Fascinação escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 4
Ato 3: Incursão reveladora.


Notas iniciais do capítulo

Oláaaaa o/
Depois de algum tempo parada voltei. Eu tardo, mas não falho!
Espero que gostem do capítulo novo. Tenham todos uma boa leitura. :3



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Ele se apresentou como Tray. Bom, o nome era quase esse, mas ao ser questionado e responder num sussurro, ninguém pareceu compreender muito bem, e a criança acabou aceitando que o chamassem assim. Mais tarde, quando foi apresentado à Salazar e travou uma conversa com ele, contou que fazia parte de um pequeno grupo de nômades, e que viajava pelas proximidades daquele vilarejo. Tudo parecia bem até serem emboscados por feras. Com a confusão, ele perdeu-se do resto do grupo e, rumando sozinho sem saber para onde ir, acabara chegando àquele local onde o Circo estava ancorado.

Alguns dos integrantes de hábitos noturnos foram enviados para patrulhar a região próxima, na tentativa de encontrar alguém do grupo de Tray ou as criaturas que os feriram, mas não acharam nada. Em compensação, o garoto fora levado para a tenda que servia como casa de cura, para tratar dos inúmeros arranhões que percorriam seu corpo. Felizmente, nenhum parecia grave a ponto de causar uma hemorragia, mas alguns sangravam bastante e poderiam infeccionar.

— Certamente ele andou bastante para chegar até nós, pobrezinho. — Salazar ouvira Cyril dizer à sua mãe, que observava a tudo com olhares desconfiados. Mas, quando a própria adentrou o local para dar uma olhada na criança em questão, acabou sendo vencida pela compaixão.

Afinal, era difícil continuar olhando torto para um garoto da idade do seu próprio filho, tão machucado. Seus olhos azuis, quase límpidos, estavam sempre correndo por todos os cantos. Os cabelos loiros e encaracolados estavam embaraçados e parecendo um ninho de pássaro com tanta folha e terra que havia grudado neles enquanto dormia ao relento. As roupas que usava estavam bem gastas e rasgadas, também.

Quando Salazar conheceu-o, porém, o garoto já tinha sido tratado. Seus cabelos cacheados estavam definidos e caíam sobre seus ombros com delicadeza, os olhos pareciam menos arredios e, apesar de ter faixas cobrindo boa parte de seu corpo, as vestes que usava estavam inteiras. Bem, ele sabia bem disso, porque aquelas roupas obviamente foram doadas por si próprio. Desconsiderando esse detalhe, percebia-se que Tray tinha uma aparência muito bonita, quase como se fosse algum tipo de príncipe.

Salazar nunca vira príncipes ou princesas antes, pelo menos não pessoalmente. Apenas sabia que a única princesa do Sonhar nos dias atuais era bem nova e nascera com algum tipo de doença muito séria.

— Tray ficará conosco por algum tempo, então seria bom mostrarmos o Circo para ele. — fora decidido, e naquele momento Cyril agachou-se, apoiando ambos os braços em seus joelhos, e observou Salazar. — Você poderia fazer isso? Tendo a mesma idade, acho que vocês dois se entenderão bem.

Ele não recusou, apenas puxou o outro garoto pela mão e começou a guiá-lo.

Decidiu começar por Blake, a equilibrista. Sua aparência era singela, ela parecia pequena, frágil e pálida, com vestes negras e fluídas que combinavam com os cabelos pretos ondulados, sempre presos por pregadeiras e grampos para que ficassem em um coque. Embora o penteado pudesse variar as vezes, tornando-se dois coques nos lados da cabeça ou, raramente, algo similar a um rabo de cavalo, Salazar não se lembrava de tê-la visto usando cabelo solto, sequer uma vez.

Mas essa fragilidade combinava bastante com sua habilidade. Blake não possuía quase peso algum, sendo extremamente leve, e os saltos que fazia sobre as linhas que cruzavam todo o topo de sua tenda eram precisos e adoráveis. Em algumas situações, ela abria o guarda-chuva bem detalhado que possuía, tão negro quanto suas vestes, e usava-o para flutuar até o chão ou para alguma linha paralela mais distante.

