Os Véus do Tempo escrita por le Monsieur Fraser


Capítulo 3
Capítulo III - Uma Dura Realidade


Notas iniciais do capítulo

Eu tive sérios bloqueios com esse capítulo, tentando manter a cota de palavras, por isso a demora em postar (desculpem)! Então como é a minha primeira fanfic, decidi deixar isso de lado, mas prometo que não vai ter capítulo de com menos de 800 palavras. E futuramente novos personagens serão apresentados, e vai ficar melhor para fazer capítulos mais compridos.

Espero que gostem, uma boa leitura.



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3

U M A   D U R A   R E A L I D A D E

Nada daquilo poderia ser real. Sentei-me à beira da estrada, tentando processar tudo aquilo, mas por mais que eu tentasse, nada explicaria o que realmente estava acontecendo. Aquele pedaço de jornal, aquela notícia, aquela data, como isso era se quer possível? Eu não sabia o verdadeiro significado na época, e não descobriria tão cedo.

Botei-me em pé mais uma vez, eu precisava achar a pousada, era necessário. Talvez se eu refizesse o caminho até a Gruta do Diabo... sim, é isso, preciso refazer o caminho. Adentrei a mata novamente, tentando achar a gruta. Refiz o caminho que me levou até a estrada de terra, inversamente, e finalmente cheguei. Estava tudo calmo e no mais absoluto silêncio. Quando dei por mim, estava pensando em voz alta:

— Silêncio? Em uma mata?

Um barulho de galho se quebrando, seguido de vários outros começou a vir em minha direção. Dei meia-volta:

— Você ai de roupa esquisita, fique parado!

Um homem velho e barbudo saiu de dentro da mata, armado com o que parecia ser um mosquete improvisado e alguns capangas. Eles usavam chapéus, variando entre couro e palha, em especial o velho que parecia ser o líder do bando. Usava dois cintos de balas, um lenço vermelho no pescoço e grandes botas de couro.

Levantei os braços. Eu estava com um sobretudo, uma camisa e jeans, um visual até então comum na minha cabeça:

— O que é isso aí que você está vestindo? Juro que nunca vi coisa tão esquisita. — ele perguntou. Tinha uma voz rouca e catarrenta, além de poucos dentes na boca.

— Minhas roupas, idiota. Eu é que pergunto o que é essa velharia aí que o senhor está vestindo enquanto brinca de caçar pombo com esse mosquete e seus amigos. — fui descendo meus braços aos poucos, enquanto dizia — Agora se o senhor me der licença, eu preciso chegar na pousada do Quiririm. Será possível que só existe gente maluca nesse raio de lugar? — me virei, para tentar achar o caminho da pousada mais uma vez, mas antes que pudesse dar mais alguns passos, o velho me interrompeu.

— Eu disse parado. — pude escutar o mosquete sendo armado, então virei-me novamente para ele e seu grupo de capangas.

— Ei, calma aí, eu só quero voltar para a pousada onde estou hospedado, fica perto de eldorado, poucos quilômetros daqui. Não quero confusão, ok?

— Eldorado? Onde em nome de Deus fica esse lugar. Alguém já ouviu falar nesse lugar, rapazes? — ele perguntou a seus capangas.

— Não sinhô. — eles responderam.

— A cidade mais próxima fica a três dias de viagem daqui garoto; e não existe nenhum lugar chamado Eldorado por essas bandas. — ele fez uma pausa para cuspir no chão —Agora eu só vou perguntar uma vez, quem é você e o que quer por aqui, vestido esquisito assim?

— Três dias? — minha cabeça começou a girar e um mal-estar me tomou por inteiro. Podia sentir uma espécie de choque saindo do meio de meu peito, e se espalhando para o resto do meu corpo, em aflição.

— Responda garoto, se não quiser morrer aqui mesmo!

— TRÊS DIAS? — meu tom de voz aumentou, minhas mãos começaram a tremer. Isso só poderia ser um sonho. — Ah, acorda, acorda, acorda Henrique! — comecei a me debater e a passar as mãos em minha cabeça, minha respiração aumentou e então senti uma forte pancada na cabeça, vinda de trás, que me apagou.

Ouvi vozes e um leve ranger de rodas de madeira, sentia meu corpo em movimento. Abri meus olhos lentamente, com uma enorme dor de cabeça. Vi rodas de madeira. Elas se moviam e rangiam.

— Você deve tê-lo matado com aquela paulada na cabeça, Silva. O pobre coitado está apagado faz mais de dois dias. Se ele não chegâ vivo, Sebastião vai te mandar pra forca. Inútil!

Pude ouvir um tapa e um gemido de dor em seguida, daqueles que conversavam. Eu estava deitado de bruços na carroça que se movia. Virei o pescoço calmamente a esquerda, notando barras feitas de bambus que formavam uma espécie de cela, em cima da carroça. Minha visão ia e voltava, juntamente com a forte dor na cabeça. Movi os lábios, eles estavam secos e uma grande sede tomou conta de mim:

— Água... água... — me levantei com certa dificuldade, me pondo sentado. Só então notei que eu não estava sozinho. Junto comigo, estavam dois negros e um índio.

