livrar de suas garras, porém é inútil. Me debato e choro de um modo que nunca fiz antes. Estou desesperada!

Enquanto sou carregada a força, vejo o rosto dos outros enfermeiros quando passamos por eles. Todos estão tão abalados quando Grizelda, presumo que nunca tenham visto algo tão assustador. Creio que o que aconteceu aqui hoje seja macabro demais, até mesmo para o S&K. Seus olhares baixos lembram-me vagamente do olhar dos mortos. Não há nenhum paciente nos corredores além de mim. Acredito que os enfermeiros devem tê-los aprisionados em suas celas para evitar pânico.

Conforme nos aproximamos mais uma vez da sala de Correção, o fluxo de enfermeiros aumenta e todos prendem o olhar em mim. Grizelda não diz uma palavra, apenas continua avançando para o final do corredor. A porta da sala do Picquet está logo a minha frente. Vejo diversas enfermeira saindo de lá com panos ensanguentados e baldes cheios com uma mistura de sangue e água. Quase não há espaço para passar, mas, assim que colocam os olhos em nós, todos abrem caminho rapidamente.

Este corredor nunca pareceu tão assustador quanto agora.

— Por favor... - grito em agonia para qualquer um que possa me ouvir. - Me ajudem! Eu sou inocente... Por favor!

Embora esteja berrando, ninguém move um músculo para me ajudar.

Vejo a porta grande de metal se projetar a minha frente, as letras em branco escritas em seu centro parecem borradas e gastas. É possível ver o metal enferrujando nas extremidades que estão alaranjadas. Grizelda gira a maçaneta e a abre revelando a mim, pela primeira vez, a sala da Dama de Ferro.

Nunca fui levada a uma sala de Correção tão horrível quanto esta. Todos os meus castigos parecem carinhos perto do que me aguarda ao entrar nesta sala. Esta foi feita para torturar os piores infratores do S&K e qualquer um que tenha sido mandado para cá jamais voltou para contar história.

A silhueta da Dama de Ferro surge a minha frente conforme sou arrastada para dentro da sala. Tento me agarrar em qualquer coisa, mas o enfermeiro empurra-me para dentro da sala antes que eu tenha chance. Caio no chão frio mais uma vez e luto para me levantar. Estou tremendo. Tudo está acontecendo tão rápido que mal consigo acompanhar.

"Por quê? Por que isto está acontecendo comigo? Por que eu tenho que sofrer tanto?" pergunto a mim mesma.

Ouço o som estridente da porta enferrujada se fechando atrás de mim. Olho ao redor apavorada e sem saber direito o que fazer. As paredes cinzentas parecem úmidas e há musgo crescendo nelas. Não há janelas aqui, assim como em todas as salas de Correção, a única luz vem de um castiçal velho. As chamas avermelhadas do fogo refletem na estrutura de metal no centro da sala. Por todo o local há restos de sangue seco, presumo que das outra vitimas que já estiveram aqui. Está frio, mais frio que qualquer outro lugar do S&K. Sinto um cheiro horrível e adocicado, algo como carne em decomposição. Esta sala fede à morte. 

— Levante ela - ordena Grizelda que caminha em direção a uma mesa velha e mofada de madeira em um dos cantos da sala ao lado de uma cadeira. - Sente-a aqui e a amarre.

O enfermeiro novamente segura meu braço direito, porém, desta vez, ele não se preocupa em me deixar de pé. Ele simplesmente me puxa de forma que sou arrastada pelo chão sujo até a cadeira. Seu aperto é tão forte que sinto meu braço latejar de dor. Debato-me para me soltar e tento agarrar qualquer coisa no chão. Arrasto minhas unhas nas pedras tentando encontrar uma brecha, algum desnível, para me segurar, porém a única coisa que consigo é quebrar uma por uma. Entre soluços e gemidos, desisto e apenas deixo que o homem sente-me na cadeira e me prenda. A cadeira possui cintos com fivelas implantados em todas as suas extremidades. Ele prende cada um deles. Primeiro os que seguram minhas mãos, depois os meus pés, outro em minha cintura e, por fim, um que prende meu pescoço.

