Fascinação escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 2
Ato 1: O garoto que queria conhecer o mundo.


Notas iniciais do capítulo

Uau, não pensei que eu fosse demorar tanto pra atualizar, mas estamos aqui.
Eis o primeiro capítulo (ou ato) de Fascinação, senhoras e senhores! Espero que lhes agrade, e que fiquem curiosos com o que mais pode vir a partir daqui.
Boa leitura. :3



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O pequeno Salazar Greed ergueu seus olhos, um verde e outro vermelho, para fitar mais uma vez a apresentação de Flamie, uma garota pouco mais velha que ele, que precisava constantemente ter alguém espirrando água em si para evitar uma combustão instantânea. A jovenzinha de quinze anos tinha uma pele de tonalidade avermelhada, um cabelo perfeitamente liso, cujas pontas quase arrastavam no chão – rubras como fogo, um tom que diminuía de intensidade enquanto subia pelos fios, indo terminar em um amarelo vibrante na raiz – e olhos que lembravam a sagacidade de uma raposa.

Ele tinha idade o suficiente para entender o que era “sagacidade”. Ou talvez ele fosse apenas precoce em certos aspectos, dentre eles, sua inteligência.

Salazar crescera como um rapaz esperto. Ele já contava com dez anos, e estava aprendendo a arte da adivinhação com a mãe. Bom… na teoria era o que ele deveria fazer, o único problema era que aquilo não tinha nada a ver consigo. E não importava que alguns membros da Companhia lhe dissessem que era novo demais para chegar a esse tipo de conclusão.

Ele desconhecia a razão pela qual deveria seguir os passos da mãe, Artemísia Greed, Grande Vidente do “Espetáculo mais Fantástico de Todo o Sonhar”.

Igualmente, desconhecia a importância de ficar sempre longe de Flamie.

Sua mãe lhe dissera várias e várias vezes para ter cuidado com o fogo. Ele sabia que esse tipo de pensamento era comum – não para criaturas como Flamie, ou dragões, ou salamandras, claro – mas ele acreditava que era possível que dessem-lhe um voto de confiança. Não era como se quisesse brincar com fogo.

As chamas subiram em torno dela, mais uma vez, como se fossem vivas. Elas bailavam ao seu redor, circundavam e enrodilhavam, labaredas mortais e belas, selvagens e dóceis. Ao mesmo tempo, a música crescia de intensidade, combinando-se com o movimento da jovem. As flautas e citaras, marca registrada do circo, perdiam força diante dos tambores. Eles iam ecoando cada vez mais alto enquanto Flamie dançava em sincronia com o fogo.

Alto, alto, cada vez mais alto.

As chamas estalavam, unindo-se numa cortina de fogo. Elas subiram até o céu, produzindo um gigantesco turbilhão rubro, que gerou faíscas menores. Faíscas que explodiam…

Isso marcava o final do espetáculo de Flamie para aquela noite. Os tambores diminuíram seu ritmo, até cessarem e sobrar apenas a melodia exótica. Salazar afastou-se do palco central onde o show principal ocorria, andando o mais rápido que podia e embrenhando-se no meio da pequena multidão de moradores da vila, exultante e admirada com o espetáculo. Era esperado que eles agissem daquele jeito, afinal se a chegada do circo já era tida como fantástica, o fato deles adentrarem a tenda pelo tapete vermelho e notarem que havia quase que um pequeno mundo inteiro lá dentro, era ainda mais fascinante.

Passando pela barraca que Esdras – o guardião de todos eles – carregava entre seus dedos, os espectadores deparariam-se com um vasto espaço, repleto de tendas menores, que circundavam o palco principal. Algumas delas serviam como moradia, outras para treinamento e shows menores e ainda havia àquela onde as feras ficavam encarceradas.

Ah… a tenda das feras.

Salazar achava que a mãe deveria lhe avisar para evitar aquele lugar… parecia muito mais perigoso que todo o fogo que Flamie conseguia conjurar em um dia.

