Com as cores do vento escrita por kagomechan


Capítulo 2
1607: Jane Smith e Pocahon


Notas iniciais do capítulo

e saiu mais um capítulo. Foi assim rápido pq eu me acho meio fraca na arte de fazer primeiros capítulos interessantes e ainda conseguir apresentar o ambiente e os personagens. não se acostumem com um capítulo por dia ok? kkk



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Jane Smith podia dizer que tinha feito para si uma grande história até esse ponto. Quando era pequena, quando não estava comprando briga em ruelas de Londres, estava olhando para os navios que zarpavam ou desenhando a paisagem em seu bloco de papel. Aos 16 anos já tinha colecionado vários arranhões, cicatrizes e também perdido os pais. A perda dos pais, que nunca foram presentes na vida da garota, só serviu para que as suas aventuras ficassem ainda mais ousadas. Também foi aos 16 anos que conseguiu se juntar à tripulação de um navio embora tenha que ter escondido o fato de ser mulher no começo. Assim, tornou-se seu costume usar botas pesadas, calças largas, blusas largas, enrolar os seios com faixas de pano. Era algo desconfortável às vezes, verdade. Mas adorava a sensação de liberdade que as viagens traziam. Completava o disfarce cortando seu cabelo loiro bem curto.

Com o passar dos anos, seu valor foi sendo cada vez mais reconhecido. Não só pela força de seu punho, mas também seu senso de liderança e seus desenhos precisos da geografia dos lugares em que visitavam. Contudo, segredos como o fato de ser uma mulher não costumam durar muito tempo. Logo, não foi tão surpreendente assim que alguns chegaram a descobrir seu disfarce. Com algumas pessoas, Jane deu sorte, eles não contaram seu segredo. No entanto, eventualmente o segredo morreu. Mas pelo menos a inglesa já tinha construído uma carreira de renome para si e teve a sorte de não ser despedida da Companhia Virgínia, uma junção de duas companhias inglesas que tinham como objetivo colonizar as novas terras encontradas.

Infelizmente, quando recebeu a missão de ir até o dito “Novo Mundo”, por mais que a viagem já tivesse a fama de ser difícil, ela não imaginava que colocaria à prova sua resistência tanto assim. Claro, talvez não tenha sido também uma boa ideia ter tentado liderar um motim contra o capitão do navio, Christopher Newport. Ainda mais no meio de uma longa viagem entre a Inglaterra e o selvagem e convidativo novo continente. Como prêmio pela sua tentativa falha de motim, a loira foi presa em uma das celas do navio.

O tempo no navio, acorrentada, não fez bem pra Jane. Perda de peso era a menor de suas preocupações. Principalmente entre um monte de marujos presos à meses no mar sem nenhum rabo de saia por perto. A jovem loira teve que aguentar todo o percurso entre as Ilhas Canárias, perto da África, até o novo continente sendo tratada como uma prisioneira. Quando chegou no Novo Continente, Jane olhou para aquelas terras intocadas, donas de ninguém. Especialmente se considerar que os nativos não sabiam fazer uso delas direito. Todavia, a natureza, os rios e o céu formavam uma bela vista, especialmente para alguém que estava indo para a forca por motim.

Mãos rudes seguravam em seus cabelos que cresceram durante a viagem empurrando-a para que andasse em direção a terra. As correntes já tinham deixado seus pulsos em carne viva depois de tantos meses no mar. Jane já tinha desistido de sua própria vida quando um rapaz chegou correndo segurando um papel enrolado como um tubo em suas mãos. As roupas pomposas indicavam que ele com certeza não estava naquelas terras selvagens à tanto tempo assim.

— Senhor, Capitão Christopher Newport, senhor - disse o homem estendendo o papel para o capitão.

— O que é isso?! Não vê que estou ocupado no momento? - exclamou o capitão - Tenho que levar essa puta para a forca!

— É um assunto de extrema urgência, senhor. - disse o homem - E tem relação com exatamente essa atividade. São ordens novas, senhor.

