Desafios do Destino III - Desastres e Desfechos escrita por Vale dos Contos Oficial


Capítulo 2
O Túmulo de Vidro




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 -A Tríade tinha pais? – Eu apontava coma a mão trêmula para aquele enorme jazigo que imóvel estava diante de mim. – E eles vão colocar o filho de castigo, por sinal?

—Deixa de brincadeira. – Ele me afastou de dentro da sala e a trancou novamente. – Os Mestres me disseram para nunca abrir essa porta, porém, eu descobri um livro deles, uma espécie de diário, sobre o que eles desejavam aos filhos deles.

—Sorte e prosperidade eram os itens principais da lista, não é? – Seu olhar de raiva caiu sobre mim e eu quase me sujei todo. – Estou tentando aliviar a tensão do momento.

—Eles meio que previram que um dos filhos tentaria tomar o poder dos outros dois, contudo, não afirmaram qual seria o lunático. – Násser seguiu até uma espécie de balcão e pegou o pequeno livro de capa de couro vermelha gasta e com as folhas amarelas e comidas por traças. – Pelos as minhas contas, eles elaboraram um meio de derrotarmos o tirano caso ele tomasse o poder.

—E o que teremos que fazer? – Enlouquecidamente, Násser começou a folhear o diário.

—Aqui está dizendo que precisaremos das Aves. – Eu quase me encolhi de medo. As Aves foram mortas pela foice da Morte que estava nas mãos do Destino. – Já temos uma, só precisaremos encontrar as outras quatro.

—Elas não existem mais. O Destino as matou.

—Então, é só encontrarmos os ninhos de cada uma. Elas são como a fênix, renascem das cinzas.

—E temos quanto tempo para isso? Dias, semanas? Meses?

—Se seu inimigo estiver disposto a te derrubar, talvez horas.

—Horas?! Você quer que achemos quatro ninhos de aves em algumas horas?! – Eu silenciei por um tempo enquanto encarava o rosto quase envelhecido de Násser. Assim como a cidade, eu via sua compostura decaindo fatidicamente conforme alguém ficava mais forte. – Você não pode saber da minha profecia, pode? – Ele negou com a cabeça. – Eu acho que posso te dizer alguns trechos e você me ajudará a decifrar alguns trechos mais incertos.

—Eu não acho que seja sensato. – Ele pausou por um tempo enquanto tocava na capa do diário. – Aqueles que recebem uma profecia são pessoas nada abençoadas; a contrário, são amaldiçoadas, a alma delas está carregada de um passado nada nostálgico, muito menos satisfatório.

—Todos tem um passado a esconder.

—Um mortal comum tem um passado a esconder, nós – mortais com um propósito mais seleto, mais etéreo – temos um passado e um presente a esconder; assim, nosso futuro não será tão sombrio quando deve ser. Você deve ter um passado tão intenso e profundo para ter recebido três profecias.

—Pode ter certeza, você não quer saber do meu passado. – Meu passado não era tão trágico e sombrio, tive pai e mãe ótimos, irmã e irmão, avós e avôs, tios e tias, todos se davam bem comigo e eu com eles; para mim, alguns momentos eram irritantes e outros divertidos.

—O seu passado pode ser uma chave importante para tudo isso.

—Acho que meu passado diria, algum momento, que eu seria levado a um festival japonês e terminaria em uma ruína antiga a moda asteca.

—Nem sempre o seu passado vem escrito em linhas retas, muitas vezes, as letras estão misturadas em um papel para amassado e cortado em milhares de pedaços. – Ele pegou um papel com uma das mãos, com a outra, fez ela se despedaçar no ar. Antes, a frase “Viva o perdido bem passado” se tornou “O passeio ia bem”. – Uma frase atual pode ser um anagrama para uma mais filosófica, além de faltar palavras ou letras, entretanto, há aquilo que não se altera, se mantem.

—O que você acha que eu devo fazer?

—Analise a profecia e veja o que é aquilo que seu passado pode trazer. No final, você saberá o que fazer. – Voltei ao meu interior e foquei nas palavras ainda pouco claras da profecia.

 

Num mar de relatos

O filho do Destino buscará a forma

Das aves decaídas num túmulo de vidro

Feito no campo dos traidores

 

Almas boas manipuladas

Presas nas garras da discórdia

Na cor celeste da mágoa guardada

Na história sem falas na oração

 

Restaure o fim pelo começo

Num duelo entre gerações

Não despreze as dores do passado

Para distrair as ondas do futuro

 

Não guarde do tesouro moeda alguma

Desenha na lápide a sua vida

Tão bem batalhada e desafiada

Para no final beber da água vitoriosa

 

—Há uma parte que eu ainda não entendo. Ela fala que eu não devo guardar a moeda do tesouro. Que tesouro será esse?

—Sabe um detalhe que você não entendeu: nós não podemos saber da profecia. Toda vez que fala sobre ela e o que está contido nela, sua voz se cala para nós, Mestres da Visão. O que você acabou de me dizer foi somente um leve sopro de vento.

