Fascinação escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 3
Ato 2: A voz da Razão.


Notas iniciais do capítulo

Como sempre, eu tardo mas não falho! :p

Sei que costumo escrever notas iniciais e finais enormes, mas com a futura mudança do site e tudo, acho melhor eu perder um pouco esse hábito. kkkk

Espero que gostem do capítulo. :3

Kisses, kisses ♥



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Levou algum tempo até que todos os clientes deixassem o circo, após o Número Final da noite, e Cyril saiu pelo tapete vermelho, a procura do único membro que estava faltando dentro da tenda. — Ah… ai está você, Salazar. Sua mãe estava te procurando.

Salazar, que a esta altura da noite já havia esticado as pernas andando de um lado para o outro da vila, e agora contentava-se em ficar deitado no campo florido, com certo ar de tédio, ergueu-se do meio das flores e piscou para a mulher. Então uma careta de pânico surgiu logo depois.

Quando a mãe de alguém está procurando por essa pessoa, ela deve ter inúmeras razões. Mas, quando Artemísia Greed deixava-se saber que estava procurando pelo filho…

Ele sabia muito bem que uma bronca das grandes estava por vir. Prevendo que demorar iria apenas azedar ainda mais o humor de sua progenitora, apressou-se em ficar de pé e correu para dentro o mais rápido que podia. Cyril observou-o passar com um sorriso compreensivo no rosto, e então olhou para Esdras, ainda sentado na pedra, absorto em seus pensamentos.

— Tenha cuidado. Se houver qualquer problema, pode me avisar.

O homem não fez mais que assentir com a cabeça, mostrando que de fato prestara atenção na chegada da Mestra de Cerimônias, e a criatura de fogo azul crepitou em resposta. Cyril voltou para dentro. Apesar de ficar implícito que o serviço havia terminado, o tapete vermelho continuava estendido e a única diferença notável era que as luzes que vinham do interior da tenda tornaram-se mais escuras.

Aquela era a rotina comum de quando estavam ancorados em uma vila. Os espetáculos continuavam até uma hora tardia, então os visitantes eram cordialmente enviados de volta para as suas casas. Os membros do circo que tinham preferências noturnas preparavam-se para seus momentos pessoais, alguns optando por treinar, outros por apenas curtir as horas de folga. Esdras permanecia guardando seus companheiros, de olhar vigilante e mais atento do que parecia a primeira vista. Ele lidava bem com a maioria dos problemas que poderiam encontrar: clientes que por curiosidade gostariam de invadir, ocorrências pouco comuns em que monstros desgarrados apareciam e precisava dar um fim neles. Em todos os anos em que agia como guardião, podia contar em seus dedos das mãos as vezes que precisara acordar Cyril por não conseguir resolver algum empecilho.

Ele descansava de dia, o que explicava o fato da chegada em uma vila nova ocorrer tão tarde. Enquanto a tenda estivesse montada, alguém costumava tomar seu lugar como guardião. Quando estavam de viagem, o ser dentro do lampião, que não precisava dormir, mantinha-se em alerta, e em qualquer situação de perigo ou suspeita, rapidamente chiava para despertar Esdras. Não era tão difícil, afinal ele acabara habituando-se a ter um sono leve.

Quando o sol estava no céu, os clientes eram entretidos com números nas barracas menores, e outra parte dos membros do circo saíam para preparar mantimentos para a próxima viagem. Eles não costumavam permanecer num mesmo local por mais de uma semana, afinal de contas, esse era o tempo necessário para um show fantástico deixar de ser tão interessante assim.