O capitão deu a custódia de Jane para outro marujo de forma nada delicada e tomou o papel das mãos do homem. Irritado como estava, não teve tempo de notar que o papel já tinha perdido o seu selo. E com certeza não teve paciência para analisar a falta do selo ao, irado, notar que o papel dava a liderança da colonização para Jane Smith.

Sendo assim, desde sua chegada no Novo Mundo, Jane focou seus esforços em ajudar os colonos, um monte de homens rudes que estavam tendo cada vez mais dificuldade em encontrar comida. Como a ideia era de que aquela tentativa de colonização fosse certeira, com direito à uma cidade e não só um aglomerado de pessoas que eventualmente seriam mortas pelos selvagens nativos, um primeiro passo básico e de importância mais emocional do que física, foi dar um nome ao assentamento. Depois de alguns minutos discutindo, os homens decidiram por Jamestown. O assentamento ficava no leito leste do rio que decidiram chamar de Rio James, até porque desconheciam o nome que os selvagens davam ou se eles seriam cultos o suficiente para dar nomes aos rios que os cercavam. Falando em rios, ali tinha certamente rios demais. A primeira vista, muitos poderiam pensar que isso tornava a região fácil para se obter água e alimento. Contudo, isso não era verdade. O terreno praticamente pantanoso dificultava muito e exatamente por isso a taxa de morte dos colonos era cerca de um colono por dia.

Dentre as coisas que a jovem decidiu fazer, estava um mapa da região. Todo dia pegava seu material de desenho e seguia para um ponto para fazer a marcação geográfica deste. Nem sempre ficava a mesma quantidade de horas mas, com o tempo, a cada dia andava para mais longe do mar. Tinha ouvido falar dos selvagens da região e exatamente por isso que ia armada. Sabia usar sua arma muito bem. Infeliz e morto seria aquele que a subestimar considerando-a apenas uma mera donzela indefesa. Mesmo assim, não queria ter que usar a arma.

Como as horas em que passava no leito do rio desenhando seu curso se passavam tranquilamente, certo dia Jane resolveu pegar uma das canoas improvisadas pelos colonos para registrar um pouco o leito oposto do rio. Não podia dizer que foi fácil levar a canoa por terra até ali, mas a geografia do lugar obrigou-a à fazer isso já que qualquer outro caminho que sabia pela água obrigava-a a ir pelo mar. Além de Jane não conhecer o percurso por água o suficiente e não confiar tanto assim em suas habilidades de remo de canoa no mar, não queria pedir ajuda para aqueles homens repugnantes.

Concentrada na tarefa de desenhar, que gostava muitíssimo, a inglesa talvez tenha cometido o terrível engano de não ter notado a canoa indígena que estava no leito oposto. Já estava dentro de sua canoa quando notou isso. Assim, o mais silenciosamente que pôde, trocou do remo para a arma em sua mão. Sua atenção ficou voltada para cada menor movimento de folhas ou o menor ruído causado pela floresta. Entretanto, não era mesmo o dia de sorte dela, pois logo a sua canoa estava presa.

— Merda - xingou Jane sem vergonha nenhuma do palavreado saindo da boca de uma “dama”.

Enquanto a inglesa tentava soltar a canoa do barco, viu o índio sair de seu esconrijo da floresta. A reação que teve foi de imediatamente tentar fugir. O desespero tomou conta de seu coração lembrando das histórias que ouviu de como os selvagens eram pagãos canibais malditos. Em outra situação, em que não estivesse em desvantagem, talvez ela não tivesse se acovardado tanto.

— Não tenho interesse em lhe fazer mal - disse o selvagem.

A língua dele era estranha para ele. Estaria ele falando que ia chamar seus iguais? Ou amaldiçoando sua alma? Zombando de sua habilidade com a canoa? Ela não sabia. Graças ao seu desespero e a pedra que insistia em prender sua canoa, não foi surpresa para ela quando a canoa virou derrubando-a na água. Nem teve tempo de manter a calma e tentar lutar contra a correnteza quando braços fortes a resgataram agilmente. Seus intintos naturais de apego à própria vida fizeram com que não lutasse contra o salvador. Muito pelo contrário, se grudou à ele e subiu aliviada na canoa do homem.

