9 Zonas escrita por Cas Hunt


Capítulo 34
Patrulha




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—Filha única? — Korra me pergunta sentado de pernas cruzadas enquanto me esperneio para terminar mais uma série de flexões.

Estou ofegando. Ele sabe que mal consigo respirar direito e continua me fazendo questões aumentando meu número de séries caso eu não responda.

—Não.

Termino mais uma sentindo meus braços moles, cada músculo queimando e implorando piedade.

—Irmã ou Irmão?

—Irmã.

—Certo. Por que não a trouxe junto?

—Morta.

Korra fica em silencio por alguns segundos. Ele vem se focando bastante no meu treino desde que o perguntei como sabia que não os mataria. Não sei se está me punindo ou tentando me melhorar através da dor. Tenho quase certeza que as duas opções se relacionam na cabeça dele.

—Quantos anos?

Merda. Esqueci. Enquanto tento calcular que dia é hoje e quando foi meu último aniversario ele dá um sorriso maléfico. Estremeço achando que vai aumentar mais séries.

—Chega. Agachamento com peso. Pegue os baldes de lixo. Vai usar eles.

Meus braços parecem gelatina. Ergo-me da grama (estranhamente viva e colorida da cor azulada) da campina não muito distante da prisão, pego os baldes de lixo me aproximando de Korra.

—Quantos?

—Até eu mandar parar.

Merda. Outra. Vez.

Faço careta começando. Não entendo por que só eu que tenho que treinar enquanto os outros estão descansando, muito menos entendo qual o sentido do treino deles ser mais leve. Korra está pretendendo alguma coisa.

—Esqueceu quantos anos tem?

—Sim.

—Então lembra.

Tento fazer os cálculos enquanto luto para manter a respiração estável e a postura correta.

—Vinte.

Ainda não estamos no ano seguinte, então deve ser isso. Já completei alguns meses aqui e tinha medo do meu aniversário ter passado sem que percebesse, só demonstraria o quanto estou desatenta e perdida.

—É jovem. Muito jovem. Quantos anos acha que eu tenho?

—Trinta.

Korra solta uma risada.

—Tenho vinte e nove.

Ofego.

—Cheguei perto.

Consigo ver á distância Trevor caminhando na nossa direção. Seguro-me para não querer dar um soco nele. O garoto é incrivelmente irritante fazendo piadas sobre meu humor afeta as caçadas. Ele diz que os animais correm ao sentir minha aura de morte.

—Está bom. Comece a correr ao redor da campina — Korra ordena.

Largo os baldes e obedeço. Após algum tempo aqui aprendi novamente a confiar. Confiar no que eles dizem, no que prezam. Estamos em paz, melhor do que nos envolver em guerras pelas quais não temos um pingo de interesse.

—Oi, docinho. — Trevor me joga outra piscadela.

—Enfia na bunda.

Trevor solta uma risada. Tento não sorrir. O timbre da risada dele é contagiante.

***

—Temos que decidir o que a Howe vai fazer — Korra dá uma garfada na carne esperando a resposta dos outros.

Ranna teve a língua cortada alguns anos atrás por difamar uma sentinela na Zona 3. Impressionantemente não tive o mesmo futuro que ela. Ilao ao lado dela, silencioso como sempre fica quieto observando as decisões serem tomadas. Ele tem a pele escura como a noite, cabeça raspada e olhos escuros, ela tem cabelo longo e loiro em conjunto com sua pele porcelana e os olhos castanhos. Além de bonita parece ser muito inteligente armando as mais variadas armadilhas com Trevor, o sistema de segurança com Robin e até se mistura criando pratos variados com os mesmos ingredientes junto ao Korra.

—Ela pode vir junto com o Asle na caçada — Trevor sugere.

O garoto de quinze anos, a cópia perfeita de Trevor, concorda com a cabeça também quieto. Até onde sei ele fica em silencio com todos reunidos e se solta perto do irmão e de quem se sente confortável. Trevor me disse que ele tem medo de Korra e receio de mim por ver que nos demos bem muito rápido.