 

A tenda de Artemísia era uma das maiores, e ocupava o canto direito logo ao lado do palco principal. Ela tinha um degradê que ia do roxo ao azul em seu tecido, e quem passasse por sua entrada se depararia com um lugar confortável, com poltronas negras de algo similar ao veludo e toda uma ambientação favorável ao seu trabalho. Havia uma magia que simulava constelações no teto, uma mesa ampla onde poderia ser colocada tanto a bola de cristal quanto suas cartas, assim como todas as outras coisas que usava na adivinhação. Um incenso de cheiro intenso, mas agradável, era acendido um pouco antes do primeiro cliente entrar na tenda, entretanto quando Salazar adentrou-a correndo para encontrar com a mãe, este já havia se apagado, e apenas o resquício do seu aroma estava no ar. Ele rapidamente reconheceu os tons adocicados e amadeirados da canela.

— Salazar Greed, venha até aqui.

O chamado da mãe o fez estremecer um pouco. Ela estava sentada de uma maneira relaxada em uma das poltronas que ficavam de costas para a entrada, e só era possível ver parte de seu antebraço direito recostado, e algumas mechas de cabelo verde. O garoto contornou-a e sentou-se em outro móvel, do lado oposto da mesa, o qual Artemísia usava para atender seus clientes.

A mulher fitou-o em silêncio por alguns segundos. Suas vestes eram diáfanas e repletas de adereços de metal que combinavam com o tecido verde-azulado, muito similar à seda. Uma tiara cheia de contas negras adornava sua testa. O rapaz havia puxado muito dela, tanto seus cabelos quanto o formato do rosto, até mesmo a tez da pele. Entretanto, ela não possuía a mesma heterocromia presente no filho, seus dois olhos eram de um verde intenso, e a maneira com a qual observava-o deixou o garoto ainda mais incomodado.

— Eu soube que você esteve perto demais de Flamie durante o seu número.

Uma gotinha surgiu na cabeça dele imediatamente.

— Culpado?

— É… ao menos não criei um mentiroso. — ela desfez sua postura, que mais parecia a de uma rainha má entediada, e esticou o braço direito para capturar a orelha de Salazar e beliscá-la, o que fez um gritinho escapar da boca dele. — Eu já falei várias vezes…

— Eu sei. Eu sei, eu sei, mas é… tão bonito, eu não consigo ficar longe. — a criança choramingou. A essa altura, sabia muito bem que usar todos os argumentos de sempre acarretaria numa batalha perdida.

— Salazar, alguma vez disseram-lhe que eu errei em alguma previsão?

— Não.

— Alguma vez lhe disseram que eu menti sobre algo apenas pelo meu próprio bem?

— Não.

— Então por tudo que é mais sagrado, poderia começar a me obedecer? — Artemísia suspirou, contrariada, e soltou a orelha do filho, voltando a recostar-se na poltrona. — Não pude controlar os desejos insanos do seu pai, mas ao menos devo conseguir colocar um pouco de juízo na sua cabeça.

— Você sempre diz isso. — ele fez bico, e desviou os olhos para o próprio colo. — Papai quis sair para conhecer o mundo. E tem muitas coisas incríveis fora do circo também, todos dizem isso. Qual o problema em querer o mesmo?

A mulher expirou penosamente, segurando a ponta do nariz.

— Não existe problema nenhum… escute, meu filho. — ela desceu ambas as mãos dessa vez, e segurou as dele. — Há coisas maravilhosas lá fora. Algumas menos do que temos aqui, outras mais. Mas há coisas terríveis também. O Sonhar é repleto de coisas incríveis, e também perigosas. A única coisa que eu quero é prepará-lo. Porque se um dia você for obrigado a deixar o Circo, ou quiser sair por alguma razão, precisará ter o mínimo suficiente para sobreviver.

— Você quer que eu continue e seja como você é.

— De fato quero. — ela deu de ombros, e então soltou uma das mãos dele para levar a sua própria até o rosto do garoto, segurando-o com o dedo indicador para que ergue-se a cabeça. — Mas acima de tudo eu quero o seu bem.

Salazar piscou os olhos desiguais, então assentiu, algumas lágrimas começando a juntar-se sob os olhos. — Desculpe.