Salazar não sabia nada sobre voo, mas Blake possuía uma elegância quando estava em pleno ar ou sobre suas linhas, e apenas aquilo para ele já era bem mais incrível que o próprio ato de voar. Tray aparentemente concordava com sua visão, porque após poucos minutos vendo o treinamento da equilibrista, já estava fascinado, os olhos brilhando e as palmas batendo uma contra a outra com emoção.

Eles não ficaram muito ali, afinal era sabido, pelo menos pelos integrantes do Circo, que Blake era extremamente tímida e reservada quando estava fora do palco. Explicando isso para Tray, Salazar ia deixando a tenda.

— O quão tímida ela é?

— Muito. Ela quase não fala, e se fala sempre usa a menor quantidade de palavras possível. — o rapaz explicou, e levou-o então para a próxima parada, a tenda onde as feras ficavam retidas, sob o comando de Kron.

Como esperado, a reação de Tray ao vê-lo foi se assustar, mas não demorou muito para notar que era inofensivo. Ele foi acompanhado por dentro do local, que simulava um grande habitat, com direito a árvores e até mesmo um pequeno lago. Ali estavam espalhadas as oito feras do Domador: um unicórnio, um grifo, um serpopardo, uma hidra com evidentes três cabeças, um sapo de proporções absurdas, uma ave similar à avestruz, porém mais perigosa, um mantídeo com cores vibrantes e tamanho de um cavalo. Por fim, uma planta carnívora gigante tão amedrontadora que ninguém parecia disposto a questionar sua existência como “animal”.

— Como ele consegue manter todas essas criaturas num mesmo lugar sem se comerem? — Tray perguntou, perplexo, ao que Salazar apenas deu de ombros.

— Não faço a menor ideia. Mas eu sei que a entrada da tenda é fechada para todos, inclusive a própria dona, a menos que Kron esteja acompanhando-os. Ele os alimenta e cuida deles sozinho, e quando há um número no palco principal em que os animais precisam ser tirados daqui, apenas um pode ser levado, e é Kron que os leva e traz de volta.

— Oh. Ele é incrível.

Salazar dividia a mesma admiração.

Eles foram adiante e, em meio caminho para a próxima tenda, encontraram Nia. Apresentando-se como musicista do Circo, cabia a ela tocar as cítaras e flautas, assim como tambores que caracterizavam tanto o ambiente dali. Não tinha problema algum em tocar vários instrumentos musicais ao mesmo tempo, afinal possuía três pares de braços. Sua pele negra era decorada com inúmeras tatuagens brancas, a maioria lembrando símbolos musicais. Nia também possuía um olho extra em meio a sua testa, e sua voz era tão melodiosa quanto as notas que tocava. Suas íris, apesar de terem um tom roxo, passavam uma sensação de compassividade e harmonia. Ela ofereceu palavras gentis enquanto eles se afastavam para continuar o “tour”, com lábios carnudos repletos de boa vontade, e continuou a caminhar, a mão direita que ficava mais acima das outras erguendo-se para enrolar algumas mechas de seu cabelo cheio e crespo.

As duas crianças chegaram a uma tenda onde havia o maior grupo de membros trabalhando juntos até então. Eram dez pessoas, a maioria entre eles, elfos e humanos de idades variadas. A exceção era uma mulher madura, muito parecida com uma fada, cujas asas eram escuras e com padrões marmorizados, e eram usadas como uma capa para caminhar entre os outros. Era perceptível, também, um par de antenas de mariposa saindo da parte superior de sua cabeça, dentre o cabelo azul-marinho, cortado na altura do queixo.

— A dama com as asas é Morph, a estrela do grupo de teatro. — então, Salazar apontou para cada um dos outros membros, que estavam ocupados em algum tipo de atuação, ditando seus nomes. — Eles sempre tem duas peças diferentes prontas para serem apresentadas, uma de comédia e outra de tragédia. Willburn, o homem mais velho, é quem escreve os roteiros.

— Os roteiros? Não são sempre as mesmas peças?

— Ah, não. Eles eventualmente as trocam, as vezes por mais antigas, as vezes por novas em folha. Willburn sempre reclama quando tem que escrever roteiros novos, mas ele os faz mesmo assim. E o resto da equipe costuma ajudá-lo com falas ou ações específicas na hora de montá-los.

— Ah, legal! Fazem parte da atração no palco principal, né?

— Sim! Quando tem mais crianças na plateia eles optam pela história de comédia, e quando não as têm, pela outra. Acho que é porque crianças como nós preferem aventuras e coisas que fazem rir.

