Desafios do Destino III - Desastres e Desfechos escrita por Vale dos Contos Oficial


Capítulo 1
O Campo dos Traídores




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O vento batia em minha face enquanto descíamos sobre o enorme castelo todo de marfim. Sim, ali era o centro de tudo do que não conseguimos escapar. Etzel, a mulher tão jovem que eu vi anteriormente, estava mais velha, como se os anos que a seguravam como serva da Tríade chegassem rapidamente. Seu olhar não era mais juvenil e a coloração antiga desbotara para um preto, assim como as asas de um corvo. E, aonde estávamos, muitos sobrevoavam com seu gralhar intenso e triste. Násser também mudara, estava mais jovem, igual a um galã de novela: seus cabelos eram lisos e macios, penteados e muito bem cuidados. Ele, sem se incomodar, atravessava o pátio de corvos. Eu e Etzel íamos atrás; a Ave do Marfim permaneceu onde havíamos pousado e brincava, como uma criança, com as aves.

—Por que tem tantos corvos aqui?

—Bom, ali na frente está o Castelo de Marfim, o último refúgio das almas, e você está pisando...

—No Campo dos Traidores. – Os olhos de Násser estavam mareados e as lágrimas quase escorriam pelo rosto juvenil e sem nenhuma ruga, diferente do rosto quase falecido de Etzel. Ele se distanciou de nós dois e seguiu até mais à frente.

—O que ele tem? – Ela apontou o dedo para trás da gente. Quando eu virei o corpo para ver em qual ponto seu dedo apontava, segurei um grito de terror e medo. Um imenso cemitério se estendia até onde meus olhos não conseguiam mais encarar, as cruzes de cristal subiam até o mais alto céu e as cruzes de carvão desciam até o mais fundo vale. – Eu já estive em um cemitério, porém, eu nunca havia estado em um com essa sensação. – Eu sentia várias facas me apunhalando em meu corpo, sentia meu sangue fervendo dentro de mim como se minha carne estivesse sendo desmontada para ser servida em um banquete.

—Násser vive o pior castigo que o ser humano pode ter. – Ela me guiou até duas covas destampadas. Muitas estavam assim, sem nada em cima, com os corpos expostos para moscas, vento, chuva e qualquer força da natureza. – Esses são os pais dele, ambos foram declarados traidores perante a Tríade.

—Por quê?

—Para a Tríade e seus anjos, nenhum dos Mestres da Visão pode se relacionar. – Eu pedi para ela parar, pois minha mente trabalhou rápido. – Eu sei o que você pensou e, sim, os pais de Násser eram também Mestres, um do Carvão e outro do Cristal, dois paradoxos que não podiam se unir e concretizaram a mais perfeita e harmônica união que eu já vi.

—Pecado mortal é o que eles fizeram, isso sim. – Atrás de nós dois, surgiu um homem esquelético. Não tinha vestes, muito menos corpo e alma juntos, tinha somente o que seria o resquício de uma armadura. – Eles feriram o que as antigas... – Contudo, tornou-se pó antes de concluir a frase.

—Esse foi tarde. Nem mais peso fazia aqui. – Etzel, com uma bengala, veio até mim. – Você sabe o que deve fazer e não tem mais ninguém do seu lado.

—Tenho Násser e Rosália.

—Násser tentará segurar o máximo possível para que você realize cada passo daquela profecia. E, Rosália, está perdida. Não sei o que ela planeja e nem terei chance de descobrir, contudo, não vencerá Destino nem o enfraquecerá. Além disso, você não tem os seus amigos que o enfrentaram. A garota sereia e o homem anjo, ambos sucumbiram.

Ela tinha as mãos macias, apesar de tanto que enrugado estava, a voz era muito doce e suave, além de hálito de hortelã que emanava pelos seus poros mais próximos. Seu olhar obscuro escurecia aos poucos e aquela visão que eu tinha de uma mulher forte e toda contemplada pela Platina desapareceu em minha mente.

—Etzel, você... – Não consegui terminar.

—Por favor, meu garoto, seja forte... – Assim como a foice cega e o tempo perdido, ela se transformou em uma enorme nuvem de poeira acinzentada e se desfez no ar.

Eu estava perdido e sozinho mais uma vez. Násser não tinha condições de me ajudar, eu podia sentir, ainda mais com o que eu vi assim que entrei naquele imenso castelo. Ele corria para todos os lados e socorria as pessoas que estavam ali, os ferimentos eram bem distintos e alguns eram bem sinistros: havia facas presas nas cabeças de uns, outros pareciam folhas de papel devorados pela traça, havia outros azuis e brancos, além de os últimos terem marcas em suas peles.

—Uma ajudinha, por favor? – Eu corri até ele. – Você poderia ficar com aqueles que tem facas, espadas, machados e qualquer arma presa em seus corpos. Eu ficarei com os de doenças mortais.

—Isso é comum aqui?