— Você é um bom menino. — Artemísia abriu um pequeno sorriso e então afagou o topo de sua cabeça. Aquilo já era uma evolução, afinal na grande maioria das vezes ele perguntava insistentemente qual era o problema com Flamie, ou com o fogo no geral, e a mulher apenas fechava sua expressão e insistia para que ele ficasse afastado, ainda que Flamie fosse de fato uma “boa garota”, apesar de problemática. — Vamos dormir, o dia amanhã será cheio.

— Certo, mãe. — e o garoto também sorriu um pouco, após limpar as lágrimas com as costas das mãos.

 

O dia seguinte prometia ser apenas mais do mesmo, com exceção do bom comportamento de Salazar, que não foi pego fazendo nada de errado. Aquilo também era de praxe, já que dali a um mês o garoto voltaria com suas ideias extremas de sempre. Os membros mais antigos do Circo alegavam que ele puxara a personalidade do pai, o antigo Mago, cuja cabeça parecia estar sempre no céu e os pés eternamente dispostos a cair na estrada. Ele era uma alma livre, esperava-se que o filho tivesse algo assim em seu interior. O grande problema, evidenciado justamente por Artemísia, era que Salazar Greed era novo demais para saber o que queria. E era novo demais para saber o quão terrível o mundo lá fora poderia ser.

 

Mãe e filho estavam deixando a tenda de Adivinhação naquela noite, ao fim de mais um expediente, quando notaram algo fora do comum. Boa parte dos membros que deveriam ter se retirado para dormir, estavam amontoados na saída do circo, como se vislumbrassem algo do lado de fora. Artemísia franziu o cenho, cautelosamente fazendo um movimento com o braço para colocar Salazar atrás de si, o que não fez mais do que atiçar sua curiosidade. Ele desviou seu olhar das costas da mãe e movimentou a cabeça um pouco para o lado, mas mesmo assim não conseguia ver nada do que acontecia lá fora, primeiro por estarem num ângulo ruim, segundo por conta da distância, e terceiro porque havia algumas criaturas bloqueando sua visão.

Salazar também franziu o cenho, mas foi certamente de frustração. Em contrapartida, o pequeno aglomerado foi desfeito assim que Cyril – em situações adversas, a primeira a ser contatada – abriu passagem. Atrás dela, vinha Esdras, carregando nos braços algum tipo de embrulho muito grande.

— Mãe, o que é…

— Não saia de trás de mim.

— Mas mãe!

Artemísia deu um dos seus muitos suspiros de quando precisava lidar com a insistência do filho, ponderando consigo mesma como deveria responder àquela pergunta. Pelos contornos do embrulho era possível ver do que se tratava, e o rumo que Esdras e Cyril tomavam estava bastante claro aos seus olhos. Mais uma vez, o pequeno Salazar esticou o pescoço e estreitou os olhos para tentar enxergar melhor. Foi quando notou que a coisa carregada por Esdras com certo cuidado se mexia.

Havia uma pequena abertura em meio aos panos, perceptível apenas quando os dois passaram perto o suficiente do garoto e sua mãe. Ele conseguiu ver um par de olhos azuis, humanos, infantis e muito vivos, espiando-o através da fresta. Então o pequeno grupo seguiu em direção a tenda que servia-lhes como um espaço para a cura, e Salazar fez uma careta de perplexidade bastante justificada.

Afinal, não era em todas as noites que uma criança aparecia pelos arredores do circo, e era desconhecida na vila em que estavam acampados.

Mãe e filho tiveram pensamentos completamente diferentes enquanto observaram aquela curta cena:

Salazar mantinha sua curiosidade, e algumas expectativas quanto a convidado inesperado.

Artemísia teve a impressão, em seu interior, que alguma mudança extrema estava para chegar.

E ela sabia por experiência própria que mudanças nem sempre vinham para o bem.


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