— Ha! Olhem só quem acordou. Parabéns Silva, você deu sorte dessa vez. Você, das roupas esquisitas, pensamos que não fosse mais acordar. Tome, beba. — ele arremessou um cantil de couro.

Consegui pegar com uma certa dificuldade, só aí notando que minhas mãos e pés estavam amarrados, junto com os outros na carroça. Abri o cantil e o virei em meus lábios. A água estava um pouco salobra, mas eu estava sedento e aquilo não me importava, desde que matasse a minha sede.

Fiz uma pausa para recuperar o fôlego e secar o meu queixo por onde a água havia escorrido, e notei olhares sobre mim; mais precisamente dos outros prisioneiros. Estavam com sede também, era notável. Estendi o cantil, pensando duas vezes se realmente deveria, até um dos negros que estavam a minha frente, de uma forma um pouco brusca. Se eu realmente estava na época em que o jornal dizia que eu estava, então aquelas pessoas eram objetos e não pessoas de fato.

Ele recuou e eu também, em um pequeno susto. Estendi mais uma vez, desta vez mais calmamente. Ele era jovem demais para estar ali. Deveria ter entre dez e doze anos, no máximo. Difícil saber, já que ele estava desnutrido. Tinha a pele um pouco mais clara que o normal e olhos pretos como a noite. O jovem escravo bebeu a água, parecia estar com tanta sede quanto eu.

— Espera aí, o que você está fazendo? — o que era chamado de Silva se virou, e estava com fogo nos olhos. Ele possuía uma barba um pouco rala, cabelos na altura do ombro e usava um chapéu com um cordão, um grande sobretudo por cima das roupas e uma faca na cintura. Ele tomou o cantil das mãos do jovem a socos.

— Ele só está com um pouco de sede, não está vendo? Todos estão. — eu disse, questionando a atitude de Silva.

— Sede? Gente como eles não merecem uma gota dessa água! Escravo imundo! — ele cuspiu no garoto, que se encolheu por inteiro. — E é melhor você se calar, antes que fique sem água também. — outra cuspida, desta vez em mim.

— Para onde vocês estão me levando? — perguntei.

— Para o lugar que você merece. Agora feche a boca, antes que eu precise ir aí fechar eu mesmo! — Silva e o outro que conduzia a carroça, riram.

Suspirei, em silêncio. Estava frustrado e com uma dor de cabeça terrível, logo atrás do pescoço. Eles haviam tirado a parte de cima de minhas roupas, e meus sapatos. Estava com uma camisa grande e amarelada, por cima do meu jeans, e com os pés descalços.

Observei mais atentamente os outros prisioneiros, que dividiam aquela cela improvisada e apertada, na carroça. Ao lado do jovem negro, havia outro. Era bem mais velho e não pareciam se conhecer, ao menos não se mostravam próximos. Tinha uma barba densa e escura, já aparentando poucos fios brancos, olhos castanhos e o cabelo crespo e curto.

O índio, logo ao lado, ainda tinha restos das pinturas em seu corpo, desbotando aos poucos. Os olhos um pouco puxados e pude ver que lhe faltava alguns dentes da frente, quando abriu a boca, enquanto observava a copa das arvores. Estava praticamente nu, com uma espécie de tanga improvisada, cobrindo as partes íntimas. Não era muito novo, mas também não tão velho e seu cabelo liso e escuro, ficava na altura de suas orelhas. Parecia abatido e certamente devia estar.

O sol escaldante acima de nós, e a umidade da floresta que cercava a estrada de terra por onde passávamos, tornavam as horas ainda mais longas, enquanto descíamos aquela espécie de serra, parecendo não haver um destino aonde chegar. Subíamos um morro por fim, quando então ouvi um badalar de sinos e ao chegar ao topo, pude ver o mar, navios a vela e uma torre, que parecia ser de uma igreja, de onde vinha o som dos sinos.

Navios a vela? Uma parte de mim ainda queria acreditar que tudo aquilo não era real, ou que fosse simplesmente um sonho, mas eu estava a ver com meus próprios olhos, navios feitos inteiramente de madeira e mastros, alguns puxados por velas e pelo vento, outros ancorados próximos a costa.

Seguimos adiante na estrada, e logo uma cidade as margens do oceano se revelou. Não sabia que cidade era, mas um misto de ansiedade e receio tomavam conta de mim, temendo que o pior pudesse acontecer. A cidade não era muito grande e o estilo colonial predominava nas casas, lojas e casarões. As ruas se misturavam entre terra e pedra, enquanto cidadãos e escravos circulavam pelo local. Passamos pela torre que eu havia visto junto com o mar, mais cedo, e que revelou-se ser uma igreja no centro da cidade.