Respiro com dificuldade devido ao aperto um pouco forte demais e tento me acalmar, pois se continuar assim vou entrar em colapso. Preciso pensar e analisar a situação. Tenho que encontrar um meio de parar com esta loucura! Não quero morrer, não aqui. Não nas mãos de Grizelda e deste enfermeiro grotesco o qual nem sei o nome. Se for morrer será por escolha minha.

Fecho os olhos. Respiro fundo. Abro-os novamente.

Olho mais uma vez ao meu redor, desta vez, tentando ignorar todos os fatos sinistros que acabaram de acontecer. A cadeira em que estou está virada de frente para Dama de Ferro, presumo que isto seja como uma tortura psicológica para fazer com que as vitimas encarem o inferno que as aguarda.

A Dama de Ferro é um instrumento de tortura que, assim como o Picquet, foi adotado pelo S&K para fazer suas malditas "Correções". Ela se parece com um grande caixão de ferro que, teoricamente, deveria ser feito sob medida para cada vitima, mas duvido muito que esta seja assim. Neste caixão há orifícios onde podem ser inseridos pregos, facas, espetos e o que mais a sua criatividade permitir, mas isto não é tudo. A Dama de Ferro também apresenta em seu interior cravos de ferro pontiagudos e fixos, mas que, de forma macabra, foram feitos para que não perfurem os órgãos internos, permitindo que a vitima sobreviva em agonia por todo o período que a tortura ocorra. Ela não tem a intensão de matar, pois foi inventada para fazer com que as vitimas confessem, mas pode causar hemorragias internas e infecções que levam a morte...

— Está gostando da vista? - pergunta Grizelda enquanto analisa as ferramentas encima da mesa. - Espero que sim, pois é para lá que vou mandar você...

— Sra. Askarce - o homem a interrompe -, deixe que eu faça isso...

— Não! - ela grita imediatamente.

Ambos nos assustamos.

— Ela é minha! - continua a mulher - Eu vou tortura-la e fazê-la confessar. Espero por este momento há anos! Ela sempre me desrespeitou, sempre fez o que queria e Onoval Terffiz apenas a disciplinava levianamente. E agora olha para ele: Está morto! Tudo por culpa desta vadia!

— Sra. Askarce, acalme-se. Ela é a filha de...

— Ela não é filha de ninguém! - Seu berro é tão alto que ecoa por toda a sala. - Aqui ela não passa de uma puta assassina. Não importa quem é o pai dela ou de onde vem, pois todos neste hospício são menos que merda. Ela não passa de lixo e seria muito mais útil se simplesmente morresse!

— Mas...

— Saia daqui! - ela ordena. - Agora!

O Enfermeiro, ainda um pouco relutante de deixar a mulher histérica sozinha comigo, obedece as ordens de sua superior e retira-se. Ficamos apenas eu e Grizelda na sala. A mulher loira e corpulenta vira-se na minha direção e encara-me com um olhar doentio.

— Então, pequena Jane - ela começa em um tom mais calmo, porém ainda mais assustador que o anterior -, está pronta para falar?

Aperto os braços da cadeira com as mãos fortemente para que ela não perceba ainda estou tremendo. Algumas lágrimas ainda escorrem pelo meu rosto e tento segura-las enquanto mantenho minha respiração controlada.

Observo a mulher pegar uma espécie de tesoura na mesa.

— Então - ela aponta o instrumento para mim e se aproxima -, vai me dizer quem a ajudou?

— Eu já disse... - respondo com um pouco de dificuldade devido ao aperto no em minha garganta - Não fui eu... Eu vi Eleonor no chão e... Depois estavam todos... - Não consigo terminar de falar, pois sou interrompida pelo som do punho de Grizelda socando a mesa.

