Fascinação escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 5
Ato 4: Ilegível


Notas iniciais do capítulo

Hei, olá pessoal :3
Trago para vocês mais um capitulo de Fascinação e desejo-lhes uma boa leitura :3



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Salazar automaticamente discerniu o cheiro do sândalo na tenda ao se aproximar, Artemísia mudara o tipo de incenso que usava, o que era bastante inusual. A canela era utilizada noventa por cento das vezes, e o garoto já associava esse odor a mãe de imediato, talvez porque este ficava impregnado nas vestes dela. Ele acabara amando o aroma, era algo que lhe trazia conforto e fazia-o se sentir calmo, mesmo que Artemísia as vezes fosse bastante severa consigo.

Tão intensa era sua impressão sobre aquilo que a mudança causou logo estranheza para ele, mas bem… era algo que acontecia, fosse pelo responsável por procurar mantimentos ter esquecido de conseguir mais incensos de canela, fosse porque Artemísia queria mudar o clima dentro da própria tenda, fosse por questão espiritual. De fato, quando os dois garotos adentraram o local, havia uma fumaça mais densa que o normal pairando sobre ela e os olhos verdes estavam focados na bola de cristal com evidente fixação. As mãos também englobavam o objeto, sem tocá-lo diretamente, e a respiração dela estava profunda.

Salazar cutucou Tray e fez um sinal de silêncio, levando o dedo indicador aos lábios, ele rapidamente deu um passo para trás, visando sair dali. Quando sua mãe estava concentrada assim era porque buscava algo no destino, algo além do natural, muito distante das adivinhações simples e até mesmos inofensivas que fazia para seus clientes. Não era nada bom atrapalhá-la naquele tipo de situação, mas todo seu cuidado mostrou-se vão, porque exatamente quando fez questão de ir embora, os olhos dela ergueram-se da bola de cristal e cravaram-se neles dois.

— Oh… vocês já chegaram. Pensei que demorariam mais para visitarem os outros. — ela disse, calmamente, e ajustou sua postura para deixá-la mais ereta. Aquele ar de seriedade profunda pareceu tê-la abandonado. Bem, a maior parte dele, afinal de contas a mulher era normalmente bastante equilibrada. — Podem entrar, crianças. Sente-se aqui, Salazar. Você também, Tray.

O garoto puxou o outro pela manga da blusa e sentou-se na poltrona de couro preto, deixando um espaço para que Tray se acomoda-se também, ao seu lado. Ele observou em silêncio enquanto a mãe pegava um pano azul com runas desenhadas em prateado e jogava-o por sobre a bola de cristal, parecendo incomodada com algo. Entretanto, ela logo abriu um sorriso maternal que o deixou um pouco mais relaxado.

— Você mostrou todo o lugar para ele, querido?

— Sim, todinho. Bem, nós demos uma passada rápida pela tenda do Gael, ele e Caleb estavam meio que se desentendendo.

— O de sempre. — a mulher respondeu.

— E só passei rapidinho pela de Flamie, apenas para mostrá-la, nada mais. — ele adicionou rapidamente, com certo receio da reação da mãe. — Ela parecia estar um pouco estressada também então foi ainda mais rápido.

Artemísia ficou em silêncio por mais alguns instantes e então assentiu com a cabeça, com uma sutil expressão de satisfação em seu rosto. — Bom menino. O que achou do Circo, Tray?

— É maravilhoso, todos são muito talentosos e incríveis! — o garoto respondeu, seus olhos azuis brilhando com aquela afirmação. — E todos aqueles com quem falei foram bem legais, também.

— Me deixa contente saber que tenha gostado tanto. — a mulher ergueu-se e dirigiu-se a uma pequena mesa mais afastada onde haviam certos ingredientes e utensílios para cozinha, mais especificamente para preparar bebidas. — Vou servi-lhes chá. Você prefere de que tipo?

Tray mordeu o lábio inferior com a pergunta, como se tivesse mil opções para escolher. Ou, pelo contrário, como se não conhecesse nenhuma. — Hum, pode ser qualquer um. Eu acho.

— Bem, se não tem preferência… Salazar adora chá de canela, então está tudo bem se eu preparar o mesmo para você?

— Sim, está bem.

— O chá de canela que minha mãe faz é o melhor de todos, você vai ver. — o outro garoto disse, com aquele orgulho comum da infância quando se revela algo bom sobre seus pais e parentes mais próximos.

— Eu acredito nisso.

Alguns minutos depois, o chá estava servido em pequenas xícaras de porcelana pretas com arabescos azuis. Artemísia havia feito algo para si mesma também, mas Salazar podia apostar que não tinha canela ali. Na verdade, ele reconhecia vagamente o cheiro forte da mesma planta que dava o nome à sua mãe. Entretanto, preferiu não comentar, enquanto cada um pegava sua própria bebida e reacomodavam-se em seus devidos lugares para tomá-las. O trio trocou algumas palavras, uma conversa bastante simples sobre o que haviam feito naquele dia, com os dois rapazes falando mais sobre a experiência do passeio e Artemísia apenas afirmando que estava buscando por algumas respostas. Ela estava tranquila naquela situação, mas Salazar achava que sua mãe permanecia inquieta com algo.