—E como você pode me ajudar?

—Ele não pode, mas eu posso. – Olhei para trás e nos deparamos com a enormidade que era a Ave do Marfim.

—Você fala? – Foi um espanto para todos, principalmente para mim.

—De tudo o que você viu nesses últimos tempos, o fato de eu falar te assusta?

—Não estamos em uma fábula, esse é o detalhe.

—Por favor, silêncio! – Násser apontou o dedo para nós dois e o silêncio reinou, a não ser pelos grilos e cigarras que cantarolavam a sua melodia em meio as pedras que descascavam e caíam. – Vocês ouviram esse barulho? – Ele correu até o gigantesco cemitério do lado de fora. Lá, muitas cruzes se desfaziam e convertiam-se a pó. Algumas almas saíam de suas covas e apareciam diante de nós, todas sem vida e sem animosidade. – O que está acontecendo?

Uma enorme explosão nos jogou para frente, nos colocando quase dentro de uma cova. Em minha perna, havia um enorme fragmento de uma cruz, o sangue escorria como um rio nos dias de tormenta e eu não enxergava mais nada. Násser correu até mim com um pedaço de pano, ele também estava ferido, todo cortado e com pedaços menores e com maior quantidade, entretanto, era quem me ajudava naquele instante.

—Você não pode morrer! – A temperatura começou a decair ao nosso redor. Muitas almas, todas pálidas em um azul claro, circundavam nossos corpos como se quisessem nos assistir, ou melhor, nos salvar. – Você tem que enfrentá-lo. Você precisa nos salvar!

Novamente, outra explosão, contudo, dessa vez, era sobre o corpo de Násser. Seu corpo começou a apodrecer e a se dissolver em poeira e água suja, que serviu para piorar as minhas feridas. Por outro lado, o pedaço da cruz desapareceu e isso fez com que eu tivesse mais mobilidade. As almas, ainda mais atormentadas e confusas, começaram a fazer um enorme círculo sobre meu corpo e sobre o ar que eu respirava. Apesar de estar difícil de inalar, eu me sentia seguro. Momentos depois, uma forte luz com que todas aquelas almas se dissolvessem.

—Você vem comigo! – O homem em minha frente estava jovem, com músculos fortes e com detalhes cicatrizados aos poucos. – Meu pequeno pedaço de carne podre.

—Você acha que pode fazer o que quiser, mas não pode! – Eu me sentia mais vivo do que nunca, mesmo com aquela quantidade de sangue faltando e com um enorme corte que ia da minha coxa até metade perna, o pedaço não era tão grande para me perfurar, porém, me feriu gravemente enquanto me rasgou.

—Ele não tem esse poder todo que você diz. – As vozes grave e aguda, em uníssono, vibrou todo o campo e nos fez perder todos os sentidos. Ele continha a lança em mãos, que fora retirada assim que se assustou. – Você, meu pequeno, é um criminoso contra a natureza.

Com os pequenos olhos abertos, eu consegui olhar para as duas pessoas que desfilavam de dentro das ruínas, o Império das Histórias. Dali, o casal trajado com roupas negras esfumaçadas pisavam nas pedras como se colocassem seus sapatos em nuvens macias.

—Mãe, pai, o que fazem aqui? – Destino estava assustado. Sua pele alaranjada começou a escamar como uma serpente. – Vocês deveriam estar naquele Túmulo de Vidro?

—Meu querido, você acha que não sabemos que foi você que nos trancafiou nesse corpo de névoa sedenta de morte? É um estúpido que nem sabemos como foi que tomou os poderes dos seus irmãos. – Ele gaguejou intensamente e notei que sua próxima fala bambalearia.

O poder dele unificado com os dos irmãos seria o suficiente para abater os pais, a não ser que os irmãos estivessem vivos. Como era possível? Os irmãos estavam mortos, eu os vi perecendo. Espera um momento. Eu vi o Tempo desaparecendo, contudo, os Mestres não afirmaram que ele estava morto e eu só vi a Foice Cega, não era sinal da queda da Morte. Os dois ainda estavam vivos. Seriam reféns do Destino? E quem não é refém dele?

Ouvi pedras se mexendo da colossal ruína deixada para trás. Eu vi a Ave do Marfim ali, viva e quase forte, ao me ver, voou para me ajudar. Eu subi em seu lombo e voamos para longe.

—Como você está viva? A cidade caiu toda!

—Aquela não era a cidade verdadeira. O guardião é Násser, cujo nome significa “o criador de Fábulas”. Você acha mesmo que a cidade é essa espécie de hotel de almas? – A Ave estava certa, mas onde seria a Cidade de Marfim? Mas será? Seria que eu sempre conhecia a tal Cidade e nunca dei importância para o real significado dela. – E para onde vamos?

—Acho que precisamos, mais uma vez, visitar o passado.


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