A música ficou mais lenta, e os lábios de Telma lentamente tocaram os de Ronaldo. O beijo foi longo, de olhos fechados, e através das pálpebras Telma ainda podia ver as luzes da boate girando a seu redor. Abriu os olhos e conferiu relógio.

— Vamos indo?

As colegas viram Telma saindo, e comentaram.

— Já vai, Telma?

— É que a Telma já está fazendo estágio, tem que acordar cedo!

— Estágio, já?

Telma sorriu e despediu-se das colegas, que continuavam dançando e olhavam para ela de um jeito que Telma não sabia se era admiração ou zoação. Bem queria continuar dançando com Ronaldo, mas agora era uma garota cheia de responsabilidades, que ia começar na manhã seguinte o estágio no Conselho Tutelar arrumado pelo pessoal da igreja. Rememorou a entrevista, de como estava bem nervosa quando chegou, mas na hora ficou tão calma que até se surpreendeu.

— Qual é o seu objetivo com esse estágio?

— Ser útil à sociedade!

Foram as palavras que saíram de sua boca no momento. Ficou pensando se não havia sido muito retórica, e se faria melhor dizendo alguma coisa mais profissional, mas a recrutadora abrira um sorriso e Telma tinha certeza, tudo o que ela queria mesmo era ser útil e compartilhar suas experiências.

Acordou cedo e arrumou impecavelmente o quarto, como fazia todos os dias. Mandou uma mensagem para a mãe, outra para os irmãos, e cumprimentou tia Vitória enquanto engolia rapidamente um café.

— Deixa que eu lavo a louça, vai logo senão você se atrasa!

Telma saiu pela porta, um tanto envergonhada de não estar ajudando tia Vitória. Os primos comentavam, zoando, que ela havia ficado muito prendada depois da temporada de castigo na casa da tia Justina, antes de vir para lá. A família era assim, bem grande e espalhada, com muitas tias dispostas a dar uma forcinha, e assim iam levando. Telma recordou-se de como antigamente achava aquilo chato e sufocante, mas agora percebia o valor e estava disposta a retribuir com sua colaboração.

Sentada na sala da conselheira, Telma foi apresentada ao pessoal.

— Esse aqui é o Rodrigo, supervisor. Aquelas são a Vera e a Renata, estagiárias. Gente, essa é a Telma!

Telma cumprimentou-os, tentando adivinhar cada um por detrás dos sorrisos. Em seguida a conselheira enumerou os casos abertos, explicando um por um.

— Tem o do Paulinho, que está complicado. O do Cauã foi para o juizado. Chegou agora o da Soninha e o da Ana Paula.

Eram casos meio tristes, e Telma ansiou por ver o rosto daquelas pessoas, Mas viu apenas fichas cheias de palavras e a tela do computador. Mesmo achando o trabalho enfadonho, procurou concentrar-se, mas antes das dez horas já estava entediada. Ficou satisfeita quando viu Ronaldo na porta vindo busca-la.

— Como foi o seu primeiro dia?

— Muito papel. Ainda estou sentindo o ambiente.

Chegando na faculdade, encontrou as mesmas colegas da boate da noite anterior. Quis comentar sobre o primeiro dia do estágio, mas elas tinham outros assuntos. Acabou conversando com Luísa, uma das poucas ali com quem se dava.

— Me senti meia impotente, com tanta gente com problema!

— Sei, você achou que era a Super Telma, ia estalar os dedos, ah! Tudo resolvido! Mas liga não, sua hora vai chegar!

— Estou na luta...