— Pare de mentir! - Ela se exalta novamente. - Desde que a encontrei só diz a mesma coisa, a mesma mentira sobre fantasmas e espíritos!

— Mas é verdade... - protesto.

— Você. Esta. Mentindo. - Grizelda responde enfatizando cada palavra. - Espera mesmo que eu acredite que uma vadia morta se levantou e matou os dois por vingança?

— Mas foi o que aconteceu... Eleonor...

— Eleonor está morta! - Ela aproxima o seu rosto do meu e encara meus olhos. - Eu vou dizer exatamente o que vai acontecer com você se não me contar o que quero saber: primeiro eu vou tortura-la nesta cadeira, vou arrancar cada uma das suas unhas, esfolar a sua pele e queima-la com fogo. Vou fazer com eu seus gritos de agonia possam ser ouvidos por todos os corredores de Sword&Katherine. Depois eu a colocarei dentro da nossa amiguinha ali - Grizelda indica a Dama de Ferro com a cabeça. - Você vai ficar lá durante horas, até que não aguente mais e implore para morrer e aí somente aí, eu acabo com a sua dor. Então você e sua amiguinha fantasma vão poder passar a eternidade apodrecendo em uma vala qualquer onde vou joga-las.

Após dizer estas palavras ela se afasta novamente. Eu a encaro enquanto mais lágrimas se acumulam nos meus olhos. Eu não posso permitir que esta mulher faça isso comigo... Estou com medo e, ao mesmo tempo, cheia de ódio. Como ela tem coragem de falar assim comigo? De me acusar de matar alguém quando ela é uma assassina? Ela e todos os enfermeiro não passam de monstros.

—E então? - diz ela - Vai me contar quem a ajudou a assassinar Benjamin e o Sr. Terffiz?

— Vai pro inferno! - respondo quase que rosnando com todas as forças que me restam sabendo muito bem das consequências que me aguardam.

III

— Você é uma garota durona, tenho que admitir - Grizelda fala calmamente enquanto limpa o sangue de um instrumento que se assemelha a um bisturi. -  Consegue aguentar muita coisa...

Encaro o chão cabisbaixa. Há sangue por todos os lados. Meu vestido cinza agora está adquirindo um tom bordo por onde meu sangue escorre. Este lugar parece ficar mais frio a cada segundo que passa, porém estou suando como nunca antes. Meus lábios estão secos e sinto muita sede. Não sei a quanto tempo estou aqui, parece que já se passaram horas, mas não sei ao certo. Dentro desta sala, o tempo parece passar de forma diferente. Dizem que o inferno é assim.

Quero gritar e chorar, mas não consigo mais, não porque estou fraca ou catatônica, mas sim porque estou com raiva. Já aguentei tanto, sofri tanto, que chorar já não me conforta mais, apenas gritar não basta... Quero apagar e não acordar mais, porém há uma força que me impede de fazê-lo. E é esta força que me mantém acordada.

Grizelda faz questão de me torturar lentamente, para que eu sofra aos poucos e para que dure o máximo de tempo possível. Sinto tanta dor, tanta e tudo o que consigo pensar é que quero fazê-la sofrer também. Quero que ela sinta na pele tudo que estou sentindo.

