9 Zonas escrita por Cas Hunt


Capítulo 33
Aliados




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Não me sinto confortável estando de frente para Trevor, Vole do meu lado esquerdo e um verdadeiro homem das cavernas na direita. Confesso sentir receio de estar perto do barbudo com cabelo desgrenhado, olhos pretos e uma porção de músculos que o cara faz questão de mostrar cobertos por tatuagens destacadas na camiseta branca.

—Esse é o Korra. — Vole apresenta sem se intimidar.

Ele não responde, me dá uma olhada no rosto sem parecer impressionado e vira-se de volta para seu cigarro. Achei que ele ao menos expressaria algum sinal de desgosto, mas parecia tranquilo como se nada houvesse afetado sua rotina.

Olho para o prato de plástico improvisado com alguns talheres contendo um pedaço largo de carne, ervilhas e algo que suspeito ser tomate. Melhor que minhas comidas no Exilados. É estranho e tenso ficar perto de cinco pessoas das quais conheço apenas uma e todas as outras estão de olho em mim.

—Você é bonita — a voz quebra o silencio desconfortável instaurado na mesa.

Olho para Trevor. Eu sei que estou no meu pior, cada parte do meu corpo está com hematomas ou pálida pela falta de comida e cicatrizes tanto de batalhas como das torturas físicas a que me submeteram pouco antes de me levarem até os portões da Zona 9.

—Ficaria ainda mais se não fosse tão indelicada.

É reflexo mostrar o dedo do meio enquanto Vole segura meu braço para que não avance em cima dele. Ela tem plena noção dos meus problemas temperamentais e apesar de ter se distanciado com o tempo por causa da morte de Danny ainda fica do meu lado. Isso faz o manto da culpa pousar nos meus ombros mais uma vez.

As mulheres soltam uma risada. A primeira tem cabelos loiros descendo em ondas por seu corpo, olhos verdes penetrantes e rosto fino o qual nunca daria mais de vinte anos. A segunda tem o cabelo cortado ralo, a pele escura da cor da noite e o colar de ouro dão destaque aos olhos azuis claro.

—Aquelas ali são a Anna e Robin. A médica e a mecânica que eu te falei.

—Ei.

—Oi! — a mecânica dá um salto por cima da mesa estendendo sua mão na minha direção. —Robin. Lannas. E você?

Vole começa a falar por mim.

—Pode chamar ela de T...

—Alya Howe.

—O nome completo? — a médica, Anna, fala.

Concordo com a cabeça. Vole está visivelmente confusa. Em base, não mudei. Continuo com pavio curto, um arsenal de xingamentos e (com certeza) o mesmo olhar perdido desde que Danny morreu. Mas dá pra perceber mesmo quem não me conhece que estou quebrada. Tento me manter de pé sem que eles desconfiem da tamanha dor consumindo meu peito e corpo, implorando para que eu acabe com isso. Com tudo.

—Alya Howe, sou Anna Greene.

Aceno com a cabeça para cumprimenta-la até que Robin larga minha mão.

—Você é bem difícil de matar não é, garota? — a voz grave de Korra parece que vai estar em meus pesadelos.

Ele transpassa medo em quem não tem metade dos seus músculos.

—Eu... O que?

—Você estava bem machucada quando te encontramos — Anna esclarece — Passei um dia inteiro trabalhando nos seus ferimentos.

—Quanto tempo eu dormi?

—Dois dias — Vole dá uma batidinha nas minhas costas.

—E eu não saí do seu lado gracinha — Trevor me joga uma piscadela que devolvo revirando os olhos.

—Não é por isso — Korra tira do bolso da calça um projetor de hologramas, está pausado em uma gravação. —Encontrei isso quando pesquisava o nome que a Vole me deu.

Com um gesto o holograma dá início. Começa com a gravação de quando a criança de quinze anos me atingiu com a foice, eu caio no chão agonizando. Pareço estar morta. O vídeo se segue para outro, quando atingiram minha orelha de raspão, a porção de facadas que dei em soldados do ditador, o dia em que entrei em um quartel sozinha e matei todos pela frente. Bastante dos meus feitos em alguns anos são exibidos até chegar no Complexo. Dessa vez ele começa antecipado comigo tirando a jaqueta e entregando a Jugen.

Meus ombros caem. Nesse momento só conseguia pensar em não fazê-lo sentir mais dor, o que seria lógico de se fazer seria o proteger com a minha jaqueta. As bolhas da névoa doeram como um inferno, mas foi fácil de aguentar.

—Você cooperava com o filho do ditador? — Korra questiona pausando o vídeo outra vez.

Não tenho por que mentir. Se eles são neutros não vão ligar sobre meu tempo com Jug. É só nem pensar em deixá-los descobrir que tudo foi por um princípio idiota de que não poderia trai-lo da forma como ele fez. Sei que montou a armadilha para os Exilados serem massacrados. Em questão de escolha quando ele escolheu sua família e poder, eu o escolhi com nada. Deve ser uma das primeiras vezes que sofro tanto por uma escolha que não me arrependo.

—Sim.

—Como? Você não deveria ser a espiã dele? — Vole franze a testa — Por isso sua mãe te prendeu?

—É.

E por que minha mãe percebeu que me apaixonei por Jugen Baratheon. É doloroso saber e pensar no fato de que até ele traiu minha confiança ao fazer aquela armadilha. Talvez tenha sido sua vingança afinal, por tê-lo feito confiar em mim enquanto era uma espiã.