— Fale por você, eu prefiro as tragédias.

No que Tray respondeu aquilo, Salazar observou-o atentamente, mas o outro garoto só exibia um sorriso tranquilo em seu rosto.

Bem, ele pensou, existem gostos de todo o tipo.

Então decidiu levá-lo ao atirador de facas, Caleb.

Diziam as línguas soltas que Caleb outrora fora um assassino bastante perigoso e que Cyril acolhera-o mesmo assim. Salazar não sabia de quase nada sobre isso, afinal fora antes de nascer, e os outros membros preferiam não incorrer na ira do homem. A questão era que, independente do fato disso ser verdade ou não, Caleb jamais causara nenhum problema sério desde que juntara a eles. Entretanto, sua aparência e personalidade quase gritavam que ele era uma pessoa perigosa.

Com músculos grandes, alto porte e algumas cicatrizes em sua face, desprovido de qualquer fio de cabelo, sua personalidade era irritadiça e francamente rude. Apesar de ser considerado um “atirador de facas”, Caleb era capaz de usar todo o tipo de arma que caía em sua mão, e montar um bom número com elas. No exato instante que os dois garotos adentraram sua tenda, viram enquanto o homem atirava cinco adagas, todas de uma só vez, contra outra pessoa. Esta moveu sua mão em um floreio, fazendo pequenos portais amarelos surgirem no ar em frente a cada lâmina. Isso causou um efeito reverso, onde elas deixaram os portais e rumaram para quem as atirara, que capturou-as com velocidade, uma a uma.

— Como esperado de você, será que conseguimos aumentar a quantidade? — a voz da segunda pessoa era bastante jovial, assim como sua aparência. Bem comum comparado a muitos dos outros integrantes do circo, o homem que estava com o atirador de facas vestia-se como um mago, usando muitas camadas de tecido e um chapéu bem largo sobre a cabeça. Isso cobria-o quase por inteiro, mas era possível ver um sorriso amigável e olhos castanhos animados quando sua atenção voltou-se para os improváveis espectadores. — Oh… Salazar e… ah, você deve ser o garoto novo, né?

— Oi, Caleb, oi Gael. — o rapaz acenou para os dois e apontou para o outro a seu lado. — Este é Tray, Cyril disse para eu apresentá-lo a todos. Ele vai ficar conosco por enquanto.

— É claro que sim. Mas temos de aumentar o número se quisermos evitar de nos apresentarmos duas vezes em uma só noite. — Caleb respondeu ao outro, e moveu seus olhos ferinos em direção as crianças. — Mais um…?

Antes que ele continuasse com uma frase que certamente soaria ofensiva, já que parecia não gostar muito de crianças, embora nunca tenha feito mal algum a elas, Gael, o mago, cortou-o. — Você não quer mais tempo no palco, sério?

— Nem um pouco.

— Como o esperado de você. — olhando os garotos mais uma vez, ele sorriu amplamente. — Bom, nosso brutamonte está meio mal humorado hoje e estamos um pouco ocupados, então não podemos ceder…

— Quem você está chamando de brutamonte!?

— Como eu disse… nos falamos mais tarde, tudo bem? — após terminar a frase que iniciara, ele estalou os dedos e, no segundo seguinte, tanto Salazar quanto Tray viram-se do lado de fora da tenda em que estavam.

— Er… acho melhor voltarmos outro dia mesmo.

— Eles vão brigar?

— Eles estão sempre brigando, mas se dão bem. — Salazar respondeu, mas ao perceber que a frase soara meio contraditória, tentou explicar. — Acho que tem algo a ver com as personalidades deles. Como água e óleo, talvez?

— Eu notei. — Tray lançou um olhar para a tenda a sua frente, perplexo. — O homem feliz… Gael, é um mago, certo?

— Sim, substituiu meu pai quando ele foi embora. — como a criança que era, Salazar disse aquilo despreocupadamente.

— Por que seu pai foi embora?

— Ele queria descobrir o mundo ou algo assim. Pelo menos é o que todo mundo por aqui diz.

— Ele não poderia estar… — houve uma pausa. — Morto?

O outro garoto pareceu pensar alguns segundos sobre aquela possibilidade. Ele sabia o que era a morte, embora nunca tivesse visto-a de perto. Tinha a consciência que era algo de certa forma ruim. Entretanto, algo dizia-lhe que não era bem isso que acontecera.

