Nesses dez anos muitas coisas aconteceram ao redor de Odette.

Alícia havia se tornado a primeira bailarina da Ópera, assumindo o lugar de Odette que, ao ficar sabendo, ficou super feliz e desejou muito boa sorte a ela. Com o sucesso, Alícia se mudou pra Rússia e Odette perdeu o contato com ela.

Trabalhando na casa dos Le Haut, Odette por muitas vezes ficava com dó de Camille, a filha de Régine. A mulher mimava a filha e desde cedo a colocou para treinar ballet, já que não podia ser bailarina, sua filha seria. Era triste a menina não poder escolher o que queria fazer, Régine sempre impôs que o destino dela era ser a melhor bailarina do mundo, portanto, Camille sempre acreditou nisso. A menina de cabelos loiros e olhos azuis era chata como a mãe, Odette nem teve como dar bons conselhos a ela, pois se o fizesse e Régine ficasse sabendo, estava na rua. Então não teve como intervir no modo deplorável como a mulher educava a filha.

Depois que Alícia saiu, uma nova estrela surgiu: Rosita Mauri. Odette ficava feliz em conhecer novas bailarinas que teriam a chance de ser o que ela não pôde. E a cada nova bailarina que surgia, Mérante lembrava de Odette, do brilho no olhar e do amor que ela tinha pela dança.

Seus dias eram na mesmice, mas por algum motivo, Odette acordou naquele dia sentindo que seria diferente. Não foi… pelo menos não até anoitecer.

Estava se preparando para ir embora quando viu o segurança da Ópera arrastando uma garota ruiva para fora do prédio, enquanto ela pedia para soltá-la. Odette resolveu intervir quando o homem ameaçou machucá-la.

— Deixe ela em paz.

Ambos viraram-se para ela. O homem afirmou que a jovem foi lá para roubar, o que na mesma hora ela negou.

— Pense bem no que está fazendo.- o alertou dizendo que se ele a machucasse se daria mal. Com medo de ser questionado, ele fez o que Odette pediu.

Quando o segurança a soltou e foi embora, a menina lhe sorriu. Odette a mandou sair rispidamente e minutos depois foi pra casa, mas sentiu ser seguida e sabia que era a menina. A repreendeu e a mandou ir embora. A menina tornou a segui-la fazendo um monte de perguntas. Odette não era chata e mal educada assim, mas não queria se apegar a ninguém e se fosse chata com ela talvez ela fosse embora, o que não aconteceu.

— Eu acabei me perdendo do meu melhor amigo, eu não tenho pra onde ir… e eu sou órfã.

— Boa tentativa, mas odeio crianças, principalmente órfãos.- mentiu. Adorava crianças, mas ficaria em maus lençóis se ficasse batendo papo com a menina em vez de trabalhar. — Vá procurar outro idiota!

Quando entrou, Régine foi até ela e Odette abaixou a cabeça.

— A escada, Odette. A escada está imunda! Eu tenho convidados amanhã à tarde e quero a escada brilhando de cima a baixo!

— Eu entendo, madame…- respondeu sem olhá-la.

— Já que você entende, por que está indo dormir?- Régine se virou e entrou na casa.

Odette suspirou e foi encher o balde. E para sua surpresa, a menina que se chamava Félicie apareceu oferecendo ajuda. Odette tentou mandá-la embora, mas ela insistiu dizendo que seria muito mais fácil se ela deixasse ajudá-la. Olhando para todos aqueles degraus, Odette suspirou aceitando a ajuda dela.

— Pode ficar comigo até conseguir se virar sozinha. Com uma condição: não quero ouvir mais perguntas.

— Quanto tempo posso ficar?

— Ah, isso foi uma pergunta!

— A propósito, quem é aquela megera?

Odette quis rir, mas não o fez.

— Régine Le Haut, ela é a dona do prédio. E adora comer meninas órfãs que usam trança. Agora limpa!

A menina riu e Odette a olhou em reprovação. Começaram a limpar, mas quem disse que Félicie ficou calada? Odette passou a noite toda ouvindo as milhares de perguntas que ela fazia. Só foram terminar de limpar a escada pela manhã e Félicie continuava a fazer perguntas, era uma tagarela.

— Sabia que eu fugi do orfanato pra ser aluna na Ópera?

— É mesmo?- perguntou sem interesse algum, estava cansada.

— Você trabalha lá, deve conhecer muita gente. Pode me ajudar?

— É melhor não contar com isso.

— O que aquela bailarina fez ontem…- suspirou. — Foi tão mágico! Eu gosto muito de dançar. Você gosta de dançar?- Odette suspirou e desviou o olhar do que fazia. Seu coração doeu com essa pergunta. — É por que você manca?

Foram interrompidas por Régine que mandou que Odette levantasse. Perguntou quem era a menina e ordenou que Odette fosse passar os lençóis. Ela foi sem pestanejar e não viu mais Félicie o resto do dia. A menina sumiu e só foi vê-la de novo onde? Na Ópera, vestida de bailarina.

Odette logo compreendeu o que estava acontecendo. Camille e Régine estavam esperando uma carta de admissão do diretor da Ópera, e Félicie usou a identidade de Camille para conseguir entrar. A garota tentou se explicar, mas Odette não quis ouvir. Ao fim da tarde, Félicie foi se desculpar com ela.

— Eu deixo você entrar na minha vida e você mente pra mim? Não gosto de mentirosos. Eu posso perder meu emprego por sua causa.

— Eu sei… eu errei feio. Mas é que você não entende… Desde que eu me lembro, eu sempre quis dançar, e quando vi a Rosita Mauri fazendo aqueles movimentos incríveis… eu senti que era aquilo que eu queria ser e que meu sonho podia virar realidade. Eu sei que é difícil de entender… você odeia a dança. Mas eu quero que saiba que eu sinto muito.

Ao ouvir aquilo, Odette olhou para suas sapatilhas vermelhas e suspirou, quis ajudar a menina mesmo correndo risco de perder o emprego. Camille não tinha paixão pelo ballet, então quando Félicie ia entregar a carta para Régine, Odette impediu. Disse que não havia chegado carta nenhuma. 

Se Félicie amava dançar como ela amava, faria o que pudesse para ajudá-la.