Naquela noite, Sara se sentou de frente para a televisão um pouco entediada, ainda era cedo para dormir.

Mal prestando atenção na programação, ela se pegou pensando que ainda não havia preparado nada para receber seu filho. Talvez fosse um bom momento para comprar algumas coisas, ou não. Talvez o melhor mesmo fosse esperar para descobrir o sexo de seu bebê, seria muito mais prático, e com sorte já saberia amanhã mesmo se seu médico conseguisse ver.

Enquanto tentava se decidir pela melhor opção, uma sensação diferente aconteceu no centro de seu abdômen.

Seus olhos arregalaram quando percebeu o que havia acontecido.

—Será ? - Ela murmurou sorrindo abobalhada. E então, novamente o movimento, desta vez bem mais intenso e perceptível. Suas mãos pousaram em sua barriga, acariciando-a com ternura. _Oi meu amorzinho ... a mamãe sabe que está aí ...

Deus, não havia palavras que descrevessem aquilo!

Ela logo se lembrou de Grissom, de seu pedido, e alcançou seu celular sobre a mesinha de centro.

Naquele momento, Grissom andava pelos corredores quando sentiu seu celular vibrar. Assim que viu quem era, se apressou até sua sala para ter mais privacidade. O laboratório estava um caos.

—Sara ? Aconteceu alguma coisa ? Você está bem ? - Perguntou preocupado.

—Calma, nada aconteceu, ao menos nada que seja ruim! É que ... o bebê se mexeu.

—Jura ? Quando aconteceu ?

—Agora há pouco, eu estava assistindo o noticiário e então o senti! - Houve um silêncio do outro lado da linha que ela achou que havia caído a ligação. _Grissom ? Ainda está ai ?

—Sim ... é ... eu fiquei feliz! Obrigado por me avisar, Sara. - Ele só queria estar ao seu lado compartilhando aquele momento com ela, poder tocá-la, interagir com o seu filho.

Uma enorme tristeza se abateu sobre ele, sua vontade era de chorar. Estava perdendo tanta coisa!

Sara notou a mudança em sua voz e apertou os lábios para não se render às lágrimas.

Não era apenas ele quem vinha sofrendo com aquela situação. Uma situação dolorosa, porém necessária.

O homem que tanto amava, pai de seu filho, precisava lhe provar que seu amor pertencia tão somente a ela.

~♥~

Eles estavam na recepção do consultório médico, aguardando a vez dela.

Grissom não sabia se era apenas uma impressão, mas as roupas que ela usava havia realçado a sua barriga.

A verdade era que ela estava ainda mais linda carregando o seu filho!

—O bebê se mexeu alguma outra vez ?

—Apenas mais uma.

—Como é ?

Ele parecia genuinamente interessado em sua resposta.

—É maravilhoso, uma sensação diferente, não sei explicar ... tem que sentir mesmo para saber ...

Quando ela percebeu o que havia dito já era tarde demais. Não tinha intenção alguma de desdenhar o interesse dele no filho, e não foi difícil notar o quanto sua declaração o afetou. Ela viu ele abaixar a cabeça, depois olhar para a frente por alguns segundos. E então, com muita dificuldade, conseguiu entender o que ele estava murmurando.

—Deve ser mesmo algo inexplicável ...

Havia ficado um clima ruim e pela primeira vez, ela sentira a necessidade de desfazer. Resolveu compartilhar seus planos.

—Estive pensando, quero começar a escolher as coisas para o bebê ...

Ele se virou surpreso.

—Sério ?

Ela assentiu com um discreto sorriso. Tão discreto que os movimentos de seus lábios haviam sido quase imperceptíveis, mas não para ele que a conhecia como ninguém!

Aquele sorriso despertou algo dentro de seu peito que se agigantava na velocidade de um cometa.

Quanta falta sentia daqueles lábios lindos, do sabor de sua boca, do gosto de seus beijos!

—Confesso que também pensei nisso, mas achei que você gostaria de esperar para quando descobrirmos o sexo do bebê!

—Isso pode acontecer hoje ...

Havia um brilho em seus olhos que parecia ofuscá-lo. Era tão grato que apesar de tudo, ela parecia feliz em estar carregando seu filho.

—Está ansiosa ?

—Um pouco!

—Ficarei feliz igualmente ... um garotinho ... ou uma garotinha ... não importa ... será nosso filho para sempre!

—Sara, Dr. Grissom ... vamos entrar ?

A secretária anunciou, descartando qualquer possibilidade de uma resposta dela.

Eles logo estavam diante de seu médico.

~Fim do flashback~

~♥~

Alguns recortes de jornais datados há um ano trazia a notícia de um grave acidente. Sabia que era o seu, não pela sucata retorcida que outrora havia sido uma das suv’s que costumavam usar em serviço.

O carro estava irreconhecível, praticamente todo o impacto havia sido do lado do passageiro, onde estava. Seus parceiros de campo não costumavam deixá-la dirigir com a barriga enorme. Ela sempre desconfiou que aquilo havia sido uma ordem dada diretamente por Grissom à todos eles.

Lágrimas começaram a manchar o seu rosto, as fotos eram horríveis.