—Temos gente demais saindo do Bloco — Vole corta.

—O que você fazia nos Exilados? — Anna me pergunta.

Tomo um gole de água para limpar a garganta das batatas secas de Korra.

—Matava soldados do ditador.

—Só isso?

Vole ergue uma sobrancelha.

—Ela foi ensinada desde nova a fazer isso. Os assassinos especializados da general sempre ganhavam muito bem.

—Só que fui reduzida a cabo — tento amenizar o ambiente pesado — Ficava ajudando minha... A general a elaborar estratégias de ataque e tomava a frente de muitas delas em trincheiras ou onde quer que me mandasse.

—Nossa — Robin mastiga mais um pedaço, os olhos arregalados para mim. — Quantas batalhas entrou?

—Não faço ideia.

—Mais fácil perguntar quantas ela perdeu — Vole resmunga com um sorrisinho. Ela sabe quantas foram e parece querer me dar uma moral diante deles.

Fico em silencio. Ilao também sabe quantas foram. Ele fica quieto concentrado em seu prato e cutucando o de Ranna. Korra, ao meu lado, bate o copo de alumínio na mesa fazendo Asle dar um salto.

—Conta logo, mulher!

—Três.

Ao contrário dos outros, Korra não parece surpreso. Ele dá um indício de sorriso conforme meus colegas começam a me perguntar como consegui isso. A sensação entranha de calmaria me invade depois de notar um mínimo reflexo de orgulho perdurando nos olhos de Korra.

—Matou muita gente? — Asle questiona levantando-se, curioso.

A mesa volta a ficar pesada. Assinto para sua pergunta. Matei muita gente. Algumas vezes penso que foi em legitima defesa como com o garoto de quinze anos. Outras penso que foi pra agradar minha mãe e meu pai. Só que nos meus momentos de sobriedade sei que matei por falta de opção. Não sou a assassina que queriam que eu fosse. A prova viva é Jugen. Nunca consegui e nunca vou conseguir apontar uma arma em sua cabeça e mata-lo.

—Isso explica seus pesadelos — Trevor ergue as sobrancelhas.

Engasgo.

—Como é?

—Você grita de noite, algumas vezes — Vole dá de ombros — Todo mundo entende.

Passo os olhos pelos integrantes. Eles não demonstram pena ou simpatia, apenas compreensão.

—Alguns de nós já vimos o pior que a guerra pode fazer — Anna assente. — E temos tampões de ouvido. Não incomoda a gente.

Nego com a cabeça voltando-me para minha comida.

—Que tal se ela ficar vigiando de noite junto comigo? — Korra pergunta — Sem pesadelos e mais um par de olhos ajudaria muito.

—Então a patrulha deve ser em dupla? — Robin tira um pedaço de carne dos dentes.

—Não durante o dia. Talvez ficar toda noite acordada ajude ela a lidar um pouco com os problemas.

—Então ela seria a vigilante fixa? — a mecânica continua.

—É. Essa menina é forte. Aguenta o tranco. —Korra olha pra mim — O que acha?

Ele tem um meio sorriso. Sequer tenho ideia de como ele era ou de onde estava antes de vir pra cá, mas assinto.

—O que vocês acham?

Um conjunto de diferentes afirmações são a resposta. Vole me dá uma piscadela enfiando o rosto no prato. Pelo que sei ela cuida de patrulhar durante o dia revezando com Robin ou Trevor para descansar ou se alimentar, nada muito diferente do que fazia nos Exilados.

—Então vamos pra patrulha hoje, garota.

Korra bagunça meu cabelo e se volta para seu prato.

Passo um longo segundo encarando cada componente na mesa. Fazia tempo que não me sentia tão confortável. Engulo o seco imaginando ter que abandona-los aqui pra ir em busca de Cal. Quando cheguei pensei que poderia usa-los para conseguir libertar meu amigo. Pensando agora me sinto mal por ter feito isso. É algo que eu prometi e devo cumprir sozinha sem deixar a vida de mais ninguém em risco.

Agradeço a todos em silencio pelos momentos de paz que me proporcionaram e me volto pra comida.


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