— Você sabe por que estou neste lugar, pequena Jane? - continua a mulher voltando-se mais uma vez para me encarar. - Sabe o que fiz para estar no Sword&Katherine? Pode imaginar? Seja lá o que está pensando, eu fiz muito pior. - ela ri. - Quando vivia no mundo real, fora deste hospício, eu era a enfermeira de uma garota. Ela morava apenas com seu pai, pois a mãe dela havia cometido suicídio. Passava quase todos os dias sozinha. Você me lembra muito ela... Ela também era louca. Achava que ouvia vozes na cabeça. Vivia resmungando palavras sem sentido e gritava para qualquer coisa e isto me incomodava. Então você sabe o que fiz para silencia-la? - Balanço a cabeça. - Uma vez, o pai dela teve que viajar a negócios e ficaria fora por um mês. Consegue adivinhar quem teve que cuidar da demente... Nos primeiros dias, eu a mantive trancada no sótão para que não me aborrecesse - Grizelda coloca suas mãos em meu braço direito e sobe delicadamente a manga do meu vestido deixando minha pele pálida a mostra. - Mas, com o tempo ela começou a se debater e a gritar, fazendo muito barulho. Então eu não tive escolha se não amarra-la e amordaça-la. Porém isto ainda não foi o suficiente. - Ela coloca o instrumente prateado e afiado que estava limpando à  pouco sob meu braço.

Sinto a lâmina gelada tocar minha pele e agarro mais uma vez os braços da cadeira com as mãos quase dormentes devido a dor. 

— A garota continuava a balbuciar palavras incompreensíveis, todos os dias e todas as noites - continua a mulher enquanto perfura cada vez mais minha pele - e isto estava me enlouquecendo também... Foi assim até que tomei a decisão de acabar com estes barulhos infernais. - Então a enfermeira faz um corte rápido em meu braço e eu não consigo conter um grito. Mordo os lábios com força enquanto a encaro nos olhos. - Eu comecei arrancando sua maldita língua - Ela faz outro corte - , depois os dentes - Mais um corte - e assim continuei até que ela não pudesse pronunciar mais nenhuma palavra. - Ela ri outra vez. - Quer saber o que fiz a seguir?

Balanço a cabeça. Não quero mais ouvir esta história, não quero saber como ela torturou uma garota inocente por puro prazer...

Grizelda posiciona a faca mais uma vez sob minha pele.

— Eu a esfolei e a torturei até que ela não aguentasse mais. - Ela continua a me cortar cada vez mais. - Até que um dia, os barulhos que ela fazia simplesmente cessaram. Quando eu subi para vê-la, imagina como a encontrei? - A loira faz uma pausa e vejo um sorriso formasse no canto de seus lábios. - Estava pendurada pelo pescoço nos próprios lençóis. Ela se enforcou, preferiu morrer do que passar mais um dia naquela casa comigo. E quer saber qual foi a melhor parte? O pai dela chegaria naquele mesmo dia, apenas para encontrar sua querida filha morta. Então eu não pude mais ficar, ou todos saberiam o que fiz e eu seria condenada a morte. Isto não podia acontecer, tive que fugir... E para onde vão todos aqueles que não tem para onde ir? - Ela apenas me encara. - Você já deve saber a resposta.

— Por que... - pergunto com a voz rouca - Por que esta... me contando isso?

— Para que você saiba do que sou capaz, das coisas que já fiz e que ainda posso fazer. - Ela coloca sua mão sobre os cortes que acabou de fazer e aperta com força. Meu sangue começa a escorrer por entre seus dedos em grande quantidade e a pingar no chão, juntando-se a uma pequena poça que já havia se formado. A carne dos meus dedos, que está completamente exposta na parte em que algumas de minhas unhas foram arrancadas, lateja quando cerro os punhos para evitar um grito. Todos os meus músculos tencionam-se e mordo meus lábios até eles verterem sangue. - Para que você entenda que, não importa o quanto resista, chore, grite ou sofra, eu não vou parar até que me diga o que quero saber. Então é melhor me dar a resposta que quero ouvir enquanto estou pegando leve, pois isto só vai piorar... - Ela aperta ainda mais meu braço e desta vez eu grito. - Quem, além de você, estava envolvido no assassinato?