Foi então que lembranças do acidente bombardearam sua mente. Os flashes surgiam um atrás do outro sem parar, como em um filme de horror. Ela se tornou expectadora de sua própria tragédia.

Seus olhos assustados viram o seu próprio desespero segundos antes da colisão.  Ela não queria mais se lembrar, queria que as cenas parassem. Uma nova fisgada em sua cabeça aconteceu, ela gemeu baixinho, a dor pareceu se alastrar por toda a região.

Ao fundo, bem longe, começou a ouvir um choro, sua mente entorpecida não soube distinguir se aquilo era real ou não. Então ouviu um chamado, mas talvez aquilo fosse apenas fruto de sua imaginação.

—Pare, por favor ... - Ela implorou.

—Sara!

Novamente o chamado, desta vez ela sentiu um toque rude em seu braço e se assustou, despertando de seu calvário.

—Sara, querida ... o que houve ?

Grissom estava ao seu lado visivelmente preocupado enquanto tentava consolar Emma em seus braços. O bebê tinha seu rostinho todo manchado de lágrimas quando a encontrou no chão!

—Oh meu Deus, ela caiu ? - Perguntou em pânico, tentou se levantar, mas não conseguiu. A dor em sua cabeça era insuportável, mal conseguia manter seus olhos abertos. _Desculpe, desculpe a mamãe, Emma ... - Ela murmurava sem parar, quase como um mantra.

—Foi apenas um susto, se acalme ... ela está bem. - Ele se sentou ao seu lado e se viu realmente surpreso quando ela se agarrou a ele.

—Me desculpe ...

—Shiii, já passou ... - Confortou-a com um beijo em seus cabelos como havia feito com o bebê alguns segundos antes. Um braço a rodeava e o outro mantinha a filha segura. Seu mundo se resumia ali, tinha nos braços as duas pessoas mais importantes de sua vida.

—Eu me lembrei do acidente ... - Seu choro se intensificou. _Essas fotos ... e agora não posso mais me livrar daquela sensação, é como se tudo estivesse de volta outra vez.

Foi então que Grissom percebeu a caixa no chão, os recortes dos jornais, algumas fotos, tudo estava esparramado.

“Ah merda!”— Ele havia se esquecido completamente que guardara aquelas coisas ali, achou que tivesse se livrado daquilo há muito tempo.

Ver o sofrimento dela e saber que ele era o culpado, lhe deixou arrasado. Seus próprios olhos se tornaram úmidos e ele tentou em vão lutar contra a onda de lágrimas que manchavam seu rosto.

—Me perdoe, meu amor ... não era para você ter  visto nada disso.

Eles choraram juntos, agarrados à filha pequena.

Havia sido um milagre as duas terem saído com vida daquele acidente.

~♥~

Um tempo razoável se passou, Emma dormia profundamente em seus braços com a mãozinha pequena apoiada em seus seios.

Algumas lágrimas ainda deslizavam por seu rosto magro, enquanto ela acariciava o rostinho da filha, admirando-a. Sua cabeça continuava latejando de dor.

Grissom permanecia sentado bem próximo a ela, em silêncio e não mais a abraçava. Sua mão pousava sobre a cabecinha de seu bebê.

—Me desculpe pelo que lhe causei, Sara ... - Ela levantou a cabeça, desviando sua atenção da filha e o encarou sem saber ao certo pelo quê ele se desculpava. _Reunir todas essas coisas dentro desta caixa, foi a maneira que encontrei de tentar me esconder de minha própria dor. Não podia mais virar noites em claro olhando ... - Sua voz morreu, era como se um caroço enorme se formasse em sua garganta, impedindo-o de continuar.  _Então eu trouxe para cá, mas eu devia ter me livrado disso ...

Sara balançou a cabeça entendendo, não o culpava pelo ocorrido. Sabia que em algum momento se lembraria do acidente, só não imaginava que seria tão rápido.

—Saber que eu poderia ter perdido Emma naquele dia, me dói tanto! Eu me lembrei que antes da colisão, envolvi meus braços em minha barriga como se assim pudesse protegê-la, eu só queria que meu bebê se salvasse. Obrigada Grissom, sou tão grata à você por ter escolhido salvar a vida da nossa filha!

Ele não soube o que dizer, novamente era confrontado com a escolha que fizera. Qual seria a sua reação se ela soubesse a verdade ? Que quando o médico entregou em suas mãos o poder da decisão sobre qual vida favorecer, ele quebrou sua promessa e preteriu a dela e não da filha deles ?

Ele sentiu certo alívio quando ela voltou a observar a filha, sem parecer esperar por uma resposta sua.

Olhando para ela, sabia que não estava nada bem.

—Está com dor, não está ?

Ela assentiu discretamente.

—Minha cabeça dói muito ...

—Você precisa de seus remédios e de repouso, a Dra. Shelly nos explicou sobre isso. Vamos para casa.

—Mas e as minhas coisas ?

—Depois cuidamos disso, no momento o seu bem-estar é a minha prioridade.

E assim aconteceu, ele pegou Emma de seus braços e pouco tempo depois partiram.