Telma na Luta escrita por ArnaldoBBMarques


Capítulo 4
Sentindo o terreno




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— Como é que você está lá no estágio, Telma?

— Sentindo o terreno!

A coisa era exatamente assim como Telma respondera à colega. Ainda estava sentindo o terreno lá no Conselho Tutelar, e principalmente sentindo as colegas. Naquela manhã estava sozinha com Renata, uma menina que Telma achava meio convencida. Ocupada em atualizar fichas no computador, Telma comentou:

— Acho meio sacal esse serviço!

— É que você ainda não foi fazer trabalho de campo. Mas espera que mês que vem já vai.

Telma olhou bem para Renata, ela mexia alguma coisa no computador, mas não sabia bem o que ela estava fazendo. Perguntou:

— É legal!

— É! A gente vê cada coisa! Acho engraçado esse pessoal que pensa que o conselho serve para botar medo, tem mãe que chega aqui e pede para a gente dar um susto no filho que está aprontando muito, HAHA o conselho não é homem do saco para dar susto. É que tem muita garotada se metendo em coisa errada. Agora mesmo eu estou acompanhando o caso de um menino lá da favela, a mãe está metida em coisa errada e o pai quer pegar a guarda, mas ele não é melhor não!

Renata meteu a mão na gaveta, e de lá tirou um pacote de papel. Calmamente enrolou o cigarro, e passou a língua para selar.

— Quer um?

Telma fez que não com a cabeça. Renata riu.

— HAHA se preocupa não, que hoje até as dez horas não vai aparecer ninguém. Ir na favela tem uma coisa boa, que lá a gente pode comprar baratinho!

Deu uma longa tragada, olhou para cima e aspirou a fumaça para o teto.

— Pessoal da favela é legal, não é o que o povo pensa! Você não sabe porque nunca foi na favela, né?

Telma sorriu sem jeito. Não teve coragem de contar que não só já estivera na favela, como quase se viu forçada a trabalhar em uma boca de fumo. As lembranças de seus tempos de "vida loka", como referia-se àquela época, ainda incomodavam. Mas lembrou-se das palavras de dona Graça na igreja: as más experiências serviam de embasamento para orientar os outros. Talvez ainda tivesse algumas lições a dar a Renata, mas tudo a seu tempo...

Só teve duas aulas naquele dia, e no meio da tarde estava de volta à casa, bem disposta. Encontrou Carla conversando com Vitinho, não sabia o que, mas o garoto ria bastante. Ainda não está bem enquadrada, pensou. Tia Vitória chegou e foi logo disparando:

— Êh-êh menina, tem trabalho para fazer! Vai já trocar de roupa e varrer a sala! Anda, senão te dou uma coça, a sua mãe me deu autorização para te bater, lembra? HAHA

Carla sorriu maliciosamente para Vitinho e foi trocar de roupa. Telma ficou satisfeita com a atitude da tia, pelo visto ela sabia direitinho como naquela família se lidava com afilhadas que mudavam de casa por rebeldia: muito trabalho, horários controlados e as roupas ficavam fechadas no armário dela. Mas logo depois a tia veio lhe dizer:

— Preciso sair agora, você olha a Carla, depois ela tem que arrumar os quartos e  passar roupa.

Telma tranquilizou a tia, garantindo cuidar do recado. Já estava ciente de que teria um certo trabalho com aquela prima. Procurando ser simpática, ficou puxando conversa ao mesmo tempo em que supervisionava seu trabalho, conforme a tia pedira. Carla dava conversa, mas Telma tinha a impressão de que ela estava sondando por algo mais. Pensou, tal como ela, Carla também estava sentindo o terreno. Assim é o jogo.

— Me conta, é verdade que você já fugiu com um namorado?

A pergunta saiu de repente, e pegou Telma de surpresa. Carla com certeza sabia de seu passado, e estava querendo derruba-la de sua posição de autoridade, lembrando-a de que tal como ela, Telma também já fora enviada para a casa de uma tia para ser punida.

— Eu já fugi de casa, sim. Não foi com namorado, mas fugi.

Telma fingiu pouco caso. Não podia dar o braço a torcer.

— Como é que foi?

— Uma merda! Por que, você está pensando em fugir?

Foi a vez de Carla ser pega de surpresa. Mas logo em seguida ela fez novamente cara de paisagem.

— Não, só queria saber...

— Não foi nada engraçado. Não recomendo para ninguém. Agora conta direito o que você aprontou lá na casa da tua mãe para vir parar aqui!

Satisfeita de haver retomado o controle da situação, Telma viu o olhar embaraçado da prima.

— Ahhh...

— Conta, conta!

— Muito baile funk. Você também era mó funkeira, né, muié?

— Era. Não sou mais. A gente tem que tomar tento. Você já sabe o que acontece com menina piriguete na nossa família, não sabe?

Carla baixou a cabeça e segurou mais forte o cabo da vassoura.

 - Vai para a casa da tia...


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