Eu a encaro cheia de ódio. Grizelda está sorrindo de uma forma doentia. Ela está gostando disso, ela quer me machucar. Posso ver o desejo por agonia em seus olhos negros. Não acho que ela se importe realmente com a minha resposta ou com a morte de seus colegas. Ao vê-la naquele corredor, pensei que ela estava em choque, horrorizada, podia jurar que era isto... Mas eu estava errada. Suas expressões não eram de horror, medo ou pânico. Ela estava eufórica, feliz por finalmente algo assim acontecer, até que enfim poderia torturar alguém até a morte e ninguém a impediria agora que o Sr. Terffiz, quem dava as sentenças, estava morto.

Somente agora, após ouvir tudo isto, percebo que não importa o que eu diga, não importa se sou inocente ou culpada, ela jamais me deixará sair viva deste lugar.

Isto é apenas um jogo para ela e, para sair daqui, não posso jogar conforme as regras.

— Está bem! - grito deixando que algumas lágrimas escorram pelos meus olhos. Ela para por um instante e solta o aperto. Solto a respiração que nem sabia que estava prendendo. - Você... Estava certa... Foi tudo um plano... Por favor... Pare! - minto cautelosamente e vou diminuindo meu tom de voz até que ele vire apenas um sussurro - Eu... Eu vou lhe dizer quem me ajudou... Não quero morrer como aquela garota...

A loira abre ainda mais seu sorriso.

— Então decidiu falar a verdade - ela zomba. - Estava me perguntando quanto mais aguentaria... Me diga, quem foram os seus cúmplices?

Respiro fundo cerrando ainda mais os punhos.

— Chegue mais perto... Por favor - peço fracamente e a loira obedece.

Grizelda aproxima seu rosto do meu e vira para o lado esquerdo de forma que sua orelha direita fique bem próxima aos meus lábios. Ela espera ansiosamente a minha resposta, porém não planejo dá-la. Sem pensar duas vezes, agarro sua orelha com os dentes e mordo com todas as forças. Ouço-a gritar de dor e, para minha surpresa, sinto prazer em escutar. Soa como musica em meus ouvidos.

A mulher empurra meu rosto com as mãos, porém não largo, apenas aperto ainda mais minha mandíbula. Quando ela finalmente se desvencilha de mim, sinto sua carne rasgando e, no momento em que se afasta, vejo o sangue escorrer pelo lado esquerdo de sua cabeça. Cuspo o pedaço que fica preso em minha boca e sinto o gosto levemente metálico do sangue que ficou.

— Você gostou disso, sua maldita? - berro para ela enquanto ela tenta inutilmente estancar a pequena hemorragia. - Eu não ligo para o que você já fez. Você não passa de uma psicopata! Eu quero que vá para o inferno! Você e todos neste lugar! Aqueles dois tiveram o destino que mereciam e você também vai ter! Vai pagar por tudo, todos vocês vão pagar!

Dito isto, a porta da Dama de Ferro abre-se drasticamente. Perco o folego no mesmo instante e me calo encarando-a. Grizelda, que está de costas para ela, parece não perceber e volta a encarar-me com seu olhar doentio.

— Sua vadia! - ela grita enquanto avança até mim. - Eu vou matar você, sua puta miserável!

Encolho-me na cadeira, preparando-me para o impacto, porém algo surge de repente entre nós duas. A da mulher cinzenta de longos cabelos negros se põe entre nós e assusta a ambas. Ela grita de uma forma quase demoníaca para Grizelda. A mulher arregala os olhos em pânico, tenho certeza que ela a vê. A morta está na frente dela e visível! Não sou apenas eu que a vejo...

Grizelda grita de pavor e tenta se afastar da abantesma, porém, assim que o faz, acaba por desequilibrar-se e cair dentro da Dama de Ferro. As estacas de ferro perfuram seu corpo no instante em que ela bate com as costas no grande caixão de metal. Ainda consigo ouvir seu olhar aterrorizado no instante em que o caixão fecha-se violentamente fazendo um som horrível de metal enferrujado e carne sendo cortada. Eu grito e, no mesmo instante, a mulher morta a minha frente fira-se para mim. Eu me calo e prendo a respiração apavorada. Ela me analisa com os olhos vermelhos de tanto chorar. Vejo claramente cada um dos seus traços: a pele tão branca que é quase transparente, as veias rochas que destacam-se próximas aos olhos e os lábios cortados no mesmo formato em que seus dentes escuros... Ela não faz nada apenas me encara.

