9 Zonas escrita por Cas Hunt


Capítulo 32
Neutros




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Acordo com uma tosse me incomodando o peito. Sento-me virando para o lado para não vomitar em mim mesma e despejo o líquido extra no chão de um quarto. A visão me intriga.

Forço-me a sentar na cama, o que me deixa ainda mais confusa. Passo minha atenção pelas paredes de concreto até entender que estou em uma prisão convencional, só que a porta está aberta e tem uma mulher sentada no canto oposto ao das grades.

—Finalmente — ela diz batendo as mãos nos joelhos — E você vai limpar isso aí.

—O que...?

Tento puxar o braço esquerdo para perto apenas para descobrir que está preso por correntes na lateral de metal da cama. Pela luz baixa entrado pela janela e a altamente clara vinda do corredor suspeito que seja noite.

Forço-me a lembrar de como vim parar aqui. Lembro-me do confronto com a general, minha fuga nada pensada, o pingente de Leon contendo nada menos que um mapa da prisão que nunca vou poder usar aqui fora. Eu corri. Corri muito. Minhas pernas não me aguentavam, eu estava com medo, não só do exterior, mas tudo o que ele traz consigo.

Devo ter corrido até apagar.

—Quem é você? — olho na direção da mulher.

Apesar de envolta em sombras, sua voz me pareceu familiar.

—Não faz tanto tempo assim que nos vimos, Trottel. Já esqueceu de mim?

Ela vira o rosto deixando que a luz banhe seus traços.

—Vole? — pergunto com os olhos arregalados.

Não faz alguns meses que descobri de seu sumiço com Ilao. Eles não foram vistos, não havia nenhuma pista e como eles...

—Você...

—Estou muito bem, obrigada por perguntar — ela solta uma risada — Ilao está lá embaixo com os outros.

Outros?

—Os desistentes — ela esclarece.

Vole se ergue da sua cadeira e se ajoelha ao meu lado.

—Nós vimos o que aconteceu. Você e sua mãe. Você não escolheu nem Exilados nem ditador. Escolheu você. Como todos nesse lugar.

—Você e o Ilao fugiram?

Vole sorri pra mim, seu cabelo loiro e os olhos escuros me lembram um pouco de Danny e isso machuca mais do que eu gostaria. Por algum motivo, quero estar por perto dela, ao menos um rastro da minha irmã está com ela.

—E você também. Somos neutros. Não queremos brigar por algo que não temos interesse — Vole respira fundo, sua expressão vacilando.

—Foi você que me trouxe?

Ela nega com a cabeça.

—Não sou tão forte assim — ela empurra meu ombro — Trevor trouxe você.

—Quem é Trevor?

Vole sorri e não gosto nem um pouco do toque malicioso nele.

***

—Essa é uma prisão bem das antigas, do tempo que as primeiras névoas apareceram — Vole me apresenta o único bloco de segurança o qual restou de pé e funciona, Bloco D.

É um local arrumado, tem um total de vinte e quatro celas, doze na esquerda e direita com um observatório por trás de grades reforçadas e muros de concreto, uma proteção para névoas bem mais fortes e furiosas que as dos dias atuais, alguns suprimentos no refeitório na parede no fundo do bloco. Muitas celas estão vagas, o grupo não passa de onze pessoas, todas colaborando em uma democracia para o melhoramento de sua estadia por aqui.

—Só tem dois andares? — pergunto.

—E o subsolo. Ele é mais para saídas de emergência, proteção extra e onde guardamos armas e remédios.

—Vocês têm até remédios?

—Nós temos uma médica. Ela era da Zona 3 até ser mandada para a linha de frente em uma guerrilha na Zona 6. Se escondeu entre os corpos e depois fugiu pra cá. Ela foi a primeira a encontrar esse lugar junto com a namorada ela. Bem conveniente que a namorada tinha conhecimento de mecânica.

Descemos as escadas metálicas do primeiro andar para o térreo. Vejo algumas figuras ao redor da mesa no refeitório, em destaque com o resto a mesa é feita de madeira esbranquiçada, redonda e nova demais para estar aqui desde a antiguidade.

—Estão todos ali?

—Meio que esperando você.

Junto as sobrancelhas. Seguro o braço de Vole aproveitando que ela é alguns centímetros menor e viro-nos de costas para eles.

—Tem certeza que nada aqui está errado? Vocês parecem em paz demais para quem se encontra na Zona Radioativa. Não tem nenhum canibal ali? Um maluco? Vai que somos alimentados para sermos comida em um banquete de monstros radioativos?