Mas ele não discutia com a mãe – ela era uma vidente poderosa, e como toda vidente poderosa, sempre dizia a ele que sabia o que estava falando, e que era melhor para ele se obedecesse. Tudo isso daquela forma amorosa que lá no fundo parecia uma ameaça. Se não fosse de fato uma…

Ele continuou esgueirando-se para longe do local, ouvindo a mudança de ritmo dos instrumentos e Cyril tomando seu lugar no palco, como a mestra de cerimônias que era, para apresentar a próxima atração.

 

Se alguém pegasse-o ali por perto, o levaria à mãe. E sua mãe estava constantemente ocupada com seus clientes, então atrapalhá-la não era uma coisa muito inteligente a se fazer.

Salazar enfiou-se atrás de uma das outras tendas fechadas – a julgar pelas cores neutras e monótonas, deveria ser a de Blake – e quando achara que conseguira escapar dos olhares de outro integrante…

Uma mão pesada desceu em seu ombro.

Ele engoliu em seco, e ergueu a cabeça lentamente para encarar uma face com presas muito grandes.

Kron era… o domador de feras. Imaginavam que ele fosse uma também, pois sua aparência não era nem de longe agradável aos olhos. A cabeça tinha uma protuberância bizarra na testa, que talvez fosse considerada um chifre, mas estando por trás da pele que parecia couro, era difícil ter certeza. A bocarra era enfileirada com dentes fortes e afiados. Seus olhos eram grandes e possuíam esclera avermelhada, contrastando com o negro da pele e as íris brancas. Ele não possuía nenhum traço de cabelos ou pêlos visíveis, e seus membros superiores e inferiores eram exageradamente longos – sem contar que não tinham as articulações de uma criatura normal, porque eles moviam-se em ângulos totalmente impossíveis.

Bem, ele era um habitante do Reino dos Pesadelos, nada mais justo que fosse assustador e no mínimo perigoso. Entretanto…

Kron tinha a personalidade de uma fadinha da floresta.

— Ei, Kron, como vai você?

O ser grunhiu algo ininteligível para a maioria dos presentes. Mas todos os integrantes do circo eram prematuramente formados em “como entender Kron”, então Salazar soube que estava sendo mandado para a tenda da mãe.

— Mas a mãe está trabalhando… ela vai ficar brava se eu interrompê-la de novo.

Kron apenas fez outro ruído rascante. Ele estendeu sua mão direita, cujos dedos eram tão longos quanto o resto de seus membros, e agarrou-o pelo topo da cabeça, tirando-o do chão e começando a caminhar. Para os espectadores, um monstro levaria uma criança para ser devorada, mas a pegada do domador era estranhamente gentil. Ele pôs-se a produzir vários sons, ao passo que Salazar apenas contentava-se em cruzar os braços e resmungar baixinho.

— Eu sei, eu sei. Mas é tão legal! O que? É claro que seu show é incrível também. Ei, a gente não pode fingir que isso não aconteceu? Por favoooor?

A criatura trouxe a mão para mais perto do rosto, e o garotinho apenas abriu um sorriso de pedinte, juntando ambas as palmas em frente a sua face e encarando aqueles olhos assustadores do jeito mais fofo que conseguia.

Um novo som prosseguiu-se, e os olhos de Salazar se iluminaram.

— Mesmo?

O braço de Kron dobrou-se de uma maneira nada usual e o garoto foi posto novamente no chão, desta vez direcionado à saída da tenda principal. A criatura deu-lhe um suave empurrão com as costas da mão, incisivamente enviando-o para tal lugar.

— Muito obrigado, Kron, eu te devo uma! — Salazar não esperou o monstro mudar de ideia, e logo disparou em direção ao tapete vermelho principal. Ele atravessou-o rapidamente, já que os moradores da vila estavam em sua maioria lá dentro do circo, e não havia quem impedisse sua passagem.

Na maior parte do tempo em que não estavam num espetáculo, Salazar recebia aulas. Aulas de apresentação, de história do Sonhar, de coisas mais simples como matemática, geografia e magia e por fim, aulas de Advinhação. Mas o garoto tinha ideais mais interessantes em mente… coisas mais mágicas. O mundo era vasto, e ele desejava explorá-lo, fora daquela caixa onde eles residiam enquanto Esdras os transportava para a próxima localidade. Mas, mesmo quando o Circo estava erguido nos arredores de uma vila ou cidade, ele não tinha permissão para ir muito longe. Pelo menos, nessas situações ele estava livre dos treinamentos, e poderia fazer o que quisesse… desde que permanecesse nas imediações da tenda principal.