Fui idiota repassando tantas vezes os beijos daquele dia. Decorando cada parte do corpo onde suas mãos tocaram, a pressão dos seus dedos na minha nuca, a maciez da sua boca.

Meu coração acelera. Mesmo magoado de todas as formas possíveis ele ainda acelera ao pensar nos únicos beijos roubados com Jugen, do dia em que acordei com a respiração dele no meu cabelo e da despedida que nunca tivemos.

—Interessante — Anna quebra o silencio —A filha da general e o filho do ditador colaborando. Vocês dois são o cúmulo de Romeu e Julieta.

Sinto arrepios com a ideia de todos na mesa já descobrirem que tive uma queda por Jug.

—Ele não sabia que ela...

—Sabia — esfrego o braço como se estivesse com frio — Ele sabia que eu era uma dos Exilados, mas não que a general era minha mãe.

Espero que nunca descubra. A vergonha que vi brilhando nos olhos da general quando fui colocada no caminhão até a Zona 9 foi o suficiente para me fazer perceber que mesmo se eu ganhasse a guerra sozinha ela não me perdoaria e nem me aceitaria de volta.

E naquele momento eu desisti dela também.

—Acho melhor comer, Alya Howe — Robin aponta meu prato — Antes que esfrie.

Junto as sobrancelhas. Com as palavras dela todos se concentram em sua respectiva comida. Até Vole. Estranho como essas pessoas parecem tão relaxadas e nem sequer se incomodam de saber que traí meu povo. A verdade chega como um tapa: eles também desistiram dos objetivos maiores para se concentrarem em sua felicidade. A diferença é que não sei se vou conseguir superar a perda da minha família, amigos e do único por quem me apaixonei. Tanta traição, tanta mágoa. Como alguém pode viver assim?

Dando um passo de cada vez. Preciso me fortalecer e criar aliados. Quando estiver confiando neles e eles em mim, peço para avançarem comigo na prisão subterrânea e buscar Carl. Vou cumprir minha promessa.

E depois, vou tentar viver nesse lugar, a melhor opção que tenho até agora. Mas quem me dera conseguir tirar Jugen Baratheon da cabeça.

Mastigo a carne pensando em cada um dos beijos que aumentaram a temperatura corporal, o ofego que ele deu quando beijei o ponto entre o maxilar e o pescoço, o modo suspirou quando voltei sedenta meus lábios aos seus.

Ele era inebriante. E gosta de amarelo. Olho para a blusa que estou usando e me pergunto se foi ironia do destino ou provocação de Vole por saber do meu desgosto com a cor. Estou vestindo amarelo e pensando na única pessoa que não deveria.

***

O Bloco D funciona como uma colmeia, só que sem a rainha. É uma democracia estranhamente harmoniosa, todos fazem sua parte e continuam em paz, ajuda mútua. Anna, Vole e Korra são o que pode se chamar de líderes, a médica cuida dos suprimentos, minha amiga cuida da proteção do local e Korra se concentra em treinar os destreinados, manter todos em forma caso um ataque aconteça.

Tem um quadro de tarefas. Com a permissão de Vole, Trevor, Ilao e Asle caçam animais acompanhados de Ranna, a única com conhecimento sobre plantas e suas mutações tanto para servirem de comida como de medicamentos.

Korra e Robin cuidam da rotina e alimentos que serão disponibilizados durante o dia. Durante a manhã todos precisam fazer suas devidas tarefas (o grupo de Trevor caçar, Vole conferir e reforçar as barreiras junto com Robin e Korra preparar o almoço), durante a tarde há um breve momento de descanso e então treinar até o sol de pôr. Algo rápido, mas com intenso impacto no corpo, principalmente o meu desnutrido até os ossos. De noite, descanso e troca na patrulha ao redor do local.

No meu décimo oitavo dia aqui, quando já estou me encaminhando para o ponto de patrulha onde Korra está de braços cruzados e um fuzil na mão assistindo do teto qualquer sinal de perigo, tomo a oportunidade para questionar.

—Como vocês sabiam que eu não tentaria matar vocês?

Korra coça o queixo barbudo.

—Muitas coisas nos ajudaram a decidir — ele já deixou de se assustar com minhas perguntas repentinas. Sempre que o encontro pergunto alguma coisa, nem que seja o caminho pro banheiro, e ele sempre responde educadamente. O brutamontes é incrivelmente amigável. —Você estava fraca demais para levantar uma arma, jovem e descuidada. Quando vi suas gravações fiquei mais desconfiado, só que quando você acordou foi a cartada final.

Junto as sobrancelhas. Korra se levanta da cadeira apoiada na parede me entregando o fuzil pesado que ele segura com uma só mão.

—Estava morta por dentro, Howe. Não tinha objetivo. Poderia matar a gente. Só que depois que olhou a imagem do garoto do ditador pareceu viva por um segundo. Ele te fez pensar em alguma coisa, te deu algum plano — Korra cutuca minha testa. — Os outros não viram, mas eu vi.

Pisco segurando o fuzil com os dois braços. Korra passa por mim com passadas tranquilas na direção de volta ao Bloco D. O ponto de observação é uma torre em espiral que descendo as escadas encontra-se no subterrâneo do bloco. Vejo Korra ir embora imaginando que talvez possa falar com ele sobre buscar Cal.


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