Resgatada, ela parou para olhar o seu salvador que subia na canoa também. Jane ainda estava com a respiração ofegante mas conseguiu se concentrar para olhar para o índio de cima a baixo. Tinha que admitir que ele era bonito, mas enquanto notava isso, também ficava preocupada com qual destino ela teria. Será que iria virar o lanchinho da tarde dele? A inglesa tinha plena consciência também de que sua roupa estava transparente e grudando em seu corpo. Não foi o pudor que fez com que Jane abraçasse o próprio corpo escondendo-se e virando-se de lado, foi a lembrança do que aconteceu no interior do navio.

— Tire os olhos de mim - disse ela sabendo que era inútil. Ele não a entendia e ela também não o entendia.

Apesar da fala, os olhos de Pocahon estavam nos estranhos cabelos dourados dela. Algo tão exótico para ele. A tensão que apertava o coração de Jane foi se aliviando ao notar que o comportamento do índio não era de alguém que queria matá-la, era o comportamento de alguém que estava curioso.

Pocahon deixou sua curiosidade aflorar enquanto uma vozinha dentro de sua cabeça falava para que ele tomasse cuidado. Powhatan, sua mãe, já tinha alertado à todos que alguns conflitos com os homens brancos tinham causado fatalidades. Os olhos negros dele se encontraram com os olhos azuis dela. Ela também parecia estar lentamente se deixando levar pela curiosidade. O homem se perguntou se o estranho objeto que antes estava na canoa dela e que agora era provavelmente levado pela correnteza do rio era o tal objeto que causava um fenômeno estranho, com muito barulho e fumaça e que já havia tirado a vida de alguns de seu povo. Sendo ou não, ele estava feliz em saber que a água iria levá-lo para longe.

Os olhos de Jane desviaram dos olhos negros do homem e percorreram seu rosto notando os traços tão diferentes dos traçados europeus que estava acostumada. Notou que ele fazia o mesmo. Apesar da curiosidade de ambos, o coração da inglesa ainda estava tenso torcendo sair viva daquele encontro.

— Tens um nome? - perguntou ele mas o som das palavras foi estranho para os ouvidos dela.

— E-Eu não entendo o que diz… - ela respondeu logo notando o quão inútil foi sua resposta.

— Tens… um… nome? - perguntou ele lentamente na esperança de existir alguma fluência na mulher.

— Ahm.. - disse ela olhando ao redor como se esperasse aparecer um dicionário mágico.

Pocahon bufou sentindo a barreira do idioma irritá-lo. Ele coçou a nuca e soltou um suspiro pesado. Seus olhos divagaram por alguns segundos pelo rio e então voltaram para a garota.

— Pocahon - disse ele colocando a mão sobre seu peito - Me chamo Pocahon.

— Ah - disse Jane. Colocando a mão sobre o peito também, repetiu o gesto - Jane. Jane Smith.

Ele abriu um sorriso que mostrava que estava feliz por ao menos ter quebrado essa pequena barreira e ela não pode evitar responder ao seu sorriso. Outras garotas com certeza ficariam nervosas em estar na mesma canoa que um selvagem e mais a carcaça de dois coelhos e um cervo, mas ela não era uma garota qualquer.

Contudo, a concentração dele não ficou só nela. Pois logo ele foi controlando a sua canoa para deixar Jane na margem do rio na qual ela tinha começado. A inglesa saiu da canoa sem qualquer ajuda enquanto pensava, com tristeza no coração, que tinha perdido o que tinha desenhado da geografia do lugar até então já que o papel tinha caído na água.

— Obrigada… - disse ela.

Mesmo sabendo que ele não entenderia, achava mais do que justo agradecer o homem. Nunca imaginou que seria salva por um nativo daquele jeito. Talvez tenha sido naquele momento, quando ele deu meia volta com sua canoa indo para o lado oposto mas virando para trás para dar uma última olhada nela, que ela tenha começado a se perguntar se os nativos eram mesmo selvagens como as histórias diziam.


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