Ele desceu a pequena escada vermelha, sentindo o cheiro do mundo lá fora. Era noite, mas havia flores lindas e com cheiro doce. Ele podia ouvir vagamente os sons de animais notívagos, abafados pela música animada que vinha do interior do circo. E, como esperado, Esdras estava ali fora, sozinho, observando a lua. As tatuagens em baixo-relevo do corpo dele pareciam brilhar em prateado sobre a iluminação direta do satélite.

Ele estava sentado em uma grande pedra, com uma aparência não muito confortável. O cajado com a criatura de fogo flutuava, perfeitamente ereto, a uns dois centímetros do chão, e um chiar familiar indicou ao guardião que havia uma visita. Esdras moveu lentamente sua atenção da lua para o menino, e encarou-o por alguns instantes. Então, chegou um pouco para o lado para que Salazar senta-se ao seu lado.

— Desculpe incomodá-lo, Kron me mandou ficar aqui até o espetáculo acabar.

— Não há problema. — ele era um homem de poucas palavras, mas sempre era bastante educado também. — Estava perto de Flamie outra vez?

Envergonhado, Salazar juntou os pés por sobre a pedra e abraçou-as contra o peito. — Eu sei que não devia.

— Então deveria parar de fazê-lo. Sabe que sua mãe ficará zangada.

— Mas não há razão para ela ficar zangada, né? Olha, eu falo com o Kron, e mexo com as feras do Kron, e boa parte do nosso elenco parece perigosa. Mas é sempre quando eu chego perto de Flamie que ela fica de mal humor.

— O problema não é com Flamie. E você sabe bem disso.

Sim, ele sabia. O problema era fogo em geral. Apenas de estar ao lado de Esdras ele já ia contra a regra principal da mãe, mas a diferença era que Esdras tinha controle sobre seu parceiro de chamas azuis, ao passo que Flamie era descontrolada na maior parte do tempo. Salazar apenas inclinou a cabeça e estalou a língua, erguendo os olhos para fitar o astro lunar.

— Como era… morar lá em cima?

— Como deveria ser, quando se vive em sua primeira casa.

— Ah. — ele fez uma pausa. — Você também se sentia preso?

— Faz parte do que chamamos “Ter um lar”, suponho. Tem um gosto agridoce. É algo que apenas se percebe quando precisa deixar esse lugar por um longo tempo… ou quando não podemos por alguma razão voltar.

Salazar se surpreendia quando Esdras falava muito mais que duas frases, mas ele nunca apontava aquilo. Achava que era algo rude de se mostrar, principalmente para alguém tão cortês quanto o guardião. Ele apenas ficou em silêncio por um tempo, digerindo aquelas palavras e se perguntando se, um dia, ele conseguiria deixar aquele circo.

Se um dia ele saberia o que era aquele sentimento agridoce. Tinha a impressão que já possuía uma vaga ideia daquilo. Afinal, não poderia dizer que odiava aquele lugar. Os membros eram divertidos, estranhos e por vezes assustadores, mas eles contavam-lhe todo tipo de histórias de seus passados. E eles eram todos, em algum ponto, bastante gentis.

Mas havia aquela sensação de peso, como um pássaro que quer voar, mas está engaiolado.

Ele tentou afastá-la enquanto esperava, pacientemente, os números finais do espetáculo passarem.


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Notas finais do capítulo

Hei, pessoal!
Apresento a vocês Salazar, nosso pequeno protagonista.Espero que tenham gostado pelo menos um pouquinho dele. A partir daqui os outros membros do circo serão apresentados, assim como mais da ideologia do pequeno garoto e alguns outros pontos sobre ele que são bastante importantes.

Nos vemos na próxima, e não esqueçam de deixar um comentário com criticas e sugestões, se quiserem. :3

Kisses kisses para todos vocês.
Nos encontraremos no próximo espetáculo. ♥



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