—Isso sim é criatividade — a voz grave nas minhas costas me faz ficar com os ombros tensos.

Preparo-me para uma briga ao me virar para o cara que ouvira meus murmúrios. Como não consegui escutar ele se aproximando? Ergo os olhos para o garoto de vinte e poucos, pele com tom de oliva, queixo fino, cabelo espetado e bagunçado com as pontas pintadas de branco tal como seus olhos azuis. A íris dele me lembra a cor do céu nas únicas vezes que olhei para ele durante a noite.

—Cuida da sua vida — sem querer solto um grunhido.

—Ela é uma gracinha acordada — ele diz soltando uma risada.

—Para, Trevor — Vole empurra o ombro dele.

O garoto é esguio, tem movimentos rápidos e desvia com facilidade do movimento da minha conhecida. Deve ter um metro e oitenta, talvez. A ondulação em seu cabelo até o faria bonito se não tivesse começado com o pé no meu saco.

—Esse cara me trouxe pra cá? — aponto com o polegar sem me dar ao trabalho de o olhar de novo.

—É. Trevor é bem irritante, já tentei expulsa-lo do grupo umas cinco...

—Beija minha bunda e me chama de madame, Vole — ele revira os olhos — Os outros já vão começar o jantar — Trevor me olha —Melhor ajudar sua amiga nos chuveiros. As roupas da Barry podem servir nela.

—Ah, é verdade — Vole me dá um sorriso amarelo — Trottel, por aqui.

—Como assim chuveiro?

—Você está fedendo.

—Sua mãe.

—Morta e enterrada faz anos, graças a tudo de bom nesse mundo.

Ela me puxa na direção das grades na saída do bloco e dou uma olhada para trás. Trevor está se sentando com os outros, maior parte dos pares de olhos em mim. Vejo o movimento dos lábios dele e entendo sua pergunta.

—Ela está olhando pra mim?

Uma risadinha das garotas e ele se volta na minha direção. Mostro o dedo do meio antes que Vole me puxe para o corredor.

***

Termino de esfregar cada centímetro do meu corpo e olho ao redor no banheiro ladrilhado espaçoso sem nem um pouco de privacidade. Esfrego os cabelos com o sabão e me enxaguo rapidamente tentando economizar água. Acho que é costume. Apesar de Vole me dizer que poderia gastar a vontade os hábitos me vencem.

Visto a blusa de flanela limpa com alguns rasgos nas beiradas e um decote muito fundo. Troco a parte da frente pela de trás que ainda fica funda mostrando parte do busto, mas é melhor que nada. Visto a calça folgada e tento passar os dedos pelos cabelos enquanto penso sobre os acontecimentos dos últimos momentos.

Mãe. Ela iria me matar? Iria deixar que eu fosse alvejada a balas na sua frente? Sua única filha? Vi a determinação nos olhos dela e sei que faria qualquer coisa para conseguir o que quer.

Engulo o seco. Não quis entregar Jugen e isso me separou da minha família. Talvez nunca mais veja meu pai ou alguns dos meus amigos. Ou Jug. Já aceitei a ideia de que não vou mais vê-lo. Ele vai se casar, seguir com sua vida ditatorial em Pangeia e eu só tenho duas opções: voltar e ser morta pela minha família ou pelo governo, ou ficar nesse lugar onde os ideais são organizados e agradáveis demais para serem realidade.

Tenho quase certeza que um deles é maluco ou está sendo corrupto em relação ao suprimentos. Tem também a ideia de que prometei para Carl que voltaria para busca-lo.

Talvez se eu falar com a Vole ela me libere uma arma e algumas facas. Talvez o mapa de Leon não seja tão inútil. Pelo menos agora tenho um objetivo. Saio do banheiro sem encontrar sinal de Vole.

Prossigo até o bloco restante e escuto as risadas, a conversa descontraída de longe. É estranho ouvir esse som. Faz tanto tempo que só escuto meus próprios gritos, protestos ou ameaças de conhecidos que as risadas são uma sinfonia a qual deixa meus joelhos bambos.

De costas para a parede, alguns passos antes de entrar no bloco, sento-me no chão e tento acalmar meus nervos. Não posso ter uma crise de pânico, nem começar a chorar justo agora. Preciso de controle, controle sobre mim mesma.

Preciso de um plano.


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Notas finais do capítulo

Oi coisa linda ♥
*sussurro* me manda um review -3-



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