Quando as xícaras estavam vazias, a mulher recolheu-as e então sentou-se na sua poltrona do outro lado da mesa, afastando com delicadeza a bola de cristal que havia ali para um ponto que julgava não atrapalhar. Então pegou um baralho de tarô e estendeu-o para que Tray o pegasse, pedindo que o embaralhe-se enquanto pensava no grupo de pessoas que cuidava dele. Isso feito, ela recuperou o baralho e colocou três cartas sobre a mesa, então pedindo para que o rapaz virasse uma a uma.

Salazar e Artemísia inclinaram suas cabeças e encararam em silêncio as três cartas reveladas: o eremita, a lua e o mundo.

A mulher tirara-as na expectativa de que a primeira representasse o grupo, a segunda o estado do mesmo e a terceira onde seria impossível encontrá-los. Entretanto, as cartas retiradas não pareciam levar a lugar algum. Salazar não sabia tanto quanto a mãe, afinal ele ainda era bem jovem e sempre acreditava não ter os mesmos dons que ela, mas conhecia o suficiente para saber que aquela leitura fora um fracasso total.

— Hum. Talvez o tarô não seja a melhor maneira. — ela disse, com uma expressão um tanto quanto soturna, e então juntou as cartas, guardando-as. Artemísia estendeu a mão em direção a uma gaveta abaixo da mesa e tirou um saquinho arroxeado lá de dentro, abrindo-o e virando-o sobre a sua mão com cuidado. Ali estava reunido um conjunto de runas, pedras negras com símbolos brancos gravados. A mulher trouxe a mão para mais perto do corpo, fechando-a e colocando a outra em volta, de maneira que nenhum dos objetos escapasse enquanto as sacudia, e então soltou-os sobre a mesa. Ela passou ainda mais tempo encarando a configuração em que as pedras haviam caído, antes de suspirar. — As runas também não.

Por um tempo, ela pareceu realmente perdida no que deveria fazer. Então recolheu as runas, puxou a bola de cristal novamente para o centro da mesa e tirou o pano que usara para cobri-la. Tray e Salazar viram-na envolver o globo com as mãos, perdendo seus pensamentos em uma contemplação silenciosa da esfera cujo interior só mostrava névoa. Depois de mais alguns minutos em silêncio, a Vidente deu-se por vencida e fechou os olhos, vergando os ombros.

— Você é ilegível. Seu futuro e as coisas que o envolvem não podem ser vistos por mim. — ela admitiu, por fim, e encarou Tray. — É algo raro, mas eventualmente acontece. Lamento, mas não poderei encontrar os seus amigos… ou parentes. Enfim, as pessoas que cuidavam de você. Isso está além de minhas habilidades.

O rapaz olhou-a de volta, piscou os olhos e demonstrou certo nível de decepção. — Ah… certo. Eu realmente pensei que poderia voltar a vê-los.

— Eu falarei com Cyril sobre isso. Talvez ela tenha uma ideia diferente para tentarmos. Enquanto isso, você ficará conosco. — a mulher abriu um sutil sorriso e ergueu a mão para apertar de leve o ombro da criança. — Não perca as esperanças. Vamos dar um jeito.

Tray abriu um sorriso um pouco triste e assentiu com a cabeça.

— Bem… vocês podem brincar mais um pouco, ainda não está tão tarde. Só se mantenham longe da entrada, logo começaremos a receber os clientes para o espetáculo da noite.

— Tudo bem, faremos isso. Até mais tarde, mãe. — Salazar disse, ficando de pé e dando um beijo suave no rosto da mulher antes de sair. Tray juntou as mãos afrente do corpo e fez algo parecido com um gesto de agradecimento, saindo logo atrás do outro.

Nenhum dos dois notou a expressão de preocupação que passou pelo rosto dela.

— É realmente uma pena que minha mãe não tenha conseguido. Isso é bem incomum mesmo, eu já ouvi falar de casos parecidos mas nunca tinha visto.

— Eu queria que ela realmente tivesse previsto algo. — Tray mantinha aquela expressão no rosto, que parecia mais algo ligado a decepção do que a tristeza em si. Ele deveria realmente achar que as pessoas que cuidavam dele estavam bem, independente de onde se encontrassem. — Mas, tudo bem. É o tipo de coisa que acontece, não é?

— Sim. Minha mãe é incrível, mas acho que até ela tem limitações de vez em quando. — ele pensou em Artemísia vislumbrando a bola de cristal quando eles entraram na tenda, e no chá que ela tomara, talvez não estivesse no melhor dos seus dias. Estava realmente frustrada com alguma coisa, Salazar vivera com ela a vida dele inteira até então, e sabia dizer quando a mãe não estava no seu normal.

