Assim que saiu do hospital, Odette foi pra casa com a ajuda de Mérante e lá ficou sem fazer nada por alguns meses. Andava de muletas, além de não conseguir dançar, não conseguia trabalhar em outra coisa também. Recebia a visita de sua amiga Alícia que também era bailarina da Ópera, talentosíssima, ela era a melhor depois de Odette. Alícia ajudava em tudo o que ela precisava quando estava com tempo livre, de resto Odette conseguia se virar sozinha na casa da mãe, onde agora vivia sozinha.

Por esses meses viveu com o dinheiro que tinha guardado com a esperança de que sua perna melhorasse, mas a melhora não vinha e Odette chorava com as esperanças quase esgotadas. Com o fim do dinheiro estaria em maus lençóis, então antes que ele acabasse tentou procurar emprego e não conseguiu nada por semanas. Estava cansada e com medo de perder a casa de sua mãe por não conseguir pagar as contas. As mesmas foram atrasando conforme Odette tentava arranjar alguma coisa, mas ninguém se disponibilizava a lhe dar uma vaga por conta de sua condição física. Alícia e Mérante ajudavam como podiam, mas ela não queria mais que passassem por isso.

Como resultado, Odette não conseguiu manter a casa e perdeu tudo o que tinha ficando somente com suas vestes e suas sapatilhas vermelhas de ballet.

Régine viu a situação de Odette. Seu interior sorriu abertamente e ela resolveu enfim fazer uma coisa “boa” pela antiga bailarina.

A mulher agora morava numa mansão com sua filha, havia herdado do pai que faleceu, sua mãe ainda era viva e morava com ela. O marido? Bem, ela se divorciou dele e o mesmo foi embora sem levar nada. Régine ficou responsável pelos negócios da família e estava montando um restaurante finíssimo no bairro onde morava. Como a casa era grande e Régine despediu a última empregada…

Odette estava andando completamente cabisbaixa ao lado da amiga Alícia enquanto conversavam sobre aquela situação toda.

— Acho que não tem como pior…- foi interrompida por uma voz que vinha de trás chamando por ela. Viram Régine Le Haut se aproximar.

— Você conhece a madame Le Haut?- Alícia sussurrou.

Odette não respondeu e olhou para mulher que ia em sua direção arrastando um vestido verde com detalhes pretos e o cabelo com um penteado ridículo. Odette riu por dentro. Ela era brega! Mas não ia se atrever a faltar com respeito a ela, ainda não tinha perdido o juízo. Devia ter um bom motivo para a madame Le Haut ir falar consigo.

— Sim?

— Para onde está indo? Perdeu a casa?- havia um ar de felicidade que ela não soube esconder. Odette ficou confusa.

— Perdi. Mas por que a pergunta?

— Despedi a faxineira, aquela estúpida não fazia nada direito.- revirou os olhos. — Quer preencher a vaga?- deixou escapar um sorriso debochado.

Alícia pegou no braço de Odette para falar em particular.

— Você não está pensando em aceitar, não é?- sussurrou.

— Eu não tenho escolha.- sussurrou de volta.

— Não precisa fazer isso, Odette, fique na minha casa.

— De jeito nenhum. Não quero te dar mais trabalho.- rebateu.

— Mas…

Odette parecia decidida, então Alícia não argumentou contra, não havia nada que pudesse fazer.

— Vejo que não tem muita escolha, Odette. Eu pago bem.- mentiu. — E vai ficar confortável no cômodo fora da casa.

Alícia achava um insulto o modo cínico que a mulher falava, mas nada disse a respeito.

— Eu aceito, madame.- respondeu Odette sem muita alternativa.

— Excelente.- respondeu com satisfação, mas sem demonstrar isso.

Régine mostrou o lugar onde Odette ia se instalar, um cubículo com móveis velhos de madeira que só não estavam empoeirados porque a última faxineira ficou ali. Régine também ditou tudo o que ela teria que fazer a partir daquele momento. Odette achava que era coisa demais pra uma pessoa só, mas era isso ou morar na rua, então tinha que fazer.

Enquanto estava trabalhando para a família Le Haut e até cuidando da mãe doente de Régine, Odette não manteve contato com Alícia ou Mérante, nem com as outras pessoas da cidade. Só tinha contato com elas quando ia ao mercado abastecer a dispensa. Pelo menos as refeições era Régine que preparava, pois adorava cozinhar e não botava Odette para fazê-la.

Além de tratar a pobre moça extremamente mal, a obrigava a fazer tudo o que queria na hora que queria, além de ditar que ela trabalhasse do raiar do sol até que o mesmo se pusesse.

Como à noite ela só descansava e nada fazia, em uma dessas noites resolveu ir até a Ópera matar a saudade e quem sabe também arrumar um emprego por lá, pois o salário de recebia de Régine não servia pra quase nada. “Eu pago bem” é uma ova! Não queria encontrar com Mérante para que ele não a visse daquele jeito, vestida com um avental sujo por cima do vestido velho e marcada por olheiras de cansaço. Era assim que ela ficava o dia inteiro, além da bengala que passou a ser sua melhor amiga conforme os anos. Odette ficou uns dois anos sem contato nenhum com a Ópera mesmo estando tão pertinho, pois Régine sempre dava um jeito de mantê-la ocupada.

Foi inevitável não ver o coreógrafo que demonstrou-se preocupado. Depois de conversar com ele brevemente, Odette perguntou se ele não poderia ajudá-la a conseguir alguma coisa na Ópera. Não sabia se seria bom ou não para seu coração ficar tão perto da dança sem poder praticá-la, mas pelo menos teria contato durante a noite enquanto limpava.

Régine não achou ruim, pois Odette olharia todo dia para as bailarinas na Ópera sem poder se juntar a elas, e para Régine, aquilo estava bom, além de que ela passaria mais tempo com a vassoura na mão.

Mais oito anos se passaram assim, acumulando dez anos de faxina. Odette já estava acostumada com sua vida, melhor dizendo, conformada. Mal sabia ela que sua vida mudaria, mesmo não sobrando sequer resquício de esperança.