— Acho que não. Minha mãe ou algum dos outros teriam dito. Eles as vezes não me contam tudo, mas esse tipo de coisa, tenho certeza que não esconderiam.

Tray inclinou um pouco a cabeça.

— Ah, sim.

Ele não fez mais qualquer comentário sobre aquele assunto. Talvez porque fosse bastante claro o que deveria ter acontecido com uma parte – ou talvez todo – o grupo do qual fazia parte anteriormente.

Os dois passaram por mais alguns lugares, Tray sendo apresentado àqueles que eram responsáveis por ocupações fora do palco, o caso dos cozinheiros e responsáveis pela limpeza. Havia também as duas enfermeiras que cuidaram dele quando chegara, das quais soube um pouco mais. Salazar levou-o para trocar algumas palavras com Esdras e por fim guiou-o até a tenda de Flamie.

A jovem estava inflamada como sempre, e sua ajudante, uma elfa de traços delicados chamada de Ærith, usava um borrifador para molhá-la, dissipando a fumaça que começava a surgir sobre sua cabeça.

— Eu disse que queria aumentar a duração, mas ela não deixou!

— Mas senhorita Flamie, seu número já é bastante extenso…

— Não importa, importa!? Estou me esforçando aqui.

— Você não pode simplesmente trocar algumas partes antigas pela nova que criou?

Uma fagulha reacendeu sobre os cabelos de tons quentes da moça, que abriu bem seus lábios e gritou um “não” como resposta, o que fez a companheira suspirar e borrifar mais água.

Salazar apenas observava à distância, primeiro por conta da irritação óbvia da adolescente, segundo porque lembrara das proibições de sua mãe. Como Flamie já não estava de bom humor, era preferível manter-se longe.

— Hum… ela é meio intensa, né?

— Super. Vamos embora, eu não posso ficar muito tempo aqui. Acho que mais tarde você poderá conhecê-la melhor.

— Por quê não pode ficar?

— Minha mãe proibiu.

— Mas por quê?

— Ela diz que é perigoso.

— Mas se é pelo risco de incêndio, Flamie é perigosa para todos, não?

Sem ter uma resposta decente para aquilo, Salazar limitou-se a dar de ombros. É claro, a pergunta de Tray ficou em sua cabeça. Era bem similar com as questões que ele próprio sempre cansara de fazer à sua mãe, e já sabia que não conseguiria argumentar sobre. Artemísia era boa com as palavras, já ele, não se achava tanto assim.

— Certo… Vamos terminar na tenda da minha mãe, tudo bem? — Cyril havia aconselhado que Tray fosse levado até lá para que sua sorte fosse lida e soubessem o que fazer com ele posteriormente. Mantê-lo consigo no Circo não era sua ideia principal, pelo menos não enquanto poderiam haver pessoas atrás do garoto. Ela não negava abrigo à quem vinha de livre e espontânea vontade e tinha vontade de trabalhar ali, ou apenas reconstruir uma vida. Entretanto, era claro que a situação de Tray era diferente.

— Sim, por mim tudo bem. — o garoto assentiu com a cabeça, e seguiu Salazar enquanto este rumava para o ponto final daquele passeio.

Para a tenda da Grande Vidente, Artemísia Greed.


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Notas finais do capítulo

Bem, aqui estamos nós por mais uma pequena incursão ao Circo, mostrando mais alguns personagens importantes ou mais memoráveis. Eu demorei um pouco para ter certeza de que rumo Fascinação iria tomar (afinal, quando a criei só tinha o final em mente, não sabia o que fazer com o meio).
Agora, no entanto, já tenho um pequeno roteiro, ou melhor, algumas coisas que preciso seguir trabalhando em certa ordem para chegar onde eu quero. Eu espero conseguir chegar até lá de uma maneira decente, sinceramente. kkk
Enfim, apenas lembrando que "Fascinação" foi pensada para ser uma história pequena. Ainda não sei se ela vai ter tantos capítulos quanto Meteoro, sua antecessora, mas é possível que não chegue lá. Ou "seje", talvez com mais quatro ou cinco capítulos talvez eu consiga finalizá-la.

Eu agradeço a cada um que dá uma chance para a história e está acompanhando-a, obrigada a todos vocês. ♥
Kisses kisses ♥



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