Pride and Passion escrita por oicarool


Capítulo 3
Capítulo 3




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Nos dias que se passaram ficou cada vez mais claro para Elisabeta que o que acontecera ao pé da escada fora imaginação sua. Darcy Williamson voltara aos velhos modos, sempre ironizando, buscando discussões e a tratando com desprezo. Era verdade que tentava maneiras quando estava na presença do pai, mas sua rotina no jornal estava cada vez mais cansativa.

Naquela manhã, Elisabeta sentia-se agitada e ansiosa. Finalmente sua coluna criticando a mudança do editorial havia sido entregue, e ela sabia que era questão de tempo até que Darcy lesse o texto. E então se preparava para a guerra que viria, porque não existia universo em que Darcy Williamson fosse publicar aquele texto sem uma batalha.

E Elisabeta soube o exato momento em que ela começaria, quando Darcy saiu do escritório, o periódio em mãos, os olhos irritados. Todo o corpo dele em posição defensiva, e quando abriu a boca, foi como um trovão. Darcy estava furioso, e Elisabeta não resistiu a fingir uma expressão inocente e observá-lo com curiosidade.

— Que tipo de brincadeira é essa? – ele jogou o papel na mesa dela, completamente indiferente aos olhos de seus colegas.

— Me parece a edição de amanhã. – Elisabeta observou o papel com curiosidade.

— Eu estou falando dessa piada que a senhorita chama de coluna. Acha mesmo que vamos conseguir anunciantes com uma crítica dessas à nosso próprio trabalho?

— Não é uma crítica a nosso trabalho, senhor Williamson. – Elisabeta levantou-se, escondendo os tremores de raiva. – É uma crítica ao seu trabalho. O senhor chegou ao nosso jornal querendo modificar a forma como trabalhamos.

— A senhorita é uma mimada, petulante. Não é porque meu pai lhe dava benefícios que eu terei que fazer o mesmo.

— Seu pai nunca me deu benefícios, senhor Darcy. Seu pai nunca entrou nessa redação, e apesar de ter me dado a oportunidade de emprego, eu o mantive pelo meu mérito.

— E me espanta muito que tenha sido capaz de manter um emprego escrevendo tantas asneiras.

— Asneira é o que o senhor quer implantar nesse jornal. Lidando com a sociedade brasileira como se estivesse diante de nobres ingleses. Nosso país tem problemas, senhor Darcy. Tem desigualdade, condições ruins de trabalho, mulheres e negros que não conseguem oportunidades. – Elisabeta explodiu. – E nosso jornal sempre teve como característica falar por essas pessoas.

— Não são essas as pessoas que consomem o que os anunciantes nos pagam. – ele irritou-se.

— Os anunciantes sempre estiveram por aqui. E nosso compromisso sempre foi com a verdade. Sempre entrevistamos os operários, e não os patrões.

— Você é completamente desequilibrada. – ele passou a mão pelos cabelos. – Eu não vou publicar nada disso no meu jornal.

— Eu acho que o senhor deveria. – Venâncio arriscou-se, no fundo da sala.

Elisabeta e Darcy viraram-se para encará-lo. Pareciam finalmente perceber que estavam discutindo à plenos pulmões em frente à todos os colegas de trabalho, que pareciam espantados e curiosos.

— Como disse? – Darcy perguntou.

— Elisabeta está certa. Não é a única incomodada com a mudança no jornal. Todos nós estamos, e temos recebido cartas de leitores.

— Isso não é possível. Eu estou tentando modernizar esse jornal, estou tentando melhorar nosso maquinário e o salário de todos. Não conseguiremos nada disso com tantas denúncias. – Darcy ponderou.

— Nenhum de nós se importa com isso, senhor. – Olegário apoiou os colegas. – Sempre fomos um periódico diferenciado, que falava à ricos e pobres. Não é do nosso interesse vender nosso trabalho da forma como temos feito.

— Vocês estão todos loucos. Não é viável comercialmente mantermos essa linha.

— Sempre nos viramos. – Elisabeta cruzou os braços. – Os anunciantes sempre apareceram, em alguns meses recebíamos mais, em outros menos.

— Senhor, se me permite... Li seus textos nos jornais ingleses. Seu pai sempre teve muito orgulho de suas críticas à sociedade. Quando chegou ao jornal pensei que seria um grande acréscimo. – Venâncio disse, com um sorriso contido. – Me pareceu que se encaixaria exatamente na linha que seguimos.

Darcy encarou os colegas, e por fim Elisabeta. Estava irritado e ela sabia disso. Darcy Williamson não era um homem que lidava bem com pessoas que o contrariavam. Mas sabia escolher suas batalhas.