Ainda não sabia onde estava, mas fiquei fascinado demais vendo aquela gente pelas ruas, de um jeito tão diferente e ao mesmo tempo tão similar ao futuro, que não prestei atenção, até ver uma placa em um dos casarões próximos: “Quitanda de Santos” e notei que o nome se repetia por outros lugares da cidade. Santos. Tudo indicava que eu estava na Cidade de Santos, e eu mal podia acreditar no que via com meus próprios olhos.

A carroça parou próximo ao que parecia ser a praça do mercado central, lotado de tendas e lojas com todos os tipos de iguarias e produtos. Silva desceu e abriu a parte de trás da cela, mandando que descêssemos. Podia jurar que vi patins de esquiar no gelo em uma das lojas, enquanto era arrastado por Silva de cima da carroça para o chão. Minhas pernas estavam um pouco bambas, mas logo se firmaram, enquanto os outros desciam.

— Andando! — Ele ordenou, apontando e indicando que seguíssemos o outro capanga, logo a nossa frente.

Cruzamos a multidão na praça, não podia ver para onde estávamos indo, mas pensei várias vezes se conseguiria fugir no meio daquela gente toda. Chegamos até uma espécie de pavilhão, onde estavam muitos outros negros e índios, que foram feitos prisioneiros. Era deplorável o estado em que eles se encontravam e o grande fedor de podridão que exalava daquele lugar. Alguns usavam correntes até no pescoço e me senti aliviado por um momento, ao mesmo tempo em que me sentia culpado, por estar usando apenas cordas.

Um homem entrou no pavilhão. Usava peruca, maquiagem e finas roupas em tons claros. Me segurei para não rir do rosto daquele homem, que mais parecia um palhaço com toda aquela maquiagem exagerada e, diga-se de passagem, suada, em sua face.

— Ótimo, estão todos aqui! Coloquem-nos de pé, e os tragam. — Silva e o outro se entreolharam, talvez estivessem segurando o riso também, até o homem de peruca gritar. — O que os dois palermas estão esperando? AGORA!

— Sim sinhô, seu Sebastião.

Este era o tal Sebastião que aqueles dois patetas tanto falavam durante a viagem. Um comerciante de escravos. Rapidamente, colocaram todos os outros de pé e nos arrastaram para fora do pavilhão. Foi quando vi o pequeno palco montado e alguns negros e índios subindo em cima dele, enquanto um velho gordo em um púlpito, leiloava-os diante da multidão. Eu não acreditava no que via e no que estava prestes a acontecer.

Ao que parecia, eles iriam me vender como um escravo. Tentei me desfazer das amarras, conforme o desespero me tomava, mas fui impedido com um soco na barriga, vindo de Silva:

— Achou que seria tão fácil assim, não achou garoto? — ele ria, me empurrando palco acima.

Me deparei diante da multidão, que arregalava os olhos diante da minha presença. Certamente curiosos, devido à minha cor branca entre as outras centenas de negros e índios; o único para ser mais preciso. O jovem menino que dividiu a carroça comigo durante o trajeto até Santos estava logo atrás de mim e também tinha um olhar confuso com a minha presença ali em cima.

— Não se assustem, digníssimos senhores e senhoras! Temos aqui um belo espécime, dentes brancos, forte, fruto do amor entre um senhor de fazenda e sua escrava. Não se acanhem, venham. — Disse o gorducho no púlpito, acenando para as pessoas. Eles estavam me vendendo como um escravo, uma peça, um simples objeto.

— É jovem, bonito e servirá para exibirem está bela peça dentro de vossa casa, como os únicos donos de um espécime branco, em toda a região da Província de São Paulo e da Cidade de Santos!

Pude logo ouvir os gritos dos lances. Eles brigavam entre si pelo direito a minha posse. O que estava acontecendo? Antes que pudesse continuar a pensar, fui interrompido pelo som do martelo e a palavra que mudaria meu destino:

— VENDIDO! Para o Senhor de Boa Vista.

Comecei a ser arrastado para fora do pequeno palco, enquanto resistia e tentava me soltar das amarras, falhando mais uma vez. Foi colocada uma placa de “vendido” em meu pescoço, e no de um negro que foi colocado ao meu lado. Era o mesmo garoto prisioneiro que me acompanhava na carroça. Aparentemente, havíamos sido comprados pela mesma pessoa.

De alguma forma louca e impossível, eu havia sido teletransportado para aquele tempo. Restava-me saber o porquê e o que seria de mim agora, em um mundo completamente diferente do qual vivia; e como propriedade de alguém. Eu esperava que de alguma forma, a minha paixão por história e pelo período do século XIX, me ajudassem naquela que viria a ser a jornada da minha vida.


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Notas finais do capítulo

Eaí, gostaram? O tumblr que eu prometi vai ficar pronto já para o capítulo 4!



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