— E-Eleonor? - chamo-a com receio.

De repente, a luz das velas no castiçal se apaga e tudo torna-se breu. Não vejo nada. Então sinto as fivelas que prendem-me à cadeira afrouxarem e então soltarem-se.

Estou livre...

— Farei eles pagarem... - ouço o sussurro de Eleonor em meio a escuridão. - Todos eles...

Então as velas acendem-se novamente. A mulher morta despereceu. Encaro a Dama de Ferro a minha frente. Nenhum som sai de dentro dela, porém a sangue escorrendo pelas pequenas frestas e presumo que seja de Grizelda.

Ela está morta... Os espetos devem tê-la matado quando caiu daquele jeito sobre eles.

Vejo, escrito grosseiramente na grande estrutura de metal, as mesmas palavras que estavam gravadas na porta do Picquet: Todos os Repressores vão pagar...

— Eleonor... - digo.

IV

Levanto-me da cadeira um pouco tremula. Tento ignorar a dor que sinto e caminho cambaleante até a porta. Não havia reparado o quão tonta estava até agora. Me sinto fraca, como se fosse desmaiar... Mas não posso fazer isto aqui. Não agora!

Forço meu corpo a continuar andando para fora da sala. Abro a porta com dificuldade e avanço pelo corredor escorando-me nas paredes para manter-me de pé. Está escuro aqui e não há mais ninguém. Não ouço nenhum outro barulho além da minha própria respiração pesada. Presumo que já seja noite.

Estou cansada, com sede e faminta. Tudo o que consigo pensar neste momento é em fugir daqui, mas não conseguirei, sei disso. Estou fraca demais, com dor demais para fazer qualquer coisa além de me arrastar pelos corredores sem rumo.

Ao tentar dobrar para entrar em outro corredor, esbarro em alguém e não consigo mais me manter de pé. Caio sobre seus braços e meu rosto enterra-se em seu peito. Está tudo ficando tão confuso e minha visão turva. Ouço o homem que me segura dizer algo, mas não presto atenção. Ele levanta meu rosto com as mãos e vejo seu rosto pela primeira vez. Seus cabelos negros, um pouco compridos de mais para um homem, cobrem parcialmente seus olhos azuis. Apesar disso, posso vê-los perfeitamente, como se brilhassem e estivessem chamando por mim, ordenando que eu os encare.

São de um tom tão claro quanto os de meu pai, como um lindo dia de verão. Mas, apesar disso, estes olhos são diferentes dos dele, pois ele era calmo e tranquilo, seu olhar trazia paz a quem olhasse. Estes não. São intensos de uma forma que jamais vi, como se houvesse uma tempestade por trás deles. Parecem emitir um calor incomum, como fogo de forma quase hipnótica. São como chamas... Chamas Azuis.

Talvez, se eu soubesse o que me aguardava ao ter encarado este homem, teria desviado o olhar e fechado os olhos... Poderia morrer ali e jamais teria que passar pela sina que esta singela troca de olhares me condenou, mas eu não podia morrer. Não queria! Algo dentro de mim lutava para sobreviver a todo custo. E, neste momento, eu não sabia que esta vontade de viver e o simples fato de encarar estes impetuosos olhos azuis mudariam completamente o rumo do meu destino.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam? Quem será este homem que encontrou nossa pobre Jane?

Deixem um comentário se quiserem, pois eu adoro lê-los e me motiva muito saber o que vocês estão achando.

Bom, é isso, obrigada por lerem e até o próximo capitulo.

Ps: me perdoem por ter ficado tão grande (>.<).



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