—Infeliz e terrivelmente, os últimos dias estão mais turbulentos. Desde que as duas principais cidades caíram, eu tenho me virado aqui. E Etzel? – Contei o que aconteceu. – Bom, eu achei que demoraria mais para isso acontecer.

—Você sabia que ela morreria?

—Todos vamos morrer, só não sabemos quando. Além do mais, a vida dela estava presa na Cidade de Platina.

—E como a Cidade pereceu, ela acabou falecendo. – Ele confirmou minha dedução. Levei alguns minutos para ter outra dedução. – Se com Etzel e Yoko aconteceu isso, por que Rosália ainda está viva?

—Ainda não sei responder isso. Sou levemente novo sobre isso.

—Não sabia que ser um Mestre precisava entrar como estagiário. – Eu me distanciei dele e comecei a auxiliar as pobres almas penadas que vinham até mim. Todas tinham alguma arma afiada presa em algum canto de seus corpos podres. Um deles era uma criança pequena, com seus cinco anos de idade; ela segurava um bichinho de pelúcia com seus braços miúdos e fracos. Ele tinha uma enorme faca enfincada em sua barriga. – Meu pequeno, o que aconteceu contigo?

—Mamãe e papai brigavam. Ele levantou a faca, eu tentei defender a mamãe, ele me atacou, senti dor, chorei muito e eu vi essa gosma vermelha saindo de mim. Não vi mais nada até estar aqui. Onde eu estou? – Eu estava sentido por aquele garoto que descansava seu sono eterno tão cedo. Eu, vagarosamente, retirei a faca; a criança deu um pequeno gemido de dor intensa e chorou novamente. Não tinha mais sangue, pois tudo fora escoado quando a vida reinava naquele corpo. Eu não estava preparado quando ele me abraçou fortemente, aquilo me tocou tão fundo que eu senti a mesma dor que ele. Ao olhar para os lados, Násser me encarava com um olhar feliz.

—Você pode vir trabalhar comigo assim que isso terminar. Você tem bom tato com as pessoas.

—Quem sabe.

—Alguém aqui pode me ajudar?!

—Deve ser um dos impacientes. – Eu segui Násser, que se encontrou com um homem mais velho. Ele não tinha ferimentos nem nada, provavelmente fora morte por doença ou por idade. – O que o senhor precisa?

—Acho que um caixão é o mais aconselhável. – A criança veio atrás da gente e riu um pouco do que falei.

—Mais respeito comigo!

—Por favor, senhor, tem mais pessoas em sua frente.

—E em estado bem pior que o dele. – O velho se virou para a criança e foi para cima dela, contudo, ele tropeçou em uma espécie de gosma de um homem que veio de uma guerra, eu acho.

—Ainda bem que morto não se machuca mais do que quando estava vivo.

—Respeito é bom!

—E você não está morto? – Násser se colocou entre mim e o velho, além de ajudá-lo a se levantar. – Ou quer que digamos que você bateu com as botas?

—Eu que vou bater a bota nele. – Eu vi o Mestre da Visão levar o senhor para uma espécie de elevador. – Minha criança, eu acho que você deveria ir com ele, pois saberá onde você ficará.

—Não, quero ficar com você... – Eu não sabia o que fazer, apenas cedi a pequena pessoa que ficasse comigo enquanto Násser não a levava. Falando nele, o Mestre retornava para o lugar. A criança me ajudava retirando as lâminas das pessoas, ou as balas de tiros de outros. Násser ficou com o trabalho mais delicado, pois eram pessoas mortas com doenças. Eu não notei o tempo passar e isso foi o suficiente para quase esvaziarmos tudo e mandarmos todos para seus devidos lugares.

—Estamos quase lotados. Você precisa resolver o problema da Morte e do Tempo.

—E tem alguém que possa me ajudar? – Ele ficou pensativo, mas também receoso.

—Talvez tenha duas pessoas, porém, não sei se é correto que as acordemos. – Ele engoliu em seco. – Eles podem ser perigosos, ainda mais que o Destino.

—E quem são eles? – Ele apontou para um canto excluído da enorme cidade. O marfim estava bem desbotado e todo seco, além de que fraturas estavam por todo o canto da enorme construção; havia enormes buracos no chão, além de pilastras que bambaleavam e quase caíam sobre nós três. A criança apertava minha mão tão fortemente que quase me arrancava os dedos.

—Apenas seja doce e sensível com eles, ambos não têm nenhuma boa lembrança de nós, Mestres da Visão. – Ele, com uma enorme chave de bronze, abriu uma porta de madeira pesada. O barulho da tranca pode ser ouvido, com certeza, do outro lado da Cidade. A sala estaria escura e vazia se não fosse pela enorme estrutura de vidro espesso que tinha no centro.

—E quem são esses? – Lá dentro, notei que havia dois corpos inseridos na imensa fumaça escura que os cercava.

—Esses são Nýchta e Efiáltis. – Eu não sabia, mas alguém disse isso para mim. Ambos os nomes são gregos: o primeiro significa “Noite” e o segundo, “Pesadelo”. – Eles são os pais da Morte, do Tempo e do Destino.


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