Alma escrita por Flora Niandre


Capítulo 3
Capítulo 3 - O que ele pensaria?




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— Whisper! – A voz embriagada de Matthew desperta-me. Devo ter adormecido em algum momento, a galinha ainda inteira ao meu lado.
O cheiro de álcool que Matthew exala é o suficiente para me atordoar. Levanto com dificuldade.
— V-vamos embora! – balbucia.
Cambaleando por todo o caminho, meu dono segue para casa, e eu o acompanho lado a lado, apoiando-o para que não vá ao chão.
Deixamos a cidade, seguindo pela trilha enlameada que leva para nosso lar. Uma pequena inclinação no caminho dificulta o andar cambaleante de Matthew, fazendo-o desiquilibrar. Coloco-me à sua frente, impedindo que vá ao chão. Seu corpo adormecido cai horizontalmente em minhas costas, suas mãos e pés tocam o chão enlameado.
— Ora, vamos, falta pouco! — Ando levando-o em minhas costas.
Pelo canto do olho, vejo Laima pousar em um galho.
— Quer ajuda? — Seu bico abre-se levemente, soltando a frase.
— Acho que consigo — digo arrastando Matthew caminho acima, seus pés marcando rastros no caminho de lama, sujando a si mesmo e manchando meus pelos brancos.
Laima sobrevoa de perto, em silêncio.
— Você não precisava manter o gato vivo aquele tempo todo. Não iria julgar você se começasse a matar os familiares das bruxas antes delas. Não tenha pena de mim só porque também sou um familiar. — Meu familiar quebra o silêncio.
Ignoro a lembrança que surge do olhar daquele gato, uma vez que me assombra ainda a visão de seu corpo em chamas após ter se jogado no fogo. Não somente essa, mas de todos os outros animais que morreram tentando em vão ajudar suas donas.
— Pelo menos ele não torturou ninguém dessa vez. — Novamente, Laima quebra o silêncio.
— Tinha muitas pessoas o seguindo hoje.
Laima afasta-se, voando até o telhado da casa que nos aguarda. Abaixo-me devagar fazendo o corpo de Matthew escorregar até o chão. Abocanho seu culote e o gosto do barro misturado ao cheiro de álcool me incomodam. Ignorando tudo isso, arrasto-o até a porta da frente. Agora preciso levá-lo para dentro de outra forma, considerando as escadas.
Suspiro, esquecendo a ideia de carregá-lo nessa forma. Sento-me concentrando-me em minha respiração. A mudança me atinge, um intenso êxtase acompanha cada ajuste de meus ossos. O excitamento acompanha meus nervos e tendões, meu corpo ergue-se, ajeitando-se, meus pelos encolhem-se, transformando-se em cabelos brancos e compridos. O focinho diminui, meu rosto toma forma. As patas dão lugar às mãos e pés sujos de lama. Minhas pernas falham, jogando-me ajoelhada na terra úmida. Sinto cada um de meus músculos tremerem, acostumando-se a mudança.
Já fazem alguns dias desde a última transformação. A desvantagem sempre é ficar sem roupas.
Mudo o olhar e encaro Matthew. Levanto-me cambaleando, familiarizando-me com meu corpo. Respiro fundo, decidindo a melhor maneira de levá-lo. Engancho meus braços debaixo dos seus, erguendo-o.
Sento-o encostado na parede ao lado da porta. Agacho até sua altura e retiro peça por peça da sua roupa brega suja de lama devido ao passeio em minhas costas. Observando bem, apenas as calças e o culote se sujaram, as demais permanecendo limpas. Inicialmente removo o culote, então o Jerkin, revelando o Gibão.
Com a roupa suja retirada, deixo-o apenas com a ceroula, que usa por baixo de tudo. Levanto-me e abro a porta, recomeçando a tarefa de levá-lo para dentro da casa.
Suspiro com a visão da escadaria. Puxando-o por trás, subo o primeiro degrau, puxando seu tronco ereto, sentando-o de degrau em degrau, até finalmente alcançar o último. Levo-o até seu quarto; com um movimento rápido e preciso consigo jogar Matthew em cima da cama. Ajeito seu corpo de barriga para cima, tiro a última peça de roupa suja, sua calça e o cubro com o cobertor que estava jogado para o lado vazio da cama.
Suspiro satisfeita com meu trabalho. Com a calça em mãos, viro-me para sair do quarto, pois preciso buscar as roupas que deixei na entrada.
Dou um passo, mas sou impedida de continuar. Os braços de Matthew prendem meu corpo. Deixo a calça cair no chão.