— Pois bem. A coluna da senhorita Benedito será publicada. Avaliaremos a resposta dos leitores, e teremos nossa resposta.

Elisabeta sorriu vitoriosa, arrancando um resmungo de Darcy, que pegou o papel amassado de cima da mesa dela e voltou para sua sala, sem mais nenhuma palavra. Ela recebeu cumprimentos dos demais colegas, sob o olhar atento de Darcy, que os observava de sua sala.

##

No dia seguinte à publicação da coluna, Elisabeta precisou conter a vontade de provocar Darcy. Desde a manhã do dia anterior os telegramas e cartas não paravam de chegar, todos elogiando a coluna e as antigas características do jornal. Darcy passara o dia com a expressão fechada, contrariado, e sequer aparecera no jantar ou no café da manhã.

Agora Elisabeta o observava pelas portas de vidro que dividiam à sala dele do resto da redação. Darcy continuava mau humorado, lendo e relendo cada uma das correspondências. Elisabeta sabia que ele nunca daria o braço a torcer. Jamais elogiaria a coluna dela, ou diria que estava certa. Por isso deleitava-se ao saber o quanto estava irritado.

Tinha a esperança, porém, que Darcy não implicasse mais com seus textos. Havia ainda muito o que denunciar sobre a fábrica de tecidos, e precisava organizar as entrevistas com os operários. Parou de observar Darcy para dedicar-se à seu trabalho, e com o pouco de paz que reinou naquele dia, foi capaz de concentrar-se e reencontrar o prazer de escrever sua coluna.

Era comum que Elisabeta ficasse até mais tarde trabalhando quando tinha um bom material em mãos. Perdia a hora e era quase sempre a última a sair, a responsável por fechar o jornal. Estava acostumada adentrar a noite trabalhando, e sentia-se confortável na redação. Principalmente naquele dia, quando parecia ter reencontrado um pouco de paz.

Quando Olegário saiu, Elisabeta fechou as portas da redação, ligou o mínimo de luzes possível, e continuou lendo, relendo e escrevendo. Havia perdido a noção de horário quando um barulho alto a assustou, seguido por um xingamento. Elisabeta levantou-se rapidamente. O barulho vinha do depósito, e as únicas formas de entrar eram pela redação, ou por uma grande janela de vidro, que não abria há muito tempo.

Procurou qualquer objeto, encontrando um peso de papel, e andou em direção à escada que levava à parte de cima, onde o depósito ficava. Subiu tentando não fazer barulho, não alertar o invasor. Quando estava quase no fim da escada, pisou em uma tábua solta, que fez um rangido alto.

— Quem está ai? – ouviu uma voz grave, que reconheceu imediatamente.

— Darcy? – ela subiu rapidamente, dando de cara com Darcy Williamson em meio à caixas.

Ele a encarou, surpreso. Já era tarde e acreditava que não havia mais ninguém na redação. Passara a tarde inteira distraído procurando edições antigas do jornal, lendo e relendo o padrão jornalístico que seus colegas e leitores apontaram. Já estava exausto, mas não chegara ainda às edições em que Elisabeta escrevia, e estava curioso.

— O que faz aqui? – ele perguntou, cruzando os braços.

Tinha os primeiros botões da camisa abertos, as mangas dobradas, o colete e o paletó esquecidos em sua sala. Elisabeta engoliu em seco, mais uma vez notando o quanto Darcy Williamson podia ser atraente.

— Eu estava trabalhando quando ouvi um barulho. – ela deu de ombros.

— Você é maluca? – ele riu. – E se não fosse eu? Se fosse um ladrão, um invasor?

— Eu sei me defender. – ela mostrou o peso de papel.

— O que você acha que faria com isso, Elisabeta? Jogaria em alguém e sairia correndo?

— Provavelmente. E além do mais, alguém perigoso não seria tão barulhento.

— Eu deixei algumas caixas caírem, só isso. – Darcy revirou os olhos. – E o que você está fazendo aqui ainda?

— Eu estou trabalhando, como sempre faço. – apontou o óbvio. – E você?

— Estou procurando edições antigas do jornal. – Darcy voltou-se para as caixas. – Ninguém pensou em datar essas caixas.

— As mais recentes não estão aqui. Costumavam ficar na sala de Venâncio. Bem, sua sala agora. Pelo menos as dos últimos dois anos.

Darcy a encarou, buscando qualquer sinal de que ela estivesse brincando.

— Você está me dizendo que estou há duas horas abrindo caixas e o que eu procuro estava lá embaixo todo o tempo?

— Se você tivesse perguntado, eu teria dito. – Elisabeta abriu um sorriso, sem poder evitar o contentamento pelo sofrimento de Darcy.