— Bem… para onde vamos agora?

Salazar pensou um pouco antes de responder. — Que tal se ajudarmos a preparar o palco principal?

— Ah, nós podemos?

— Sim, vou te ensinar o que eu sei. Vamos!

 

Salazar estava deitado. A mãe dissera que viria mais tarde, justamente porque conversaria com Cyril sobre a questão de Tray. Bem, aquele era o horário que ele normalmente dormia, então era esperado que estivesse com sono, mas… não conseguia pregar os olhos, por alguma razão. Seu novo amigo já tinha se recolhido, o que impedia-o de arranjar algo mais interessante para fazer no meio tempo em que Artemísia não chegava.

Depois de revirar-se por um tempo na cama, Salazar desistiu completamente de tentar adormecer e levantou-se, desvincilhando-se das cobertas e deixando o calor confortável de sua tenda. Ele olhou para fora, o Circo estava vazio, não havia sinal de clientes pois estes já haviam sido enviados para suas casas, e os membros noturnos haviam deixado o local para lidar com seus próprios afazeres privados. Havia um vento meio frio soprando de algum lugar, o que era bem incomum porque o ambiente dentro da Tenda Mestra, enfeitiçada para que Esdras pudesse manter todo o elenco num lugar só enquanto viajavam, costumava ser ameno e agradável.

O garoto não queria pensar a fundo sobre aquilo, o dia havia sido cheio e um tanto quanto estranho, ele só queria andar um pouco para se cansar e, finalmente, ser vencido pelo sono. A ideia era simples e colocá-la em prática deveria ser mais simples ainda, mas… algo estava realmente zombando dele naquele dia, porque escutou as vozes de sua mãe e Cyril discutindo aos sussurros perto da tenda que a mestre de cerimônias usava como quarto.

Ele sabia que escutar a conversa alheia era errado, aliás, era mal educado e absolutamente traiçoeiro, mas quando deu-se por si era tarde demais. Salazar já havia apoiado seu corpo atrás de outra tenda próxima para não ser visto, e escutava em silêncio, com uma das mãos sobre a boca, o que as duas falavam.

— Totalmente ilegível. Isso não é normal, Cyril.

— Mas, às vezes, você pode falhar… embora eu possa contar essas falhas nos dedos das minhas mãos.

— Eu sei disso. Não estou tentando pôr a prova minhas capacidades, só… estou preocupada. Mudei o incenso, tomei um chá para melhorar a intuição e não fez diferença. Não consigo ver nada sobre esse menino. As outras sessões do dia correram normalmente.

Houve uma pausa, e, depois de alguns minutos, Cyril voltou a argumentar. — Mesmo que seja estranho, é só uma criança.

— Sim… eu entendo isso.

— Nós não podemos simplesmente abandoná-lo aqui.

— Então, o que você pretende?

— Não podemos tomá-lo efetivamente sob a nossa guarda enquanto não tivermos certeza se ele possuí vínculos ou não. Provavelmente ele quer retornar para os seus.

— Entretanto, não temos como saber onde eles estão.

— Não. Nós vamos seguir com ele até a Capital do Sonhar. É o caminho mais óbvio para alguém que está perdido. É possível que, se houver… alguém vivo que o conheça, deve ter rumado para lá. Vamos pedir uma audiência com o Rei e a Rainha e ver o que conseguimos a partir disso. Se, depois de tudo, você ainda achar que manter essa criança conosco não é uma boa ideia, deixaremos ele aos cuidados da Família Real.

— Certo… acho que é o melhor que podemos fazer, no fim das contas…

Salazar não ouviu mais nada. Ele cautelosamente afastou-se dali, pé ante pé, rezando para não ter sido notado, e então retornou para a sua tenda e, consequentemente, para a própria cama.

E ele não precisava ter ouvido exatamente essas palavras de sua mãe para saber que Tray poderia ser considerado um risco, de certa forma. E que era uma pessoa com a qual não deveria passar tanto tempo assim.

Tempo nenhum, aliás.


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Notas finais do capítulo

Hei, hei, hei!
Antes tarde do que nunca, a quarentena serviu de algo aparentemente, ou seja, me forçar a escrever. kkkk
Estou meio dormindo agora então lamento pelos erros, eu revisei muito por alto e talvez tenha deixado escapar um ou dois. Se puderem me avisar deles, caso haja, eu ficaria muito grata.

Façam suas apostas, pessoal, o que está por vir? O que significa Tray não ser legível? O que nosso elenco fantástico e, principalmente, nosso pequeno protagonista podem esperar do futuro?

Em breve (espero) teremos as respostas para essas e mais perguntas. :3

Kisses kisses para todos vocês e obrigada por continuarem comigo. :3



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