— Matthew, não podemos fazer isso — digo levemente irritada. —, já é a terceira vez. Estamos sujos de lama, preciso me lavar.
Sem se importar, sua mão esquerda alcança meu seio, massageando-o, e a direita vai de encontro à minha coxa. Estremeço.
Com o rosto enfiado no meu pescoço, sinto sua respiração pesada, seu desejo. A mão que estava em minha coxa faz seu caminho para o meio de minhas pernas, o que me faz soltar um leve gemido. O cheiro forte de álcool novamente me atordoa.
Matthew, tropeçando nos meus e em seus próprios pés, nos leva até a cama, jogando-me bruscamente em seu desconfortável colchão de palha. Em seguida, coloca-se sobre mim, e eu não o impeço de continuar. Ainda sim, mal me toca ou beija, apenas se satisfaz da forma que deseja. Fecho os olhos e o deixo conduzir como quer, o som furioso das palhas abaixo de nós enchem meus ouvidos. Particularmente, não sinto nada no ato, mas posso perceber a solidão e a vontade que emana o corpo de meu companheiro. Essa é a forma como ele consegue lidar com isso, não apenas comigo, mas provavelmente nem percebe que essa é a terceira vez em cinco anos que me leva para sua cama.
Saciada sua vontade, joga-se para o lado, adormecendo rapidamente. Sento-me tentando em vão não fazer barulho, mas as palhas se remexem estalando a cada movimento que faço. Apoiando os pés no chão, levanto-me rapidamente. Matthew não se mexe; sempre teve, um sono muito pesado.
Desço a as escadas até a cozinha. A melhor forma de limpar-me seria indo ao lago, mas não quero adiantar para hoje a visita até lá.
— Alma — ouço Laima chamar do lado de fora.
Abro a porta de entrada, procurando-o. Encontro-o à frente do terreno pousado em um balde, encarando-me.
— Trouxe água.
Aproximo-me do balde; não é muito, mas devo conseguir lavar-me poupando água.
— Obrigada, Laima. — Sorrio em agradecimento.
O pequeno pássaro pula para o chão, dando-me acesso à água que trouxe.
— Você não parece gostar nem um pouco disso. — Evito olhar nos olhos do meu familiar.
— Estava nos observando?
— Não sou esse tipo de pessoa. — Sua voz soa levemente ofendida. —, mas te conheço o bastante para dizer se gosta ou não quando sai daquele quarto. — Não respondo. Esfrego com força a lama seca que se nega a sair. — É diferente. Você sorri quando faz essas coisas com... aquela pessoa. Com Matthew você parece cansada, abatida. Você o vê como um amigo apenas.
— E ele nem faz isso só com você — digo ao mesmo tempo, imitando-o.
— Pense como se eu estivesse retribuindo um favor. — Suspiro. — De certa forma, estamos usando ele.
— Mesmo se não o ajudássemos, ele faria o que faz, porque já fazia antes. É com isso que ganha a vida... quem deveria retribuir favores era ele. E de uma forma que lhe agradasse.
Lavo-me em silêncio, não quero falar sobre isso, mas Laima é insistente.
— Estamos a cinco anos fazendo isso, Alma, não me importo, claro, disse que ia te ajudar não importa o que tivéssemos que fazer, mas ...não acha que está na hora de parar? Não está dando certo e você sabe disso, apenas quer negar que foi enganada.
Bato as palmas das mãos com força nas beiradas do balde de madeira, derrubando a água.
— Não quero falar sobre isso. Não agora. — Encaro a água ser absorvida pela terra. — Desculpe.
— Então quando falaremos sobre isso? — Laima aproxima-se de mim com pequenos pulinhos, encarando-me de forma carinhosa.
— Logo — Acaricio as penas de sua cabeça delicadamente com o dedo indicador. — Logo.
Desvio o olhar de Laima, encarando rastro deixado pelos pés de Matthew e minhas patas ao longo do caminho até aqui.
Quando acordar, ele, como sempre, irá pensar que dormiu comigo em um sonho. Mas o que pensaria se descobrisse que dormiu com a raça que abomina? Provavelmente irá descobrir um dia. E o que ele fará então? O que eu farei?
Chacoalho a cabeça expulsando esses pensamentos. Volto a olhar o pássaro a minha frente quando a hora chegar, pensaremos em uma saída.

 


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Notas finais do capítulo

CURIOSIDADES!

Nome: Alma Delarosa
Idade: nem ela sabe mais.
Nacionalidade: Italiana
Comida favorita: Pêssego em calda
O que mais gosta de fazer: correr



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