— Por favor, senhorita Benedito, me mostre onde estão as edições mais novas? – ele forçou uma expressão angelical.

— Vamos. – ela revirou os olhos.

Elisabeta desceu as escadas, com Darcy atrás dela. A redação estava mal iluminada, com as luzes perto da mesa de Elisabeta acesas, enquanto todas as outras estavam apagadas. Ela entrou na sala de Darcy, tentando ligar a luz, sem efeito nenhum. Darcy proferiu um xingamento em voz baixa, acendendo o abajur de sua mesa.

— O senhor não costumava ficar aqui à noite, não é? – ela riu. – Essa lâmpada está queimada desde os tempos de Venâncio.

— Eu prefiro trabalhar em casa quando quero trabalhar até tarde. Você deveria fazer o mesmo. Como iria para casa, aliás?

— Com minhas pernas, como sempre.

— O que? Pode ser perigoso, Elisabeta. Meu pai faz tanto por você e não foi capaz de contratar um motorista?

— Deveria saber que seu pai tentou. – ela sorriu. – Mas Lorde Williamson já entendeu que eu não faço nada do que não quero.

— Não é difícil de entender isso. – Darcy disse, em voz baixa.

— O que disse? – ela virou-se para ele.

— Onde estão as edições? – ele mudou de assunto.

Elisabeta puxou uma cadeira para perto de um grande móvel que ficava na parede oposta. Subiu, sem pedir ajuda, e abriu as portas de cima. Darcy viu a sombra de duas grandes caixas, que imaginava que continham as edições que ele tanto ansiava por ler.

— Deixe que eu pego isso. – ele se aproximou de onde ela estava.

— Eu consigo fazer sozinha. – Elisabeta disse, com as mãos já em volta da primeira caixa.

Ela puxou um pouco, mas quando a prateleira não serviu mais de apoio, percebeu que havia dimensionado errado o peso da caixa. Era muito mais pesada do que imaginava, e sem aviso, Elisabeta desequilibrou-se. Esperou o impacto no chão, mas enquanto a caixa bateu no piso de madeira, Elisabeta foi envolta nos braços fortes de Darcy.

— Você está bem? – Darcy perguntou, segurando-a firme.

— Sim... – Elisabeta respondeu em voz baixa, seus olhos de repente encontrando os dele.

E novamente teve aquela sensação, de que estava diante de alguém diferente, que possuía uma preocupação genuína no olhar, completamente distante do homem arredio com quem convivia. Darcy ajustou a posição dos dois, deixando Elisabeta firmar-se no chão, mas não se afastou dela.

Darcy engoliu em seco, notando o profundo dos olhos de Elisabeta, que o observavam cautelosamente. Prendeu a respiração quando não foi capaz de conter a necessidade de tocá-la, e enquanto um de seus braços ainda caprichosamente à envolvia, sua mão buscou o rosto dela. Elisa fechou os olhos diante do contato delicado, seu corpo de repente quente.

Ela abriu os olhos, e encontrou o verde dos dele na penumbra. Havia uma eletricidade diferente no ar, e nenhum dos dois soube quem deu o primeiro passo, ou se deram juntos. Mas seus rostos se aproximaram de repente, seus olhos grudados. Elisabeta sentiu o hálito mentolado dele perto de seu rosto, acelerando sua respiração. Seu nariz tocou no dele, e por mais que seu corpo ordenasse que não resistisse, Elisabeta deu um passo atrás.

Darcy pareceu dar-se conta de suas posições no mesmo momento, soltando-a de repente e se afastando. Os dois mantinham o olhar um no outro, um desejo intenso de esquecer tudo que os cercava. Os lábios formigavam pelo contato, os corpos sentindo falta da proximidade.

— Muito obrigada. – ela disse, embaraçada. – Acho que o senhor já sabe onde estão os arquivos. – passou a mão pelas roupas.

— Sim, eu posso pegá-los. Obrigado... pela ajuda, quero dizer.

— Ora, não foi nada. Eu... preciso ir. – Elisabeta engoliu em seco, andando apressadamente em direção à porta.

— Espere, eu posso levar você para casa. – Darcy disse, arrependendo-se logo em seguida.

— Não é necessário. Estou acostumada a andar. E preciso arejar a cabeça.... foi muito, muito trabalho hoje. – completou, desnorteada.

Darcy a viu partir, surpreso. Já sentira aquela conexão estranha no dia em que quase derrubara Elisabeta da escada. Mas agora havia sido ainda mais intenso, mais perturbador. Sem querer pensar no assunto, pegou a caixa caída no chão, encontrando as edições que desejava, enquanto Elisabeta caminhava apressadamente para casa, querendo estar o mais longe possível daquela tentação.


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